Interview

by Marshal Law

Bruno Verner era integrante da banda paulista performatica  Um ou Nao.Juntou-se com a atriz, cantora e tambem performer Eliete Mejorado e formaram o Tetine no final de 1995. Lancaram um CD intitulado "Alexander's Grave" pelo selo High School Records no primeiro trimestre de 97, com distribuicao pela Cri Du Chat. O som do Tetine é complexo, minimalista e busca explorar recursos timbricos nos seus limites. Voz e sons digitais sao explorados "organicamente" (segundo definicao deles mesmos). Esta entrevista foi concedida por e-mail.

[Um pouco de historia : o que aconteceu com o "Um ou Nao" ? Ainda estao na ativa ? E quais foram os motivos do Bruno Verner sair ?]

Bom. Isso e uma longa historia.Na verdade o UM ou NAO surgiu de um convite que recebi para apresentar uma composicao chamada "Casamento" para o VIII Ciclo de Musica Contemporanea" em 1991 ainda quando morava em Belo Horizonte. Tudo comecou a partir dai. Eu convidei o artista plastico Alexandre da Cunha e nos nos apresentamos para um publico de aproximadamente 150 pessoas que se dividiam entre professores de musica, compositores, videomakers,  artistas plasticos e curiosos em geral no Teatro da Escola de Musica da UFMG. A musica era minha, o Alexandre tocava teclados ( na epoca um W30 e um DX7 ) e havia um aquario com leite dentro sustentado por uma estrutura metalica de mais ou menos 1m.50cm fazendo as vezes de um suposto "cantor" bem na beiradinha do palco. Nos ficavamos controlando os sintetizadores e havia somente um foco de luz direcionado para o aquario. Isso aconteceu numa noite em que haviam ainda mais 5 compositores, e no final do concerto as pessoas vinham falar com a gente que o trabalho e a musica eram fortes e a linguagem era interessante etc... Depois disso o Alexandre e eu viemos morar em Sao Paulo onde dividiamos o mesmo apartamento e dai decidimos continuar o trabalho criando o UM ou NAO. Nessa epoca convidamos Erika Verzutti que cuidaria de todos os textos nas nossas performances e a cantora lirica e guitarrista Leticia Coura que permaneceu no grupo ate 1994 trabalhando nesse esquema de recodificacao de linguagens (musica + semiotica + artes plasticas + literatura + performance e etc ) Nessa epoca faziamos somente performances e a musica era somente mais um elemento dentro do trabalho. Depois com a saida de Leticia Coura e com a entrada de Paula Martins no baixo em 1995 decidimos continuar o mesmo tipo de trabalho que faziamos porem como uma preocupacao mais POP e com um formato mais proximo ao de uma banda. Erica asumiu os vocais e a flauta ao mesmo tempo em que eu e o Alexandre nos revezavamos entre os vocais, os teclados e as guitarras nos shows.Desse periodo ate meados de 1996 o grupo trabalhou compulsivamente fazendo shows, dirigindo o proprio clip que foi ao ar durante tres meses consecutivos no Dance MTV, e gravando o repertorio do que seria o seu primeiro CD chamado "O Lugar fora do Lugar". Parece estranho estar falando dessa trajetoria, mas ela e fundamental na historia do grupo para entender como se deu a dissolucao do Um ou Nao ainda em 1996. Todos no grupo eram envolvidos com outras atividades relacionadas as artes experimentais e as vezes isso era bastante complicado. Quando o Alexandre deixou o grupo e ficamos somente nos tres as coisas pioraram de vez, principalmente porque eramos todos muito amigos e alem do mais moravamos juntos e trabalhavamos no mesmo projeto quase o tempo todo. O trabalho foi ficando cada vez mais dificil entre nos e no final de setembro acabei deixando o grupo por motivos de desentendimento pessoal com a vocalista. Depois disso o grupo se desmanchou totalmente e o ultimo trabalho foi criado para a coletanea em tributo ao New Order somente comigo nas guitarras e programacoes e com Paula assumindo os vocais e o baixo. Uma boa noticia depois disso tudo foi que o clip de "Let de Sunshine" foi escolhido como um video experimental para participar de um dos maiores festivais de arte eletronica e videoarte da Europa o "European Media Art Festival" em Osnabruck na Alemanha. O Alexandre foi convidado para ir para o festival e essa semana o video sera exibido numa mostra especial dentro desse evento. Estranho, mas essa e' a historia do grupo. O CD esta pronto e se for lancado provavelmente sera o unico.

 

[Como nasceu o Tetine ?]

