Artigo retirado da Revista Veja de 12 de Maio de 1999
" A cena ficou imortalizada no filme Tubarão, de Steven Spielberg. O mar vermelho de sangue, um corpo se debatendo enquanto é violentamente puxado para baixo e os gritos de banhistas aterrorizados. Na semana passada aconteceu de novo, desta vez, na vida real. No sábado dia 1o de maio, os freqüentadores da Praia da Boa Viagem, no Recife, assistiram impotentes a mais um ataque de tubarão. O estudante Charles Heitor Barbosa Pires, de 21 anos, estava surfando apenas 70 metros da areia quando a fera o mordeu na perna e o derrubou da prancha. Dentro da água, Charles tentou se defender esmurrando o dorso do tubarão. Foi uma luta desesperada que durou apenas alguns segundos. Numa segunda investida, o animal abocanhou-lhe a mão direita. Em seguida, esmigalhou-lhe também a mão esquerda. O rapaz foi salvo por três salva-vidas do Corpo de Bombeiros que, num ato de heroísmo, se atiraram na água e o resgataram da boca do tubarão.
Outros ataques ocorridos nos últimos anos em Pernambuco:
Escrito por Dina Duarte
"Quando chegamos ao local, ele gritava desesperado em meio a uma poça de sangue", diz Antônio Nascimento um dos Bombeiros. "Em doze anos de profissão nunca vi nada parecido." Vinte minutos após o salvamento, o surfista deu entrada no Hospital da Restauração para uma cirurgia de amputação das mãos, destroçadas pelo tubarão. "O atendimento imediato salvou sua vida.", afirma Carlos Alberto Figueiredo, cirurgião vascular que o operou. "Ele poderia ter morrido com a hemorragia." Junto com Charles, também deu entrada no hospital um dos bombeiros que participaram do salvamento. Estava em estado de choque, por causa da cena que testemunhou.
Os ataques de tubarões na costa de Pernambuco tornaram-se freqüentes nos últimos anos. Os números são impressionantes. Pelas estatísticas oficiais, foram registrados 32 acidentes no Estado desde 1992, quase metade dos 89 ocorridos no país inteiro, durante todo o século. Mais de 95% dos ataques aconteceram com praticantes de surfe ou bodyboard. A maior parte desses jovens sofreu mutilações ou traumas irreversíveis. Nem mesmo na Flórida, que detém o sinistro recorde de 109 ataques em cinco anos, os acidentes foram tão graves. Lá, nenhuma morte foi registrada.
Há várias explicações para os ataques em Pernambuco. Algumas dizem a respeito à temperatura e à concentração de nutrientes na água. Mas os especialistas apontam também dois motivos relacionados à atividade humana na região. Segundo eles, o crescimento no número de ataques coincide com a construção do Complexo Industrial de Suape, 40 quilômetros ao sul do Recife. Instalado em 1989, o porto alterou os cursos das correntes marítimas nas imediações da capital pernambucana. Correntes que passavam longe do litoral agora se formam mais próximas à costa, na direção das praias da Zona Sul da cidade. Como os tubarões seguem essas correntes, em vez de irem para alto-mar, eles estão se alimentando perto das praias. Além disso, o fluxo de navios aumentou consideravelmente, e as embarcações costumam despejar comida no mar, atraindo os animais. Os surfistas, que se arriscam pegando ondas além dos arrecifes, naturalmente foram incorporados a cadeia alimentar do animal. "Surfar nessas áreas é praticar roleta-russa.", adverte Fábio Hazin, professor do departamento de pesca da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
(...) No entanto, é injusto atribuir ao tubarão a fama de devorador de gente. Das 480 espécies existentes no mundo, apenas trinta são ameaçadoras. Mesmo essas só são agressivas quando sentem seu espaço invadido. No litoral pernambucano, a maior parte dos ataques é atribuída ao tubarão de cabeça chata, uma espécie que atinge até 3 metros de comprimento.
O mecanismo que leva um tubarão a atacar um surfista é bem conhecido. As vibrações produzidas pelos invasores, no caso os surfistas, despertam os instintos do bicho. O movimento das pernas e das mãos na água produz ondas sonoras semelhantes às emitidas pelos peixes que lhe servem de alimento. Sendo assim, parte das investidas é feita por engano. "O tubarão é curioso e oportunista.", explica o pesquisador Otto Bismarck Gadig, consultor no Brasil do Arquivo Internacional de Ataque de Tubarões, sediado na Flórida. "É comum morder para identificar o estranho em seu habitat."
Respeitar o bom senso é a melhor maneira de evitar que tragédias como as ocorridas com Charles Pires e tantos outros se repitam. Apesar do grande número de vítimas e do alerta das autoridades, os surfistas pernambucanos teimam em desafiar o perigo. Nos dias seguintes ao ataque, ainda se avistavam aventureiros em busca de ondas no mar de Boa Viagem. Enquanto isso, o governo de Pernambuco discute um decreto que proíbe a prática do surfe em 40 quilômetros do litoral do Estado. Previsto para entrar em vigor nas próximas semanas, o projeto determina até a prisão em flagrante de quem transgredir essa ordem."
Enoque dos Santos: morto a dentadas em setembro de 1992
Eduardo Cruz: teve a perna esquerda destroçada em 1992
Charles Veras: teve a perna dilacerada em janeiro de 1993
Robson Santos: morto num ataque em julho de 1993
Sérgio da Silva: atacado na perna em fevereiro de 1994
Albano Dias Filho: ferido na perna em março de 1994
Carlos Martins: teve o pé arrancado em julho de 1994
Jorge Andrade: ferido na coxa direita em dezembro de 1994
Josebias Dias: ferido por mordida em outubro de 1996
Gilmar Jaime: ferido na perna em outubro de 1996.
Jurandir da Silva: ferido na perna direita em julho de 1997