-----Original Message-----
From: holgerson.nils@berlin.de
[SMTP:holgerson.nils@berlin.de]
Sent: Thursday, February
15, 2001 2:11 PM
Subject: Vidro berlinense
(apócrifo)
Hans chegara a Amsterdão
na véspera. Ficara hospedado algures, numa casa de café,
entre um charuto e um charro. As bicicletas zuniam-lhe aos ouvidos como
pássaros a guinchar, a fugir de gatos matreiros, barulhentos, marotos,
após um chifom de chocolate, bolo dulcíssimo e escuro. A
manhã estava bonita. O sol resplandecia na água pouco límpida
dos canais da cidade. Caminhava lentamente, à beira da água,
tentando encontrar o seu reflexo, quando de repente, em vez de encontrar
o rosto familiar que todos os dias lhe dava os bons dias ao espelho, encontrou
o rosto sorridente de alguém de óculos, com um emblema do
PCH (1) bordado na camisola, numa
cor amarela possante e variegada, ousamos até afirmar. Hans voltou-se
para trás e fitou-o atentamente, num tom desafiante. O outro manteve
o sorriso. Hans perguntou-lhe porque sorria. "Venho de uma pastelaria."
"Pastelaria? Não tenho bons conhecimentos sobre a excelência
da doçaria holandesa. Pode dar-me mais pormenores?" "Pormenores
não lhe posso dar, mas posso dizer-lhe que há um bairro inteiro
à sua espera, da cor do meu partido, cheio de pastelarias, bolos
e pasteleiras de boa qualidade. Aconselho-o vivamente por experiência
própria. Já lá estive hoje e experimentei com muito
agrado. Penso voltar, em breve." "Com tão positiva descrição,
mais não posso fazer que não ir lá, para não
defraudar as enormes expectativas que me deixou. Dank U. Já agora,
diga-me o seu nome." "O meu nome é Marx." "Muito prazer e espero
não o ver mais nesta cidade, uma vez que me vou embora agora. Ouvi
dizer que havia marinheiros a cantar no porto da cidade. Vou até
eles para apanhar o barco. Fique bem e dê notícias." E foi-se
embora, deixando o parceiro a pensar regressar às ruas que tão
ousada e denodadamente descrevera. E a neve começou a cair.
Figura 1 - Bolos
Numa fúria desmedida,
Hans chegou ao porto de Amsterdão, pontapeando latas vazias, de
refrigerantes e cervejas holandesas de nomes sonantes, e cuspindo ostensivamente
para o chão, imaginando que de um porto cubano se tratasse. Caminhava
com um ar natural, apesar da fúria que rasgava rugas no rosto repassado
de incerteza. Sabia que procurava algo, mas não sabia exactamente
o quê. Não era o único. Todos os que o rodeavam manifestavam
no seu semblante grave as mesmas graves cogitações e perplexidades
perante o desconhecido do amanhã. Embrenhado na sua mente, tentando
soltar-se das teias de aranha que o apertavam, sufocavam de forma pegajosa
e persistente, Hans resolveu falar com Sócrates, que ali se encontrava
de férias. "Olá Sócrates. Tudo bem?" "Meu chapa, creio
não ter tido ainda o prazer de falar com você." "Desculpe,
mas que Sócrates é você? Deve haver algum engano, pois
o verdadeiro Sócrates, o corruptor de jovens, o desbravador de mentes,
esse conheço-o melhor que a palma da minha mão e que as impressões
digitais dos meus dedos, que têm a mesma idade que eu, nem mais um
ano nem um a menos e não duvide que é verdade! E ao olhar
para si nos seus olhos, julgo vislumbrar contornos faciais familiares"
"Não admira que me conheça. Participei no campeonato do mundo
de futebol de 1982, em Espanha. Você esteve lá?" "Não
lhe vou responder. Essa pergunta é desmerecedora da minha consideração.
