"Plugado no barulho dos Raimundos"
Reportagem do CADERNO DOIS (jornal local "A GAZETA") do dia 26 de setembro de 1996:
Banda brasiliense, famosa por misturar rock pauleira com ritmos nordestinos, promete muita agitação na primeira noite do Skol Rock, hoje, no Álvares.
A secretária eletrônica atende e o repórter se identifica. "Estou falando de Vitória, para fazer uma entrevista com o Raimundos". Uma voz surge do nada e responde: "Você deu sorte, cara!". "Por quê?", perguntei surpreso. "É que eu ia acessar a Internet pelo telefone neste exato momento". É desse jeito nada convencional que começa a entrevista do Caderno Dois com o baixista do grupo Raimundos, Canisso, de 30 anos.
Normal não é. Mas, o que esperar de uma banda como Raimundos? O fato de figurar em uma gravadora de porte (Warner) e de estar prestes a alcançar a marca de 250 mil cópias vendidas do seu segundo álbum, Lavô Tá Novo, não mudou o comportamento de Rodolfo (vocal), Digão (Guitarra), Fred (bateria) e do nosso amigo Canisso. Continuam os mesmos desbocados de sempre. "Os Raimundos pegou a malícia nordestina e a multiplicou à enésima potência", arrisca o baixista, na tentativa de explicar a intensa verborragia do grupo, que um dia já foi (mal) comparado a outros que seguem o gênero besteirol.
Irreverentes, os caras dos Raimundos só parecem se irritar quando são rotulados como uma banda de forró-core. "Já ouvi essa definição mais de mil vezes", desabafa Canisso, para em seguida frisar que "Raimundos é apenas mais uma banda de rock pauleira, só isso". O prestígio é que não é o mesmo. Depois de tocarem no Hollywood Rock e no Festival Sparrago Rock, na Espanha, os caras radicalizaram: em junho, fizeram uma visita ao Xuxa Park, na Globo.
Outra prova do bom momento foi a recente participação no Phillips Monsters of Rock, em São Paulo. Único representante brasileiro, o Raimundos subiu ao palco como quinta banda mais importante, acima de Skid Row, Helloween e Mercyful Fate. Os quatro Raimundos são naturais de Brasília, onde fizeram os primeiros ensaios em 1988. Segundo Canisso, os outros três integrantes são filhos de nordestinos, daí a explicação para o regionalismo presentes nas letras e nos vocais de Rodolfo. Raimundos está rodando o Brasil como headliner do festival Skol Rock desde junho. No show desta noite, alterna músicas como Puteiro em João Pessoa e Selim, do disco de estréia, às recentes Eu Quero é Ver o Oco e O Pão da Minha Prima, de Lavô Tá Novo. De novidades, o cenário gigantesco (é surpresa) e a direção do show, mais caprichada.
Canisso
"O público de
Vitória gosta de agitar"
- O
que mais lhe chamou atenção nas bandas concorrentes do Skol
Rock?
- Hoje existe a tendência de as bandas cantarem em
português. Quando começamos, havia muita banda querendo imitar
os gringos, e isso é mau.
-
Existe diferenciação de som de região para região? Das bandas
do Centro-Oeste para o Sul, por exemplo?
- Infelizmente, não assistimos aos shows das bandas, porque
estamos em turnê e sempre chegamos em cima da hora. Agora, em
BH, uma banda "metalzona", estilo Sepultura, se deu
bem. Não me lembro do nome do grupo, mas fiquei impressionado
com o som dos caras.
-
Porque o mercado se fechou para as bandas que cantam em inglês?
- É uma tendência natural. Já ouviu aquela história de que
santo de casa não faz milagre? O Sepultura teve que sair do
Brasil para depois ser reconhecido. O público brasileiro vê o
Sepultura como uma banda gringa, daí o respeito. Nós começamos
compondo em inglês, e bem depois passamos a escrever em
português.
-
Vocês tiveram a oportunidade de tocar em algum festival quando
ainda não tinham disco gravado?
- Tocamos no Juntatribo, em Campinas. Na época, rolou a maior
divulgação, com a presença de jornalistas e críticos da MTV. Pra mim, foi o
pontapé inicial da banda. A partir daquele show as coisas
começaram a acontecer. o pessoal passou a sacar o nosso som.
-
Iniciativas como o Skol Rock valem?
- Com certeza, velho. Por isso acho que as bandas que participam
do Skol Rock vão se dar bem, até porque é a primeira vez que
vejo um festival caçando talentos no Brasil. E só de rock. Se
houvesse todo ano, seria o cão! Além do mais, os jurados
relacionados curtem rock, é quase impossível rolar marmelada.
-
Como foi a experiência de tocar diante de uma platéia metaleira
no Monsters of Rock, em São Paulo?
- Foi o melhor show que já fizemos na vida, cara! O público
metaleiro é nosso público, é a galera que a gente encontra e
cumprimenta na rua.
-
Já tiveram problemas com a censura devido às letras
pornográficas?
- Graças a Deus, não tivemos problemas maiores com a censura.
Só rolou uma vez, no interior do Rio Grande do Sul. De tanto Selim tocar na rádio, um
juiz deciciu embargar um show nosso. Era dia de jogo do Brasil, e
ficamos assistindo pela TV ao lado de um monte de policiais à
paisana.
- De
onde herdaram a tradição de escrever letras maliciosas?
- O forró é uma das causas. O ritmo é caracterizado pelo duplo
sentido, sempre chega a uma rima que soa como uma coisa safada,
entende? A própria sonoridade das palavras induz a outra
conotação. O Zenilton (sanfoneiro) é o rei disso. Em uma de
suas músicas, ele canta "Abre as pedras, meu amor..."
-
Que som você ouve no volume máximo?
- Master of Puppets, do Metallica. Fico pirado
com aquele disco. Ainda gosto do Metallica, apesar de no último
disco eles terem abandonado o heavy metal e optarem pela linha
alternativa.
-
Qual é o conceito de rock alternativo para você?
- Alternativo pra mim são bandas que nunca vão ficar
milionárias, que jamais venderiam um milhão de cópias. Quer
exemplo? Downset e Toadies, dos EUA e Young God, da França.
Esses grupos nem chegaram ao Brasil, saca? Mas eu acho que a
indústria fonográfica está cultuando essa coisa toda. O que é
alternativo hoje daqui a três meses é mainstream.
-
Então está dando pra gastar dinheiro.
- Tá rolando, mas o que sustenta mesmo a banda são os shows. O
dinheiro da venda de CDs só entre de três em três meses, e
ainda assim com uma porcentagem de cerca de 10% de disco vendido.
-
Vocês tocaram em Vila Velha no mês de maio. O público capixaba
agita tanto quanto o carioca e o paulista?
- Demais, cara! A primeira vez que tocamos aí, na praia, foi
muito doido, o público subiu no palco e jogou areia no
segurança! Foi animal demais! Sei lá, eu gosto de show
tumultuado. Na segunda vez, em Vila Velha, estava lotado. O
público daí é parecido com o de Minas, gosta de agitar.