citações do livro "Condição Pós-moderna" de David Harvey, 1992

(21) "A modernidade", escreveu Baudelaire em seu artigo seminal "The painter of modern life" (publicado em 1863), "é o transitório, o fugidio, o contingente, é uma metade da arte, sendo a outra o eterno e o mutável."

(21) Eis, por exemplo, a descrição de Berman (1982): "Há uma modalidade de experiência vital - experiência do espaço e do tempo, do eu e dos outros, das possibilidades e perigos da vida - que é partilhada por homens e mulheres em todo o mundo atual. Denominarei esse corpo de experiência 'modernidade'." Ser moderno é encontrar-se num ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, transformação de si e do mundo - e, ao mesmo tempo, que ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. Os ambientes e experiências modernos cruzam todas as fronteiras da geografia e da etnicidade, da classe e da nacionalidade, da religião e da ideologia, nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une toda a humanidade. Mas trata-se de uma unidade paradoxal, uma unidade da desunidade; ela nos arroja num redemoinho de perpétua desintegração e renovação, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia. Ser moderno é ser parte de um universo que, como disse Marx, "tudo que é sólido desmancha no ar".

(29) Se voltarmos à formulação de Baudelaire, por exemplo, vemo-lo definindo o artista como alguém capaz de concentrar a visão em elementos comuns da vida da cidade, compreender suas qualidades fugidias e ainda assim extrair do movimento fugaz, todas as sugestões de eternidade nela contidas.

(45) (...) A maioria, acredito, concordaria com a declaração mais cautelosa de Huyssens (1984): O que aparece num nível como o último modismo, promoção publicitária e espetáculo vazio é parte de uma lenta transformação cultural emergente nas sociedades ocidentais, uma mudança da sensibilidade para a qual o termo "pós-moderno" é na verdade, ao menos por agora, totalmente adequado. A natureza e a profundidade dessa transformação são discutíveis, mas transformação ela é. Não quero ser entendido erroneamente como se afirmasse haver uma mudança global de paradigma nas ordens cultural, social e econômica: qualquer alegação dessa natureza seria um exagero. Mas, num importante setor da nossa cultura, há uma notável mutação na sensibilidade, na prática e nas formações discursivas que distingue um conjunto pós-moderno de pressupostos, experiências e proposições do de um período precedente.

(46) (...) A "cidade colagem" é agora o tema, e a "revitalização urbana" substitui a vilificada "renovação urbana" como a palavra-chave do léxico dos planejadores.

(46) (...) O romance pós-moderno, alega McHale (1987), caracteriza-se pela passagem de um dominante "epistemológico" a um "ontológico".

(46) Na filosofia, a mescla de um pragmatismo americano revivido com a onda pós-marxista e pós-estruturalista que abalou Paris depois de 1968 produziu o que Bernstein (1985) chama de raiva do humanismo e do legado do Iluminismo". Isso desembocou numa vigorosa denúncia da razão abstrata e numa profunda aversão a todo projeto que buscava a emancipação humana universal pela mobilização das forças da tecnologia, da ciência e da razão.

(47) Hassan estabelece uma série de oposições estilísticas para capturar as maneiras pelas quais o pós-modernismo poderia ser retratado como uma reação ao moderno.

Tabela 1.1 Diferenças esquemáticas entre modernismo e pós-modernismo

modernismo

pós-modernismo

romantismo/simbolismo

parafísica/dadaísmo

forma (conjuntiva, fechada)

antiforma (disjuntiva, aberta)

propósito

jogo

projeto

acaso

hierarquia

anarquia

domínio/logos

exaustão/silêncio

objeto de arte/obra acabada

processo/performance/happening

distância

participação

criação/totalização/síntese

descriação/desconstrução/antítese

presença

ausência

centração

dispersão

gênero/fronteira

texto/intertexto

semântica

retórica

paradigma

sintagma

hipotaxe

parataxe

metáfora

metonímia

seleção

combinação

raiz/profundidade

rizoma/superfície

interpretação/leitura

contra a interpretação/desleitura

significado

significante

lisible (legível)

scriptible (escrevível)

narrativa / grande histoire

antinarrativa / petite histoire

código mestre

idioleto

sintoma

desejo

tipo

mutante

genital / fálico

polimorfo / andrógino

paranóia

esquizofrenia

origem / causa

diferença - diferença / vestígio

Deus Pai

Espírito Santo

metafísica

ironia

determinação

indeterminação

transcendência

imanência

Fonte: Hassan, 1985 apud Harvey, 1989, p. 48

 

