Da Weasel
 
LETRAS CONTEMPORANEAS
POESIA CORROSIVA
 
 

    « Já com três albuns no curriculo, os Da Weasel têm marcado o seu lugar no seio do melhor que a musica portuguesa ofereceu nos ultimos tempos. Com um percurso delineado de uma forma harmoniosa e claramente ascendente, os Da Weasel tên nos discos "More than 30 MotherFuckers", "Dou-lhe com a alma" e "3ºCapitulo" os alicerces da construção de um culto elitistamente vasto (eu sei que parece um contra-senso) de assumidos seguidores.
    Os seus poemas, cuja qualidade se espreguiça muito acima da media, retratam fielmente a sociedade, a vizinhança ou o homem comum, acabando o alvo da critica por recair, por vezes, na propria voz, que acusa frequentemente projecções autobiográficas, nos textos maioritariamente escritos por Pacman (até "Dou-lhe com a Alma" acolitado pela DJ Yen Sung e, a partir de "3º Capitulo, a contar com a presença constante do MC Virgul, que contribui ainda na composição dos textos), que tem exercido a função discreta de porta-voz da banda que quase tem por vocação emitir directrizes de actuação, ou um codigo comportamental para o sec. XXI. Esta conversa com Pacman incidiu sobre os seus poemas e sobre a forma como deseja que a "mensagem" seja entendida.
    Na transição de "Dou-lhe com a Alma" para "3º Capitulo", denota-se tanto um progresso a nivel qualitativo, como a, ainda que inconsciente, maior dificuldade na compreensão da mensagem, carregada de sentidos metaforicos e passivel de lhe serem atribuidas variadas interpretações.
    "Acho que essa evolução foi mesmo natural. A unica preocupação foi de não fazer letras muito moralistas, tipo "faz isto, "não faças aquilo", ter a cena assim demagogica como havia um bocado no "Dou-lhe com a Alma". Agora a maneira de o fazer não foi premeditada e o facto de ser mais ou menos directo surgiu naturalmente."
    O confronto continuou, agora para a explicação de passagens especificas de canções, mais ou menos dúbias ou porpulsionadas de uma certa controvérsia.
    "Padre, desculpe mas o meu Deus não é o seu, o meu Deus ilumina, não deixa os fieis no breu. O meu Deus não tem nenhuma cor, o meu Deus ama seja que raça for. O meu Deus não é homem ou mulher, o meu Deus não alimenta lutas pelo poder. O meu Deus não tem preferencia sexual, não é hetero nem homosexual. Representa igualdazde de direitos, o meu Deus não tem quaisquer preconceitos" (in "O meu Deus", em "Dou-lhe com a Alma).
  A questão insere-se na subentendida diferenciação entre este "Deus" e o dos padres, enquanto da Igreija Católica.
    "No fundo, é aquela ideia toda da Igreija, de precisares de um intermediario, do padre... É a hipocrisia inerente á religião Católica. Acho que as coisas foram todas muito subvertidas e a Igreija acabou por adoptar a filosofia, a doutrina, de uma maneira que não tem nada a ver com aquilo que era suposto ser. Porque, à partida, aquilo que devia ser igualdade entre os homens acaba por não ter nada a ver com o que a Igreija representa hoje em dia. Com o dinheiro que há no Vaticano, por exemplo, com toda a discriminação que há... O nosso Deus não tem nada a ver com esse Deus que eles teatam dizer que existe e que é assim, que age duma ou doutra maneira." "A Igreija sempre foi castradora, reacção à inovação sempre repressora, causadora de ínumeras mortes, por medo de verdades demasiado fortes." (idem, ibidem)
    "Essas frases têm a ver com a Historia toda, a Inquisição, as guerras sagradas que se fizeram em nome desses deuses, parte da Igreija ser castradora, isso ja vem desde Galileu, que foi obrigado a desmentir as cenas todas. A Igreija teve sempre muita dificuldade em manter-se actual, acompanhar as coisas novas. É incrivel como estamos já à beira do sec. XXI, com problemas tão graves como a Sida e todas as doenças inerentes à cena sexual e ainda se condene o uso do perservativo. Acho ridiculo."
