Reading Parfit, edited by Jonathan Dancy, Oxford, Blackwell, 1997
Sofia Miguens

O livro de Derek Parfit, Reasons and Persons, de 1984, é considerado desde a sua publicação um marco incontornável na filosofia moral. Neste volume Jonathan Dancy reúne treze artigos de comentário a Parfit, distribuídos pelas vários problemas teóricos que a sua obra deste definitivamente colocou na agenda dos filósofos morais.

O livro foi pensado como podendo facilitar o estudo e o ensino do pensamento de Parfit e os ensaios seguem a ordem de surgimento dos temas em Reasons and Persons, o qual se divide basicamente numa discussão de: 1. teorias da racionalidade, 2. teorias da identidade pessoal, 3. conclusões sobre como deveria ser a ética, levando em conta as teorias da racionalidade e da identidade pessoal antes discutidas. O ponto central das conclusões de Parfit é que a ética deveria ser mais impessoal.

O plano inicial de Dancy para o livro previa a inclusão das respostas de Parfit aos ensaios, mas este plano veio a revelar-se irrealizável. O trabalho de Parfit em resposta aos seus comentadores tornou-se demasiado extenso para o projecto e virá a ser publicado sob a forma de três livros (Practical Realism, The Metaphysics of the Self e On What Matters) (preface, viii)

O primeiro ensaio, do próprio Jonathan Dancy, Parfit and Indirectly Self Refuting Theories, comenta o facto de Parfit considerar uma teoria da racionalidade e um teoria do valor moral correntes, ou mesmo dominantes, indirectamente auto-derrotantes (self-defeating). Estas duas teorias são a o egoísmo racional, a teoria da racionalidade segundo a qual há um fim último supremamente racional, nomeadamente que para cada pessoa a sua vida decorra tão bem quanto possível, e o consequencialismo, a teoria do valor moral segundo a qual há um fim moral último, nomeadamente que os resultados (outcomes) de uma acção sejam tão bons quanto possível. Diz-se que uma teoria é indirectamente auto-derrotante quando é verdade que se alguém tentar, nos termos da teoria, alcançar as finalidades propostas, estas serão pior prosseguidas. Este é o caso do egoísmo racional (para Parfit há casos em que seria mais racional sermos irracionais) e do consequencialismo (para Parfit seria globalmente pior que fôssemos todos "fazedores de bem" (do-gooders). Parfit argumenta que embora as teorias em causa sejam indirectamente auto-derrotantes elas não por isso refutadas. Dancy defende que se trata realmente de uma auto-refutação.

O ensaio de David Gauthier, Rationality and Rational Aim, põe em causa a descrição da racionalidade feita por Parfit. Se Parfit tivesse razão "a racionalidade seria frequentemente uma maldição, da qual eu tentaria, racionalmente, libertar-me, adoptando disposições irracionais que me motivariam a cometer acções irracionais de modo a que pudesse melhor atingir os meus fins racionais. Mas talvez a maldição seja a teoria de Parfit," (p.40)

O ensaio de Frank Jackson, Which Effects?, parte da discussão do capítulo 3 da primeira parte de Reasons and Persons, intitulado "Five Mistakes in Moral Mathematics". Jackson argumenta contra os consequencialistas, que julgam o valor moral das acções pelos efeitos destas.

O ensaio de Michael Stocker, Parfit and the Time of Value, discute a racionalidade das preferências baseadas no tempo. Grande parte das nossas categorias e raciocínios morais são temporalizadas, na medida em que por exemplo diferentes prazeres e virtudes são julgados adequados a diferentes períodos da vida (infância, velhice), na medida em que preferimos que uma grande dor que deva ser experimentada por nós seja passada do que seja futura, ou na medida em que nos preocupamos menos com o nosso futuro muito distante do que com o futuro imediato. Parfit sente-se atraido pela neutralidade temporal, e acha que estariamos melhor se agissemos como se fossemos intemporais (timeless), Stocker discute essa posição.

