"A RAZÃO DA MORTE"
ARGUMENTO e ROTEIRO
junho/91
Professora Maria Teresa
Este roteiro foi originalmente elaborado para a disciplina Linguagem Cinematográfica, ministrada pela professora Maria Tereza na Escola Superior de Propaganda e Marketing, durante o primeiro semestre de 1991.
A história se passa nas áreas urbana e suburbana da cidade de São Paulo, no ano de 1998 e também, supostamente, em 2193.
O protagonista, Doutor Jonas, é um conceituado cientista obcecado pelo seu trabalho. Não possui relacionamento profundo com ninguém. É reservado, tímido, introvertido e lacônico (estereótipo típico de cientista). Fisicamente é alto, magro, pálido e usa óculos, tendo uma aparência descuidada e relaxada.
Os figurantes que aparecem no "futuro" não apresentam personalidade delineada, pois eles apenas estão vagando no ambiente. Mas Ian, o único com quem Jonas tem contato na história, é feio, inteligente e racional, pensando sempre fria e diretamente.
O encontro entre Ian e o cientista é que determina o fim que o Jonas dá a essa história...
Dr. Jonas é determinado a obter uma fórmula que dê aos seres vivos a imortalidade. Sustenta suas pesquisas com os lucros de suas invenções, em especial o relógio atômico (cuja bateria acredita-se que seja eterna).
A história começa com Jonas finalizando mais um de seus programas de computador sobre a fórmula. Ele sai de casa satisfeito com os resultados e vai trabalhar no laboratório, na cidade. Mais tarde, Jonas volta para casa para pegar umas anotações e sai novamente, rumo ao seu escoderijo a pé, num início de noite.
Ao entrar por uma abertura oculta no solo, Jonas acende a luz do esconderijo, que possui um ambiente típico de um laboratório: tubos, béqueres, aparelhos, geradores de ar e energia, gaiolas com ratos, macacos e pássaros, uma cama desarrumada, e restos de comida espalhados perto dela.
Jonas vai até a despensa e pega uma maçã com uma etiqueta presa ao talo. Ele a observa e diz em voz média: "Hum...10 de dezembro de 97. Já faz cinco meses que injetei a fórmula nessa aqui." Ele olha a maçã e depois o relógio, que marca claramente: 10/MAIO/1998/DOMINGO/18:35. Ele a prova e diz que esta não sofreu nenhuma alteração em sua aparência externa. Jonas observa o laboratório ao seu redor e diz a si mesmo em tom ambicioso: "Já testei nas frutas, nos animais...os resultados plenamente positivos".
Jonas pega uma seringa e uma ampola e a enche. À frente do espelho ele fala que "agora é sua vez". Mas logo que ele faz a aplicação, suas feições tremem levemente. Jonas se deita temendo algum erro, mas tudo o que sente é sonolência. Ele adormece com a cabeça oposta ao seu relógio, que está marcando: 10/MAIO/1998/DOMINGO/18:38.
Quando (supostamente) acorda, Jonas se sente meio desorientado e diz para si: "O que houve? Sinto-me estranho... jovem... forte". Ele se sente bastante vitalizado, disposto, e vai ver quanto tempo havia passado. "Devo ter dormido demais", constata.
Mas qual não é seu susto quando vê o seu relógio marcando: 31/JULHO/2193/QUARTA/03:47. Jonas não podia acreditar, apesar de seu relógio ser infalível. A solução de qualquer dúvida dependia dele sair dali e ver por si mesmo.
Jonas sente dificuldade em abrir a tampa do esconderijo. Ela parece estar emperrada ou obstruída. Até que ela quebra e alguns entulhos caem sobre Jonas. Quando finalmente sai, ele vê tudo devastado, com pessoas vagando sem rumo pelo ar enevoado. Suas expressões são frias, apáticas, robóticas como zumbis.
O rosto de Jonas mostra medo, dúvida, tristeza... até que ele de súbito cai num buraco, como um refúgio. Jonas se fere na mão. Com a outra ele toma um lenço para limpar o sangue mas, quando o faz, não há mais nenhuma cicatriz ou sinal. Aí, Jonas expressa em sua face uma estranha alegria, até dizer: "Eu estou imortal...". Mal termina de dizê-lo para surpreender-se com a presença de um homem que lhe pergunta o que fazia ali. Mas Jonas pergunta quase o mesmo. O homem diz: "Eu sou Ian. Não se aflija. Eu ainda sou um racional..."