(51) É muito interessante o emprego por Lyotard de uma extensa metáfora de Wittengenstein (o pioneiro da teoria dos jogos de linguagem) para iluminar a condição do conhecimento pós-moderno: "A nossa linguagem pode ser vista como uma cidade antiga: um labirinto de ruelas e pracinhas, de velhas e novas casas, e de casas com acréscimos de diferentes períodos; e tudo isso cercado por uma multiplicidade de novos burgos com ruas regulares retas e casas uniformes".

(52) Esses "determinismos locais" têm sido compreendidos por outros (e.g., Fish, 1980) como "comunidades interpretativas", formadas por produtores e consumidores de tipos particulares de conhecimento, de textos, com freqüência operando num contexto institucional particular (como a universidade, o sistema legal, agrupamentos religiosos), em divisões particulares do trabalho cultural (como a arquitetura, a pintura, o teatro, a dança) ou em lugares particulares (vizinhanças, nações, etc.). Indivíduos e grupos são levados a controlar mutuamente no âmbito desses domínios o que consideram conhecimento válido.

(52) A idéia de que todos os grupos têm o direito de falar por si mesmos, com sua própria voz, e de ter aceita essa voz como autêntica e legítima, é essencial para o pluralismo pós-moderno.

(53) (...) há na obra de Lyotard mais do que um indício de que o modernismo mudou porque as condições técnicas e sociais de comunicação se transformaram.

(53) Os pós-modernistas também tendem a aceitar uma teoria bem diferente quanto à natureza da linguagem e da comunicação. Enquanto os modernistas pressupunham uma relação rígida e identificável entre o que era dito (o significado ou "mensagem") e o modo como estava sendo dito (o significante ou "meio"), o pensamento pós-estruturalista os vê "separando-se e reunindo-se continuamente em novas combinações". O "desconstrucionismo" (movimento iniciado pela leitura de Martin Heidegger por Derrida no final dos anos 60) surge aqui como um poderoso estímulo para os modos de pensamento pós-modernos. O desconstrucionismo é menos uma posição filosófica do que um modo de pensar sobre textos e de "ler" textos. Escritores que criam textos ou usam palavras o fazem com base em todos os outros textos e palavras com que depararam, e os leitores lidam com eles do mesmo jeito. A vida cultural é, pois, vista como uma série de textos em intersecção com outros textos, produzindo mais textos (incluindo o do crítico literário, que visa produzir outra obra literária em que os textos sob consideração entram em intersecção livre com outros textos que possam ter afetado o seu pensamento). Esse entrelaçamento intertextual tem vida própria; o que quer que escrevamos transmite sentidos que não estavam ou possivelmente não podiam estar na nossa intenção, (...)

(57) O efeito desse colapso da cadeia significativa é reduzir a experiência a "uma série de presentes puros e não relacionados no tempo".

(57) A redução da experiência a "uma série de presentes puros e não relacionados no tempo" implica também que a "experiência do presente se torna poderosa e arrasadoramente vívida e 'material': o mundo surge diante do esquizofrênico com uma intensidade aumentada, trazendo a carga misteriosa e opressiva do afeto, borbulhando de energia alucinatória"(jameson, 1984, 120). A imagem, a aparência, o espetáculo podem ser experimentados com uma intensidade (júbilo ou terror) possibilitada apenas pela sua apreciação como presentes puros e não relacionados no tempo.

(58) Essa ruptura da ordem temporal de coisas também origina um peculiar tratamento do passado. Rejeitando a idéia de progresso, o pós-modernismo abandona todo sentido de continuidade e memória histórica, enquanto desenvolve uma incrível capacidade de pilhar a história e absorver tudo o que nela classifica como aspecto do presente.

(58) A "aura" modernista do artista como produtor é dispensada. "A ficção do sujeito criador cede lugar ao franco confisco, citação, retirada, acumulação e repetição de imagens já existentes.

