Thomas Nagel, autor de The View From Nowhere e What Does it
all Mean? (trad. port.: Que quer dizer tudo isto? Gradiva,
col. Filosofia Aberta) oferece-nos em The Last Word um livro que
sintetiza, de uma forma inteligente e clara, os argumentos disponíveis
no combate ao relativismo. Segundo Nagel, o relativismo é responsável
pelo «crescimento da já extrema preguiça intelectual da cultura
contemporânea». Sublinhe-se que não se trata de um ataque directo ao
relativismo do tipo continental, embora este esteja presente como
«fonte de irritação e pano de fundo» ao longo do livro; trata-se,
sim, de uma resposta a posições relativistas sugeridas por autores
como Hume, Kant e Wittgenstein e, mais recentemente, por autores como W.
V. Quine, Nelson Goodman, Hilary Putnam, Bernard Williams e Richard
Rorty.
The Last Word pretende talvez, como o título indica, ser a
última palavra no debate contemporâneo entre subjectivismo/relativismo
e objectivismo/racionalismo. Por subjectivismo, Nagel entende a doutrina
de que o mundo é, de alguma forma, construído pelo sujeito (no
singular ou no plural). Por relativismo, Nagel entende a doutrina de que
a razão e os seus métodos são relativos ao sujeito (no singular ou no
plural). Por objectivismo, Nagel entende a doutrina de que existe uma
realidade objectiva independente do sujeito. Por racionalismo, Nagel
entende a doutrina de que existe uma razão universal independente do
sujeito e mesmo independente da espécie.
A estratégia de Nagel é apresentar o seu ataque ao subjectivismo em
dois passos principais. Num primeiro passo, Nagel mostra que qualquer
relativismo ou subjectivismo radical é necessariamente
ininteligível. Num segundo passo, Nagel mostra que as posições
parcialmente subjectivistas só podem ser avaliadas quando confrontadas
com as suas rivais objectivistas. O ataque ao relativismo e
subjectivismo radicais é feito nos capítulos sobre a linguagem e sobre
a lógica. O ataque às posições parcialmente subjectivistas é
feito nos capítulos sobre a ciência e sobre a ética. Por fim, Nagel
ataca ainda o uso abusivo da hipótese evolucionista, como outra forma
de subjectivismo ininteligível.
Contra a ideia de que a primeira pessoa está por detrás de tudo o
que dizemos ou pensamos, Nagel propõe a defesa de uma razão objectiva
e universal. Esta ideia não implica que a razão produza certezas ou
seja infalível; ao invés, Nagel propõe como característica essencial
da razão o seu carácter geral ou ambição de universalidade. Nos
ataques à razão feitos pelos subjectivistas é necessário distinguir
entre desafios filosóficos gerais à objectividade da razão e desafios
a exemplos particulares de raciocínio, desafios que não põem em causa
a razão.
Os desafios radicais à razão podem ser respondidos com dois
argumentos principais. No primeiro argumento, Nagel mostra que a
acusação relativista radical não pode ser coerentemente feita: a
afirmação de que tudo é subjectivo não faz sentido, pois, por um
lado, não pode ser objectiva, visto que seria falsa se fosse
verdadeira; por outro lado, não pode ser subjectiva, visto que, nesse
caso não excluiria as pretensões objectivistas. No segundo argumento,
Nagel mostra que a razão é uma forma ou categoria de pensamento que
só pode ser posta em causa por si mesma; isto porque é utilizada na
formulação de qualquer desafio a si mesma e, como tal, a sua validade
é incondicional. Muito embora estes argumentos protejam a razão de uma
crítica radical, dizem pouco acerca do âmbito da razão. Este pode
ainda ser austero, resumindo-se a alguns princípios lógicos e pouco
mais, ou rico, incluindo métodos fortes de justificação empírica e
vários tipos de raciocínios práticos e justificações morais.