Jonas estranha o termo, e começa a interrogar Ian, que calma e diretamente responde a todas as suas preguntas. Ian termina por falar a Jonas os contras da idéia de imortalidade.
No momento em que Jonas percebe que os humanos daquela era estavam imortais (como ele constatou ter acontecido a ele também) sua face mostra uma estranha surpresa. Uma sensação de temor e culpa o invade. Ian pergunta o que ocorre, e Jonas agora explica tudo o que houve (desde o começo). Ian diz: "A imortalidade significa para todos os seres desta era algo pior que a morte. Esse inferno é a pior coisa que poderia nos surgir. E não sabemos como devolver às pessoas a idéia de meio e fim de nossa existência. Tudo começa a existir... e pronto!"
Jonas parece questionar, nos cinco segundos seguintes, anos e anos de trabalho árduo e sigiloso, e pensa: "Por que fui fazer isso, tão inultilmente? E minha invenção, ainda por cima, igualada, superada... enquanto eu dormia..." Ao tentar falar mais algo a Ian, este não está mais lá. Jonas grita e começa a correr pelo subterrâneo escuro, desesperado por um sinal qualquer.
De repente, Jonas se levanta de sua cama, ensopado, abatido, inquieto e assustado. Percebe que foi tudo um sonho. Ele olha o relógio, que marca 11/MAIO/1998/SEGUNDA/08:12. O alívio é instantâneo. Jonas se põe em pé, pega seus materiais sobre a fórmula e joga-os no lixo. E pensa, olhando para todas aquelas anotações: "A razão da existência das coisas talvez esteja no fato delas sempre terem seus limites... e além do mais, a humanidade ainda não provou merecer a eternidade, nem tampouco pode ter certeza de que algo possa realmente ser eterno... ou não..."
Jonas balança a cabeça com um leve sorriso aliviado, suspira, sai do esconderijo e sela a entrada. A imagem vai da entrada, passando pelos apetrechos do laboratório lentamente até enfocar seu relógio atômico de funcionamento eterno. Ele marca: 11/MA=O/1998/SEG=ND=/08:1=, pisca levemente e se apaga.
SEQÜÊNCIA 1 - AMBIENTE INTERIOR / LUZ ARTIFICIAL
CENA 1
Imagem dos livros na estante e logo a seguir o rosto de Jonas sentado ao computador. Seu olhar está fixo e o rosto imóvel (som das teclas ao fundo, num volume superior ao natural).
CENA 2
Jonas está sentado de costas, à frente do computador, e a tela mostra: "Fórmula Bio-Eterna - fase final".
CENA 3
Jonas, de perfil e à frente do computador, espreguiça e boceja, esticando os braços para cima. Ele diz: "(J1) - Está praticamente finalizada. Uma vida inteira... em prol da eternidade. Estarei dando a imortalidade a todos os seres. O que isso irá proporcionar?... (em tom de dúvida). Poderei pesquisar eternamente e obter o conhecimento pleno de tudo... e para sempre! (em tom inspirado)". Dá um leve sorriso.
CENA 4
Jonas levanta da cadeira, pega seus livros na cadeira ao lado do computador, abre a porta e sai de casa.
SEQÜÊNCIA 2 - AMBIENTE EXTERNO / DIA NUBLADO
Jonas vem a pé pela rua e sobe a escadaria de acesso ao Instituto de Pesquisas Científicas.
SEQÜÊNCIA 3 - AMBIENTE INTERIOR / LUZ NATURAL
Jonas abre a porta e entra em casa rapidamente, pega umas anotações e já sai, rumo à porta da casa, e a fecha.
SEQÜÊNCIA 4 - AMBIENTE EXTERNO / FIM DE TARDE / CÉU AVERMELHADO
Jonas vem andando até um bosque próximo e adentra-o, carregando seus papéis. Ao atingir uma pequena clareira, ele agacha e afasta as folhagens do chão, revelando uma abertura no solo. Ele abre uma espécie de tampa e entra.