Não quero e não respondo. Você desiludiu-me. Você
não era quem eu pensava." E assim prosseguiu o seu caminho, deixando
o interlocutor a falar sozinho, descrevendo lances históricos, que
um bando de marinheiros holandeses escutava com sofreguidão. Entretanto,
a escuridão estendia lentamente o seu manto pela cidade. O porto
perdera o interesse para Hans, ao ver os marinheiros entusiasmados a escutar
um chorrilho de histórias desinteressantes, em elevado grau reminiscentes
de um telejornal dos tempos modernos. Hans não queria reconhecer
que de facto assistira ao campeonato que o seu ex-interlocutor lhe recordara.
Hans estivera em Espanha nesse ano. Lembrava-se agora como se fosse hoje
do Verão quente de 82. Havia um barco que fazia a travessia do rio
Guadiana e que levava as crianças a comprar brinquedos. Hans lembrava-se
que fazia contrabando de brinquedos espanhóis para a Alemanha de
leste e quase fora apanhado numa das noites em que o barco fora desviado
por alguns instantes para o porto de Rostock. Só não foi
apanhado porque não ia no barco e porque não participara
em qualquer actividade, embora se considerasse culpado por ter tomado conhecimento
do assunto e nada ter feito nem para ajudar nem para contrariar. Era culpado
e não havia volta a dar. Tinha corrompido as crianças que
compraram os brinquedos. Era um legítimo discípulo de Sócrates.
Figura 2
-----Original Message-----
From: Mac [SMTP:mac.laude@dunnottar.co.uk]
Sent: Quarta-feira,
18 de Julho de 2001 8:53 AM
Subject: [o_hans] Vidro
berlinense Apócrifo III
Chamo-me Mac Laude,
do clã Mac Laude. Meu pai chamava-se Laude. Lembro-me bem daquele
ano. As colheitas tinham sido magníficas, com a ajuda preciosa do
senhor sol, que apenas de quando em vez visitava aquelas paragens remotas
das terras altas. Sim, lembro-me bem dos medronhos colhidos sob a luz incandescente
dos raios solares, sumarentos e doces. Alguém os trouxe à
chegada a Strathyre, feudo incontestado e invicto do clã MacLaude.
Era o ano de 1659. Os óculos ainda não eram um objecto vulgar
e amplamente divulgado como são nos dias de hoje e ao habitante
local despertavam sentimentos conflituosos entre si, de espanto, de inveja,
de admiração. Usava óculos o estranho que chegou à
aldeia, sozinho, acompanhado apenas por um carro. Nos primeiros dias, não
falou com ninguém. Deixou-se estar à sombra de uma bananeira
que não existia naquele presente e descansou, deixando a população
em sobressalto, indiferente ao ar calmo que emanava o visitante, preocupada
apenas com os medronhos que corriam sério risco de apodrecer, se
não fossem consumidos dentro do prazo prescrito pela natureza. Não
sei o que o trouxe àquela nossa terra, nem porque trouxe os medronhos
consigo. Comia-os muito devagar, devagarinho, como que esperando por algo
que teimava em não chegar. Ainda o estou a ver, trincando lentamente,
saboreando cada dentada, sem no entanto prestar qualquer atenção
ao sabor. Não me recordo se ao sexto se ao sétimo dia, houve
um cavalheiro, também vindo de outras paragens, mas mais loquaz,
dirigiu-se a ele, perguntando-lhe porque se mantinha alheio a tudo o que
se passava à sua volta. Aproximei-me e procurei ouvir com cuidado,
de forma a que aquilo que a minha pena hoje escreve possa ser o mais fiel
possível ao que ali transcorreu. A resposta do estrangeiro foi calma,
como o seu ar. Confessou que tal como todos os outros que ali estavam,
não sabia exactamente o que ali estava a fazer. Mas, no entanto,
tinha um plano e muitos sonhos. O plano, conseguiria executá-lo,
com um pouco de arte e mestria. Os sonhos, esses pertenciam ao destino
e não lhe cabia a ele realizá-los, mas apenas conquistá-los,
se com ele estivessem dispostos a colaborar. Aquele que fizera a pergunta
apresentou-se. ‘S ann à Glaschu a tha mi. Is mise Hans. Tha mi toilichte
‘gad fhaicinn (1). O estrangeiro,
comovido, respondeu à altura. Feumaidh mi falbh a nis (2).
