Aborto - breves reflexões sobre o direito de viver

 

Genival Veloso de França (+)

 

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Resumo: O autor, além de manifestar suas opiniões, traz algumas reflexões de outros autores e personalidades sobre o mais elementar e irrecusável dos direitos: o de viver. Mesmo considerando as situações mais adversas e mais difíceis na perversa realidade brasileira, mostra que a consciência atual, tocada nos seus sentimentos, inclina-se, cada vez mais, no sentido de resguardar a vida do homem e preservar o seu meio ambiente. Chama a atenção para o fato de o aborto não ser causa, mas conseqüência, e como fenômeno social terá sua solução sempre por meio de propostas políticas capazes de atingir em profundidade os elementos de pressão que flagelam as mulheres que provocam abortamento. Por fim, adianta que a prática do aborto só é consentida nos Códigos Penal e de Ética Médica para salvar a vida da gestante ou diante de uma gravidez motivada por estupro, e que alguns casos isolados de abortamento de fetos anencéfalos não constituem modalidade de aborto eugênico, mas, tão-só, uma forma de intervenção em uma vida cientificamente incapaz de existir por si só.

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UNITERMOS- Aborto. autonomia, direito à vida.

 

Preliminares

                        Como sempre - mas, hoje, muito mais do que antes -, a consciência atual, despertada pela insensibilidade e pela indiferença do mundo tecnicista, começa, pouco a pouco, a se reencontrar com a mais primária e indeclinável de suas normas: o respeito pela vida humana. Até mesmo nos mo­mentos mais graves, quando tudo parece perdido, dadas as condições mais excepcionais e precárias ­como nos conflitos internacionais, na hora em que o direito da força se instala, negando o próprio Direi­to, e quando tudo é paradoxal e estranho -, ainda assim o bem da vida é de tal grandeza que a intui­ção humana tenta protegê-lo contra a insânia coleti­va, criando-se regras de conduta que impeçam a prática de crueldades inúteis e degradantes.

 

                        Quando a paz passa a ser apenas um momento entre dois tumultos, o homem - o Cristo da socie­dade de hoje - tenta encontrar nos céus do ama­nhã uma aurora de salvação. A ciência, de forma desesperada, convoca os cientistas de todos os cli­mas a se debruçarem sobre as mesas de seus labora­tórios, na procura alucinada dos meios salvadores da vida. Nas mesas das conversações internacionais, mesmo entre intrigas e astúcias, os líderes do mun­do inteiro procuram a fórmula mágica da concórdia, evitando, assim, o cataclismo universal.

                        Mesmo assim, e, mais ainda, na crista da violên­cia que se instituiu em nosso país nesses últimos anos, le­vanta-se uma nova ordem: a da legalização do abor­to, ou, eufemisticamente, a sua descriminalização. Tal fato nada mais revela senão a reverência ao abu­so, o aplauso ao crime legalizado e a consagração à intolerância contra seres indefesos, cujo fim é a injustificável discriminação contra o concepto e as manobras sub-reptícias do controle da natalidade, como forma de preconceito do patriarcado industri­al, do machismo científico e do colonialismo racial.

                        Quais as verdadeiras razões desse raciocínio tão implacável? Supõem os defensores do aborto que seria uma maneira radical de diminuir o número de abortamentos clandestinos e sua morbimortalidade. É argumento pouco consistente alguém simplesmente justificar um aborto porque a mulher não esperava uma gravidez ou porque admite uma remota proba­bilidade de malformação genética, quando venha se manifestar um possível gene autossômico recessivo. O que assusta é imaginar que a gestante que não possa ou não tenha oportunidade de reali­zar exames pré-natais, e, portanto, direito ao aborto, não seja contemplada mais adiante com urna legis­lação que permita praticar impunemente o infanticídio.