SEQÜÊNCIA 5
CENA 1
Quando já está dentro do esconderijo, Jonas acende a luz e fecha a abertura. Ele dá uma olhada geral no laboratório lá instalado.
CENA 2
Lá estão todos os componentes do laboratório: tubos, béqueres, gaiolas com animais, a cama desarrumada ao fundo e os restos de comida. Jonas passa por tudo em direção à despensa perto da cama. Pega uma maçã e diz em voz alta: "(J2) - Hum... 10 de dezembro de 97. Já faz cinco meses que injetei a fórmula nessa aqui." Ele dá meia volta em direção da cama e olha o relógio próximo dali. Está marcando: 10/MAIO/1998/DOMINGO/18:35.
CENA 3
Jonas olha a maçã e diz: "(J3) - Não houve alteração externamente". Leva-a à boca e dá uma mordida. Após mastigar um pouco diz: "(J4) - Nem no sabor". Ele vira o rosto e dá uma volta em torno de si observando o laboratório ao seu redor. E diz em tom firme: "(J5) - Já testei nas frutas, nos animais... os resultados plenamente positivos." Pega uma seringa e uma ampola na mesa central, perto dos apetrechos ao seu lado.
CENA 4
Ele espeta a ampola com a seringa e puxa seu êmbolo, até enchê-la.
CENA 5
Jonas se dirije ao espelho fixado na parede perto da cama vendo sua imagem refletida, dizendo para ela: "(J6) - Agora é a sua vez!" Logo em seguida inicia a aplicação na veia do pescoço.
CENA 6
Um dos macaquinhos olha o que Jonas faz, curiosa e ingenuamente de dentro da gaiola.
CENA 7
Jonas tira a agulha do pescoço e começa a cambalear até encostar o corpo na parede. Seu rosto treme e a seringa cai no chão. Jonas vai até a cama e se deita. Diz: "(J7) - Não pode ser. Um erro agora é totalmente improvável." Seus olhos se fecham e a cabeça cai para o lado. Perto dela está o relógio que marca: 10/MAIO/1998/DOMINGO/18:38.
SEQÜÊNCIA 6
A imagem retoma o foco gradativamente. Jonas se levanta da cama e diz: "(J8) - O quê houve?... Sinto-me estranho... jovem... forte..." Seu olhar está límpido. Passa a mão na cabeça e diz: "(J9) - Devo ter dormido demais." Ele se volta para o seu relógio, franze a testa e se aproxima do visor para ver melhor. Vê-se 31/JULHO/2193/QUARTA/03:47. Diz, com espanto: "(J10) - Deve haver algo errado." Jonas percorre o laboratório em direção à saída do esconderijo, forçando a porta que custa a abrir. Quando consegue, alguns entulhos caem sobre ele. Tira o pó da roupa e sobe a escada na parede, saindo do esconderijo.
SEQÜÊNCIA 7 - AMBIENTE EXTERNO / NOITE / LUZ ARTIFICIAL REDUZIDA
CENA 1
Com meio corpo para fora, seus olhos percorrem os arredores. A visão que tem é de construções destruídas e abandonadas, sucatas de carros modernos e pessoas vagando, tudo à sua volta.
CENA 2
O rosto de Jonas expressa medo, dúvida e tristeza. Ele começa a sair do esconderijo, pondo-se de pé e depois andando e observando ao seu redor. Logo a seguir, cai em um buraco escavado na terra, semelhante a um refúgio. Jonas, sentado, repara no lugar onde caiu: escuro, sombrio, estreito, rudimentar... Ao se certificar de que está tudo em ordem, ele põe as mãos em direção a um facho de luz mais forte: sua mão direita está ferida.
CENA 3
Uma pequena quantidade de sangue sai do corte na mão direita.
CENA 4
Jonas põe a mão esquerda no bolso do avental e tira um lenço branco. Quando limpa o sangue, arregala os olhos, trazendo a mão para mais perto deles.
CENA 5
A mão direita está intacta sob o facho de luz.
CENA 6
O rosto de Jonas fica vivo e alegre. Ele diz: "(J11) - Eu consegui... Eu estou imortal..."