(58) Há ,no pós-modernismo,  pouco esforço aberto para sustentar a continuidade de valores, de crenças ou mesmo de descrenças.

(62) Seja como for, boa parte do pós-modernismo é conscientemente anti-áurica e anti-vanguardista, buscando explorar mídias e arenas culturais abertas a todos. Não é por acaso que Sherman, por exemplo, usa a fotografia e evoca imagens pop que parecem saídas de um filme nas poses que assume.

 (63) A televisão também é, como aponta Taylor (1987, 103-5), "o primeiro meio cultural de toda a história a apresentar as realizações artísticas do passado como uma colagem coesa de fenômenos eqüi-importantes e de existência simultânea, bastante divorciados da geografia e da história material e transportados para as salas de estar e estúdios do Ocidente num fluxo mais ou menos ininterrupto". Isso requer, além disso, um espectador "que compartilhe a própria percepção da história do meio como uma reserva interminável de eventos iguais".

(65) A invocação de Jameson nos traz, por fim, à sua ousada tese de que o pós-modernismo não é senão a lógica cultural do capitalismo avançado.

(65) A promoção da publicidade como "a arte oficial do capitalismo" traz para a arte estratégias publicitárias e introduz a arte nestas mesmas estratégias.

(65) Façamos o que fizermos com o conceito, não devemos ler o pós-modernismo como uma corrente artística autônoma; seu enraizamento na vida cotidiana é uma de suas características mais patentemente claras.

 

 (164-169) Tabelas sobre a transição da economia:

 

Tabela 2.6 O novo capitalismo segundo Halal

 

O antigo capitalismo

(Paradigma industrial)

O novo capitalismo

(Paradigma pós-industrial)

Fronteira de progresso

crescimento difícil

crescimento esperto

Organização

estrutura mecânica

redes de mercado

Processo de decisão

comando autoritário

liderança participativa

Valores institucionais

alvos financeiros

alvos múltiplos

Foco gerencial

gerência operacional

gerência estratégica

Macrossistema econômico

grande negócio centrado no lucro

livre empresa democrática

Sistema mundial

capitalismo versus socialismo

híbridos do capitalismo e do socialismo

Fonte: Halal, 1986

 

 

 

Tabela 2.7 Contraste entre o capitalismo organizado e o capitalismo desorganizado segundo Lash e Urry

Capitalismo organizado

Capitalismo desorganizado

concentração e centralização do capital industrial, bancário e comercial em mercados nacionais

desconcentração do poder corporativo em rápido crescimento com relação aos mercados nacionais. Crescente internacionalização do capital e, em alguns casos, separação entre capital industrial e capital bancário

crescente separação entre propriedade e controle, e emergência de complexas hierarquias gerenciais

contínua expansão de estratos gerenciais que articulam suas próprias pautas políticas e individuais, bem distintas da política de classe

desenvolvimento de novos setores de intelligentsia gerencial, científica e tecnológica e de burocracia de classe média

declínio relativo / absoluto da classe trabalhadora

desenvolvimento de organizações coletivas e da negociação em regiões e nações-Estado

declínio da eficácia da negociação coletiva nacional

estreita articulação entre os interesses do Estado e os do capital dos grandes monopólios e aumento do Estado do bem-estar social de base classista

crescente independência dos grandes monopólios com relação aos regulamentos estatais e desafios diversificados ao poder e à burocracia estatais centralizados

expansão de impérios econômicos e controle da produção e de mercados no exterior

industrialização de países do Terceiro Mundo e desindustrialização de países centrais, que se voltam para a especialização em serviços

incorporação de diversos interesses de classe numa pauta nacional estabelecida por intermédio de compromissos negociados e regulamentos burocráticos

forte declínio de políticas e instituições de base classista

hegemonia da racionalidade técnico-científica

fragmentação cultural e pluralismo aliados ao solamento das identidades tradicionais nacionais ou de classe

concentração de relações capitalistas no âmbito de um número relativamente pequeno de indústrias e regiões

dispersão de relações capitalistas em muitos setores e regiões

indústrias extrativo-manufatureiras como fontes dominantes de emprego

declínio das indústrias extrativo-manufatureiras e ascensão das indústrias de serviços e organizacionais