                        Aceitar-se a legalização do aborto, projetando na realidade brasileira uma cifra aproximada de abortamentos criminosos praticados anualmente em torno  de dois a três milhões -, ou pelo fato de ser essa prática contínua e progressiva, nos leva a gra­ves e perversas contradições: Primeira, nada mais discutível que tais estatísticas sempre supra ou su­bestimadas ao sabor de cada paixão e, por isso mesmo, desconhecidas; depois, seria o caso, com todo respeito, de normatizar também o seqüestro, que é uma situação que se repete de maneira conti­nuada e assustadora.

                        Após a legalização do aborto, será que sur­giriam os defensores do infanticídio oficial do segun­do ou do terceiro filho dos "indisciplinados sexuais"? Pelo menos, isso não seria nada original, pois já se utilizou de tais recursos, em época não muito distan­te, numa pretensa e cavilosa "política eugenista". Admite-se, no Brasil, uma mortalidade materna em torno de. 4,5 por 100 mil nascimentos vivos, em abor­tos provocados, o que representa um fato lamentá­vel e muito grave. No entanto, somente em João Pessoa morrem por dia cerca de doze crianças, entre 0 e 5 anos, por doenças tratáveis e evitáveis, agra­vadas pela fome.. E não se conhece nenhum movi­mento organizado que, pelo menos, manifeste, so­bre isso, sua indignação.

                        Admitimos, ainda, que nos países que adotam o aborto livre, apenas uma pequena parcela dos mé­dicos defensores e praticantes do abortamento seja consciente e honesta. A maioria, bem significativa, o faz por interesses meramente financeiros.

                        Ninguém se engane que o aborto oficial vai subs­tituir o aborto criminoso. Ao contrário, vai aumen­tar. Ele continuará a ser feito por meio secreto e não controlado, pois a clandestinidade é cúmplice do anonimato e não exige explicações.

                        Podemos até admitir a discussão ampla do problema, convocando-se todos os segmentos organi­zados da sociedade para esse debate com vista a uma possível alteração dos códigos. Tudo bem. O que não se pode é instigar ou aplaudir, por razões ditas "humanitárias" e "ideológicas”, o simples des­respeito à lei e a pregação à desobediência civil. Uma coisa deve ficar bem clara: indiscutível é o direito inalienável de existir e de viver; outro, de limite dis­cutível, é o direito de alguém dispor incondicionalmente da vida alheia.

                        Outra coisa: legalizado-se o aborto, estariam todos os obstetras disponíveis à prática abortiva? Acredito que não. Ninguém pode ser violentado na sua consciência. Ainda mais: os professores de obstetrícia estariam no dever de colocar no currículo de ensino de sua especialidade, não apenas os conhecimentos na assistência à gestante e ao feto, mas, também, conhecimentos de como matar com mais eficiência e destreza o embrião humano? E possível conciliar uma medicina que cura com uma medicina que mata? Onde levantaríamos o limite de dispor de uma existência? Ao que nos consta, a medicina sempre contou com o mais alto respeito humano pelo irrestrito senso de proteção à vida do homem e não como instrumento de destruição. Fora disso, é distorcer e aviltar a sua prática, a qual deve inclinar-­se sempre ao bem do homem e da humanidade, prevenindo doenças, tratando dos enfermos e mi­norando os sofrimentos, sem restrições ou sem dis­criminações de qualquer natureza.

                        A oficialização do aborto nada resolve. Ele não é causa, mas conseqüência. Não é um fato isolado. Ë um fenômeno estritamente de ordem social, e como tal tem sua solução com propostas políticas bem ar­ticuladas, pois ele sempre teve na sua origem ou nas suas conseqüências uma motivação de caráter soci­al. A primeira coisa que se deve fazer para se minimizar o aborto provocado é acudir os grupos desassistidos, por meio do esvaziamento dos vergo­nhosos bolsões de miséria, permitindo-lhes o aces­so às suas necessidades primárias e imediatas: casa, comida, educação, saneamento básico e assistência médica. E necessário também fazer nascer a consci­ência sanitária na população, orientando-a para os movimentos organizados de saúde, na luta com os trabalhadores rurais e urbanos por melhores condi­ções de vida e de saúde, além de uma política social justa e capaz de favorecer as suas necessidades mais elementares, no combate permanente à iniqüidade e à injustiça.