E partiu para uma longa caminhada introspectiva pelos montes adjacentes.
A sua pesquisa foi frutífera, pelo menos assim fazia crer o ar de
satisfação que ostentava ao regressar. O plano estava prestes
a ser executado. Trazia às costas uma mochila, de aspecto muito
pesado. E pesada era certamente, pelos esgares de esforço que assomavam
ao seu rosto. Foi procurar o seu recente amigo. Eu estava ao pé
do amigo dele, o Hans e ouvi tudo. As palavras que trocaram foram mais
ou menos deste teor. Cait a bheil thu a fuireach? (3)
Hans respondeu
de forma cabal e definitiva.
Tha mi a fuireach aig an taigh-òsda (4).
Isto não deve ter soado muito bem ao visitante, que muito provavelmente
não dominava as subtilezas da língua gaélica. Pelo
menos é essa a ideia que deixam transparecer as misteriosas palavras
que proferiu em seguida. Ruigidh each mall muileam (5).
Hans ignorou-o. O estranho deslocou-se até ao seu carro, a pé.
Isto sei-o, porque o vi, com estes olhos que agora contemplam esta folha
e esta pena, de onde saem as palvras que escrevo. Retirou da mochila um
instrumento que hoje chamam maçarico, mas que naqueles tempos não
tinha qualquer nome. Na mochila havia também uma botija de gás
e uma máscara. Veio-se a saber mais tarde que o plano dele era fazer
um carro descapotável. Com perseverança e muito trabalho,
alcançou o seu objectivo. Vi-o com a máscara no rosto, em
cima dos óculos, empunhando o maçarico com a sua chama, extraindo
cirurgicamente a capota do veículo motorizado. Que coisa bela era
de se ver. A arte da soldadura em acção muitos anos antes
de ser inventada. O resultado foi absolutamente espantoso. E foi o espanto
a emoção e o sentimento dominante na aldeia. Todos se curvaram
perante tal arte e fizeram uma
vaquinha para oferecer
um cavalo ao visitante. Comovido com a boa acção da população,
proferiu doutas palavras sábias. Thèid seòltachd thar
spionnadh (6). E ofereceu
a capota aos seus bem feitores, para que a dessem de comer aos porcos.
Perguntaram-lhe o seu nome, ao que apenas respondeu que era semelhante
ao de um cavo filósofo do século XIX, que tem uma estátua
sua na praça Marx-Engels em Berlim. E partiu, rumo ao desconhecido,
para voltar mais tarde, no seu
descapotável
de um cavalo.
-----Original Message-----
From: Mac [SMTP:mac.laude@dunnottar.co.uk]
Sent: Quarta-feira,
1 de Agosto de 2001 8:37 AM
Subject: Hans apócrifo
IV
No seio do clã
Mac Laude cresci e vi muitas coisas. Algumas bonitas, outras dotadas de
menos formusura. A aldeia era unida, unitária, como os partidos
modernos. Era uma comunidade coesa. Qualquer Mac Laude protege um Mac Laude.
Naquele ano de viçosas colheitas, decidi partir. Tornei-me um vagabundo
caminhante, bem vestido e apresentável, sem me descuidar em demasia.
Nas muitas viagens que fiz na minha terra e em searas alheias, encontrei
pessoas e coisas que me encheram a vista e o espírito. Não
saberia escolher nem qual a que me agradou mais, nem sequer a que me agradou
menos. Há sempre subtis diferenças, pequenos laivos positivos,
pequenas falhas negativas, que somadas em série de MacLaurin, que
era membro de um clã próximo do meu, acabam por completar
o cômputo geral. Repito, não o sei dizer. Mas lembro-me de
muitas delas. E não vou perder esta oportunidade de vos contar o
que sei. Há verdades que não são para ser ditas e
histórias que não são para ser contadas. Mas por vezes,
podemos deitar fora os ditados, os aforismos e os anexins, deixando sair
cá para fora tão simplesmente aquilo que temos vontade de
dizer. Sim, vou contar esta história. Era uma tarde clara, com algum
sol, tanto quanto podem oferecer as pastagens verdes, das colinas que se
erguem ao longo do mar, junto ao castelo de Aberdour. Era um castelo esplendoroso,
onde os seus senhores se entregavam esporádica e frequentemente
a lautos banquetes. Ostensivamente ostentavam as suas jóias, os
seus jardins perfumados de plantas singelas e tropicais. Quem quisesse
um pouco desses jardins, poderia adquirir vasos com rebentos ainda fechados.
