O livro de Derek Parfit, Reasons and Persons,
        de 1984, é considerado desde a sua publicação um marco incontornável
        na filosofia moral. Neste volume Jonathan Dancy reúne treze artigos de
        comentário a Parfit, distribuídos pelas vários problemas teóricos
        que a sua obra deste definitivamente colocou na agenda dos filósofos
        morais.
        O livro foi pensado como podendo facilitar o estudo e o ensino do
        pensamento de Parfit e os ensaios seguem a ordem de surgimento dos temas
        em Reasons and Persons, o qual se divide basicamente numa
        discussão de: 1. teorias da racionalidade, 2. teorias da identidade
        pessoal, 3. conclusões sobre como deveria ser a ética, levando em
        conta as teorias da racionalidade e da identidade pessoal antes
        discutidas. O ponto central das conclusões de Parfit é que a ética
        deveria ser mais impessoal.
        
O plano inicial de Dancy para o livro previa a inclusão das
        respostas de Parfit aos ensaios, mas este plano veio a revelar-se
        irrealizável. O trabalho de Parfit em resposta aos seus comentadores
        tornou-se demasiado extenso para o projecto e virá a ser publicado sob
        a forma de três livros (Practical Realism, The Metaphysics of the
        Self e On What Matters) (preface, viii)
        
O primeiro ensaio, do próprio Jonathan Dancy, Parfit and
        Indirectly Self Refuting Theories, comenta o facto de Parfit
        considerar uma teoria da racionalidade e um teoria do valor moral
        correntes, ou mesmo dominantes, indirectamente auto-derrotantes (self-defeating).
        Estas duas teorias são a o egoísmo racional, a teoria da racionalidade
        segundo a qual há um fim último supremamente racional, nomeadamente
        que para cada pessoa a sua vida decorra tão bem quanto possível, e o
        consequencialismo, a teoria do valor moral segundo a qual há um fim
        moral último, nomeadamente que os resultados (outcomes) de uma
        acção sejam tão bons quanto possível. Diz-se que uma teoria é
        indirectamente auto-derrotante quando é verdade que se alguém tentar,
        nos termos da teoria, alcançar as finalidades propostas, estas serão
        pior prosseguidas. Este é o caso do egoísmo racional (para Parfit há
        casos em que seria mais racional sermos irracionais) e do
        consequencialismo (para Parfit seria globalmente pior que fôssemos
        todos "fazedores de bem" (do-gooders). Parfit argumenta
        que embora as teorias em causa sejam indirectamente auto-derrotantes
        elas não por isso refutadas. Dancy defende que se trata realmente de
        uma auto-refutação.
        
O ensaio de David Gauthier, Rationality and Rational Aim, põe
        em causa a descrição da racionalidade feita por Parfit. Se Parfit
        tivesse razão "a racionalidade seria frequentemente uma
        maldição, da qual eu tentaria, racionalmente, libertar-me, adoptando
        disposições irracionais que me motivariam a cometer acções
        irracionais de modo a que pudesse melhor atingir os meus fins racionais.
        Mas talvez a maldição seja a teoria de Parfit," (p.40)
        
O ensaio de Frank Jackson, Which Effects?, parte da discussão
        do capítulo 3 da primeira parte de Reasons and Persons,
        intitulado "Five Mistakes in Moral Mathematics". Jackson
        argumenta contra os consequencialistas, que julgam o valor moral das
        acções pelos efeitos destas.
        
O ensaio de Michael Stocker, Parfit and the Time of Value,
        discute a racionalidade das preferências baseadas no tempo. Grande
        parte das nossas categorias e raciocínios morais são temporalizadas,
        na medida em que por exemplo diferentes prazeres e virtudes são
        julgados adequados a diferentes períodos da vida (infância, velhice),
        na medida em que preferimos que uma grande dor que deva ser
        experimentada por nós seja passada do que seja futura, ou na medida em
        que nos preocupamos menos com o nosso futuro muito distante do que com o
        futuro imediato. Parfit sente-se atraido pela neutralidade temporal, e
        acha que estariamos melhor se agissemos como se fossemos intemporais (timeless),
        Stocker discute essa posição.
        