 

Reflexões do jurista

                        Martins e Martins, em trabalho publicado recentemente na Folha de S. Paulo, afirmam que há muito tempo já se vincula o aborto a uma questão meramente de política demográfica do Estado. E lembram Hitler como precursor da legalização do abortamento, nos casos de aborto eugênico, para evitar o nascimento de crianças defeituosas, certamente na intenção da melhoria da raça. Dizem ainda que, "no começo do século, permitia-se o aborto quando era necessário optar entre a vida da mãe e a vida do filho; mais tarde, quando a medicina evoluiu e esses casos pas­saram a ser raríssimos - mais ainda: hipotéticos ­as legislações passaram a substituir a expressão ‘vida da mãe’ por ‘saúde da mãe’, entendendo-se, então, saúde, não como no passado, como ausência de grave enfermidade, mas como o "estado de per­feito bem-estar físico, psíquico e emocional da mu­lher".

                        Afirmam ainda que "a mulher, com efeito, al­cançou posições de destaque na vida social, saiu do lar para trabalhar e mostrou todo seu brilho". Muito bem. Seria interessante saber, porém, em que se ori­ginou o preconceito contra as mulheres que optam por exercer o trabalho do lar, que por sinal é uma verdadeira arte? Acaso a mulher não pode se reali­zar nesta profissão? Quantas mulheres, com nível superior de instrução, não optaram por esse cami­nho e estão plenamente realizadas?

Finalmente, afirmam que não poderiam termi­nar deixando de lembrar que, "em 1857, a Corte Suprema dos Estados Unidos declarava que o ne­gro não possuía personalidade jurídica e, portanto, estava sujeito ao seu dono. Um século mais tarde, essa mesma Corte declarava o nascituro sem nenhum direito. A coincidência das duas sentenças é muito grande, e foi ressaltada recentemente em artigo do Grupo Mulheres Unidas em Favor da Criança não Nascida", publicado no jornal norte-americano "The Washington Post". As coincidências são claras. Um dos juizes da Suprema Corte, que na ocasião foi voto vencido, dizia profeticamente: "A partir de agora, a mulher pode abortar por qualquer motivo ou sem nenhum motivo". Estamos, pois, diante de um apartheìd abortista. Em 1988, a Organização Mun­dial da Saúde (OMS) declarou o Brasil campeão mundial do aborto: foram três milhões, mais do que o número de nascimentos (2,77 milhões), cerca de 10% dos abortos do mundo inteiro. Tudo isso num país onde o aborto é crime. Pode ser que os consti­tuintes de amanhã legalizem essa prática criminosa; mas fiquem tranqüilos os ecologistas, pois, em com­pensação, poderão fazer aprovar uma lei que protegerá a vida das baleias ‘desde a concepção’. Não temos nada contra os ecologistas, mas temos de con­vir que a primeira natureza a ser defendida é a humana" (1).

 

Reflexões do religioso

                        O Pe. Ne Afonso de Sá Era, coordenador do Movimento de Defesa da Vida da Arquidiocese do Rio de Janeiro, em matéria transcrita há tempos atrás no Jornal O Norte, de João Pessoa, sob o título "Aborto e defesa da vida", enfaticamente pergunta: "O que está atrás dos movimentos de liberalização do aborto? Quais são seus argumentos? Qual é o seu espírito, seu al­cance, sua mola, sua direção?”

E segue: “A principal alegação do movimento abortista brasileiro, tal como em outros países, é de que a lei deve estender às gestantes pobres o ‘privilégio' que as ricas têm de poder eliminar, com assis­tência médica e requinte técnico, os próprios filhos. Qual o valor desse raciocínio? A reivindicação de legalidade supõe que o aborto oficializado faria regredir o clandestino, com seus perigos para a ges­tante. E que o feticídio praticado em boas condições técnicas se tornaria inofensivo. Na realidade, nada mais distante da verdade e contrário a fatos com­provados (...). Pelo contrário, a introdução da legis­lação permissiva, na Dinamarca, provocou o aumen­to do número de feticídios clandestinos, como foi reconhecido num relatório da ONU em 1965 sobre mortalidade fetal e infantil".

