R E S U M O
Este
estudo analisa obras ficcionais cuja temática é o “ciclo
da borracha”, partindo da premissa de que a maioria dessas obras apresenta
uma constância de abordagem em torno de alguns aspectos, principalmente
os papéis do explorador (seringalista) e do explorado (seringueiro) dicotomizados
numa relação maniqueísta. Na abordagem do tema, propõe
caracterizar o processo de criação dessas obras literárias
em três fases. A primeira engloba as obras escritas numa tendência epigônica,
originada nos estilos de Euclides da Cunha e de Alberto Rangel. A segunda
configura-se pelo abandono desseepigonismo
e pelo desenvolvimento de estilos independentes, mantendo, porém,
a constância no enfoque maniqueísta. A terceira fase supera
a percepção maniqueísta. Em cada uma dessas fases,
aponta uma obra que promoveu uma diversificação de abordagem,
destacando-se das demais obras. Na primeira fase, aponta a
obra A selva, de Ferreira de Castro; na segunda, a obra Beiradão,
de Álvaro Maia, e na terceira, O amante das amazonas, de Rogel
Samuel. Ao mesmo tempo, essas obras apresentam um elo de ligação
entre si e divergem umas das outras. No primeiro caso, promovem uma diversificação
de abordagem dentro do universo ficcional do ciclo; no segundo caso, cada
uma traz uma problemática temporal e estética particular.
Desse modo, essas obras possibilitam ao leitor ter uma visão abrangente
do ciclo econômico da borracha e da criação literária
em torno desse processo econômico.
I N T R O D
U Ç Ã O
Escritores brasileiros abordaram
amplamente os ciclos econômicos através de sua prosa. A partir
do movimento romântico, alguns romances de caráter regionalista
ou sertanista já abordam as temáticas em torno dos ciclos
econômicos, entre eles, podemos citar O garimpeiro, de Bernardo Guimarães,
em que o ciclo da mineração é subsidiário da
temática amorosa.
Não obstante, a abordagem
literária em torno dos ciclos econômicos ganhou maior expressão
com os denominados romances de 30, em que não apenas ciclos econômicos,
como o do cacau e da cana-de-açúcar são abordados
num maior número de obras, como também fenômenos de
calamidade geográfica, a exemplo da seca na região do Nordeste
brasileiro.
O ciclo econômico do cacau
propiciou destaque, principalmente, para a literatura de Jorge Amado,
sendo Terras do sem fim (1942) um dos seus romances mais representativos
sobre essa temática. Em torno do ciclo da cana-de-açúcar,
destacam-se as obras de José Lins do Rego: Menino do engenho (1932),
Doidinho (1933), Moleque Ricardo (1935), Usina (1936) e Fogo morto (1943).
O ciclo das secas motivou igualmente a produção de várias
obras: O quinze (1930), de Raquel de Queiroz, A bagaceira (1928), de José
Américo de Almeida, e Vidas secas (1938), de Graciliano Ramos.
Especialmente nos romances do ciclo
das secas, desenvolveu-se um discurso literário peculiar e, às
vezes, linear, em torno de alguns aspectos como a atuação
da seca no ambiente e suas conseqüências para os agrupamentos
humanos. Desse modo, em torno desse tema, tornaram-se comuns imagens da
vegetação esturricada e do solo fendido pelo sol inclemente,
do céu límpido e sem nuvens e das aves de arribação.
Outra imagem comum é a peregrinação do retirante que
abandona a sua terra em busca de condições de sobrevivência.
Esse momento do êxodo do flagelado da seca estabelece uma relação
com outro ciclo econômico, amplamente explorado ficcionalmente, o “ciclo
da borracha”.
No Amazonas, desenvolveu-se uma literatura
que abordou o ciclo econômico da borracha. Uma das primeiras obras
sobre este tema, O paroara (1899), de Rodolfo
Teófilo, faz a mediação entre o ciclo da seca e o
da borracha, uma vez que trata do deslocamento dos nordestinos até
a Amazônia para trabalharem nos seringais.
Considerando-se como marco inicial
O paroara, a ficção sobre
o “ciclo da borracha” completou um século
de produção. Podemos afirmar que a abordagem teve uma continuidade
ao longo desse século, pois cada década apresenta pelo menos
uma obra. Nesse contínuo, evidenciamos uma constância de abordagem
em termos de um tratamento maniqueísta, em que o explorador (o seringalista)
aparece como um ser vilanesco sem que sejam
enfocadas as determinações históricas mais profundas
do processo econômico. A recorrência à História
aparece apenas como suporte documental para várias obras que procedem a
enumeração e descrição de alguns tópicos
(vida no barracão e nos centros de extração, carência
sexual dos seringueiros, truculência do patrão seringalista,
entre outros).
