Uma Aposta por Ganhar Por FRANCISCO SARSFIELD CABRAL Sábado, 12 de Maio de 2001 Quando os "media" falam da economia portuguesa, destacam sobretudo as últimas percentagens disponíveis: o PIB cresce uma décima a mais ou a menos do que o previsto ou do que a média europeia, a inflação está acima da meta do Governo, etc. Esses números dão títulos nos jornais e são importantes, sem dúvida, mas não são o mais importante. O essencial, de que tão pouco se fala (tirando o Banco de Portugal), é saber se estamos à altura das exigências da moeda única - isto é, se somos ou não capazes de viver melhor, vencendo na competição internacional sem desvalorizações do escudo, agora impossíveis. Esse é o grande desafio da nossa integração no euro. Contra ventos e marés, integrámos o grupo fundador da moeda única. Mas falta o mais difícil. Parece termos esquecido que tão ou mais exigente do que entrar para o euro é nele permanecer. É assim que assistimos a sucessivas perdas de quotas de mercado das exportações portuguesas de mercadorias e se multiplicam os cartões amarelos da Comissão Europeia e de outras organizações internacionais, por causa da insuficiente redução do défice das contas do Estado. Estes são os pontos-chave onde se ganha, ou se perde, a aposta nacional na moeda única. Curiosamente, essa aposta desapareceu do discurso dos governantes, esfumando-se qualquer apelo à exigência. Ora os indicadores existentes não permitem qualquer optimismo. É certo que as exportações recuperaram algum dinamismo em 2000 (com destaque para os serviços, em particular o turismo). Mas, como lembrou o governador do Banco de Portugal, as exportações de mercadorias perderam nada menos de cinco pontos percentuais de quota de mercado no ano passado, a somar às perdas de 3,7 e 2,3 pontos em 1998 e 1999. Ou seja, em estabilidade cambial, estamos a ser ultrapassados pelos nossos concorrentes, mais competitivos. E com uma inflação quase dupla da média na zona euro, cada vez se torna mais difícil concorrer (até no turismo, que em 2000 não correu mal). Demasiado dependentes, ainda, na mão-de-obra barata como factor competitivo, parecemos incapazes de competir com base na qualidade e na inovação. Portugal tem o custo horário de trabalho mais baixo da União Europeia, menos de um terço da média da zona euro. Mas como os nossos salários crescem acima da produtividade há três anos consecutivos, entrámos no euro a perder terreno e ainda não fomos capazes de inverter a tendência. Se esta prosseguir, não haverá crises espectaculares - apenas ficaremos mais pobres na Europa, tal como o Alentejo ou Trás-os-Montes empobreceram no quadro nacional. O endividamento das famílias, dos bancos (ao estrangeiro) e do próprio Estado têm disfarçado esse processo de empobrecimento, que já começou. Mas apenas se adia o enfrentar da realidade. Portugal tem um nível de vida equivalente a três quartos da média europeia, enquanto a nossa produtividade é menos de metade da média da UE, como alertou o prof. Augusto Mateus. Mais tarde ou mais cedo, a realidade irá impor-se aos artifícios. Os artifícios também já não resultam na outra questão fulcral, as contas do Estado (cujo despesismo sem contrapartida útil é determinante para a fraca produtividade nacional e é também factor de inflação). Em 2000, uma vez mais, as despesas correntes do Estado aumentaram acima do PIB. Nos dois primeiros meses deste ano, essas despesas subiram mais de 10 por cento. Como é sabido, a diminuição do défice orçamental, necessária para cumprir o programa de convergência negociado com a Comissão Europeia, tem-se realizado graças ao aumento das receitas (maior cobrança de impostos) e não por causa de uma jamais conseguida redução das despesas. Como este ano a economia desacelera, não se deve contar com uma continuada subida das receitas fiscais. Há, portanto, que cortar na despesa pública, para além dos 60 milhões de contos congelados em Abril. Só que este não é apenas um problema do ministro das Finanças, que esta semana apelou pateticamente à solidariedade dos outros membros do Governo para reduzir despesa. Mas tal solidariedade, a concretizar-se, não basta. Apenas se pode cortar receita de uma maneira racional desde que a Administração actue de outra maneira, se organizem os serviços de forma mais eficaz e produtiva - se concretizem reformas, em suma. Ora reformar a saúde ou a administração pública (grandes sorvedouros de dinheiro dos contribuintes) é tarefa para um chefe de Governo e para o Parlamento. Não faz sentido esperar que um ministro das Finanças, por artes mágicas, tire da cartola poupanças de centenas de milhões de contos nos gastos do Estado. Como não há reformas, nem elas se vislumbram no horizonte, os cortes na despesa que aí vêm arriscam-se a ter efeitos económicos desastrosos. O primeiro-ministro promete não tocar nas despesas de investimento nem nas despesas sociais. Mas a verdade é que os cortes serão feitos onde for administrativamente possível, não onde for economicamente racional. Talvez assim se cumpram as metas do programa de convergência nominal acordado com Bruxelas - mas à custa da desorganização dos serviços, da destruição de boa parte da pouca produtividade que ainda resta na administração pública e do aumento dos já escandalosos atrasos do Estado na liquidação dos seus pagamentos. Será pior a emenda do que o soneto e ficaremos ainda mais longe de ganhar a batalha do euro.