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Daniel na Cova dos Leões A Canção do Senhor da Guerra O Teatro dos Vampiros Ainda é Cedo Gimme Shelter Baader-Meinhof Blues A Montanha Mágica Eu Sei "Índios" |
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Mais do Mesmo Soldados Música Urbana 2 On The Way Home Maurício Há Tempos Pais e Filhos Faroeste Caboclo Exit Music: Rhapsod in Blue |
(Renato Russo / Dado Villa-Lobos / Marcelo Bonfá)
FÁBRICA Nosso dia vai chegar
Teremos nossa vez.
Não é pedir demais:
Quero justiça,
Quero trabalhar em paz.
Não é muito o que eu lhe peço
Eu quero trabalho honesto
Em vez de escravidão.
Deve haver algum lugar
Onde o mais forte
Não consegue escravizar
Quem não tem chance.
De onde vem a indiferença
Temperada a ferro e fogo?
Quem guarda os portões da fábrica?
O céu já foi azul, mas agora é cinza
E o que era verde aqui já não existe mais.
Quem me dera acreditar
Que não acontece nada de tanto brincar com fogo.
Que venha o fogo então.
Esse ar deixou minha vista cansada,
Nada demais.
(Renato Russo / Renato Rocha)
DANIEL NA COVA DOS LEÕES Aquele gosto amargo do teu corpo
Ficou na minha boca por mais tempo
De amargo então salgado ficou doce
Assim que o teu cheiro forte e lento
Fez casa nos meus braços e ainda leve
E forte e cego e tenso fez saber
Que ainda era muito e muito pouco.
Faço nosso o meu segredo mais sincero
E desafio o instinto dissonante
A insegurança não me ataca quando erro
E o teu momento passa a ser o meu instante
E o teu medo ter medo de ter medo
Não faz da minha força confusão
Teu corpo é o meu espelho e em ti navego
E sei que a tua correnteza não tem direção
Mas, tão certo quanto o erro de ser barco a motor
E insistir em usar os remos
É o mal que a água faz quando se afoga
E o salva-vidas não está lá porque não vemos
(Renato Russo)
A CANÇÃO DO SENHOR DA GUERRA Existe alguém esperando por você
Que vai comprar a sua juventude
E convencê-lo a vencer
Mais uma guerra sem razão
Já são tantas as crianças com armas na mão
Mas explicam novamente que a guerra gera emprego e aumenta a produção
Uma guerra sempre avança a tecnologia
Mesmo sendo guerra santa, quente, morna ou fria
Pra que exportar comida
Se as armas dão mais lucros na exportação?
Existe alguém que está contando com você
Pra mudarem seu lugar
Já que nessa guerra não é ele quem vai morrer
E quando longe de casa, ferido e com frio
O inimigo você espera,
Ele estará com outros velhos
Inventando novos jogos de guerra
E belíssimas cenas de destruição
Não teremos mais problemas com a superpopulação
Veja que uniforme lindo fizemos pra você
Lembre-se sempre que Deus está do lado de quem vai vencer
O senhor da guerra não gosta de crianças!
(Renato Russo)
O TEATRO DOS VAMPIROS Sempre precisei de um pouco de atenção
Acho que não sei quem sou
Só sei do que não gosto
E destes dias tão estranhos
Fica a poeira se escondendo pelos cantos
Este é nosso mundo:
O que é demais nunca é o bastante
E a primeira vez é sempre a última chance
Ninguém vê onde chegamos
Os assassinos estão livres, nós não estamos
Vamos sair mas não temos mais dinheiro
Os meus amigos todos estão procurando emprego
Voltamos a viver como há dez anos atrás
E a cada hora que passa
Envelhecemos dez semanas
Vamos lá, tudo bem eu só quero me divertir
Esquecer dessa noite ter um lugar legal pra ir
Já entregamos o alvo e a artilharia
Comparamos nossas vidas
E esperamos que um dia nossas vidas
Possam se encontrar
Quando me vi tendo de viver comigo apenas
E com o mundo
Você me veio como um sonho bom
E me assustei
Não sou perfeito
Eu não me esqueço
A riqueza que nós temos
Ninguém consegue perceber
E de pensar nisso tudo eu, homem feito
Tive medo e não consegui dormir
Vamos sair mas não temos mais dinheiro
Os meus amigos todos estão procurando emprego
Voltamos a viver como há dez anos atrás
E a cada hora que passa
Envelhecemos dez semanas
Vamos lá, tudo bem eu só quero me divertir
Esquecer dessa noite ter um lugar legal pra ir
Já entregamos o alvo e a artilharia
Comparamos nossas vidas
E mesmo assim, não tenho pena de ninguém
(Renato Russo / Dado Villa-Lobos / Marcelo Bonfá / Ico Ouro-Preto)
AINDA É CEDO Uma menina me ensinou
Quase tudo que eu sei
Era quase escravidão
Mas ela me tratava como um rei
Ela fazia muitos planos
Eu só queria estar ali
Sempre ao lado dela
Eu não tinha aonde ir
Mas, egoísta que eu sou,
Me esqueci de ajudar
A ela como ela me ajudou
E não quis me separar.
