LOS PARAÍBAS DO SUCESSO

RAIMUNDOS PULAM A CERCA DAS RÁDIOS, INVADEM A TELINHA DA GLOBO E ESTOURAM ATÉ NA ESPANHA


Granada, março de 96. Chapados de frio, Rodolfo, Canisso, Fred e Digão olham a neve pela janela da van que os leva de Madri para a cidade/estação de esqui espanhola. "Vamos parar, vamos parar!", imploram. Param. Descem do carro, agacham, pegam um punhado de neive, tiram fotos. Acaba a festa. "Vamonessaaaa!", berram os poderosos-chefões da viagem. Seguem em frente, putaços no kombão.

"Pô, foi esse o meu contato com a neve?", protesta o baixista Canisso. "Primeira vez que eu vejo neve e só isso, véio!!!", indigna-se o guitarrista Digão. Pior. Resumiu-se a esses mais ou menos 15 segundos um dos míseros momentos de lazer dos Raimundos na primeira viagem-show internacional da banda. "O único passeio na Espanha foi uma volta no quarteirão das putas que ficava na rua atrás do hotel", conta Canisso. "As mulheres lá são tudo que nem nos filmes do Almodóvar: cada narigão!!!", diz. "Não deu nem pra comprar umas lembrancinhas", resmunga Fred.

É o preço da pressa. O preço da fama. O preço de ser pop. Raimundos, a banda independente brasileira que mais vendeu discos nos anos 90, agora é pop. Pop profundo, de bater cabeça, de estourar timpanos e miolos, mas pop. Pop cabra-macho, que arregaçou as fronteiras da música independente e partiu pro pau, de peixeira em punho, conquistando a programação das rádios e freqüentando programas de TV sem perder a ousadia, sem meios-palavrões. Até consultores de minha-primeira-vez do Fantástico os caras ja foram. "Alguém ai já teve uma primeira vez assim... não tradicional?", perguntou o repórter do programa, numa cena que não foi pro ar. Silêncio. Troca de olhares. Explosão: "Ih, é ruim hein! É ruim, hein! A gente toca rock pauleira meu!" Na-na-nanana...

A reação dos espanhóis ao som dos Raimundos pode ser medida pelo estouro da banda nas rádios. Antes de desembarcar na Espanha o grupo ocupava o quadragésimo lugar na parada da Radio Nacional (RN3), a emissora mais forte no circuito alternativo do país. Um dia depois de pisar na terra de José Carreras, os caras já eram vigésimo-terceiros. As paraibadas raimundas chegaram a tocar 12 vezes por dia na emissora!!! Em duas semanas os caras venderam mil cópias de Lavô Tá Novo, o que é bem considerável num mercado que dá disco de ouro a quem alcança 45 mil discos vendidos - aqui, a marca precisa ser de 100 mil.

380 MIL DISCOS VENDIDOS NO BRASIL
12 EXECUÇÕES DIÁRIAS NA PRINCIPAL RÁDIO ESPANHOLA
16 EXECUÇÕES DIÁRIAS NAS DUAS PRINCIPAIS RÁDIOS ROCK (SP E RJ)
1 DE CADA 4 PEDIDOS DOS OUVINTES NA CIDADE FM/RJ
1 MIL DISCOS VENDIDOS NA ESPANHA EM 15 DIAS


No Brasil o vento tem soprado estupidamete a favor. Nunca se ouviu tanto Raimundos na rádio. Quase junto do estouro de "Eu Quero Ver o Oco" (música de trabalho de Lovô Tá Novo), as FMs passaram a tocar pacas com "O Pão da Minha Prima" e, em março, emendaram com o tributo ao tesão pela Madonna "I Saw You Say" tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro.

Juntas, as três músicas colocam Raimundos no ar em média oito vezes por dia na 89FM de São Paulo ou na Rádio Cidade carioca, as duas principais rádios rock do eixo RJ-SP. "Eu Quero Ver o Oco" foi mais massacrante. Chegou a ficar cinco semanas consecutivas no topo das dez mais da 89. Só perdeu o posto para a genial versão dos Ramones de "Spider-Man", justamente na época em que a banda estava no BrasiI para seus últimos shows - ou seja, super-exposta na midia. No Rio, os Raimundos atravessaram março e abril se revezando entre os primeiros lugares da parada da Rádio Cidade. Um de cada quatro ouvintes que ligam para a Cidade atrás de músicas brasileiras pedem Raimundos.

Nos tempos do primeiro disco a coisa foi um pouco diferente. A banda só entrou a fórceps na programação das viciadas emissoras de radio. Foi catapultada por esse mesmo publico, que entupiu os telefones com pedidos para que tocassem "Puteiro em João Pessoa" - aquela altu- ra conhecida como "Roda Viva", seu pre-nome, graças ao "na-na-na" do falso moralismo habitual... "Não é pelos palavrões que algumas rádios não tocavam ou não tocam Raimundos", diz Rodolfo. "É puro preconceito com o rock". Faz sentido. Quer ver?

