"EXORCISMO NORDESTINO" (DIONISIUS - SALVADOR, 14/01)
Principal banda de rock da Brasilândia nos anos 90, os Raimundos voltaram a andar na pedra após
a tragédia em Santos, novembro passado - quando oito pessoas morreram e sessenta ficaram feridas após a apresentação. Traumatizados Rodolfo, Digão, Canisso e Fred decidiram parar com a
turnê e cancelaram os quatorze shows restantes até o fim do ano. Salvador foi a segunda cidade
(Porto Seguro a 1ª) a receber as lapadas dos véios nesse retorno. Era um encontro ansiado. Antes de baixar no terreiro baiano, Canisso adiantou: "Estou louco para voltar a tocar. Aquela
história de Milton Nascimento, de que artista tem de ir onde o povo está, é verdade. Ainda mais
que nós, Raimundos, nos sentimos como a continuação do público quando estamos no palco. Por isso a tragédia de Santos nos arrasou tanto".
Durante a parada, a banda só se reuniu para tocar na homenagem da sociedade VIVA CAZUZA para
Renato Russo, que aconteceu em 2 de dezembro em Brasíla. "Cantei ‘Daniel na Cova dos Leões’ ao
lado de Rodolfo, Digão, Dado Villa-lobos e Marcelo Bonfá", lembra o baixista. As férias, porém,
não amoleceram a pegada hardcore dos caras. Diante de uma platéia - predominantemente espada,
formada por headbangers, punks, mauricinhos e pré-adolecentes acompanhados pelos pais - de 2
mil e 500 cabeças, os Raimundos abrem a noite mais quente que o inferno do circo Dionisius com
a política "Baile Funky", música que fecha o disco Lapadas Do Povo. Outras porradas ainda pouco
conhecidas como "O Toco" e o surfcore "Wipe Out", são recebidas com igual furor pela galera,
enquanto isso Canisso e Digão chegam mais junto nos backing vocals. Rodolfo, o grande peão-singer, aumenta o nível de testosterona com "Ôpa Peraí Caceta", "Cajueiro", "Pão da Minha Prima",
"Nêga Jurema" e "Esporrei na Manivela".
Mas é exatamente nessa hora que recebe o vacilo da banda. Os Raimundos ficaram 100% hardcore e
praticamente reduziram a zero o sotaque original do início. Ok, os caras querem fugir dos clones e de possíveis repetições. Só que o toque de nordestinidade fazia a diferença. Agora, na
maioria das músicas, os Raimundos soam apenas como uma boa banda de hardcore que canta em português. Melhor é ralaxar, como na brincadeira à la festival (isqueiros acessos na baladinha
brega "I saw You Saying"), na homenagem ao velho Camisa de Vênus (com direito ao baixista Robério Santana no acompanhamento de "Eu não Matei Joana D’Arc") e nas covers espertas. Especial mete "Santeria", o ska punk do Sublime. Uma hora e meia (incluindo bis) depois de pouco papo e
pau puro, a pajelança acaba sem nenhum incidente. Parte do público acha a apresentação curta,
mas se conforma numa quarta-feira de lua cheia. É meia noite no jardim do bem e os Raimundos
exorcizam o mal.
Hagameon Brito
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