O Tetine nasceu ainda na epoca do UM ou NAO como um projeto parelelo meu e de Eliete Mejorado a partir de uma retomamada que estava fazendo ao campo da musica atonal e da questao dos textos como palavra falada. Quando comecei a trabalhar com a Eliete percebi que ela trazia na sua formacao musical algo de muito estranho e que de certo modo tinha muito a ver com os trabalhos que fazia na area da musica contemporanea. Ambos estavamos interessados em pesquisar a mesma historia, isto e, o que havia em comum entre o formalismo expresso nas composicoes eletronicas e a organicidade do corpo e da voz na articulacao de textos como pecas de musica. Como a Eliete representava para mim o que havia de mais organico no trabalho e o alcance da sua voz era extremamente impresionante no que se refere ao canto e ao grito, decidimos comecar gravando experiencias que faziamos comigo nos teclados e com ela nos vocais. Esse trabalho foi ficando mais serio e dai passamos a fazer shows constantemente tentando reproduzir fielmente o que criavamos ate o lancamento do "alexander's grave" nosso primeiro album.

 

[O Tetine tem como um dos seus pilares a literatura. As letras podem ser  poesia, prosa ou ate' uma mistura de ambos. Qual o processo de composicao de voces ?]

Voce tem toda a razao: a literatura e um dos pilares essencias e acrescentando um pouco mais, estamos preocupados diretamente com o sentido semantico da fala e do proprio texto que e articulado pelo meu vocal ou pelo da Eliete. Nao ha um limite estipulado entre o que e tratado como poesia ou prosa como voce mesmo disse. O que ha de fato e uma preocupacao com o que e dito e com a leitura e o sentido de cada um dos textos utilizados na criacao das composicoes. Geralmente quando vamos compor ou comecamos por um texto e o seu sentido ou pela sonoridade de algum timbre ou base programada. Nao existem muitas regras. As vezes a Eliete esta brincando nos teclados e dai' surge alguma frase musical que eu ou ela acabamos por transformar em uma musica. Um outro modo tambem muito recorrente e' quando a Eliete comeca a fazer exercicios vocais a partir de uma unica nota extraindo o que ela mesmo chama de" voz do joelho", a descoberta de um outro tipo de sonoridade vocal atraves de um processo de exaustao do proprio corpo. Isso e'  bem interessante e ao mesmo tempo muito estranho. Um cara chamado Luis Otavio Burnier professor da UNICAMP de artes cenicas falecido no ano retrasado foi um dos grandes mestres desse tipo de pesquisa. A Eliete estudou com ele e ela conta que as vezes eles ficavam numa sala de ensaio por mais de 7 horas consecutivas pesquisando sons atraves da fala e do canto com o corpo. Isso sem beber agua ou sair para fazer xixi ou coco. Quando fazemos musicas mais organicas geralmente o processo nasce dessa maneira, principalmente da parte dela.

 

[O trabalho de voces e' um laboratorio de experimentalismos sonoros/esteticos.Qual a sua relacao com a musica pop, se e' que existe ?]

Existe uma grande relacao de isso tudo com a musica pop no trabalho, primeiro porque somos pessoas que estamos diretamente ligados a esse tipo de cultura e segundo porque somos bem "pops" enquanto pessoas e adoramos boa musica pop. O UM ou NAO teria tudo para virar uma banda de musica pop, do visual 'as melodias das musicas se tivessemos continuado. Uma das cancoes que gravamos do B52's tem todas essas caracteristicas mas ha' sempre aquela informacao estranha que nao deixa o trabalho ser puramente pop. O Tetine ja' funciona de uma outra maneira. E muito tenso harmonicamente falando e tem um discurso e um subtexto as vezes um pouco pesado no que se refere aos texto e ao canto,  mas em algumas cancoes conserva um espirito que vem do pop. Nao sei explicar isso direito, mas se ouvinte for a fundo no disco essas caracteristicas certamente podem ficar aparentes. Em algumas musicas isso e um pouco mais evidente como e' o caso de Two Weeks que passeia por um lado mais minimalista ou Mr Fellas, The Sea e High School.

 

["Alexander's Grave" na verdade ja' havia sido lancada como cassete. Algumas musicas foram acrescidas no CD. O que possibilitou o lancamento deste CD ?]

Exatamente. Algumas cancoes foram remixadas e musicas mais novas foram incorporadas na feitura de "Alexander's Grave". A iniciativa de lancar o primeiro album nasceu da vontade de colocar esse trabalho no mundo , de um premio que eu recebi por um livro que escrevi de poesia visual e fonetica chamado O UM pela Secretaria da Cultura do Estado de Sao  Paulo e  de algumas oficinas que ministramos no final do ano passado sobre "Construcao de Linguagens".

 

[A musica de voces tem um profundo apelo visual. Como e' o Tetine ao vivo ? Qual a reacao do publico ?]