No capítulo sobre a linguagem, Nagel nota que a ideia comum de
linguagens como práticas humanas e produtos culturais que diferem uns
dos outros tem estado na origem de alguns ataques relativistas à
razão. Estes ataques pressupõem, segundo Nagel, que é a linguagem que
constrói ou dá origem ao pensamento. Esta ideia está errada pois,
segundo Nagel, o pensamento é anterior à linguagem e qualquer
linguagem capaz de expressar a racionalidade é necessariamente composta
por um sistema de conceitos racionais específicos. Sendo assim, a
linguagem é vista como algo que é essencialmente um instrumento para o
pensamento e a sua função é ajudar a formulação e transmissão do
pensamento. Nagel não exclui a ideia de existirem conceitos
específicos de linguagens particulares, com raízes puramente locais,
mas diz que estes não são os conceitos que caracterizam a
racionalidade. Uma outra ameaça à racionalidade na área da linguagem
é o cepticismo acerca do significado (Wittgenstein). Este cepticismo,
afirma Nagel, não pode ser coerentemente defendido, pois necessita de
algumas palavras com significado para ser formulado. Os ataques
cépticos à linguagem caem assim na classificação de subjectivismo
ininteligível.
O subjectivismo acerca da lógica é outro exemplo de subjectivismo
radical ininteligível. Embora possamos estar errados acerca de alguns
princípios lógicos, estes só podem ser avaliados ao nível da
lógica; ou seja, a lógica não pode ser posta em causa por disciplinas
menos fundamentais, como a psicologia ou a biologia; isto porque estas
disciplinas têm como parte da sua construção os próprios princípios
lógicos. Uma concepção minimalista da razão, para incluir algo, tem
de incluir os princípios lógicos básicos. A lógica faz parte das
formas de pensamento que não podem ser postas em dúvida de forma
inteligível, pois está presente em todas as tentativas de se pensar
sobre o que quer que seja. Não é possível ser-se céptico acerca das
ideias básicas da lógica sem imediatamente nos autocontradizermos
através da utilização dessas ideias na argumentação céptica e
subjectivista. É necessário distinguir aqui entre cepticismo lógico e
cepticismo epistemológico, visto que este último não é
autocontraditório — e é este que deve ser enfrentado nos ataques
subjectivistas à ciência.
Os ataques subjectivistas não radicais não são
autocontraditórios, mas só podem ser avaliados quando confrontados com
as posições objectivistas rivais. A decisão acerca da objectividade
ou subjectividade da ciência tem de ter feita desta forma. A ciência,
segundo Nagel, é candidata a formar parte da razão, pois uma das suas
características é a procura do universal. Isto está patente no facto
de, para testarmos as nossas argumentações científicas, perguntarmos
se elas são aplicações de princípios universalmente válidos,
procurando contra-exemplos.
A objectividade da ciência pode ser defendida em dois passos.
Primeiro, partimos da ideia da existência de uma realidade objectiva
onde se incluem os nossos pontos de vista subjectivos. Segundo, para
justificar a procura da universalidade, temos de tornar credível a
procura pela ordem e alguns dos métodos que identificam essa ordem. A
ideia de uma realidade objectiva é algo que não podemos evitar, mesmo
que a não saibamos especificar. A ideia de ordem, embora dê origem a
excessos como a astrologia ou outras superstições, pode ainda ser
avaliada. Segundo Nagel, a ideia de ordem é uma consequência directa
da ideia de uma realidade objectiva independente de observações e
observadores particulares. Mesmo a ideia de um só objecto visto pelo
mesmo observador em duas situações diferentes implica alguma forma de
regularidade; dois observadores implicam ainda mais regularidade; e a
ideia de um acontecimento não observado e ainda semelhante aos já
observados implica ainda mais regularidade.
Uma objecção subjectivista à ideia de ordem é a de que a
necessidade de ordem é apenas uma necessidade psicológica nossa. A
esta objecção, Nagel responde que, se for levada a sério como
hipótese, é desacreditada pelos padrões que se propõe desafiar. Uma
outra objecção é a de que a definição daquilo que constitui a ordem
depende da nossa avaliação, dos nossos padrões de semelhança. A esta
objecção, Nagel responde que só podemos identificar uma semelhança
como semelhança só para nós se mostrarmos que ela não está
sistematicamente relacionada com outras observações regulares. Se as
regularidades que observamos se mostram sistematicamente relacionadas
umas com as outras, como é o caso das regularidades observadas pela
ciência, então não há razão para questionar este padrão de
semelhança. Por fim, o sucesso generalizado da ciência moderna é um
sinal da sua objectividade.
