SER PAI É... AGÜENTAR OS RAIMUNDOS
POR AURELIANO BIANCARELLI


Havia uma multidão de adolescentes na calçada e uma barreira de oficiais de Justiça na entrada do Olympia. Tínhamos combinado que entraríamos conversando, um com a mão no ombro do outro, como se estivéssemos dentro da lei.
Não estávamos. O show dos Raimundos era proibido para menores de 14 anos, e meu filho ia fazer 13 dali a três meses. Há semanas ele vinha pedindo que eu o acompanhasse. "Menor acompanhado, eles não barram", dizia.
O último dos oficiais nos barrou. "Documentos", disse, e nos puxou para o canto. Há muito eu não sentia aquele frio na barriga.
Balbuciei algumas desculpas, disse que ele tinha quase 14 anos e que estávamos nas mesas, não na pista. "Pois não deixe o menino descer", ordenou e mandou que entrássemos.
Subimos as escadas correndo, eu mais feliz que ele, como nos tempos em que o porteiro do cinema não pedia carteirinha em filme "proibido".
A noite estava apenas começando. Lá embaixo, adolescentes de 1m80 brincavam de lançar colegas para o alto ou improvisavam batalhas usando o corpo de alguém como aríete.
Os Raimundos vieram acalmar os ânimos. O som, altíssimo, me impedia de entender uma só palavra, mas alguns refrões eu já tinha decorado, tanto eram repetidos lá em casa. "Foi num puteiro em João Pessoa, eu descobri que a vida é boa, foi minha primeira vez..."
Até aí, tudo bem, até que o grupo atacou "Minha cunhada". "Não, não é assim que se fode não.. não é assim que se fode não." O refrão eu conhecia, mas me assustou o mar de adolescentes com os braços erguidos, ensaiados, as mãos abertas e os dedos unidos, imitando a vulva, o mesmo gesto símbolo do movimento feminista nos anos 60. Ao meu lado, meu filho repetia os movimentos. Eu não sabia o que fazer com as mãos.
Os Raimundos foram uma fase. Antes, tínhamos assistido juntos os Rolling Stones, no Pacaembu, e ele se animou como qualquer quarentão, comprou camiseta e tudo. Quando os CDs do Metallica entraram lá em casa, achei que estávamos no mesmo caminho. Durou pouco, e o Planet Hemp nos dividiu novamente.
O show, no Palace, era proibido para 18 anos, e meu filho se resignou. "Mas acho que não está certo", ele ainda insiste. "Se as músicas do Planet estão por aí, por que proibir de ver o show?"
Ver o U2 era um projeto de semanas que ele acabou trocando por uma viagem. Acho até que eu me divertiria. Mas, sozinho, não me arrisco.

 

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