CENA 7
Jonas desvia o olhar rapidamente das mãos para a sua frente, percebendo a presença de alguém.
CENA 8
Do meio do escuro sai uma pessoa feia, maltrapilha... Jonas não consegue ver seu rosto claramente.
CENA 9
Jonas se levanta e mira o homem de cima a baixo.
CENA 10
(A imagem se fixa na posição do olhar de Jonas em direção a Ian)
O homem pergunta: "(I1) - Quem é... e o quê faz aqui?"
Jonas também diz (J12) quase o mesmo e ao mesmo tempo.
O homem continua: "(I2) - Eu sou Ian... eu ainda sou um racional. Não
se aflija. Não vou fazer mal..."
Jonas: "(J13) - Onde estou, que dia é hoje, por que só
há ruínas aí fora... esse mundo não é
o meu... não pode ser..."
Ian: "(I3) - Este é o planeta Terra do ano de 2193, mês
de julho, dia 31, madrugada. Um mundo vivo, como tantos descobertos no
Universo no último século. Mas com uma diferença:
aqui, nós nascemos... não morremos... e enlouquecemos...
somos imortais, graças à Ciência (diz com expressão
facial e tom de desprezo). E os humanos racionais estão se estinguindo.
A loucura vai substituir a razão e daí, morreremos todos...
e de uma forma bem pior!"
Jonas: "(J14) - Oh, não..."
Ian: "(I4) - Quê há?"
Jonas: "(J15) - O quê que eu fui fazer..."
Ian: "(I5) - Como assim?"
Jonas: "(J16) - Sou um cientista que passou quase toda a vida pesquisando
uma forma de imortalizar os seres vivos, e percebo que de nada adiantou.
Apliquei a fórmula em mim e dormi durante quase duzentos anos. Estou
imortal tanto quanto a todos e fadado a morrer... em vida eterna."
Ian se aproxima e fala de modo rude: "(I6) - A imortalidade significa
para todos os seres desta era algo pior que a morte. Este inferno é
a pior coisa que poderia nos surgir. E não sabemos como devolver
às pessoas a idéia de meio e fim de nossa existência.
Tudo começa a existir... e pronto!"
CENA 11
Jonas comprime as pálpebras e suspira. E diz por entre os dentes: "(J17) - Por quê fui fazer isso? Tão inutilmente. E minha invenção, ainda por cima igualada, superada... enquanto eu dormia..." Jonas ergue o rosto e o dirige para os dois lados procurando Ian.
CENA 12
Jonas grita e chama (J18) por Ian, e começa a correr pelo subterrâneo.
CENA 13
Jonas percorre desesperadamente a escuridão até ofegar e transpirar, gritando: "(J19) - Por favor, não me deixe aqui... não..."
SEQÜÊNCIA 8 - AMBIENTE INTERNO / LUZ ARTIFICIAL
CENA 1
Jonas acorda repentinamente, ensopado, abatido, pálido. Seu olhar está procurando por algo. Ele vira a cabeça em direção ao relógio situado bem atrás dela. Está marcando 11/MAIO/1998/SEGUNDA/08:12. Jonas suspira aliviado.
CENA 2
Jonas levanta-se da cama e fica em pé ao lado dela, olhando o
laboratório. Ele recolhe anotações, cadernos... amassa-os
com raiva e joga-os no lixo próximo à mesa, no chão.
A imagem vai do cesto de lixo até o rosto de Jonas e o enquadra.
Ao fundo, a sua voz: "(J20) - A razão da existência das
coisas talvez esteja no fato delas sempre terem seus limites... e além
do mais, a humanidade ainda não provou merecer a eternidade, nem
tampouco pode ter certeza de que algo possa ser eterno... ou não..."
Jonas balança a cabeça com um sorriso de alívio,
suspira e percorre o laboratório em direção à
porta do esconderijo, calmamente. Sobe a escada da parede e sai. A imagem
vai daí até passar lentamente por todos os objetos do laboratório
e parar na imagem do relógio. Está marcando exatamente: 11/MA=O/1998/SEG=ND=/08:1=.
Ele pisca levemente e se apaga.
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