Flores que desabrochariam dentro de pouco tempo. A cor ainda não
se mostrava, mas as técnicas modernas de jardinagem da época
permitiam já ter uma certeza aproximadamente absoluta das cores
que de facto viriam a ver a luz do
-----Original Message-----
O clã ao qual
pertenço chama-se MacLaude. Somos unidos, somo um clã. Apoiamo-nos
uns aos outros nas lutas contra outros clãs, se as tivermos
sol. Num dia de banquete,
em que eu me sentara no jardim, tentando passar despercebido, escutando
a voz do mar e inalando o cheiro inebriante das flores, misturado com os
olores das chaminés das cozinhas e dos currais. Aproximou-se de
mim um cavalheiro que já conhecera na minha terra e que vira partir,
estupefacto, no seu carro descapotável. Não me viu, embora
o tivesse chamado pelo nome. Um pouco atrás dele, apareceu um nobre
cavaleiro da região, que cortesmente se me apresentou, dizendo chamar-se
Lorde Antunes. Cumprimentei-o, educadamente, como é devido a um
Mac Laude e perguntei-lhe o que o trazia ali.
- O banquete naturalmente
- foi a resposta lacónica.
- O que é pensa
encontrar por lá?
- Bem, para dos chatos
e enfadonhos marqueses, duques e outros senhores
da região, espero
sinceramente encontrar senhoras do sexo feminino.
- Percebo. E conhece
aquele cavalheiro que entrou antes de si?
- Marx? Sim, acho que
o conheço. Não muito bem, sabe, mas conheço-o. Uma
pessoa nunca chega a conhecer completamente outra. Mas acho que ele terá
uma história muito interessante para lhe contar, se lhe perguntar.
- A sério?
- Seríssimo.
Quer experimentar?
- Sim.
E assim, convencido
pelas palavras sábias do cavaleiro, me dirigi a Marx e lhe dirigi
a palavra.
- Oiça, você
não se lembra de mim, mas eu sei quem você é. Eu não
tenho medo de ninguém e a mim ninguém me cala. Você
tem alguma história para me
contar? Lorde Antunes
disse que sim e Lorde Antunes não mente.
- Agora é que
você me apanhou. Tem razão. Tenho mesmo uma história
para lhe contar. Passou-se pouco tempo depois de ter completado o meu projecto
de carro descapotável? Lembra-se? Ainda bem. Andara já muitos
quilómetros, puxando bem pelo carro, quando este deixou de andar
subitamente. Depois, lembrei-me que ainda não havia bombas de gasolina
e que o invento era demasiado avançado para a época. Deixei-o
ficar ali, já que era inútil e prossegui o meu caminho, a
pé. Nisto, passou um carro por mim e parou. O motorista, muito bem
apresentado (esqueci-me de dizer, que eram duas da manhã, quando
aconteceram estes sucessos), bastante bem apresentado mesmo e não
menos simpático. Enfim, um verdadeiro cavalheiro. Ofereceu-se para
me dar boleia. Anuí. Entrei e passados alguns metros começou
a perguntar-me se não queria ir dar uma volta com ele. Disse-lhe
que não, suspeitando das suas intenções. Ele insistiu,
dizendo que era só um bocadinho e que eu não me iria arrepender.
Reiterei a minha negação. Ele insistiu. Tive que recorrer
à violência. Saquei da G3 que tinha no bolso e disparei contra
o motor através do vidro. O carro parou e o homem ficou paralisado
de medo. Ele perguntou-me o que é que eu queria. Disse-lhe que queria
apenas que ele me parasse. E assim, disparei sobre a porta, que se abriu
espontaneamente. Saí do carro e continuei a disparar ora para o
ar ora para o carro, enquanto o homem aproveitava para fugir, acanhado
e aterrorizado. Quando se acabaram as balas, fui-me embora, jurando nunca
mais pedir boleia.
