fragmentos

Teledomingo

Um ator desempregado roda com uma lata no Parque da Redenção, em Porto Alegre. Manhã de domingo, frio mas não muito, um tonel azul e um calção. Ele rola, enfia-se na lata, sai da lata, fala coisas incompreensíveis, grita, dirige-se aos passantes, para a mão pela cabeça, as duas mãos, como se estivesse desesperado, fala inglês, russo (será?), mistura coisas e palavras numa velocidade em que é impossível discernir o que está dizendo. Deita-se sobre o tonel e geme. Resultado: dez minutos na TV, entrevista e enquete de opiniões entre os presentes.

As opiniões são bastante adequadas, talvez tenham sido selecionadas pela produção do programa: um professor de educação física acha que é uma forma de representar a loucura, muito criativa e verdadeira, como o louco realmente se sente e o espaço que precisa para se expressar; um vendedor de cachorro-quente acha que ele está querendo atrair a atenção para algum grupo de teatro, mas ele acha que não entende este tipo de arte, acha que é bobagem; uma estudante de comunicação acha tri-legal, a gente tem vontade de fazer o mesmo com a vida como está e os políticos fazendo o tipo de besteiras que estão fazendo, acha que todos deveriam pegar uma lata e fazer o mesmo, o entrevistador e ela acabam rindo às gargalhadas; uma professora primária diz que é uma representação muito bem bolada sobre o estresse da vida, o custo de vida, e a violência urbana; um estudante de segundo grau pensa que é como o drogado se sente, dominado pela dependência e pela lesão química da droga; um rapaz acha que é um grito do movimento gay, enfim as pessoas tem que saber como são discriminados e maltratados pela sociedade... O parque é usado freqüentemente como palco para estas exibições. Ao ser entrevistado o ator diz que está desempregado e que resolver mostrar como pode mobilizar os outros com elementos simples, chamar a atenção pra ver se alguém se interessa em sua arte.

 

Brian Weiss, terapeuta de vidas passadas, com um best-seller no currículo, visita Porto Alegre no mesmo dia. Com afirmativas extremamente simples, um rosto sem expressão afetiva nenhuma, um sorriso suave, explica porque a vida é tão complicada: trazemos traumas de outras vidas para aprender. Não existe o passado, o presente, o futuro, somos um só numa sucessão de vidas, que se estendem do passado mais longínquo ao futuro mais distante. Para a terapia o futuro não interessa, só o passado. As palestras tem as vagas limitadas a 600 pessoas, com um preço de 75 dólares americanos por cabeça (ou vida?), com direito a uma meditação cósmica com guia espiritual (médium) ao final.

 

Gabi

Paulo Coelho lançando seu livro "Veronika decide morrer", vai a todos os programas os programas de entrevista da TV brasileira. No domingo 09 de agosto de 1998, em entrevista com Marília Gabriela, exibida em seu programa no SBT, diz que tem uma tatuagem de uma borboleta no antebraço (e mostra), feita no Marrocos, porque este inseto é o símbolo da Alquimia: passa de uma forma à outra sem alterar sua essência. Com efeito, vale a pena ouvi-lo dizer que é católico, acredita que os anjos influem diretamente em nossas vidas, considera-se um mago, é ex-paciente psiquiátrico, conhece magia negra (mas é contra) e cantor de rock, entre outros eus que povoam sua alma... e é escritor de profissão, tendo entre seus leitores o presidente Jaques Chirac e a primeira dama Ruth Cardoso, uma das personalidades da intelectualidade brasileira.

 

Homenagem a JJ

Stephen Dédalus observa o mar pela janela enquanto mastiga um naco de rim de ovelha frito...se escuta o mar bater nas pedras do farol. Mulligan está impossível nesta manhã e o fustiga constantemente com provocações. Ouvem-se débeis batidas na porta de madeira velha, que são respondidas com a expressão de impaciência de ambos: "Já não era sem tempo, quase acabamos!"Uma velha com palidez cancerígena entrega o jarro de leite, mais escuro que ela própria, que vai para os copos e desce aos trancos pelo esôfago dos dois homens, com um ruído grosseiro. Mulligan anota algo com visível prazer e mastiga um pedaço de gordura fria, apanhada com o raspar de um pedaço de pão na chapa de ferro. O mar, indiferente segue proporcionando o "concerto" habitual, como um fundo musical deslocado. O mesmo que terá proporcionado às noites românticas e ardentes de Vênus e Vulcano. É sempre assim, o casamento do bruto e do suave, da força e da beleza. Dédalus pensa, logo existe. Mulligan é pura fantasia. Faz apenas planos para o almoço, caminha pesadamente até o bar. O farol indiferente, escuta as ondas...