forte concentração e especialização regionais em setores extrativo-manufatureiros

dispersão, diversificação da divisão territorial-espacial do trabalho

busca de economias de escala através do aumento da dimensão da fábrica (força de trabalho)

declínio da dimensão da fábrica propiciado pela dispersão geográfica, pelo aumento da subcontratação e por sistemas de produção global

desenvolvimento de grandes cidades industriais dominando regiões através do fornecimento de serviços centralizados (comerciais e financeiros)

declínio das cidades industriais e desconcentração - dos centros urbanos para áreas periféricas ou semi-rurais -, criando agudos problemas nos pontos adjacentes ao centro das cidades

configuração cultural-ideológica do "modernismo"

configurações cultural-ideológicas do "pós-modernismo"

Fonte: a partir de Lash e Urry (1987).

 

 

Tabela 2.8 Contraste entre o fordismo e a acumulação flexível segundo Swyngedouw

Produção fordista

(baseada em economias de escala)

Produção just-in-time

(baseada em economias de escopo)

A. O PROCESSO DE PRODUÇÃO

produção em massa de bens homogêneos

produção em pequenos lotes

uniformidade e padronização

produção flexível e em pequenos lotes de uma variedade de tipos de produto

grandes estoques e inventários

sem estoques

testes de qualidade ex-post (detecção tardia de erros e produtos defeituosos)

controle de qualidade integrado ao processo (detecção imediata de erros)

produtos defeituosos ficam ocultados nos estoques

rejeição imediata de peças com defeito

perda de tempo de produção por causa de longos tempos de preparo, peças com defeito, pontos de estrangulamento nos estoques, etc.

redução do tempo perdido, reduzindo-se a "porosidade do dia de trabalho"

voltada para os recursos

voltada para a demanda

integração vertical e (em alguns casos) horizontal

integração (quase-) vertical, subcontratação

redução de custos através do controle dos salários

aprendizagem na prática integrada ao planejamento a longo prazo

B. TRABALHO

realização de uma única tarefa pelo trabalhador

múltiplas tarefas

pagamento pro rata (baseado em critérios da definição do emprego)

pagamento pessoal (sistema detalhado de bonificações)

alto grau de especialização de tarefas

eliminação da demarcação de tarefas

pouco ou nenhum treinamento no trabalho

longo treinamento no trabalho

organização vertical do trabalho

organização mais horizontal do trabalho

nenhuma experiência de aprendizagem

aprendizagem no trabalho

ênfase na redução da responsabilidade do trabalhador (disciplinamento da força de trabalho)

ênfase na co-responsabilidade do trabalhador

nenhuma segurança no trabalho

grande segurança no emprego para trabalhadores centrais (emprego perpétuo). Nenhuma segurança no trabalho e condições de trabalho ruins para trabalhadores temporários

C. ESPAÇO

especialização espacial funcional (centralização / descentralização)

agregação e aglomeração espaciais

divisão espacial do trabalho

integração espacial

homogeneização dos mercados regionais de trabalho (mercados de trabalho espacialmente segmentados)

diversificação do mercado de trabalho (segmentação interna do mercado de trabalho)

distribuição em escala mundial de componentes e subcontratantes

proximidade espacial de firmas verticalmente quase integradas

D. ESTADO

regulamentação

desregulamentação / re-regulamentação

rigidez

flexibilidade

negociação coletiva

divisão / individualização, negociações locais ou por empresa

socialização do bem-estar social (o Estado do bem-estar social)

privatização das necessidades coletivas e da seguridade social

estabilidade internacional através de acordos multilaterais

desestabilização internacional; crescentes tensões geopolíticas

centralização

descentralização e agudização da competição inter-regional / interurbana

o Estado / cidade "subsidiador"

o Estado / cidade "empreendedor"

intervenção indireta em mercados através de políticas de renda e de preços

intervenção estatal direta em mercados através de aquisição

políticas regionais nacionais

políticas regionais "territoriais" (na forma de uma terceira parte)

pesquisa e desenvolvimento financiados pelas firmas

pesquisa e desenvolvimento financiados pelo Estado

inovação liderada pela indústria

inovação liderada pelo Estado

E. IDEOLOGIA

consumo de massa de bens duráveis: a sociedade de consumo

consumo individualizado: cultura "yuppie"

modernismo

pós-modernismo

totalidade / reforma estrutural

especificidade / adaptação

socialização

individualização; a sociedade do "espetáculo"

 Fonte: Swyngedouw (1986)

(175) No final, com efeito, o que conta é o modo particular de combinação e de alimentação mútua das estratégias absoluta e relativa.