- Que bela história.
A poesia, a melodia e a grande lição. Parabéns. Gostava
de ter vivido algo assim.
- Não é
para todos, confesso. Agora adeus, que tenho que ir dizer mal da comida
ao anfitrião.
E assim o vi partir,
enquanto Lorde Antunes ria estrondosamente, à entrada do castelo,
olhando para mim. Desisti daquele local e parti para uma nova fase da minha
viagem deambulante de navegante por este grande mar que é a vida.
Não sem antes pedir aos cozinheiros uma industrial dose de Haggis,
para vários dias. E aguentei.
From: Mac [SMTP:mac.laude@dunnottar.co.uk]
Sent: Quarta-feira,
8 de Agosto de 2001 9:51 AM
Subject: [o_hans] Hans
apócrifo V
que travar. Tentamos
não ter que o fazer, mas se o fizermos, tenham cuidado connosco.
Somos duros como o aço das nossas espadas. Não usamos
armaduras. Não,
isso não é para nós. Usamos um quilte, uns trapos
quaisquer para tapar o tronco e empunhamos as nossas armas. E, evidentemente,
jamais revelamos a um inglês, como verdadeiros escoceses que somos,
o que usamos debaixo dos nossos quiltes. Sim, isso seria impensável.
Como o meu clã, chamo-me MacLaude e tenho uma história para
contar. Passou-se há algum tempo, no passado. Não posso dizer
que tenha tido um papel muito activo, mas observei, com olhos argutos e
sagazes de falcão peregrino. Havia muitos naquela altura, no rio
Clyde. Não sei se hoje ainda há. Mas naquela altura havia
muitos e bonitos. Velozes e vorazes como a voragem da batalha. A história
que quero contar passa-se nas margens do rio Clyde, junto a uma cascata
conhecida em toda a região, amada por poetas e pintores. Sobretudo
por estes últimos, que a pintarão no futuro, no século
XIX, em traços românticos de pintura de inspiração
romântica. Mas a história que tenho para contar nada tem de
romântico. É uma história de ódio romanesco.
Ou simplesmente de ódio. É sabido que naquela zona, conhecida
por Lanark, havia um certo cavaleiro feudal, de seu nome Roger MacPharo,
que negociava cavalos. Criava-os, usando métodos de pedagogia duvidosa,
acompanhados por outros métodos de ética também de
carácter algo duvidoso. A sua fama não lhe granjeava muitos
elogios encomiásticos. Pelo contrário. Os comentários
que rolavam de boca em boca, de vila em vila, de ave em ave (era comum
a utilização de falcões e
pombos correios naquela
área, naquela altura) eram, para não me alargar nem fazer
juízos de valor, no mínimo, pouco laudatórios. Mesmo
assim,
havia cavalheiros,
dotados de grande dignidade e confiança nos valores humanos, que
com boa vontade se dirigiam até ele, para adquirirem cavalos
e carroças,
para se deslocarem pelas vias ínvias que na época pululavam,
mas que nao mereciam ainda o nome de estradas. Certa manhã de Abril,
apareceu no curral
principal uma personagem que eu bem conhecia de outras paragens. Talvez
alguns de vós também o conheçam. Era Lorde Antunes,
nobre senhor guerreiro.
Ia comprar uma carroça e bons cavalos. Pelo menos, era isso que
tinha em mente. Apresentou-se na recepção e foi
conduzido à
presença de Roger MacPharo. Sei isto porque estava lá perto,
a passear e a fazer festas aos cavalos, condoído da sua má
sorte em terem
como dono uma mente
como de Roger MacPharo. E como tenho os ouvidos bem apurados, modéstia
à parte, ouvi as palavras que trocaram, que
essencialmente foram
como vos relato a seguir.
- Bom dia. O meu nome
é Antunes, Lorde.
- Sim, como sabe chamo-me
Roger MacPharo. Presumo que queira um carro, perdão, uma carroça
e cavalos, não é? Pois é. Como sabe, também,
os
nossos carros, perdão
carroças, são procuradas por muita gente e uma tal procura
impede-nos que tenhamos sempre em armazém aquilo que os nossos
fregueses pretendem.
