NAZISRAEL - José Arbex Jr.

(Revista Caros Amigos, Abril de 2002 – http://www.carosamigos.com.br)

 

"Quem deveria ser preso pelo assassinato de 120 paramédicos palestinos? Quem deveria ser condenado pela morte de mais de 1200 palestinos e pela punição coletiva imposta a 3 milhões de civis nos últimos dezoito meses? E quem deveria enfrentar a justiça internacional pela ocupação ilegal de terras palestinas e pela desobediência às resoluções da ONU por mais de 35 anos?"

O autor dessas perguntas, Lev Grinberg, é cientista político e diretor do Instituto Humphrey de Pesquisa Social da Universidade Ben Gurion, em Israel. Não é, portanto, nenhum "anti-semita", nenhum "islâmico fanático", nenhum "apoiador do holocausto", ninguém, em resumo, que possa ser enquadrado nos habituais e imbecis insultos destinados a qualquer um que critique o governo de Israel.

Grinberg continua: "Quero perguntar: quem prenderá Sharon, a pessoa diretamente responsável pelas ordens para assassinar os palestinos? Quando ele também será qualificado como terrorista? Por quanto tempo ainda o mundo pretende ignorar aquilo que dizem os palestinos – que eles apenas querem liberdade e independência? Quando vamos parar de ignorar o fato de que o objetivo do governo israelense não é a segurança, mas sim a permanente ocupação e dominação do povo palestino?"

O Relato de Mário Lill

A julgar pelas cenas de nazismo explícito praticado nas últimas semanas pelo exército de Israel contra o povo palestino, pessoas como o professor Grinberg ainda terão de esperar muito para aplacar sua angústia e indignação.

Vejamos o que relata Mário Lill, o brasileiro que ficou famoso ao entregar uma bandeira do MST a Yasser Arafat, durante um encontro mantido em seu escritório, na cidade sitiada de Ramallah. Lill fazia parte de uma comitiva internacional organizada pela Via Campesina, em solidariedade para com o povo palestino. A comitiva chegou em Ramallah no dia 28 de março, quase que no mesmo momento em que começou o pesadelo.

Em entrevistas diárias concedidas à rede de rádio CBN e em emails distribuídos pela Internet, Lill disse que "Sharon comanda um genocídio". Segundo ele, o exército israelense "está matando civis nas ruas e em suas casas, indiscriminadamente". E mais: "Os soldados também estão entrando nos hospitais, matando pessoas feridas e prendendo os médicos. As ambulâncias estão impedidas de circular e recolher os feridos. Até mesmo ambulâncias com organizações humanitárias estrangeiras estão sendo detidas".

Mentiras de um certo "jornalista"

Não é exatamente esse quadro que transparece na cobertura feita pela mídia internacional e brasileira. Thomas Friedman, o articulista do New York Times especializado em Oriente Médio, espécie de porta-voz daquele jornal, responsabiliza Yasser Arafat pela prática de terrorismo. Insiste na velha tecla de que Arafat poderia ter aceito o acordo de paz oferecido, em julho de 2000, por Bill Clinton e o então primeiro ministro israelense Ehud Barak, durante as negociações de Camp David. A ocupação israelense teria terminado, então, e estaria aberta a via para a formação do Estado Palestino. Arafat, ao recusar o acordo, teria estragado tudo. O único problema é que Friedman é cínico, mentiroso e parece acreditar que o mundo é povoado de imbecis.

A "tese" de Friedman – de resto, também defendida por um sem-número de papagaios sábios que , invariavelmente, adotam ares profundos de doutores para falar sobre o assunto – não resiste à menor análise.

Stephen Shalom, professor de ciências políticas na universidade William Paterson, de Nova Jersey, e articulista da revista eletrônica Z Net, lembra que um dos integrantes da equipe de negociadores de Bill Clinton, Robert Malley, lançou um livro definitivo sobre o assunto, no qual mostra que Arafat não poderia aceitar o acordo simplesmente porque não havia acordo algum (Camp David: The Tragedy of Errors, Robert Malley e Hussein Agha, New York Review of Books).