Ela também estava perdida
E por isso se agarrava a mim também
E eu me agarrava a ela
Porque eu não tinha mais ninguém.
E eu dizia ainda é cedo, cedo, cedo, cedo, cedo
E eu dizia ainda é cedo, cedo, cedo, cedo, cedo
E eu dizia ainda é cedo
Sei que ela terminou
O que eu não comecei
E o que ela descobriu
Eu aprendi também, eu sei.
Ela falou: - Você tem medo.
Aí eu disse: - Quem tem medo é você.
Falamos o que não devia
Nunca ser dito por ninguém
Ela me disse:
- Eu não sei mais o que eu
sinto por você. Vamos dar
um tempo, um dia a gente se vê.
E eu dizia ainda é cedo, cedo, cedo, cedo, cedo
E eu dizia ainda é cedo, cedo, cedo, cedo, cedo
E eu dizia ainda é cedo
E eu dizia ainda é cedo
(Renato Russo / Dado Villa-Lobos / Marcelo Bonfá)
BAADER-MEINHOF BLUES A violência é tão fascinante
E nossas vidas são tão normais
E você passa dia e noite e sempre vê
Apartamentos acesos
Tudo parece ser tão real
Mas você viu esse filme também
Andando nas ruas
Pensei que podia ouvir
Alguém me chamando
Dizendo meu nome
Já estou cheio de me sentir vazio
Meu corpo é quente e estou sentindo frio
Todo mundo e ninguém mais quer saber
Afinal, amar ao próximo é tão demodé
E essa justiça desafinada
É tão humana e tão errada
Nós assistimos televisão também
Qual é a diferença?
Não estatize meus sentimentos
Pra seu governo,
O meu estado é independente
(Renato Russo)
A MONTANHA MÁGICA Sou meu próprio líder: ando em círculos
Me equilibro entre dias e noites
Minha vida toda espera algo de mim
Meio-sorriso, meia-lua, toda tarde
Minha papoula da India
Minha flor da Tailândia
Es o que tenho de suave
E me fazes tão mal
Ficou logo o que tinha ido embora
Estou só um pouco cansado
Não sei se isto termina logo
Meu joelho dói
E não há nada a fazer agora
Para que servem os anjos?
A felicidade mora aqui comigo
Até segunda ordem
Um outro agora vive minha vida
Sei o que ele sonha, pensa e sente
Não é coincidência a minha indiferença
Sou uma cópia do que faço
O que temos é o que nos resta
E estamos querendo demais
Minha papoula da India
Minha flor da Tailândia
Es o que tenho de suave
E me fazes tão mal
Existe um descontrole, que corrompe e cresce
Pode até ser, mas estou pronto prá mais uma
O que é que desvirtua e ensina?
O que fizemos de nossas próprias vidas?
O mecanismo da amizade,
A matemática dos amantes -
Agora só artesanato:
Os restos são escombros
Mas é claro que não vamos lhe fazer mal
Nem é por isso que estamos aqui
Cada criança com seu próprio canivete
Cada líder com seu próprio 38
Minha papoula da India
Minha flor da Tailândia
Chega - vou mudar a minha vida
Deixa o copo encher até a borda
Que eu quero um dia de sol n'um copo d'água.