A fim de compreendermos o conjunto
de abordagem em torno do tema, procedemos a uma divisão de fases
nas quais, pudemos constatar características mais específicas,
entre elas o epigonismo, a partir da
reprodução dos estilos de Euclides da Cunha e de Alberto
Rangel. Localizamos as obras que apresentam essa característica
na primeira fase, que compreende as primeiras publicações
a partir de O paroara até A selva,
de Ferreira de Castro. Após a publicação de A selva,
a tendência epigônica não
mais se verifica e as obras passam a apresentar estilos diversos.
Verificamos na maioria das obras
da primeira e da segunda fase, a manutenção da constância
em torno do tratamento maniqueísta. Na terceira fase, apontamos
a obra O amante das amazonas (1992), de Rogel
Samuel, que promove uma diversificação mais profunda em relação
à constância de abordagem referida. Na primeira
e segunda fases, fizemos um recorte de outras duas obras, A selva
(1930), mencionada acima, e Beiradão
(1958), de Álvaro Maia, por considerarmos que essas obras também
promovem uma diversificação na abordagem ficcional. As três
obras que englobam o recorte de diversificação na abordagem
do ciclo foram selecionadas também tendo em vista o fato de que
apresentam uma ligação de seus autores com o mundo do seringal.
Paralelamente também consideramos que essa experiência é
perpassada por três visões distintas dos autores; a do escritor
imigrante, Ferreira de Castro; a do escritor político, Álvaro
Maia; e do escritor analista literário, Rogel
Samuel.
Nosso estudo encontra-se dividido
em quatro momentos ou partes. Procedemos inicialmente a um apanhado dos
fatores históricos caracterizadores do ciclo. Esse procedimento
teve como objetivo apresentar as determinações econômicas
do ciclo como forma de situar as obras nesse contexto. Na segunda parte
do estudo, apresentamos um apanhado do universo de obras do “ciclo
da borracha” na literatura amazonense a fim de identificarmos a constância
da abordagem. Na terceira parte do estudo, apresentamos as obras que constituem
o recorte em torno da problemática da diversificação
e desenvolvemos uma análise particular de cada uma delas. Encerramos
o estudo, procedendo a interligação
entre as três obras e os seus respectivos autores, fazendo uma análise
comparativa em que procuramos apontar tanto os pontos de contato quanto
os de afastamento entre os autores e as obras.
O referencial teórico que
dá suporte ao nosso estudo concentra-se principalmente no argumento
que Mário Ypiranga Monteiro desenvolve
em Fatos da literatura amazonense, a saber: a literatura amazonense em
torno do “ciclo da borracha” não
apresenta diversificação em relação ao tratamento
do tema. Nessa carência, o autor aponta como exceção
o romance A selva, de Ferreira de Castro.
A selva é igualmente apontada por Márcio Souza em A expressão
amazonense como o único romance que conseguiu desfazer o círculo
de ostentação das letras amazonenses, baseado numa retórica
vazia e acrítica. Segundo o autor, a obra desvela realisticamente
o processo do “ciclo da borracha”.
Empreendendo a análise de
A selva apontamos detalhadamente a coerência da organização
estrutural do romance em relação à abordagem do tema.
Acrescentamos, todavia, as nossas considerações acerca do
determinismo acentuado na obra, o qual prejudicou a sua construção
crítica sobre o ciclo.
Na abordagem de Beiradão,
consideramos e dialogamos com o estudo empreendido por Neide Gondim
em Simá, Beiradão, Galvez,
imperador do Acre: ficção e história. Especialmente
a assertiva de que Beiradão rompeu
com o protótipo do coronel de barranco foi de valia para o nosso
estudo que se pauta pela ocorrência de diversificação
nas obras do ciclo. Consideramos e nos apoiamos também no estudo
de Heloína Monteiro dos Santos: Uma
liderança política cabocla – Álvaro Maia - apontando
a ideologia subjacente no posicionamento político do autor.
Por fim, a análise que procedemos
em relação à obra O amante das amazonas teve como
suporte teórico o texto Crítica da escrita, do próprio
autor, mediante o qual podemos compreender as concepções
estéticas explicitadas na criação de sua obra ficcional.
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