                        Outro slogan da campanha de liberalização do aborto, afirma o articulista, "é de que na gravidez a mulher deveria ter o direito de escolha, e que a in­terrupção da gestação devia ser uma opção livre, garantida pela lei a toda mulher desejosa de terminar com a prenhez” .

                        Do ponto de vista social e autenticamente femi­nista, acrescenta, "esse argumento, mais uma vez, é autodestrutivo. Imagine-se apenas que o aborto, por motivos sociais e feministas, viesse a ser legalizado, como pretendem certos grupos. Que direito poderia então a gestante pobre exigir da sociedade, pelo fato de estar esperando um filho? Que segmento da co­munidade se sentiria socialmente obrigado a ajudá-­la no encargo trabalhoso da maternidade, se a lei criasse o aborto gratuito, publicamente subvencio­nado? É fácil perceber que a justificação do feticídio, longe de favorecer a liberdade e socorrer o pobre, transformaria imediatamente o aborto optativo em aborto compulsório para a população carente".

                        Diz ainda: "No momento em que se abre no país um processo de reconhecimento mais amplo dos direitos humanos, e em que os países que legitima­ram há mais tempo o aborto estão insinuando tími­dos movimentos de recuo diante dos horrores do feticídio, é a ocasião de se pensar no acatamento constitucional do direito básico ao nascimento que assiste naturalmente a todo ser humano, desde o instante da concepção, e de se consignar em lei o direito que tem toda criança de nascer e crescer numa família regularmente constituída. No momento em que o país se defronta com uma onda de violência nunca dantes testemunhada, não é hora de se institucionalizar a violência pura, sob a forma de aborto livre, nem de caminhar cegamente para ele por uma liberalização progressiva do feticídio. No momento em que os partidos políticos estão se estruturando, unidos na fraternidade de uma aspira­ção comum à justiça e à eqüidade social, não é hora de decretar o sacrifício dos mais fracos e inocentes às conveniências egoístas e aos interesses de certos grupos. Numa hora em que a mulher se conscientiza e se afirma, na dignidade de sua condição humana, não é hora de enganá-la, expondo seu corpo a sicá­rios diplomados e condenando à morte legalizada seus próprios filhos”.

E, finalmente: "Consciente desse apelo dos tem­pos, a Arquidiocese do Rio de Janeiro lançou uma campanha pública em defesa da vida, bem antes que se erguessem as presentes manifestações abortistas. Trata-se de um movimento dirigido a todos os cató­licos e não católicos que entendem, como seres hu­manos, a grandeza do dom da existência e a dignidade intangível da pessoa" (2).

 

Reflexões do pesquisador

O professor Jérome Lejeune, pesquisador da Universidade René Descartes, de Paris, especialista em Genética Fundamental e descobridor da causa genética da síndrome de Down, teve, conforme de­clara a revista Veja, a palavra cassada diante do boicote erguido por outros conferencistas, num Con­gresso de Medicina Fetal em São Paulo, pelo fato de opor-se ao aborto legalizado. Na sua entrevista, sob o título "O direito de nascer", reportando-se sobre o aborto em crianças com defeitos, declarou: "Os fe­tos que apresentam problemas, as crianças que nas­cem doentes, com síndrome de Down, por exemplo, têm todo direito de viver, o mesmo direito dos seres humanos considerados 100% saudáveis. Os defen­sores do aborto dizem que o feto na barriga da mãe, especialmente nas primeiras semanas da gravidez, ainda não é pessoa, ainda não vive. Isso é uma distorção da verdade científica".