(Renato Russo)
EU SEI Sexo verbal não faz meu estilo
Palavras são erros, e os erros são seus
Não quero lembrar que eu erro tambémUm dia pretendo tentar descobrir
Porque é mais forte quem sabe mentir
Não quero lembrar que eu minto tambémEu sei
Feche a porta do seu quarto
Porque se toca o telefone pode ser alguém
Com quem você quer falar
Por horas e horas e horasA noite acabou, talvez tenhamos que fugir sem você
Mas não, não vá agora, quero honras e promessas
Lembranças e estóriasSomos pássaro novo longe do ninho
Eu sei
(Renato Russo / Dado Villa-Lobos / Marcelo Bonfá)
"ÍNDIOS" Quem me dera ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro que entreguei
A quem conseguiu me convencer
Que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha
Quem me dera ao menos uma vez
Esquecer que acreditei que era por brincadeira
Que se cortava sempre um pano-de-chão
De linho nobre e pura seda
Quem me dera ao menos uma vez
Explicar o que ninguém consegue entender
Que o que aconteceu ainda está por vir
E o futuro não é mais como era antigamente
Quem me dera ao menos uma vez
Provar que quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante
E fala demais, por não ter nada a dizer
Quem me dera ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto como o mais importante
Mas nos deram espelhos
E vimos um mundo doente
Quem me dera ao menos uma vez
Entender como um só Deus ao mesmo tempo é três
E esse mesmo Deus foi morto por vocês
É só maldade então deixar um Deus tão triste
Eu quis o perigo e até sangrei sozinho
Entenda - assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim
É só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi
Quem me dera ao menos uma vez
Acreditar por um instante em tudo que existe
E acreditar que o mundo é perfeito
E que todas as pessoas são felizes
Quem me dera ao menos uma vez
Fazer com que o mundo saiba que seu nome
Está em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz ao menos obrigado
Quem me dera ao menos uma vez
Como a mais bela tribo dos mais belos índios
Não ser atacado por ser inocente
Eu quis o perigo e até sangrei sozinho
Entenda - assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim
É só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi
Nos deram espelhos e vimos um mundo doente
Tentei chorar e não consegui
(Renato Russo / Dado Villa-Lobos / Marcelo Bonfá)
A DANÇA Não sei o que é direito
Só vejo preconceito
E a sua roupa nova
É só uma roupa nova
Você não tem idéias
Pra acompanhar a moda
Tratando as meninas
Como se fossem lixo
Ou então espécie rara
Só a você pertence
Ou então espécie rara
Que você não respeita
Ou então espécie rara
Que é só um objeto
Pra usar e jogar fora
Depois de ter prazer.
Você é tão moderno
Se acha tão moderno
Mas é igual a seus pais
É só questão de idade
Passando dessa fase
Tanto fez e tanto faz.
Você com as suas drogas
E as suas teorias
E a sua rebeldia
E a sua solidão
Vive com seus excessos
Mas não tem mais dinheiro
Pra comprar outra fuga
Sair de casa então
Então é outra festa
É outra sexta-feira
Que se dane o futuro
Você tem a vida inteira
Você é tão esperto
Você está tão certo
Mas você nunca dançou
Com ódio de verdade.
Você é tão esperto
Você está tão certo
Que você nunca vai errar
Mas a vida deixa marcas
Tenha cuidado
Se um dia você dançar.
Nós somos tão modernos
Só não somos sinceros
Nos escondemos mais e mais
É só questão de idade
Passando dessa fase
Tanto fez e tanto faz
Você é tão esperto
Você está tão certo
Que você nunca vai errar
Mas a vida deixa marcas
Tenha cuidado
Se um dia você dançar.
(Renato Russo / Dado Villa-Lobos / Marcelo Bonfá / Renato Rocha)
MAIS DO MESMO Ei menino branco o que é que você faz aqui
Subindo o morro pra tentar se divertir
Mas já disse que não tem
E você ainda quer mais
Por que você não me deixa em paz?