Muito parecido com o album. O que acontece nos shows e' um pouco datransposicao do nosso processo de criacao para o palco com uma producaomais caprichada. Ao vivo usamos imagens dependendo do lugar e procuramos seguir a cartilha do que chamamos de "visual JK" - uma mistura de Jackie Onassis (Kenedy) com Juscelino Kubschesck. Ja' a reacao do publico e' bem diversa. Uma coisa que temos observado e' que de algum modo as pessoas nao deixam de ter alguma reacao, seja ela negativa ou positiva. Algumas pessoas gostam muito e dizem que saem realmente tocadas depois da apresentacao, enquanto outras acham a performance de extremamente esquisita e assustadora. E isso tem sempre acontecido, seja em teatro ou em casas noturnas. Uma historia divertida foi a vez que tocamos no CLUB ALIEN - uma especie de templo paulistano das noites Techno. Quem nos convidou foi a propria DJ residente do casa Andrea Gram, e quando comecamos o show por volta das tres da manha com a casa lotada, todo tipo de reacao rolou; de caras na frente do palco totalmente estranhos a drags e gays gritando alucinadamente. Foi estranhissimo porque muitas das pessoas que estavam ali esperavam que nos fossemos uma banda de techno como os Habitants ou o Level 202 e o show era extremamente pesado mas com quase nenhum beat. No dia seguinte sai uma nota no jornal na coluna da Erica Palomino dizendo algo como " diz que foi babado forte o que rolou ontem a noite no CLUB ALIEN", "o underground ainda esta vivo com os vocais da fofa". Eu achei muito divertido, era um pouco como tocar uma peca de Erik Satie num forro. Tudo muito confuso mas muito divertido. Eu acho que na verdade e' sempre muito imprevisivel a reacao das pessoas em qualquer lugar.

 

[O que e' a "High School Records"?]

High School Records e a nossa produtora e tambem gravadora de um certo modo. Um nome que inicialmente foi criado para a distribuicao de trilhas que o Tetine e o Um ou Nao fizeram para videos experimentais. O primeiro produto acabou por forca do destino sendo "Alexander's Grave". Leia- se como: Esse album foi produzido e gravado pela High School Records (apenas um lugar de producao musical executiva onde funciona um estudio) e sera distribuido pela Cri du Chat Disques - agora Fiber como sabemos.

 

[Quais os "compositores de cabeceira" de voces ?]

Da minha parte: Claude Debussy, Mahler, Erik Satie e  Alban Berg  da chamada musica erudita. Mais grandes  nomes da composicao na musica pop como P.J Harvey, Rick Wilson e Cindy Wilson  ( B52's), Trick, Bjork, Laurie Anderson e  Brian Wilson do Beach Boys - fase Pet Sounds - na minha opiniao um dos grandes discos da musica pop dos anos 60. Da parte da Eliete: Bach, Chopin,  Wagner e Meredith Monk e no que se refere ao pop: Nina Hagen, Beth Gibbons do Portishead, David Bowie e Kate Bush que ela anda ouvindo compulsivamente.

 

[Existe espacao para a musica chamada contemporanea hoje no Brasil? Como voces se situam dentro de um mercado ( no caso, fonografico ) que e' altamente segmentado, fechado e massificante ?]

Existe. Mas eu acredito que a musica de vanguarda  so continuara a fazer sentido como musica na medida em que ela se envolver cada vez mais com as outras midias de experimentacao, leia-se videoarte, performance, videoinstalacao e artes plasticas. Como sempre existiu desde os anos  60 com Nuan Pike e John Cage, dois artistas que atuaram brilhantemente nesse campo (respectivamente nas areas de videoarte e musica nova), e ao mesmo tempo formaram um publico e estabeleceram padroes altamente conceituais e esteticos em suas obras. De uns anos para ca' esse mercado vem crescendo rapidamente e festivais de perfomance e arte eletronica comecam a tornar-se de fundamental importancia na maioria dos paises do mundo, e e' nesse campo de atuacao que a musica experimental se estabelece como mais uma linguagem. Acredito que e' nesse campo que atuamos, porem tenho observado que o nosso publico vai se formando a medida que as pessoas vao assistindo aos shows independente do lugar. Isso vai de performers, atores, videomakers e musicos ate pessoas mais jovens interessadas em musica de uma maneira geral. Porem ainda somos vendidos e nos vendemos no mercado como um trabalho experimental e para um publico especifico.

 

[Quais os planos ate' o final de 1997 ?]

Fazer o show de lancamento do nosso album -  primeiro vai acontecer agora no SESC PINHEIROS no dia 4 de junho. Divulgar o album em outros estados fazendo shows. Participar das coletaneas Electricism e Essence e seguir para Berlim onde estivemos no comeco do ano fazendo alguns contatos para uma provavel apresentacao no Podewill and Haus der Kulturen der Welt.

 

[Uma mensagem final.]

Se voce realmente acreditar no que voce tem dizer, provavelmente essa informacao chegara a algum lugar independente da obviedade, da dificuldade, do canal e da funcao daquilo que e' dito. Um abraco, Bruno Verner.

 

 

Tetine contact:

tetine@dialdata.com.br


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