 

Navigators

 

Dez homens se arrastam por um túnel, cavado anteriormente por outros homens, talvez centenas de anos antes, com as próprias mãos, talvez cristãos de épocas que hoje nem se quer lembrar. A peste já dizimou um terço dos moradores da aldeia, outros já mostram sinais de febre, mas não foi o número de doentes que os levou a embrenhar-se no túnel. Foi o sonho de um deles. Uma igreja de um país estranho, talvez distante, mas com a mesma paisagem daquela aldeia. O mesmo monte, que sempre esteve lá. Sempre estará. O túnel cavado nas entranhas do monte leva a algum lugar na insanidade do desespero. Uma igreja, com uma cruz de fogo sem chamas, cercada por anjos e demônios com olhos flamejantes que se deslocam rapidamente de um lado para o outro, sem cessar. Cruzam indiferentes uns aos outros, carregando gente no seu ventre escuro e transparente. Um rosto, às vezes sério, às vezes sorridente se pode ver num piscar quase impossível... não devem sofrer, não devem... eles sorriem. A cruz lá está, soberana, brilhante, e fria. A cura tem que ser esta, só assim, só assim... A cura é uma questão de fé.

No desespero amortecido os homens se arrastam à procura de um sonho, no escuro sufocante, quase sem luz, quase sem ar, até o escuro aberto e infinito do outro lado, no caminho dos demônios. A saída, o ar com cheiro de fumaça, os demônios velozes, com suas pobres vítimas indiferentes, nada pode perturbar a fé daqueles homens, nem os gritos lancinantes que lançam ao vê-los quando tentam cruzar em seu caminho. Guinchos horripilantes, sons de animais que não existem, gelando a alma medieval dos viajantes. Gemidos horríveis, próprios dos delírios dos possuídos, da febre dos dementes... A cruz em cima da igreja, construída do barro mais duro que nunca existiu, inquebrável e tremendamente pesada. O medo, o medo indizível da escuridão daquela terra desgarrada do tempo, não detém o grupo, que escala a pequena igreja e traz a cruz. Na volta o ronco surdo vai ficando para trás até sumir.

Ao amanhecer os moribundos começam a melhorar, alguns a acordar. A cruz, manchada pelo sangue daqueles homens, que seus espinhos transparentes fizeram derramar, agora sem o fogo frio que a cercava vai de casa em casa. Algumas bolhas restaram, mas não o fogo. O anão coloca a mão na água do riacho, fonte de água da aldeia, e bebe devagar e longamente... Olha o monte sagrado, altivo, inspirador, de onde vem a vida... Numa bolsa de couro traz a lembrança daquela noite eterna de bravura e sacrifício, uma moeda de ouro com um lado transparente, dentro do qual dois traços de ouro ora estão num lado, ora estão no outro, sem que se saiba como se moveram. Outro traço vermelho roda, roda, sem parar, como se marcasse o número de voltas que um homem dá na vida antes de chegar a Deus... Jamais a peste voltará a dizimar aquela aldeia de homens que acreditam nos seus sonhos, jamais...

 

Netscape 

Uma empresa como a Netscape não existia há 5 anos, e neste período desenvolveu um capital de dois bilhões de dólares. No último ano, entretanto, perdeu um bilhão de dólares deste capital (metade de seu capital ativo). Canal GLOBO News - 06/09/1998 - Entrevista.

 

Medicina Alternativa

Vimos nos últimos dias (setembro de 1998) o Conselho Federal de Medicina brasileiro proibir aos médicos o exercício da chamada Medicina Alternativa, a menos que se apresentem provas, aceitas pela comunidade científica (através de seus órgãos de divulgação - as revistas com conselho editorial competente), de sua eficácia e utilidade. Exclui assim do mercado mais de cem modalidades espúrias de tratamento. Quanto tempo transcorrerá até que esta atitude chegue ao campo das psicoterapias? Não muito, eu penso. As autoridades norteamericanas e dos países europeus com legislação forte como a Alemanha e a Inglaterra já solicitaram e foram atendidas, relatórios dos órgãos de classe (APA, ApsA,), ditando critérios para a prática assim como a lista das que se encaixam nestes critérios e as que ainda não se encaixam nestes. Estes critérios foram desenvolvidos com a consulta a milhares de universidades e profissionais que produzem e publicam na área.

 

 


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