Desses vinte anos nenhum foi feito pra mim
E agora você quer que eu fique assim igual a você
É mesmo, como eu vou crescer se nada cresce por aqui?
Quem vai tomar conta dos doentes?
E quando tem chacina de adolescentes
Como é que você se sente?
Em vez de luz tem tiroteio no fim do túnel
Sempre mais do mesmo
Não era isso que você queria ouvir?
Bondade sua me explicar com tanta determinação
Exatamente o que sinto, como penso e como sou
Eu realmente não sabia que eu pensava assim
E agora você quer um retrato do país
Mas queimaram o filme
E, enquanto isso, na enfermaria
Todos os doentes estão cantando sucessos populares
(e todos os índios foram mortos)
(Renato Russo / Marcelo Bonfá)
SOLDADOS Nossas meninas estão longe daqui
Não temos com quem chorar e nem pra onde ir
Se lembra quando era só brincadeira
Fingir ser soldado a tarde inteira?
Mas agora a coragem que temos no coração
Parece medo da morte mas não era então
Tenho medo de lhe dizer o que eu quero tanto
Tenho medo e eu sei porquê
Estamos esperando
Quem é o inimigo?
Quem é você?
Quem é o inimigo?
Quem é você?
Quem é o inimigo?
Quem é você?
Nos defendemos tanto tanto sem saber
Porque lutar
Nossas meninas estão longe daqui
E de repente vi você cair
Não sei armar o que eu senti
Não sei dizer que vi você ali
Quem vai saber o que você sentiu?
Quem vai saber o que você pensou?
Quem vai dizer agora o que eu não fiz?
Como explicar pra você o que eu quis
Somos soldados
Pedimos esmola
E a gente não queria lutar
E a gente não queria lutar
E a gente não queria lutar
E a gente não queria lutar
(Renato Russo)
MÚSICA URBANA 2 Em cima dos telhados as antenas de TV
Tocam música urbana
Nas ruas os mendigos com esparadrapos podres
Cantam música urbana
Motocicletas querendo atenção às três da manhã
É só música urbana
Os PMs armados e as tropas de choque
Vomitam música urbana
E nas escolas as crianças aprendem a repetir
A música urbana
Nos bares os viciados sempre tentam conseguir
A música urbana
O vento forte, seco e sujo em bancos de concreto
Parece música urbana
E a matilha de crianças sujas no meio da rua
Música urbana
E nos pontos de ônibus estão todos ali
Música urbana
Os uniformes,
Os cartazes,
Cinemas e os lares
Favelas,
Coberturas,
Quase todos os lugares
E mais uma criança nasceu
Não há mentira nem verdades aqui
Só há música urbana
(Renato Russo)
MAURÍCIO Já não sei dizer se ainda sei sentir
O meu coração já não me pertence
Já não quer mais me obedecer
Parece agora estar tão cansado quanto eu
Até pensei que era mais por não saber
Que ainda sou capaz de acreditar
Me sinto tão só
E dizem que a solidão até que me cai bem
Às vezes faço planos
Às vezes quero ir para algum país distante
E voltar a ser feliz
Já não sei dizer o que aconteceu
Se tudo o que sonhei foi mesmo um sonho meu
Se meu desejo então já se realizou
O que fazer depois?
Pra onde e que eu vou?
Eu vi você voltar pra mim.
(Renato Russo)
HÁ TEMPOS Parece cocaína mas é só tristeza
Talvez tua cidade.
Muitos temores nascem do cansaço e da solidão
E o descompasso e o desperdício
Herdeiros são agora da virtude que perdemos
Há tempos tive um sonho
Não me lembro, não me lembro
Tua tristeza é tão exata
E hoje o dia é tão bonito
Já estamos acustumados a não termos mas nem isso
Os sonhos vem
E os sonhos vão
O resto é imperfeito
Disseste que se tua voz tivesse força igual a imensa dor que sentes
Teu grito acordaria não só a tua casa
Mas a vizinhança inteira
E há tempos nem os santos tem ao certo
A medida da maldade
E há tempos são os jovens que adoecem
E há tempos o encanto está ausente
E há ferrugem nos sorrisos
E só o acaso estende os braços a quem procura abrigo e proteção
Meu amor
Disciplina é liberdade
Compaixão é Fortaleza
Ter bondade é ter coragem
E ela disse: - Lá em casa tem um poço mas a água é muito limpa.