Corte abrupto para o Rio de Janeiro, três semanas depois da viagem-relâmpago a Espanha. Local: bastidores do programa da Xuxa. Nos camarins a zona impera, tal e qual em qualquer encontro dos quatro. Agora a cena: de um lado, Fred bate papo com o baterista do Yahoo; do outro, Digão troca umas idéias com o ex-Cidade Negra Ras Bernardo, enquanto Rodolfo discute futebol com, bem, como dizer... Latino. Nonsense total. "Somos fãs dele, aquela coisa dance que ele faz é o máximo", alucina Digão. Por trás do elogio, o interesse: Latino estava acompanhado de suas duas altamente desfrutáveis latinetes. "Mandaram eu agarrar a loira e eu crau! O marido dela tava atrás, mas era um baixinho que nem contava". O tempo quase fechou no camarim, Rodolfo teve de pegar leve: "Fiquei do lado da morena, que tem marido bravo, e amarelei. Sai na foto comportado".

O melhor da festa estava pra rolar. A própria Xuxa. "Ela estava maravilhosa vestida de Napoleão. As paquitas, então, nem se fala, todas gostosérrimas", lambe com a testa Digão. O cara chegou até a cair no palco. "Só uma paquita que viu. Ficou tirando um sarro". No palco do Xuxa Park, os caras se aqueceram com "I Saw You Say". Depois, momento supremo, detonaram nada menos que "Ilariê". E hilariante mas, dentro do que ser um Raimundo permite, eles levam a sério. "Era um sonho poder estar aqui", conta Digão, a voz semi-embargada. "Tocamos 'Ilariê' no nosso primeiro show", revela. Do outro lado, em frente à TV, milhares de headbangers ameaçam fazer stage diving usando o Viaduto do Chá como palco...

Não é pra tanto. A absorção pelo mainstream não mudou em nada o que mais interessa para os Raimundos (e o seu público): a atitude. Ainda que a putaria - uma das marcas registradas da banda - tenha saido de cena ("Fora o Digão, tá todo mundo casado ou namorando sério", explica Rodolfo), a sinceridade e a espontaneidade continuam lá, firmes, pesadas e fortes, do mesmo jeito que o som é e será sempre aquela porrada.

Lavô Tá Novo vendeu em seis meses cerca de 180 mil copias, quase o equivalente ao que alcançou nesses dois anos o primeiro disco, Raimundos, hoje na marca dos 200 mil. Tá legal. No CD de estréia, por uma gravadora indie, isso representava um estouraço. Já numa multinacional as expectativas (e as cobranças) são maiores. Mas os caras sabem muito bem como lidar com isso. A estratégia é simples: não dão bola. "Não é porque os Mamonas venderam quase dois milhões que eu vou achar que 150 mil discos é pouca coisa", rebate Fred.

A viagem-relâmpago à Espanha foi só reflexo dessa amadurecida. Eram cinco dias. Seriam gastos, em princípio, com um showcase - para a imprensa - em Madri e uma apresentação num festival, além de meia-dúzia de entrevistinhas. Seriam. "Depois que falamos na Rádio Nacional todo mundo começou a procurar a gente", conta Fred. "Só fui parar de dar entrevistas no quarto dia, meia-hora antes do segundo show, em Granada, e ainda assim porque eu me recusei a falar", conta o baterista. "Não agüentava mais, pô". O resultado?

"Puta madre, voy comprar lo disco de ustedes para aprender a tocar las musicas." Se servir como termômetro, o escarcel aí, contado em bom portunhol por Digão, foi promovido por quatro adolescentes que cercaram os caras logo depois da apresentação no Esparrago, um dos mais tradicionais festivais alternativos da Espanha. Foram três dias de shows.

Durante o show raimundo, a empolgação da platéia foi às alturas. No vídeo feito com a camerazinha do Canisso e visível o desânimo de varios dos sete shows daquele dia. Mas foi só os Raimundos entrarem no palco que a bateção de cabeça rolou solta. "Parecia que ia ser mais facil eles entenderem se a gente cantasse em braile...", viaja Canisso. "Aí a gente descobriu que Raimundos é world music. As pessoas cantavam todas as letras sem entender porra nenhuma. Isso é world music!", teoriza Fred.

O headline da noite era Rollins Band. "É só ver alguém que o Henry Rollins estufa o peito, abaixa a cabeça e passa batido, como se quisesse dar porrada", descreve Canisso, imitando o cara. "Mas na hora do show a gente viu qual é a dele, começou a fazer a dança da garrafa em cima da caixa de retorno...", entrega, raimundíssimo. Hummm.

 

por ISRAEL DO VALE
colaboraram CLAUDIA GRECHI e LETÍCIA CALMON



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