A tese mais arrojada defendida por Nagel neste livro é a da
objectividade da ética e a da sua inclusão no campo da razão. A
objectividade do raciocínio ético não depende da existência de uma
referência externa mas da capacidade de chegarmos a crenças morais
usando métodos fidedignos através dos quais seja possível seleccionar
entre hipóteses rivais. A característica essencial deste tipo de
pensamento é a de ser um pensamento normativo e não descritivo. É
esta característica que permite descartar a maior parte dos ataques
subjectivistas feitos ao pensamento moral. Objecções como a de que os
nossos princípios morais são defendidos por nós porque nos foram
ensinados, não bloqueiam a pretensão de objectividade moral, visto que
não impedem a questão normativa; ou seja, o facto de acreditarmos em
algo só porque nos foi ensinado não diz nada acerca do estatuto dessa
crença.
Outra acusação comum é a de que a objectividade da moral é
destronada pelo facto de haver culturas com crenças morais muito
diferentes. A esta objecção podemos de novo responder que ela não
bloqueia a questão normativa. A objecção mais séria à possibilidade
do pensamento moral é, segundo Nagel, a objecção humeana. Segundo
Hume, por detrás de cada motivo para a acção está uma paixão imune
à racionalidade e, como tal, a razão prática não pode existir. Nagel
pensa que esta é uma tese bastante duvidosa acerca da psicologia
humana, visto que, embora as paixões estejam na origem de algumas
razões, também as razões estão na origem de algumas paixões e, se
isto for possível, a razão prática é também possível.
Por fim, a ética pode ser candidata a ser incluída no leque do
pensamento racional visto que a resposta à questão normativa pode ter
como alvo ideal a universalidade, desde que se reconheça que todas as
pessoas têm um valor objectivo. Só reconhecendo o valor objectivo das
pessoas pode a ética aspirar a princípios universais que se apliquem a
todos e a cada um.
O último capítulo tem como título «O Naturalismo Evolucionista e
o Medo da Religião». O racionalismo, afirma Nagel, tem sempre um sabor
mais religioso do que o empirismo pois, em certa medida, requer uma
harmonia entre a mente e o mundo. O medo da religião — não o medo de
religiões particulares, mas o medo de qualquer explicação com alguma
semelhança com a explicação religiosa — levou ao «abuso ridículo
da biologia evolucionista para explicar tudo acerca da vida, incluindo a
mente humana». O evolucionismo tenta eliminar características como a
finalidade e o significado, transformando-as em epifenómenos gerados
acidentalmente por processos que podem ser explicados por leis não
teleológicas. Uma análise evolucionista da razão é inaceitável,
pois não nos dá garantias para confiarmos nos resultados da ciência
ou da matemática. Para além disso, é difícil compreender que papel
teria a razão na sobrevivência (muitas espécies sobreviveram bem sem
ela). Por fim, a própria teoria evolucionista depende da razão e, como
tal, a objectividade da teoria evolucionista depende da objectividade da
razão.
A proposta de Nagel pretende conciliar a razão com a evolução,
pondo a hipótese de que a selecção natural tenha operado sobre uma
base de possibilidades biológicas limitadas, entre elas a racionalidade
(não sendo esta um resultado ocasional da selecção natural). Desta
forma, a razão não é um resultado da evolução e pode ser
considerada objectiva, podendo a teoria evolucionista ser preservada.
No tratamento de todas estas questões (linguagem, lógica, ciência,
ética e naturalismo evolucionista), Nagel confronta detalhadamente
argumentos de Descartes, Kant, Wittgenstein, Peirce, Bernard Williams e
Robert Nozick. Ao longo do livro, Nagel vai sublinhando que a oposição
entre relativismo e racionalismo é difícil de superar pois cada parte
tem de usar métodos que estão a ser postos em causa pela outra parte
e, por isso, parece não poder ser resolvida. Mas Nagel mostra que há
uma saída para este impasse, visto que, perante uma proposta
subjectivista, temos de continuar a pensar e, ao fazermos isto,
derrotamos essa proposta: ao pensarmos nela usamos inevitavelmente os
métodos racionais que estão a ser postos em causa por ela. Mas isto é
inevitável, pois a única maneira de convencer as pessoas a terem em
conta uma proposta é propor-lhes que pensem nela.
A proposta racionalista defendida por Nagel não é uma expressão de
um qualquer dogmatismo idiota; pelo contrário, a mensagem principal é
a de que temos de nos responsabilizar pelos nossos pensamentos e
argumentar a favor das nossas ideias: «Uma vez chegados ao mundo para a
nossa estadia temporária, não temos alternativa senão tentar decidir
em que acreditar e como viver, e a única maneira de fazer isto é
tentar decidir como as coisas são e o que está certo».
Sara Bizarro
sarabizarro@yahoo.com