                        Mais adiante, perguntado se o aborto eugênico não seria uma prática em favor da criança, disse: "O aborto resolve o problema dos pais, não o dos fi­lhos. É ingênuo acreditar que os pais defendem o aborto porque o feto tem um problema irreversível. Na verdade, essas pessoas se servem das doenças detectadas pelos modernos exames pré-natais para que tenham o direito de se ver livres de uma criança com malformação, para não terem problema. E uma lógica curiosa. Quando eu era jovem, era moda di­zer que aquele que ama castiga. Nunca acreditei nessa história. Agora, insistem numa nova tese: quem ama mata'”

                        Perguntado sobre sua afirmação de que o abor­to era uma prática racista, respondeu: "Sugerir que se elimine esse ou aquele ser humano porque possui esta ou aquela anomalia é um comportamento ra­cista. Os pais que defendem isso não querem ter um filho doente. Então fazem uma espécie de racionali­zação. Decidem matar a futura criança simplesmen­te porque ela terá um problema, porque tem um cromossoma a mais. Isso é puro racismo cromossômico. Na síndrome de Down ou trissomia 21, por exemplo, já há um preconceito embutido na sua pró­pria denominação vulgar. Ela é chamada, popular­mente, de "mongolismo", porque as crianças que a portam têm um aspecto particular que lembra ligei­ramente, para um ocidental, as feições de um tipo asiático. Na Mongólia, porém, a doença não deve ser chamada de mongolismo, mas de "imbecilidade ocidental".

                        Inquirido se a notícia de um filho com defeito traz problemas à família, disse: "O nascimento de uma criança com problemas, mentais ou físicos, é uma revelação terrível. Os pais sofrem profundamen­te e este sofrimento pode levar a duas situações: uma é a reaproximaçâo do casal, que se une como nun­ca. Outra possibilidade é os pais não suportarem o golpe e aí a família se quebra. Mas a experiência mostra que há menos divórcios nas famílias cujos filhos têm deficiência do que nas famílias com filhos normais. Conheço mais de dois mil portadores de síndrome de Down, com nome e sobrenome, e em sua grande maioria os pais vivem bem. São felizes, apesar de tudo"(3).

 

 

Reflexões do médico

                        Mário Victor de Assis Pacheco, professor univer­sitário, livre docente de Clínica Ginecológica e eter­no preocupado com os problemas de vida e de saú­de do nosso povo, em seu livro "Racismo, Machismo e Planejamento Familiar"', entre outras coisas, afir­ma: "Aprovada a lei regulamentando a prática do aborto, além do terapêutico e em casos de estupro, já presentes na lei, uma mulher não esperaria o ter­ceiro mês de gravidez e procuraria interromper a gra­videz tão logo descobrisse estar grávida. Nessas con­dições podemos imaginar o direito legal de urna mulher fazer vários abortos por ano, isto é, faria o primeiro em janeiro, o segundo em março ou abril, o terceiro em agosto e o quarto em novembro ou dezembro. Ou será que a lei vai limitar a apenas um aborto por ano? Como fazer cumprir este parágrafo da lei?".

                        E mais: "A execução do aborto por médicos com­petentes em ambiente higiênico e com cobertura de antibióticos continuará a ser feita, como até hoje, pelas mulheres de posse com ou sem legislação do aborto, e por executores exímios, mas ninguém su­ponha que os médicos competentes que têm rica cli­entela que lhes pagam muito bem vão perder seu tempo e dinheiro fazendo abortos gratuitamente nos hospitais do INAMPS ou em casas de saúde con­veniadas. A mulher pobre, a grande maioria, será atendida por estudantes, residentes, enfermeiras, todos se iniciando na prática da "nova" especialida­de criada por lei que permitirá matar criaturas inde­fesas e sem culpa condenadas oficialmente. A legislação do aborto só beneficiará as mulheres ricas e tranqüilizará os médicos aborteiros. Com humor amargo já se diz que as mulheres pobres e teimosas que persistirem nas filas do INAMPS para a prática do aborto legal acabarão por se dirigir ao guichê do auxílio de natalidade. Mas este parece que também vai ser suspenso!”

