Vampiro de Curitiba

       

Ah, ele virá.
Certo virá.
Agora que a noite se aproxima.
Em meu pescoço. Ele virá.
A força de seu corpo
navegando por meu corpo.
Os dentes nas carótidas,
nos meus seios, ai, meu púbis angelical.
Não assim tão fundo.
É a paixão que me devora.
Presa dos caprichos do vampiro.
Que noite densa o relógio anuncia.

Os passos na escada.
Os dentes no pescoço.
Não, menos , ai, agora, mais no fundo.
Meu vampiro particular que me possuis.
A maldição me faz escrava.
O vampiro pede. Sim, eu dou.
Triste sina, doce servidão.
Sim e não.
Ao abrir a porta, meu espanto dentro da noite.
Fugirei? O corpo se esquiva, recusa
os afagos ásperos do morcego.
Por fim, como cera, me derreto
no calor dos sussurros, perdida nos lençóis.
A vida inteira tua escrava.
Claro, a vida toda, enquanto a servidão durar.
Os olhos do vampiro me chamando
para as delícias do leito.
A confusão de pernas, bocas libidinosas,
linguagem de carícias.
Este ser que durante o dia é operário,
advogado, contador, soldado,
qualquer coisa masculina e não sexual.
Mas à noite. Todos os vampiros vem à noite.
E noite é febre de paixão
que invade minha carne tenra e suada.
Se tens de vir aplaca tua fúria no meu sangue.
Morde meu pescoço.
Com o sol se vão os vampiros.
Com o sol, resolver assuntos profissionais,
questões anticoncepcionais e tabus sexuais.
Mas da noite é que se trata
e do corpo masculino do vampiro,
cheiro de homem, bicho da terra, invadindo meu corpo.
Eu me dou, tu me dás.
Batem à porta. Por que estes olhos fundos?
E esta voragem toda?
Esta necessidade de me ver por baixo da roupa?
Vampiros não tem psicologia.
Nada de romantismos.
É fúria de macho.
Inclino a cabeça para o lado.
Meu pescoço fresco a vista.
Não, ele não compreende. Deseja meu sangue.
Só isso?
Pensa que assim sou feliz?
Há algo errado em amar vampiros.
A essência, a compreensão do amor
cada vez mais distante.
Toda noite penso em dizer:
'Pare. É preciso algo mais que esta sangria noturna.'
Então ele me diz que se não me amasse
não viria toda noite.
Bicho noturno. Coisa soturna.
Esta vida: vencer a luta pelo pão nosso.
Mas nem só de pão e a noite chega.
Turvo e esquivo. De início vago e distante.
Logo, braços me enlaçam.
O hálito de alguém que funga em minha nuca.
E já estou entregue ao ritual.
Missa silenciosa de amor noturno.
Tomai e comei, este é o meu corpo.
O sangue da nova e eterna aliança
que é derramado por vós.
Bicho masculino, coisa de rapina.
Os vampiros não amam. Os vampiros sangram.
Que perturbação. A porta, eu sempre abro
e deixo vir. É feitiço. Que fazer?
Tudo está consumado.
Em tuas mãos entrego meu corpo.
... O dia já se desenha na janela.
As mãos no pescoço. O espelho acusa
marcas quase imperceptíveis.
Mordida de algum animal
com caninos desenvolvidos
.

 

 

  Texto de K

To: Paulo

by Maga Patalógika - 11/2000