![]() |
![]() ![]() ![]() | |
![]() |
||
|
![]() |
HOMEOPATIA CONTRA AIDS E MÍDIA IRRESPONSÁVELPor Daniel Sottomaior
A notícia foi publicada por um importante jornal paulista mas, como é de praxe, não houve uma linha sequer para informar o leitor exatamente do que se trata. O método Canova causa controvérsias mesmo entre os homeopatas. A diretora da Associação Brasileira de Farmácia Homeopática, Amarilis de Toledo, considera que o método não pode ser considerado um composto homeopático, e sim um medicamento com substâncias usadas na homeopatia. Ela considera a explicação importante, já que a formulação do Canova é mantida em segredo por seus fabricantes. A explicação é simples: o medicamento é patenteado, o que deixa claros os fortes interesses comerciais envolvidos. Médicos que representam o Canova se reuniram em março deste ano com membros da Coordenação Nacional de DST/Aids. O infectologista Celso Ramos Filho esteve presente e garante que os dados apresentados foram confusos e sem fundamentação científica. "Eles tentam comprovar que o remédio é eficaz divulgando dados de alguns pacientes que utilizam o Canova. Não há nenhum trabalho apresentado sob o aspecto científico, envolvendo uma pesquisa com duplo cego. Inclusive, observo um problema ético grave neste ponto: em qualquer pesquisa, o paciente não deve pagar pelo medicamento. Ou seja, se eles estão usando dados dos pacientes para comprovar a eficiência do Canova, deveriam fazê-lo isentando-os do pagamento da medicação". O infectologista também verificou erros graves nos dados apresentados pelos defensores do Canova. "Eles divulgam um caso cujo a carga viral do paciente chegou a 189 milhões de cópias de ARN viral por mililitro de sangue. Isso está muitíssimo acima da capacidade de detecção do teste. Além disso, as contagens de linfócitos CD4 e CD8 apresentados eram freqüentemente absurdas, com resultados verdadeiramente impossíveis de serem obtidos. Ou seja, ou o laboratório utilizado não tem competência para avaliar esses casos, ou esses exames não foram realizados", conclui. Ramos sugeriu uma metodologia de testes envolvendo dez pacientes em falha terapêutica absoluta. "Seria um esquema simples: comprovada a falência desses pacientes, que estariam com carga viral alta e CD4 baixo, bastava incluir o Canova junto à terapia anti-retroviral, que continuaria sendo ministrada. Se pelo menos dois pacientes tivessem queda na carga viral, seria um bom indício de que o remédio faz efeito. Mas a equipe se esquivou, informando dias depois que realizaria a pesquisa no Canadá", relata. Em outras palavras, a adesão ao método só pode ser atribuída, na melhor das hipóteses, à falha dos proponentes em observar boas diretrizes científicas. Na pior, à má-fé. Apesar da ausência de resultados positivos, 2.000 infectados em todo o Brasil utilizaram o Canova nos últimos meses. E cem pessoas contaminadas pelo HIV em Botsuana (África) também iniciaram o tratamento com Canova. Esse tipo de atitude antiética e irresponsável, para não dizer assassina, não deveria surpreender ninguém. Todas as infinitas variedades da chamada medicina alternativa -- que não é medicina, muito menos alternativa -- são assim classificadas exatamente pela escassez de resultados positivos confiáveis, e muitas vezes pela abundância de evidências contrárias. Infelizmente, isso não tem impedido a divulgação de supostos resultados positivos sem uma única voz crítica que a acompanhe. Os jornais têm o direito de publicar o que bem entendem desde que não violem a lei, mas a lei não tipifica a apologia ao crime? Além disso, o Código de Defesa do Consumidor afirma que constitui crime "fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços." Publicar matérias elogiosas, com uma visão unilateral e parcial da história, significa promover a desinformação e aqueles que lucram com ela. Com isso se aprofunda o abuso contra os doentes infectados, cuja compreensível fragilidade é explorada em conjunto por médicos e jornalistas. Além da conhecida inabilidade em demonstrar supostos resultados, uma das afirmações omitidas pela notícia foi que os autores do estudo em questão já prescrevem o método, e portanto existe um forte conflito de interesses. O médico Paulo Castanheira, um dos autores do estudo, possui até um site trilíngue dedicado exclusivamente à autopromoção em torno do Canova. Nele, Castanheira confirma sem nenhum pudor que prescreveu o tratamento a um amigo com câncer em fase terminal, cedendo a "sugestões dos familiares". Diante dos resultados "surpreendentes", ele afirma: "Impossível não se mudar de ponto de vista diante de fatos assim". Em outras palavras: ele passou a crer em Canova. Essa é uma experiência típica de conversão religiosa. Seu valor científico é rigorosamente nulo. Não se sabe se o paciente teria melhorado igualmente sem o medicamento, ou se melhorou apesar dele. Não se sabe se a suposta recuperação teria sido até mais surpreendente caso o paciente tivesse recebido pílulas de farinha. Mas isso não importa aos defensores do método, pois eles estão diante de um verdadeiro milagre -- embora os invejosos cientistas não lhes dêem crédito. E, por um preço bastante justo para quem está morrendo, o milagre está à venda. Anunciado nos melhores jornais, claro.
Anúncio Publicado e Patrocinado por ClickNow! Clique no banner e ajude o site Saúde & Informação a crescer!
| Principal | Textos | O Que É? | Sobre Nós | Denúncias | Relatos | Pergunte | Debates | Links | |