Ex-deputado do PS Apresenta Moção Global Devastadora              para Guterres
Por JOÃO PEDRO              HENRIQUES

Terça-feira, 13 de Fevereiro de 2001
Apareceu              primeira moção alternativa
Um ex-deputado do PS fez uma moção global para              discutir no congresso do PS. Henrique Neto sabe, no entanto, que as              regras do jogo foram definidas de forma a não o conseguir fazer. É              um texto arrasador para a governação de António              Guterres
Henrique Neto, ex-deputado do PS, preparou uma moção global ao              próximo congresso do PS onde faz um diagnóstico absolutamente              devastador da governação de António Guterres. O documento, de 21              densas páginas, é intitulado "Portugal primeiro".
Como o próprio reconheceu ao PÚBLICO, dificilmente o documento              será discutido no conclave socialista. Para isso era preciso que 50              militantes do partido se disponibilizassem para serem eleitos              delegados pela moção - e isso implicaria serem eleitos contra (ou              "em alternativa", como se diz no jargão do partido) a moção do líder              do partido. O objectivo é, portanto, como diz Neto, "chocalhar um              bocadinho o debate". A moção tem todos os condimentos para isso - se              for lida.
Ao terceiro parágrafo lê-se: "Porque, sejamos claros, a              actividade política é malvista em Portugal por razões frequentemente              verdadeiras, compreensíveis e facilmente demonstráveis." E estas              razões "têm a ver com o mau funcionamento dos partidos políticos e a              sua hegemonia na vida da Nação, com o egoísmo dos interesses              estabelecidos, políticos e corporativos, com a inexistência de uma              verdadeira pedagogia cívica e [com] a impreparação para a actividade              governativa de alguns dos actores políticos".
Com a autoridade de quem fala de dentro do sistema, Henrique Neto              dedica o primeiro capítulo à questão da "ética republicana" -              expressão que Mário Soares relançou há meses num artigo no              "Expresso" e que, de vez em quando, é repescada por protagonistas da              vida socialista (o último que o fez foi António Costa, quando              ameaçou demitir-se de ministro da Justiça).
Depois de afirmar que "em todas as decisões partidárias e              governativas a componente ética da decisão é tão relevante como a              decisão em si mesma", Neto escreve, nesse "contexto", acerca da              "polémica recente sobre as fundações, institutos e empresas de              capitais públicos". "Não colocamos estes problemas no plano da              honestidade pessoal dos nossos camaradas governantes. Mas              reconhecemos existir algum desconhecimento, da parte de alguns, das              regras dum estado democrático moderno e alguma ausência de cultura              democrática em muitos dos nossos dirigentes políticos", diz, ao              mesmo tempo que propõe uma reformulação, "de alto a baixo", da forma              como o Estado fiscaliza as "instituições criadas ou sustentadas por              dinheiro do Estado".
O problema da criação de organismos do tipo Fundação para a              Prevenção e Segurança - que não é citada mas está claramente              referida nas entrelinhas - tem, na visão de Henrique Neto, uma              consequência directa sobre a eficácia dos agentes da máquina do              Estado: "Não é possível desenvolver uma administração pública              moderna e de qualidade e, ao mesmo tempo, criar serviços paralelos              que, na prática, substituem os serviços públicos e desvalorizam a              sua acção e prestígio." Ou, por outras palavras: "O argumento da má              qualidade do serviço público nem sequer é verdadeiro. O que acontece              é que a generalidade dos agentes políticos não faz qualquer esforço              sério para conhecer os serviços da administração pública sob as suas              ordens e utiliza sistematicamente a intermediação do chamado pessoal              de confiança, que leva consigo para os ministérios, o que obviamente              condena ao insucesso qualquer trabalho de colaboração efectiva entre              a actividade política e a burocracia que a serve."
O capítulo da "ética republicana" no serviço público - que é só              um de sete capítulos - é encerrado por Henrique Neto com um              parágrafo sobre os "excessos de cultura de poder" que deixará as              orelhas a arder a muitos membros (e ex-membros) da governação              socialista: "Excessos que vão desde a arrogância de muitos              governantes à falta de disponibilidade para atender subordinados e              queixosos; da relação privilegiada com os poderosos, fora das              circunstâncias e dos locais próprios, aos cortejos de automóveis e              de motoristas, em contradição com a pobreza dos recursos nacionais;              da avidez por mordomias e prebendas às assembleias de funcionários              públicos a abrilhantar os discursos dos governantes; das formas              criativas de pagar as fidelidades e a devoção, às diversas              remunerações criadas aos baixos ordenados pagos aos políticos."