No livro, Malley nota que Barak, longe de ser o "democrata cordial" pintado pela mídia, multiplicou o número de assentamentos israelenses nos territórios palestinos ocupados durante o ano que durou o seu mandato. Em Camp David, diz Malley, Barak fez uma oferta indecente a Arafat, e ainda assim jamais escrita nem detalhada. Segundo Malley, "estritamente falando, nunca houve uma proposta israelense".

E qual foi a proposta que não houve? Para "resolver" o problema dos assentamentos israelenses, os palestinos receberiam uma área (não especificada, que Israel escolheria) equivalente a 1 por cento do total da Cisjordânia, em troca de 9 por cento da Cisjordânia onde já estavam formados assentamentos, que, na prática, dividem a Cisjordânia em regiões separadas. Isto é, a "proposta generosa" de Barak se resumia a criar bantustões palestinos.

Suicidas e terroristas

Stephen Shalon também nota que não há, nem pode haver, qualquer simetria entre o gesto desesperado dos palaestinos suicidas e a matança a sangue frio promovida pelos soldados israelenses. A razão é tão simples quanto trágica: "Muitos daqueles que aderem aos grupos terroristas enfrentam uma vida de desemprego e pobreza (...). Quando o desemprego atinge a margem dos 40 por cento e cerca de 45 por cento da população tem menos de 15 anos (como é o caso da Cisjordânia e Faixa de Gaza), as pessoas têm dificuldade em acreditar que seu futuro será brilhante". Essas considerações foram feitas a congressistas, dia 6 de fevereiro, pelo insuspeito Carl W. Ford Jr., secretário assistente de informação e pesquisa de Estado dos Estados Unidos.

Ninguém está dizendo, aqui, que a miséria justifica o terrorismo. Não justifica. Mas os números revelam a tragédia humana vivida pelos palestinos. Não há como comparar um jovem desesperado de 15 anos com soldados treinados para praticar o genocídio. Não há como dizer que Arafat é o responsável pelo presente caos, quando se sabe que Sharon é, reconhecidamente, um gorila truculento nazista, e que foi ele quem provocou a "nova Intifada" ao visitar, em setembro de 2000 – protegido por um exército de guarda-costas e abençoado pelo "democrata" Ehud Barak -, a Esplanada das Mesquitas, no coração da Velha Jerusalém, um lugar sagrado para os muçulmanos.

Novamente, essa percepção não é defendida por "islâmicos fanáticos" ou "anti-semitas", mas por gente digna e honesta, como os já citados Lev Grinberg e Stephen Shalom, e por muitos outros professores, ativistas, escritores e intelectuais israelenses, como Michael Warchawski, Uri Avneri e o filósofo Sergio Yahni (membro do Conselho Consultivo do Fórum Social Mundial), que aliás foi preso, no dia 19 de março, por ter se recusado a servir, como reservista no Exército facínora de Sharon.

Tolices da Mídia Brasileira

A mídia brasileira, finalmente, prossegue – com raras e honrosas exceções – a sua tradição e repetir as tolices, os preconceitos, as mentiras, os mitos e as falsificações propagados pela mídia americana. A frase "novo atentado suicida praticado por terrorista palestino" é repetida inúmeras vezes, em artigos, na televisão e no rádio, sem que jamais alguém pare para perguntar o que leva um jovem a se matar. Claro, existe até um resposta pronta, caso alguém faça uma pergunta tão estranha: os suicidas são islâmicos, ora, e portanto fanáticos, logo terroristas. E está tudo certo.

Mas como explicar, então, a brutalidade da "ocidental" e "democrática" sociedade israelense? Não faltam os "especialistas" de plantão para dizer, por exemplo, que a "dureza" dos soldados de Sharon é resultado da "perplexidade da sociedade israelense" face aos "atentados terroristas palestinos". Assim, a vítima é responsável por seu próprio flagelo! E os autores de teses tão sofisticados e brilhantes ocupam, não raro, postos importantes nos maiores e melhores centros universitários desta país. É amargamente risível.

O nazista Sharon promove um genocídio, eis tudo. Só que, com isso, ele está também destruindo a sociedade israelense. Não há como viver em um país cercado de inimigos. Pela primeira vez, começa a haver uma nova diáspora judaica de Israel. A "terra prometida", hoje, só promete a angústia. Sharon é a morte para judeus e palestinos.