                        E mais para diante: "A propósito do aborto como método antinatalista, o que pensam os mentores estrangeiros e financiadores do aborto? Num relató­rio da OMS, em 1971, lê-se: "O recurso eventual ao aborto pode se revestir de importância quando a sociedade o aceita, ou como método contraceptivo legal" (Rapport d'un Comité d'experts de l’OMS ­- série de Rapports Techniques - n° 476, 1971). A OMS tem defesas muito hábeis, buscando sempre não se comprometer, tanto que nesse relatório, como nos demais, ressalva na capa: "Este relatório expri­me pontos de vista coletivos de um grupo internacional e não representa necessariamente as decisões ou a política oficialmente adotada pela Organização Mundial da Saúde". De qualquer forma, é estranho que a OMS divulgue relatório de técnicas que consi­deram o aborto como método contraceptivo. Se a gravidez ou a concepção já ocorreu, como conside­rar o aborto método contraceptivo?".

                        E arremata o autor: "No número 18, de abril/junho de 1972, da revista `Les Carnets de L’enfance' lê-se que o ex-secretário-geral da IPPF, a matriz da Benfam, Sr. Malcolm Potts, afirma de modo cate­górico: "Não se obterá uma diminuição do índice de nascimentos sem o recurso importante do aborto, seja este legal ou ilegal. Na maior parte dos países subdesenvolvidos os abortos provocados têm um efeito muito mais eficaz para diminuir uma taxa de natalidade que a utilização dos métodos contra­ceptivos. Uma combinação de métodos contra­ceptivos e de aborto apresenta o mínimo de riscos para a mulher e é igualmente o mais econômico para limitar a natalidade. Malcolm Potts já se convenceu da ineficácia das "pílulas" em planos de controle da natalidade em massa e assim recomenda às organi­zações antinatalistas do Terceiro Mundo, o mundo nem sempre branco, o recurso do aborto legal ou ilegal, para ele não importa. Não se pode negar que "sugestão" de financiador é ordem a ser cumprida pelos financiados" (4).

Reflexões do magistrado

                        Fala-se, em favor da legalização do aborto que, sendo ele permissivo normativamente - na suposi­ção de que estando organizado e corretamente rea­lizado por profissionais honestos, idôneos e compe­tentes, substituindo a prática clandestina das "curio­sas" incapazes e ignorantes -, teria conseqüências menos danosas para a mulher. O fato é que, por ser o aborto uma prática difundida, mesmo ao arrepio da lei, não se justifica, pura e simplesmente, sua legalização, pois as leis têm sempre, além da sua ação punitiva, o caráter educativo e purificador. Seria um perigo, para não dizer um absurdo, excluir da prote­ção legal o direito à vida de seres humanos frágeis e indefesos, o que contraria todos os princípios aplau­didos e consagrados nos direitos de cada homem e de cada mulher.

                        Sobre isso, assim se define o Dr. Celso Panza, Juiz de Direito no Rio de Janeiro, citado na obra "Aborto - o direito à vida": "O Direito foi feito para realizar-se. Na sua realização, como ciência, obede­ce a uma programática advinda do dogmatismo que o elabora, constrói e critica. Antes de tudo é de or­dem cultural; em plano segundo tem origem nos ordenamentos fundamentais do Estado - constitui­ções escritas ou não escritas, rígidas ou inflexíveis.

                        Aqui o seu eixo, a sua matriz operacional. Em nosso país, como em todas as nações, por princípio jurídico infenso de censura, inatacável ao curso dos tempos, o que for contrário à Constituição é contrá­rio ao Direito e não pode realizar-se. Seria superfetação dizer que a vida é um bem protegido pela Constituição. Ela compõe como bem mais ex­celente todos os artigos, parágrafos, incisos e alíne­as de todas as Constituintes. Através dela brota o senso competência para a União legislar em maté­ria penal (...).

                        O que é contrário ao Direito não pode realizar-­se. Excede do lícito. A liceidade tem linhas caracteri­zadas visivelmente nas normas e institutos. Vulneradas, há o desequilíbrio das relações sociais. E princípio axiomático.

                        Tal raciocínio foi expendido para concluir-se não estar ao talante do legislador a harmonia social. A lei, como ato humano, falível, pois, sofre o policia­mento da crítica, valor pensante mais alto da dogmática, e a censura dos tribunais nos limites que extravasam da legalidade. Há, contudo, conquistas sociais marcadas em lei, desnudas de crítica ou res­ponsabilidade. Fizeram-nas os homens após a von­tade infinita da criação. Uma delas é a tutela da vida, garantia revelha como o surgimento do homem.