Philip Petit e Michael Smith discutem em Parfit's P a teoria da racionalidade que Parfit se inclina a defender, a teoria "P", que é apresentada como uma teoria acerca daquilo que um agente tem mais razões para fazer, como uma teoria da racionalidade objectiva portanto, por contraste com a teoria da decisão, que representa a ortodoxia na teorização (filosófica, económica, etc) da racionalidade, e que apresenta esta em termos de racionalidade subjectiva.

O ensaio de David Brink, Rational Egoism and the Separatness of Persons visa a interacção da teoria da racionalidade com as nossas ideias sobre a natureza de pessoas, nomeadamente o compromisso das teorias do egoísmo racional com a visão de pessoas como entidades determinadas e separadas – determinação e separação estas que Parfit contesta. Como se sabe, já Henry Sidgwick evocava o carácter "metafisicamente separado" das pessoas (the separatness of persons) para justificar a centralidade do egoísmo nas questões morais. Entidades assim separadas não poderiam ser naturalmente de uma benevolência racional, nem sufcientemente "distributivas" nas suas acções. O problema é saber o que acontece a esta ligação entre egoísmo e separação das pessoas quando uma visão humeana, lockeana, reducionista, da identidade pessoal como é a de Parfit mina os fundamentos da "separação das pessoas".

Sidney Shoemaker escreve sobre Parfit on Identitity, i.e., sobre a visão reducionista da identidade pessoal defendida por Parfit: segundo Parfit a IP poderia ser descrita impessoalmente como conectividade psicológica e não como um facto a mais. O que importa não é então a identidade pessoal mas esta conectividade.

Mark Johnston escreve sobre Human Concerns Without Superlative Selves, i.e., sobre o facto de uma existência continuada ou sobrevivência, que é normalmente considerada importante e racionalmente desejada, não importar assim tanto dada a visão reducionista da identidade pessoal.

Simon Blackburn interroga-se: Has Kant refuted Parfit?. Fá-lo porque Parfit apresenta uma renovada teoria humeana do feixe de percepções e Kant é suposto ter superado algumas posições humeanas.

Judith Jarvis Thomson, em People and their Bodies analisa a tese segundo a qual as pessoas não são identificáveis com os seus corpos e os argumentos de Parfit quanto a este tema. De acordo com os critérios lockeanos, segundo os quais para existir uma pessoa se requer um ser inteligente e pensante, consciente num instante t, nada pode ser ao mesmo tempo "morto" e uma "pessoa". É preciso saber então o que determina a existência de uma pessoa. John McDowell, em Reductionism and the First Person retoma também os motivos lockeanos de Parfit e a maneira como estes o fazem diminuir o peso da identidade pessoal na teoria moral. Em ambos, trata-se de saber exactamente o que queremos quando queremos sobreviver (continuar a viver), ou o que nos faria ficar satisfeitos.

Em Should Ethics be more Impersonal? Robert Merrihew Adams dirige-se directamente a uma das conclusões do livro de Parfit, a ideia de que as nossas razões para agirmos deveriam tornar-se mais impessoais e que isso seria melhor para todos. Larry Temkin, em Rethinking the Good, Moral Ideals and Nature of Practical Reasoning, retoma os temas da quarta parte de Reasons and Persons, a parte intitulada "Future Generations". Temkin avalia os argumentos de Parfit quanto às resposta à questão "quantas pessoas mais será racional que existam?" e analisa a "conclusão repugnante", cuja consideração é central para Parfit, a qual se enuncia afirmando que para qualquer população possível de pelo menos 10 biliões de pessoas com alta qualidade de vida haverá uma população possível muito maior, cuja existência seria melhor, embora os membros dessa população tenham vidas que mal merecem ser vividas.

Esta colecção de ensaios pode auxiliar a organização da leitura do texto de Parfit, que é frequentemente minucioso e labiríntico na sua argumentação, através da consideração directa dos tópicos por ele definidos para a discussão moral em filosofia.

Sofia Miguens
smiguens@letras.up.pt