Normalmente a espera é longa e damos prioridade aos nossos compadres.
Mas mesmo assim, a maior parte das pessoas não se
importa de esperar,
porque nós somos bons. Isto não era para ser dito, mas já
que o disse, não faça caso. Qual é o modelo que deseja,
perdão, quais são as características que deseja?
- Quero uma carroça
que se possa conduzir pelo lado esquerdo, como eu gosto. Pretendo que os
cavalos tenham uma força de 75 a correr em
uníssono. Se
me puder arranjar um rádio com leitor de discos de 33 rotações,
agradeço. Aliás, insisto neste último ponto.
- Sim, podemos pedir
à fábrica o seu veículo. Dentro de um mês e
meio estará pronto, penso eu. Quanto ao rádio, terá
que o pagar à parte.
- Não, quero
que esteja incluído e que seja grátis. Pode ser?
- Bem, tudo tem um
preço. Terá o seu rádio, mas, evidentemente será
um rádio defeituoso. Mas isto não era para dizer. Ignore.
E assim vi Lorde Antunes
partir, com uma pulga atrás da orelha. Não me lembro do nome
da pulga, mas ela estava lá. Passados dois meses, sem
receber notícias
de Roger MacPharo, Lorde Antunes regressou, irritado e com ira nos olhos,
para pedir satisfações. Não parou na recepção,
ignorando o recepcionista e entrou de chofre na sala de Roger MacPharo.
- O senhor é
um palhaço. Exijo satisfações. Porque é que
a minha carroça ainda não está pronta?
- Que ríspido
que é o senhor!
- Não brinque
comigo. Senão cancelo a encomenda.
- Isso não nos
afectaria muito, mas se faz mesmo questão, nós arranjamos-lhe
a carroça. Espere só mais um mês.
- Não! - e bateu
com o punho na mesa - Quero a carroça já!
- Mas, de momento só
temos carroças com volante à direita, perdão, para
serem conduzidas à direita, para entrega imediata.
- Com rádio?
- Sim, com as características
prometidas anteriormente.
- Serve. Dê cá.
- Venha cá amanhã,
para a prepararmos para entrega.
- Você disse
que era para entrega imediata.
E erguendo a sua lança,
apontou-a e encostou-a ao pescoço de Roger MacPharo.
- Pronto, pronto, não
se zangue lorde ríspido. Afinal, vendo melhor, até tenho
um veículo de reserva com volante à direita, perdão,
para ser conduzido à direita, para entrega instantânea, que
um conhecido meu veio cá pedir ontem. É seu.
- Assim é que
é falar.
E largou-o no chão,
humilhado. Levou a carroça até ao pôr do sol e partiu,
percorrendo as margens verdes do rio Clyde, com um falcão peregrino
como companhia, voando sempre sobre si e vigiando a zona. Nisto, apareceu
Marx, que eu também conhecia (eu vi isto, porque estava a tomar
banho no rio, ao pé da cascata), perguntando a Lorde Antunes se
sabia qual era o determinante do falcão. Lorde Antunes ignorou-o,
embora ele continuasse a afirmar com segurança que o determinante
das abelhas já tinha sido calculado e era uma descoberta de incalculável
valor científico. E assim os vi partir. Nadei durante mais algumas
horas, até ficar cansado. E depois descansei.
Figura 8
-----Original Message-----
From: Røke Laks
[mailto:laks@leitel.fo]
Sent: Quarta-feira,
29 de Agosto de 2001 9:13 AM
Era num carro pequenino
que eu me deslocava, subindo as montanhas cobertas de neve rumo a Geilo,
na minha terra natal da Noruega. O carrinho era de fabrico japonês
e de cor rosada. Não me lembro exactamente se era Inverno, se Outono,
ou se Primavera, Verão não era certamente, que no Verão
não temos neve assim, embora existam glaciares perenes, eternos,
teimosamente ostentando a sua pujança gelada, nos cumes elevados.