    "Na minha testa vês escrito a palavra perdido, mas qual de nós os dois será exactamente o mais esclarecido? Aquilo que a tua mente censura, é a expressão de uma cultura, tentaram abafá-la mas ela perdura" (in "Pedaço de Arte", em "3º Capitulo").
    "Isso tem a ver com muitas coisas, e maneira de estar e toda a cultura hip-hop. Essa miuda estava com medo enquanto eu lhe peço as horas e fica a pensar que eu lhe quero roubar o relogio. Olha para uma pessoa assim, vê-a vestida de uma certa maneira e já tem a cena toda na cabeça, ou é uma pessoa que consome drogas, ou... é aquela imagem que as pessoas criam.
    E o que eu quero dizer com "qual de nós é o mais esclarecido" é qual de nós sabe aquilo que está a fazer e quem é; tem a ver com a tua formação, com o teu caracter. Muitas vezes olham para uma pessoa e pensam que é duma maneira, e não é nada assim, pode ser muito mais informada. E a cultura hip-hop vai muito para além daquilo que as pessoas pensam. As coisas têm uma maneira de ser por uma razão, as calças largas são assim e são largas porque têm uma razão, nada acontece á toa. Diziam que a cena hip-hop era uma moda e que nunca iria durar muito tempo, mas a brincar a brincar já vai aí com 20 anos e sempre em evolução. Ao fim e ao cabo é dizer que a cena não é, de modo nenhum, vazia, que a cultura hip-hop tem muita riqueza, seja na musica, seja na letra, seja na maneira das pessoas viverem e estarem, e não tem nada a ver com aquilo que as pessoas pensam e com os preconceitos que têm em relação a ela. Por exemplo, estou aqui a falar duma pessoa que faz as coisas sem pensar nelas, e faz porque os outros fazem e porque é bem fazer assim, que veste certo tipo de coisas porque os outros vestem, e diz aquelas coisas porque os outros dizem. Não passa de uma ovelha. Agora, o que acaba por acontecer, e é lixado, é que eu tambem acabo por ter preconceiro em relação a essa pessoa, é um pau de dois bicos. Acabo por tambem fazer-lhe a ela o que ela me faz a mim, mas neste caso ganho eu, porque ela é mesmo assim (risos).
    Sempre fui, e continuo a ser, uma pessoa que por gostar muito de hip-hop, critico muito as cenas, e para muitos, sou um falso rapper, por metermos guitarras e fazermos a fusão que fazemos, dizem "isto não é rap, este gajo não é rapper". Mas este é o nosso hip-hop... Não é hip-hop convencional, e no "Pedaço de Arte" quando se fala da cultura hip-hop não é tão redutor como isso, fala-se de muito mais coisas. Há aquele hip-hop de um DJ e varios MC's, e pronto, fica-se por aí. A cultura hip-hop vai muito para além."
    Acrescento que é quase como uma cultura alternativa, pela qual responde um numero mais ou menos alargado de adeptos, que seguem as regras não vêm com bons olhos qualquer fuga ao modelo esteriotipado (por exemplo, a utilização de guitarras na produçaõ do som). "E é pena que assim seja, porque não é sendo conservador, e dizer que se é assim, tem de ser sempre assim, que as coisas vão evoluir."
    "Bastou-me um segundo e logo percebi, nasci ontem mas passei a noite acordado, conheço as pessoas, de facto sou licenciado a numa escola a que nunca terás acesso, nem todo o dinheiro do mundo chega para o teu ingresso" (idem, ibidem).
