Carta a Fliess - sobre os sonhos
(Jornal "Folha de São Paulo", 28 de novembro de 1999)
Viena, 7 de maio de 1900
9, Berggasse 19
Querido Wilhelm,
(...)
Nenhum crítico (nem mesmo o estúpido Löwenfeld, o Burckhard da neuropatologia)
consegue sentir mais claramente do que eu a disparidade entre os problemas e as
respostas a eles fornecidas (em "A Interpretação dos Sonhos"); e será uma justa
punição para mim que nenhuma das regiões inexploradas da vida psíquica em que
fui o primeiro mortal a pôr os pés receba meu nome ou obedeça a minhas leis.
Quando me pareceu que me faltaria o fôlego no combate travado, pedi ao anjo que
desistisse; e isso foi o que ele fez desde então. Mas não me saí como o mais
forte, embora, desde essa época, venha mancando visivelmente. Sim, na verdade,
estou agora com 44 anos, um judeu velho e meio surrado, como você verá por si
mesmo no verão ou no outono. Minha família, apesar disso, quis celebrar a data.
Meu próprio maior consolo é que não a privei de todas as realizações futuras.
Meus familiares poderão ter suas experiências e conquistas, na medida em que
elas estejam a seu alcance. Deixei-lhes uma base de onde começarem, mas não os
estou conduzindo ao cume de onde não mais poderiam alçar-se. (...)
Com as
mais cordiais saudações a todos vocês,
Seu,
Sigm.
Trechos de "A Correspondência Completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess -
1887-1904" (Ed. Imago).
Tradução de Vera
Ribeiro.