Quem me conhece chama-me Røke Laks, ou apenas Laks para os
amigos. Aqueles que não fumam, não gostam de me tratar pelo
primeiro nome (1). Nessa viagem
a Geilo, a meio caminho entre Oslo e Bergen, encontrei um amigo dos velhos
tempos, de seu nome Amarxsen, que de quando em vês se prestava a
devaneios de natureza política, que entravam em conflito directo
com outras opiniões que demonstrava. Ao chegar a Geilo, nessa tarde
cinzenta, entrei num restaurante onde antes de mim tinham entrado três
jovens, a quem a moça que atendia ao balcão deu as boas vindas.
Aparentemente, não desejavam nada e estavam simplesmente a visitar
o local. Penso que, mais tarde, acabaram por entrar num supermercado e
comprar pão, almôndegas, salsichas e afins, para conseguirem
um repasto barato e ao mesmo tempo farto. Mas voltando ao âmago da
minha viagem, sentei-me numa mesa e pedi um salmão fumado, acompanhado
por um "lømpe med polse". Ao meu lado estava a personagem que vos
mencionei há pouco, Amarxsen, que não comia nada, por não
apreciar a gastronomia local. Perguntei-lhe então o que fazia ali,
sem sotaque de Bergen, que é demasiado carregado e áspero.
- O que é que
eu faço aqui? Bom, essa pergunta é quase desnecessária
nos tempos que correm. Obviamente ando à procura de pulhas pidescos.
Viu algum?
- Acho que o amigo
tem um pulha atrás da orelha.
- Não brinque.
É verdade. Eles estão por todo o lado e é preciso
agarrá-los a todos. Eu já percorri quilómetros e quilómetros
de montanhas geladas, a pé, sobre as minhas raquetas para andar
na neve, inventadas não muito longe daqui, penso eu.
- Agora sou eu que
tenho que lhe pedir para não brincar. Eu sei que o amigo não
gosta de andar.
- É verdade,
confesso que me conhece bem. Mas por uma boa causa como esta, sou capaz
dos maiores sacrifícios. Até andar, que é coisa que
raramente faço.
- E já encontrou
algum?
- Bem, a bem verdade,
na verdade, isto é, pois, porque sim, hmm, embora me tenha esforçado
até ao limite das minhas forças, ainda não encontrei
nenhum, não ainda não tive o prazer de deter nenhum.
- Bom, só lhe
posso desejar boa sorte nessa sua procura pelo infinito. Espero que se
possa encontrar a si mesmo. E dou-lhe uma informação que
talvez lhe interesse. A instituição cujos membros procura
tão denodadamente foi desmantelada há mais de 20 anos.
- Isso é um
pormenor irrelevante. Passe bem.
E foi-se embora, um
pouco ofendido talvez, mas cheio de energia para continuar a sua peleja.
Saí para o lado de fora do bar e encontrei um membro da nobreza
local. Chamava-se Kim Antunesen. E durante os instantes em que estive na
sua companhia, degustava sucessivos exemplares de pitas shoarmas, clamando
incessantemente que estavam horríveis. Para que a casa local se
pudesse redimir, pedia sempre uma nova dose, para verificar se estava melhor.
Lamentavelmente, nunca estava. Perguntei-lhe como chegara até ali.
- Vim na minha carroça
alugada, com rádio claro. Vinha escutando obras de Sibelius. Por
acaso não o apresentou a Amarxsen, não? Penso que o gostaria
de conhecer. As estradas que os cavalos da minha carroça calcorrearam
era digna de um rali finlandês, tanto pelas cores acinzentadas e
poeirentas, como pelo traçado sinuoso e acidentado do percurso.
Aconselho vivamente, principalmente se estiverem a conduzir uma carroça
com carisma. Já agora, este shoarma está a mesma &$$%/$%&
(2) de sempre.
- Percebo. Então
boa sorte e até à próxima.
E deixei-o, até
à próxima. Não fiquei muito tempo em Geilo, mas gostei
de lá estar.
....continua
Nils
Holgerson (contacte-me)
Jigglypuff
(não me diga nada)
Si
Tchou Peq (faça como achar melhor)
MacLaude
do clã MacLaude (Na abair ach beag, ach abair gu math e)
Røke
Laks (coma salmão fumado)