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Propaganda Por JOSÉ MANUEL FERNANDES Quinta-feira, 1 de Março de 2001 Regularmente os jornais dão notícias sobre grandes apreensões de droga. Menos regularmente os responsáveis das diferentes polícias convocam a imprensa para fazer um balanço da sua actividade nessa frente. Tudo isso faz parte da rotina dos jornais. O que nunca até hoje tinha sucedido é juntarem-se numa mesma sala o primeiro-ministro, mais três ministros, mais os comandantes gerais de várias polícias, todos para fornecerem números sobre apreensões de droga que... já eram do domínio público. Mas foi isso que sucedeu. Ontem o primeiro-ministro entendeu que o melhor uso que tinha a dar ao seu tempo era deslocar-se ao Instituto Nacional de Polícia e Ciências Criminais, em Loures, para tomar conhecimento de uma notícia que o PÚBLICO - e outros jornais - tinha dado no início de Janeiro. Uma boa notícia - aumentaram as apreensões de droga, o que mostra que existe uma melhor coordenação entre as diferentes polícias - mas mesmo assim uma notícia que não altera o dado essencial do problema: a esmagadora maioria da droga que passa por Portugal a caminho dos diferentes mercados europeus continua a escapar às polícias. Outros três ministros - o da Administração Interna, o da Justiça e o das Finanças (?) -, certamente com pouco que fazer, também foram assistir ao evento. Sobre o qual nada tinham a dizer nem nada acrescentaram. Apenas se mostraram. O episódio de nada valeria não fosse o seu significado profundo sobre as prioridades do executivo. Que, pelos vistos, são as de mostrar-se. Dizer que existe. Criar um evento para os telejornais. Mais: que agora parecem ser a de transformar a frente do combate à droga e à toxicodependência numa área prioritária de propaganda. Os eventos sucedem-se e os planos multiplicam-se. A semana passada ficámos a saber, por exemplo, que o Governo de propõe reduzir em um terço o consumo de heroína, propósito estimável e que todos gostaríamos de ver concretizado, mas propósito que nenhum de nós vai saber algum dia se foi cumprido. Porquê? Porque ninguém sabe sequer quantos heroinómanos existem em Portugal, quanto mais saber que quantidade de heroína consomem. Reduzir em um terço uma quantidade indefinida é uma indefinição. Serve para a propaganda, mas não serve para seriamente aferir a validade de uma política. Claro que isto sucede porque, sondagem atrás de sondagem, a droga surge como a primeira preocupação dos portugueses. Logo, é a primeira preocupação do primeiro ministro. Logo este quer saber tudo. Mesmo aquilo que já se sabia há mais de um mês. O que há mais de um mês não se sabia é como tantos ministros gostavam de estar associados a uma das raras boas notícias que há nesta frente. Por isso eles chegaram-se à frente para o retrato. E as televisões lá os mostraram, sorridentes. |