    "Tem a ver com aquilo que eu aprendi por muitas coisas que passei... no fundo é aquele cliché da escola da vida.  Não é uma cena de ter passado fome ou ter vivido no gueto, ou ter andado na criminalidade, não é esse tipo de escola. Tem a ver com um sem numero de experiencias que passei e montes de coisas que aconteceram na minha vida e com as quais acho que aprendi bastante. E o facto de essa pessoa não ter acesso à "escola", é porque não tem nada a ver com ela e muito dificilmente entraria nesse mundo, a vida dela tinha que dar uma volta de 180 graus. Este tipo de pessoa tem a vida condicionada desde pequenos, a quem a mãe trata por você desde bebé, e que vai para uma determinada escola..." Privada? "Ou não, pode até não ser privada, não tenho nada contra as escolas privadas nem posso generalizar a esse ponto. É uma série de coisas todas juntas que condicionam a pessoa. E se for preciso até tenho pessoas na minha familia que são assim, têm um nivel de vida diferente do meu, bastante superior, vivem num mundo também ele elitista, e estão cá, neste mundo, não sei muito bem a fazer o quê, não criam nada, não contribuem para nada. São complectamente vazias."
    A coexistir com temas fortes, encontramos em ambos os discos canções mais sof, quer na tematica quer na propria sonoridade, como sejam "Só a Ti" e "Dúia".
    "É uma coisa que faz parte das nossas vidas e tem lugar nas letras como outras coisas têm, mas se calhar achamos que falar disso, do amor, não tem assim tanta importancia, para nós. O "Dúia" foi o tema com que os Da Weasel tiveram mais sucesso, e é ao mesmo tempo o tema mais leve. Era uma cena que eu já esperava, não foi grande surpresa. O que acho mais porreiro é que a maioria dos fãs, das pessoas que gostam mesmo dos Da Weasel, gostam tanto do "Dúia" como gostam do "Pregos", ou seja entendem que o "Dúia" não foi feito numa base de vender, foi um feeling puro que surgiu naturalmente, foi a primeira cena que o Virgul fez. E eu não faço cenas assim porque não é uma coisa que tenha muito a ver comigo, não quer dizer que não o sinta, mas... Uma das coisas porreiras de o Virgul ter entrado na banda foi que contrabalança muito: enquanto que comigo estavamos sempre numa cena mais pesada, uma atitude mais pessimista, ele tem uma cena mais leve e mais fresca" que é acessivel a um maior numero de pessoas e traz outro publico para a musica dos Da Weasel.
    As escolhas pessoais são sempre representativas de uma determinada forma de ouvir a musica e de a sentir. "O Serviço" é um desses casos.
"Dá-me um coração, o meu foi roubado, a cabra que o levou nem sequer deixou recado. Dá-me um pouco da tua classe, quem sabe talvez resultasse. Prometo que não a estrago, tá-se? (...) Dá-me um tiro se isso te faz sentir melhor, dá-me um lenço, dá cá, eu limpo-te o suor. Não consegues atirar? Bem me queria parecer isso. Dá cá essa merda, eu faço-te o serviço." (em "3º Capitulo").
    " "O Serviço" não é uma letra que dê para explicar muito, foi num dia que estava no café e destilei muitas frustações e raiva em relação a uma serie de coisas que aconteceram numa fase em que eu estava muito desiludido com pessoas que entraram na minha vida e com quem eu me dava e estava com muita raiva dentro de mim. Foi provavelmente a cena mais espontanea deste disco. Saíu mesmo sem estar a pensar em nada."
    Também por coincidência surgiu a ideia da inclusão de "Encostei-me para trás na cadeira do convés" em "3º Capitulo". "No estudio, o Armândio [Armândio Bastos, produtor dos Da Weasel] tinha um DAT com o Sinde Filipe a ler Pessoa (Álvaro de Campos), e fizemos a brincadeira de meter aquilo por cima de um instrumental do Armando que não tinha letra, as coisas ficaram muito bem e foi esse o motivo pelo qual o usámos. É claro que só utilizámos porque sentimos que aquilo tinha algum valor e que tinyha também a ver connosco, mas não foi uma cena nada premeditada. Acabou por entrar no disco porque é um poema muito bom e tem a ver com o estado de espirito do "3º Capitulo", em muitas das suas partes." »
 

Mónica Guerreiro
 
 
 
(in BLITZ nº717 de 28/07/1998)
 
 
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