(Renato Russo)
PAIS E FILHOS Estátuas e cofres
E paredes pintadas
Ninguém sabe o que aconteceu
Ela se jogou da janela do quinto andar
Nada é fácil de entender.
Dorme agora:
É só o vento lá fora.
Quero colo
Vou fugir de casa
Posso dormir aqui com vocês?
Estou com medo
Tive um pesadelo
Só vou voltar depois das três.
Meu filho vai ter nome de santo
Quero o nome mais bonito.
É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã
Porque se você parar para pensar, na verdade não há.
Me diz porque é que o céu é azul
Me explica a grande fúria do mundo
São meus filhos que tomam conta de mim
Eu moro com a minha mãe mas meu pai vem me visitar
Eu moro na rua, não tenho ninguém
Eu moro em qualquer lugar
Já morei em tanta casa que nem me lembro mais
Eu moro com meus pais.
É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã
Porque se você parar para pensar, na verdade não há.
Sou uma gota d'água
Sou um grão de areia
Você me diz que seus pais não entendem
Mas você não entende seus pais.
Você culpa seus pais por tudo
E isso é absurdo:
São crianças como você.
O que você vai ser quando você crescer?
(Renato Russo)
FAROESTE CABOCLO Não tinha medo o tal João de Santo Cristo
Era o que todos diziam quando ele se perdeu
Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda
Só pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu
Quando criança só pensava em ser bandido
Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu
Era o terror da cercania onde morava
E na escola até o professor com ele aprendeuIa pra igreja só pra roubar o dinheiro
Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar
Sentia mesmo que era mesmo diferente
Sentia que aquilo ali não era o seu lugar
Ele queria sair para ver o mar
E as coisas que ele via na televisão
Juntou dinheiro para poder viajar
E de escolha própria escolheu a solidãoComia todas as menininhas da cidade
De tanto brincar de médico aos doze era professor
Aos quinze foi mandado pro reformatório
Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror
Não entendia como a vida funcionava -
Discriminação por causa da sua classe ou sua cor
Ficou cansado de tentar achar resposta
E comprou uma passagem e foi direto a SalvadorE lá chegando, foi tomar um cafezinho
E encontrou um boiadeiro com quem foi falar
O boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagem
Mas João foi lhe salvar
Dizia ele: - Estou indo pra Brasília
Neste país lugar melhor não há
Estou precisando visitar a minha filha
Eu fico aqui e você vai no meu lugarE João aceitou sua proposta e num ônibus entrou no Planalto Central
Ele ficou bestificado com a cidade
Saindo da rodoviária viu as luzes de Natal
- Meu Deus, mas que cidade linda!
No ano novo eu começo a trabalhar
Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro
Ganhava cem mil por mês em TaguatingaNa sexta-feira ia pra zona da cidade
Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador
E conhecia muita gente interessante
Até um neto bastardo do seu bisavô:
Um peruano que vivia na Bolívia
E muitas coisas trazia de lá
Seu nome era Pablo e ele dizia
Que um negócio ele começarE o Santo Cristo até a morte trabalhava
Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar
E ouvia às sete horas o noticiário
Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar
Mas ele não queria mais conversa
E decidiu que, como Pablo, ele ia se virar
Elaborou mais uma vez seu plano santo
E sem ser crucificado a plantação foi começarLogo, logo os maluco da cidade souberam da novidade:
- Tem bagulho bom aí!