(175) Em condições de acumulação flexível, parece que sistemas de trabalho alternativos podem existir lado a lado, no mesmo espaço, de uma maneira que permita que os empreendedores capitalistas escolham à vontade entre eles.

(176) (...) A acumulação flexível se mostra, no mínimo, como uma nova configuração, requerendo, nessa qualidade, que submetamos a escrutínio as suas manifestações com o cuidado e a seriedade exigidos, empregando, não obstante, os instrumentos teóricos concebidos por Marx.

(184) (...) parece de fato importante acentuar o grau até o qual a cumulação flexível tem de ser considerada uma combinação particular e, quem sabe, nova de elementos primordialmente antigos no âmbito da lógica geral da acumulação do capital. Além disso, se tenho razão em analisar que a crise do fordismo foi, em larga medida, uma crise da forma temporal e espacial, deveríamos dar uma atenção a essas dimensões do problema muito maior do que se costuma, seja nas modalidades radicais ou convencionais de análise. Fazemos isso de maneira mais cuidadosa na Parte III, visto também haver indícios de que a modificação da experiência do tempo e do espaço está, ao menos de modo parcial, na base da impulsiva reviravolta na direção de práticas culturais e de discursos filosóficos pós-modernistas.

(256) A oposição entre o Ser e o Vir-a-Ser é central na história do modernismo. É preciso vê-la em termos políticos como uma tensão entre o sentido do tempo e o foco do espaço. Depois de 1848, o modernismo como movimento cultural lutou com essa oposição, muitas vezes de modo criativo. O combate envolveu em todos os aspectos o avassalador poder do dinheiro, do lucro, da acumulação de capital e do Estado como quadro de referência no âmbito do qual todas as formas de prática cultural tinham de se desenrolar.(...) E, sobretudo, o sentido mutante do espaço e do tempo, forjado pelo próprio capitalismo, forçara perpétuas reavaliações das representações do mundo na vida cultural.

(257) Como os usos e significados do espaço e do tempo mudaram com a transição do fordismo para a acumulação flexível? Desejo sugerir que temos vivido nas duas últimas décadas uma intensa fase de compressão do tempo-espaço que tem tido um impacto desorientado e disruptivo sobre as práticas político-econômicas, sobre o equilíbrio do poder de classe, bem como sobre a vida social e cultural.

(258) Dentre os muitos desenvolvimentos da arena do consumo, dois têm particular importância. A mobilização da moda em mercados de massa (em oposição a mercados de elite) forneceu um meio de acelerar o ritmo do consumo (...)numa ampla gama de estilos de vida e atividades de recreação(...). Uma segunda tendência foi a passagem do consumo de bens para o consumo de serviços (...). O tempo de vida desses serviços (...), embora difícil de estimar, é bem menor do que o de um automóvel (...).

(258) A dinâmica de uma sociedade do descarte, como a apelidaram escritores como Alvin Toffler (1970) (...) significa muito mais do que jogar fora bens produzidos (...); significa também ser capaz de atirar fora valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, apego a coisas, edifícios, lugares, pessoas e modos adquiridos de agir e ser.

(259) Com efeito, a volatilitade torna extremamente difícil qualquer planejamento de longo prazo. (...) hoje é tão importante aprender a trabalhar com a volatilidade quanto acelerar o tempo de giro.

(260) Acresce que as imagens se tornaram, em certo sentido, mercadorias. Esse fenômeno levou Baudrillard (1981) a alegar que a análise marxiana da produção de mercadorias está ultrapassada, porque o capitalismo agora tem preocupação predominante com a produção de signos, imagens e sistema de signos, e não com as próprias mercadorias.