Philip Petit e Michael Smith discutem em Parfit's P a teoria
        da racionalidade que Parfit se inclina a defender, a teoria
        "P", que é apresentada como uma teoria acerca daquilo que um
        agente tem mais razões para fazer, como uma teoria da racionalidade
        objectiva portanto, por contraste com a teoria da decisão, que
        representa a ortodoxia na teorização (filosófica, económica, etc) da
        racionalidade, e que apresenta esta em termos de racionalidade
        subjectiva.
        
O ensaio de David Brink, Rational Egoism and the Separatness of
        Persons visa a interacção da teoria da racionalidade com as nossas
        ideias sobre a natureza de pessoas, nomeadamente o compromisso das
        teorias do egoísmo racional com a visão de pessoas como entidades
        determinadas e separadas – determinação e separação estas que
        Parfit contesta. Como se sabe, já Henry Sidgwick evocava o carácter
        "metafisicamente separado" das pessoas (the separatness of
        persons) para justificar a centralidade do egoísmo nas questões
        morais. Entidades assim separadas não poderiam ser naturalmente de uma
        benevolência racional, nem sufcientemente "distributivas" nas
        suas acções. O problema é saber o que acontece a esta ligação entre
        egoísmo e separação das pessoas quando uma visão humeana, lockeana,
        reducionista, da identidade pessoal como é a de Parfit mina os
        fundamentos da "separação das pessoas".
        
Sidney Shoemaker escreve sobre Parfit on Identitity, i.e.,
        sobre a visão reducionista da identidade pessoal defendida por Parfit:
        segundo Parfit a IP poderia ser descrita impessoalmente como
        conectividade psicológica e não como um facto a mais. O que importa
        não é então a identidade pessoal mas esta conectividade.
        
Mark Johnston escreve sobre Human Concerns Without Superlative
        Selves, i.e., sobre o facto de uma existência continuada ou
        sobrevivência, que é normalmente considerada importante e
        racionalmente desejada, não importar assim tanto dada a visão
        reducionista da identidade pessoal.
        
Simon Blackburn interroga-se: Has Kant refuted Parfit?. Fá-lo
        porque Parfit apresenta uma renovada teoria humeana do feixe de
        percepções e Kant é suposto ter superado algumas posições humeanas.
        
Judith Jarvis Thomson, em People and their Bodies analisa a
        tese segundo a qual as pessoas não são identificáveis com os seus
        corpos e os argumentos de Parfit quanto a este tema. De acordo com os
        critérios lockeanos, segundo os quais para existir uma pessoa se requer
        um ser inteligente e pensante, consciente num instante t, nada pode ser
        ao mesmo tempo "morto" e uma "pessoa". É preciso
        saber então o que determina a existência de uma pessoa. John McDowell,
        em Reductionism and the First Person retoma também os motivos
        lockeanos de Parfit e a maneira como estes o fazem diminuir o peso da
        identidade pessoal na teoria moral. Em ambos, trata-se de saber
        exactamente o que queremos quando queremos sobreviver (continuar a
        viver), ou o que nos faria ficar satisfeitos.
        
Em Should Ethics be more Impersonal? Robert Merrihew Adams
        dirige-se directamente a uma das conclusões do livro de Parfit, a ideia
        de que as nossas razões para agirmos deveriam tornar-se mais impessoais
        e que isso seria melhor para todos. Larry Temkin, em Rethinking the
        Good, Moral Ideals and Nature of Practical Reasoning, retoma os
        temas da quarta parte de Reasons and Persons, a parte intitulada
        "Future Generations". Temkin avalia os argumentos de Parfit
        quanto às resposta à questão "quantas pessoas mais será
        racional que existam?" e analisa a "conclusão
        repugnante", cuja consideração é central para Parfit, a qual se
        enuncia afirmando que para qualquer população possível de pelo menos
        10 biliões de pessoas com alta qualidade de vida haverá uma
        população possível muito maior, cuja existência seria melhor, embora
        os membros dessa população tenham vidas que mal merecem ser vividas.
        
Esta colecção de ensaios pode auxiliar a organização da leitura
        do texto de Parfit, que é frequentemente minucioso e labiríntico na
        sua argumentação, através da consideração directa dos tópicos por
        ele definidos para a discussão moral em filosofia.
        
Sofia Miguens
        smiguens@letras.up.pt