E João de Santo Cristo ficou rico
E acabou com todos os traficantes dali
Fez amigos, freqüentava a Asa Norte
Ia pra festa de rock pra se libertar
Mas de repente
Sob uma má influência dos boyzinhos da cidade
Começou a roubarJá no primeiro roubo ele dançou
E pro inferno ele foi pela primeira vez
Violência e estupro do seu corpo
- Vocês vão ver, eu vou pegar vocêsAgora o Santo Cristo era bandido
Destemido e temido no Distrito Federal
Não tinha nenhum medo de polícia
Capitão ou traficante, playboy ou generalFoi quando conheceu uma menina
E de todos os seus pecados ele se arrependeu
Maria Lúcia era uma menina linda
E o coração dele pra ela o Santo Cristo prometeu
Ele dizia que queria se casar
E carpinteiro ele voltou a ser
- Maria Lúcia, pra sempre vou te amar
E um filho com você eu quero terO tempo passa e um dia vem a porta um senhor de alta classe com dinheiro na mão
Ele faz uma proposta indecorosa
E diz que espera uma resposta, uma resposta de João
- Não boto bomba em banca de jornal nem em colégio de criança
Isso eu não faço não
E não protejo general de dez estrelas, que fica atrás da mesa
Com o cú-na-mão
E é melhor o senhor sair da minha casa
Nunca brinque com um Peixes de ascendente Escorpião
Mas antes de sair com ódio no olhar, o velho disse:
- Você perdeu sua vida, meu irmãoVocê perdeu a sua vida meu irmão.
Você perdeu a sua vida meu irmão
Essas palavras vão entrar no coração
E eu vou sofrer as consequências como um cão
Não é que Santo Cristo estava certo
Seu futuro era incerto e ele não foi trabalhar
Se embebedou e no meio da bebedeira
Descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar
Falou com Pablo que queria um parceiro
E também tinha dinheiro e queria se armar
Pablo trazia o contrabando da Bolívia
E Santo Cristo revendia em PlanaltinaMas acontece que um tal de Jeremias, traficante de renome
Apareceu por lá
Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo
E decidiu que com João ele ia acabarMas Pablo trouxe uma Winchester-22
E Santo Cristo já sabia atirar
E decidiu usar a arma só depois
Que o Jeremias começasse a brigar(O Jeremias, maconheiro, sem-vergonha,
Organizou a Rockonha e fez todo mundo dançar)
Desvirginava mocinhas inocentes
E dizia que era crente, mas não sabia rezarE Santo Cristo a muito não ia pra casa
E a saudade começou a apertar
- Eu vou me embora, eu vou ver Maria Lúcia
Já está em tempo de a gente se casar
Chegando em casa então ele chorou
E pro inferno ele foi pela segunda vez
Com Maria Lúcia, Jeremias se casou
E um filho nela ele fezSanto Cristo era só ódio por dentro e então o Jeremias prum duelo ele chamou
- Amanhã às duas horas na Ceilândia, em frente ao lote 14, é pra lá que eu vou
E você pode escolher as suas armas, que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor
E mato também Maria Lúcia, aquela menina falsa pra quem jurei o meu amorSanto Cristo não sabia o que fazer
Quando viu o repórter na televisão
Que deu notícia do duelo na TV
Dizendo a hora, o local e a razãoNo sábado, então às duas horas todo o povo
Sem demora foi lá só para assistir
Um homem que atirava pelas costas e acertou o Santo Cristo
E começou a sorrir
Sentindo o sangue na garganta
João olhou pras bandeirinhas e pro povo a aplaudir
E olhou pro sorveteiro e pras câmeras
E a gente da TV que filmava tudo aliE se lembrou de quando era uma criança
E de tudo o que vivera até ali
E decidiu entrar de vez naquela dança
Se a via-crucis virou circo estou aqui
E nisso o sol cegou seus olhos e então
Maria Lúcia ele reconheceu
Ela trazia a Winchester-22
A arma que seu primo Pablo lhe deu- Jeremias, eu sou homem, coisa que você não é
E não atiro pelas costas não
Olha pra cá filha-da-puta, sem-vergonha
Dá uma olhada no meu sangue, vem sentir o teu perdãoE Santo Cristo com a Winchester-22
Deu cinco tiros no bandido traidor
Maria Lúcia se arrependeu depois
E morreu junto com João seu protetorE o povo declarava que João de Santo Cristo era santo porque sabia morrer
E a alta burguesia da cidade não acreditou na história que eles viram na TV
E João não conseguiu o que queria quando veio pra Brasília com o diabo ter
Ele queria era falar pro presidente pra ajudar toda essa gente só faz sofrer.