                        Esta seguridade foi cercada de angustiante pre­ocupação. Daí, por competência constitucional, o legislador penal, cuidadoso e profundamente analítico, recebeu da construção científica institutos que admitem a preterição da vida, por uma razão singe­la: em defesa da própria vida.

                        Inseriu, pois, no Código Penal, a cientificidade desses padrões. A legítima defesa, o estado de ne­cessidade, e estrito cumprimento do dever legal ou o exercício regular de direito, são causas excludentes de criminalidade. Todos com singulares caracteres. Todos inspirados no bem mais relevante - a vida.

Através do Diploma Penal tutelam-se bens, defi­nem-se suas lesões, exclui-se pelos institutos prefalados a antijuridicidade; como bem sobreex­celente protegido figura a vida, mas também, ao re­vés, no meu sentir, autoriza-se de forma sui generis sua predação, em desconformidade com o direito mandamentado no mesmo diploma. O aborto não encontra resguardo em nenhuma excludente" (5).

 

 

 

Conclusão

                        No direito brasileiro e na codificação ética vi­gente, o aborto deixa de ser ilícito apenas quando feito pelo médico, para salvar a vida da gestante ou para evitar o nascimento de uma criança gerada por meio de estupro. Reconhecem-se, portanto, duas formas de exclusão da antijuridicidade desse delito: a indicação médica salvadora e a indicação piedosa ou sentimental.

                        No entanto, algumas decisões judiciais, em lo­cais diferentes, autorizaram recentemente o aborto em casos de anencéfalos. Mesmo não sendo consi­derados eugênicos nem suficientes para criarem uma jurisprudência, isso certamente será um precedente quando outros magistrados se pronunciarem em ca­sos semelhantes. Numa das decisões, o juiz afirmou que "não se está admitindo a indicação eugênica do aborto com o propósito de melhorar a raça, ou evi­tar que o ser em gestação venha a nascer cego, alei­jado ou mentalmente débil. Busca-se evitar o nasci­mento de um feto cientificamente sem vida. inteira­mente desprovido de cérebro e incapaz de existir por si só" (6).

 

Abstract - Abortion: Brief Reflections on the Right to Life

 

In addition to express his opinion, the author presents some reflections of other authors and personalities. concerning the most elementary, irrefragable right: the one of living. Even considering the most adverse, difficult situations in the perverse Brazilian reality, he shows that present awareness tends more and more to safeguard human life and preserve its environment.

He also points out the fact that abortion is not a cause, but a consequence; and it will always have its solutïon as a social phenomenon by means of political proposals capable of deeply reaching the distressing elernents that afflict the women who provoke abortion.

Finally, the author affirms that abortion is only permitted by Penal Codes and Code of Medical Ethics if it is practised to save the mother's life or if pregnancy results from rape. He also emphasizes that some isolated cases of abortion of anencephalic fetuses are not a mode of eugenic abortion, but a way of intervention in a life scientifically unable to exist by itself.

 

 

Referências Bibliográficas

1 . Martins IGS, Martins RVS. O aborto e o direito à vida, Folha de S.Paulo 1992  -            Out -10;Primeiro caderno:3.

2. Sá Earp NA. Aborto e defesa da vida. O Norte 1989 Set 10; Segundo Caderno:l0.

3. Lejeune J. O direito de nascer [entrevista]. Veja 1991, Set - 11;(37):7-8,10.

4. Pacheco MVA. Racismo, machismo e planejamento fami­liar. Petrópolis: Vozes, 1981.

5. Santos Alves JE, Brandão DS, Costa CTR, Bragança W. Aborto: o direito à vida. Rio de Janeiro: Agir, 1982.

6. Barbosa de Deus B. Dallari S.G.. Bioética e Direito. Bioética 1993;1:91-5­

 

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(*) – Professor Titular de Medicina Legal da Universidade Federal da Paraíba - Brasil