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MEDICAMENTOS E PESQUISA CIENTÍFICAPor Renato SabbatiniA coluna que eu escrevi na semana passada, intitulada "Porque a Homeopatia Funciona", causou muita polêmica, como era de se esperar. Cheguei a receber telefonemas de leitores indignados com o fato de eu ter atacado "sem provas" a eficácia dos medicamentos homeopáticos, e que usar o termo "efeito placebo" para justificar os resultados positivos que algumas vezes se obtém com os mesmos seria ofensivo à respeitabilidade da medicina homeopática! Longe de mim querer ofender os valorosos colegas homeopatas. Na realidade, eu não me posiciono contra a homeopatia, por princípio. O fato de não se conhecer o mecanismo de ação de um medicamento, como parece acontecer com a homeopatia, não deve ser, e nunca foi um impeditivo para seu uso prático legal, consentido e eficaz na medicina. Aliás, a maioria dos medicamentos ainda é empírico. Um bom exemplo é a famosa aspirina, descoberta pela empresa alemã Bayer, e que ainda é o medicamento mais tomado do mundo. Muitos milhares de anos antes de sabermos que o seu princípio ativo é o ácido acetilsalicílico, e conhecer o seu mecanismo de ação (o que só foi ocorrer cerca de 20 anos atrás), a humanidade vem usando a casca do salgueiro e outros produtos naturais ricos nesta substância, para tratar dores e febres, com grande sucesso. Meu problema com a homeopatia diz respeito à comprovação científica de sua eficácia, pois esse é um processo muito, muito sério na medicina, e que consome milhões de dólares toda vez que um novo medicamento é descoberto e necessita de permissão para ser comercializado. A medicina homeopática escapa deste aparato de comprovação e fiscalização, baseado em princípios estritamente científicos, e isso é altamente indesejável para a saúde da população. É injusto também, e até perigoso (embora o governo tolere, pois dificilmente as águas diluidas da homeopatia fazem mal para alguém). Neste processo, um novo medicamento é testado rigorosamente ao longo de três fases: na primeira, são realizados estudos com várias espécies de animais, para comprovar seu efeito biológico real, efeitos indesejados, etc. Na segunda, são realizados estudos com voluntários humanos em pequeno número, para determinar a dosagem e formas de administração mais eficazes, e se o efeito comprovado nos animais se manifesta também de forma incontrovertida nos seres humanos. Na terceira fase, o medicamento é testado em uma população muito maior, fazendo-se um extenso acompanhamento clínico, nas mais diversificadas condições, e são estabelecidas as margens de segurança de uso. A principal arma da ciência médica para comprovar se um medicamento funciona ou não para um determinado objetivo terapêutico se chama "ensaio clínico aleatorizado prospectivo duplo-cego". Ele funciona assim: grupos de pacientes com determinada doença que se quer tratar, são divididos aleatoriamente em dois subgrupos. Um deles recebe o medicamento, e o outro recebe um placebo. Ambos são avisados que podem estar recebendo um ou outro, mas não sabem qual. Os médicos que fazem o estudo também não sabem, pois os pacientes são identificados com números, cujo significado é mantido em segredo até a conclusão do estudo. Por isso se chama duplo-cego. Isso é feito assim porque se comprovou amplamente que a expectativa de um efeito por parte dos pacientes ou dos médicos influencia muito o resultado. Depois que um grande número de pacientes é estudado desta forma, fazem-se exaustivos e complexos testes estatísticos, usando-se computadores e bancos de dados, para se determinar-se objetivamente se existe uma diferença significativa entre os grupos controle e tratado. Somente quando este efeito tem uma magnitude considerada clinicamente útil é que o medicamento pode começar a ser usado. Existem muitos trabalhos médicos, inclusive em homeopatia, que não têm nenhum valor científico comprobatório da eficácia de medicamentos. Geralmente eles são feitos assim: o médico relata um grupo de pacientes com doença X, que tratou com o medicamento Y, e que obteve uma porcentagem Z de cura ou melhora. Esses resultados, embora possam indicar um efeito válido, são anticientíficos, porque não se tomou o necessário cuidado de comparar com pacientes que nada tomaram, ou foram submetidos a um outro tratamento. Alguns pacientes podem ter melhorado espontaneamente, por exemplo. Ou então, foram realizados outros tratamentos simultaneamente, o que torna impossível determinar qual foi a contribuição real de cada um no sucesso terapêutico. Há quatro anos atrás, a medicina homeopática saudou com entusiasmo (e um certo sabor de vingança) os resultados de experimentos feitos por um biólogo chamado Jacques Benveniste1, do INSERM, uma prestigiosa instituição de pesquisa francesa, e cuja publicação foi aceita pela rigorosissima revista científica "Nature". Benveniste usou soro contra imunoglobulina diluido enormemente (30X), e disse ter comprovado um efeito imunobiológico (sobre células brancas do sangue), em comparação com os grupos controle. Os revisores do trabalho consideraram sua metodologia absolutamente correta e científica, e autorizaram a publicação. Benveniste propôs como hipótese para seus resultados uma "memória" do medicamento ativo, mantida pela água. No entanto, frente a um clamor mundial de indignação dos cientistas médicos, uma comissão foi até o laboratório de Benveniste estudar seus métodos, e descobriu diversas irregularidades. Mais ainda, nenhum cientista, em nenhum lugar do mundo, usando os mesmos métodos, drogas e animais, conseguiu reproduzir os seus resultados, o que foi fatal para sua carreira. A medicina homeopática, no entanto, continua a citar seus resultados como prova científica dos seus princípios terapêuticos. Soube recentemente que Benveniste fundou um instituto dedicado a pesquisar a tal "memória" da água. Ele chegou a afirmar que conseguiu transmitir o efeito terapêutico homeopático através do correio eletrônico!! Vou deixar as conclusões para os leitores... 1 - Davenas, E. et aI. "Human basophil degranulation triggered by very dilute antiserum against IgE" Nature 1988; 333: 816-818 Voltar Para Saber Mais: A Homeopatia Funciona?
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,19/11/97.
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