(260) (...) A aquisição de uma imagem (por meio da compra de um sistema de signos como roupas de griffe e o carro da moda) se torna um elemento singularmente importante na auto-apresentação nos mercados de trabalho e, por extenção, passa a ser parte integrante da busca de identidade individual, auto-realização e significado na vida.

(261) (...) Isso constitui por si só uma questão importante, levando-nos de modo mais explícito a considerar o papel do simulacro no pós-modernismo. Por "simulacro" designa-se um estado de réplica tão próxima da perfeição que a diferença entre o original e a cópia é quase impossível de ser percebida. Com as técnicas modernas, a produção de imagens como simulacros é relativamente fácil. Na medida em que a identidade depende cada vez mais de imagens, as réplicas seriais e repetitivas de identidade (individuais, corporativas, institucionais e políticas) passam a ser uma possibilidade e um problema bem reais. por certo podemos vê-las agindo no campo da política, em que os fabricantes de imagens e a mídia assumem um papel mais poderoso na moldagem de identidades políticas.

(262) (...) Trata-se de uma indústria em que reputações são feitas e perdidas da noite para o dia, onde o grande capital fala sem rodeios e onde há um fermento de criatividade intensa, muitas vezes individualizada, derramado no vasto recepiente da cultura de massa serializada e repetitiva.(...) Ela se torna um meio social de produção do sentido de horizontes temporais em colapso de que ela mesma, por sua vez, se alimenta tão avidamente.

(263) (...) A volatilidade e a efemeridade também tornam difícil manter qualquer sentido firme de continuidade. A experiência passada é comprimida em algum presente avassalador.

(264) (...) Talvez seja apropriado o fato de o prédio do desenvolvimentalista pós-moderno, sólido como o granito cor-de-rosa do prédio da AT&T, de Philip Johnson, ser financiado por uma dívida, construído com base no capital fictício e concebido arquitetonicamente, ao menos no exterior, mais no espírito da ficção do que na função.

(264) Não foram menos traumáticos os ajustes espaciais. Os sistemas de comunicação por satélite implantados a partir do início da década de 70 tornaram o custo unitário e o tempo da comunicação invariantes com relação à distância. Custa o mesmo a comunicação com uma distância de 800 quilômetros e de 8000 via satélite. As taxas de frete aéreo de mercadorias também caíram dramaticamente, enquanto a conteinerização reduziu o custo do transporte rodoviário e marítimo pesado. Hoje é possível a uma grande corporação multinacional como Texas Instruments operar fábricas com decisões simultâneas em termos de custos financeiros, de venda e de insumos, controle de qualidade e condições do processo de trabalho em mais de cinqüenta localidades diferentes espalhadas pelo globo (Dicken, 1986,p 110-113). A televisão de massa associada com a comunicação por satélite possibilita a experiência de uma enorme gama de imagens vindas de espaços distintos quase simultaneamente, encolhendo os espaços do mundo numa série de imagens de uma tela de televisão. O mundo inteiro pode assistir aos Jogos Olímpicos, à Copa do Mundo, à queda de um ditador, a uma reunião de cúpula política, a uma tragédia mortal... enquanto o turismo em massa, filmes feitos em locações espetaculares tornam uma ampla de experiências simuladas ou vicárias daquilo que o mundo contém acessível a muitas pessoas. A imagem de lugares e espaços se torna tão aberta à produção e ao uso efêmero quanto qualquer outra.

 (270) A cozinha do mundo inteiro está presente atualmente num único lugar de maneira quase exatamente igual à da redução da complexidade geográfica do mundo a uma série de imagens numa estática tela de televisão. Esse mesmo fenômeno é explorado em palácios de diversão como Epcott e Disneyworld; torna-se possível, como dizem os comerciais americanos, "viver o Velho Mundo por um dia sem ter de estar lá de fato". A implicação geral é de que, por meio da experiência de tudo - comida, hábitos culinários, música, televisão, espetáculos e cinema -, hoje é possível vivenciar a geografia do mundo vicariamente, como um simulacro. O entrelaçamento de simulacros da vida diária reúne no mesmo espaço e no mesmo tempo diferentes mundos (de mercadorias). Mas ele o faz de tal modo que oculta de maneira quase perfeita quaisquer vestígios de origem, dos processos de trabalhos que os produziram ou das relações sociais implicadas em sua produção.

 


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