2004, Uma Odisséia Virtual
                       
                                       PARTE II


     Danuza Z. tomou a palavra:
- Bom dia, Senhora De Angelis. Desculpe-nos incomodá-la, mas estamos discutindo um assunto que, com certeza, é do seu interesse também. Trata-se da possível invasão à Terra por seres que tem características muito peculiares temporal e espacialmente. Estive pensando...
- Dra. – interrompeu De Angelis – quando a senhora desenvolveu a tese, tomei conhecimento através da Rede logo em seguida. Entendo a sua preocupação e avaliei com cuidado sua intenção. Imagino que senhora sinta-se até mesmo constrangida em explicar o, digamos, inexplicável. O que a Sra. tem em mente é, na prática, impossível. Entretanto, a senhora misturou vários saberes, várias alternativas e compreendi o que pretende.
A Dra. Danuza fez menção de interromper, mas a Sra. De Angelis fez um sinal pedindo mais tempo:
- Dra. A Sra. Conhece perfeitamente qual a minha posição em relação à evolução espiritual e como se processa a espiral da evolução das almas. Revi todo o material de que disponho para tentar adapta-lo às suas pretensões, mas, infelizmente, não vejo alternativa. Por outro lado, não posso descartar totalmente aquilo que a Sra. Propõe, a menos que alguns dos senhores tenham alguma idéia melhor...
Todos se entreolharam na mesa. O monitor da Rede, num dos lados que não estava ocupado pela cientista, deixou correr uma série de números e imagens e voltou a ficar escura.
- Existe muita coisa no universo que não está clara e acredito que o seu caminho – continuou De Angelis referindo-se a Danuza – é o mais próximo do correto. Temos que entender o que ocorreu há alguns séculos atrás, o que permitiu que o homem evoluísse desbravando o Espaço. Acredito, senhores, que somos nós mesmos que estamos nos atacando. O que discordo da Dra. Danuza, é quanto à forma: não creio que aquelas almas sejam as mesmas nossas. Creio que eles entraram num caminho diferente, em outra dimensão e ainda não tenho como explicar como nem porquê. De qualquer forma, para não tomar muito mais o tempo de vocês, devo dizer que o caminho, com toda a certeza, não é morrer agora para tentar a possibilidade de renascer na época proposta. Devemos usar a ciência,  e apenas ela, nesse estágio do trabalho para tentarmos chegar onde os seres humanos estavam e o que, de fato, aconteceu.
A Sra De Angelis calou-se. Por alguns segundos todos ficaram quietos, à espera que ela continuasse.
A Rede manifestou-se:
- A Sra. De Angelis tem alguma idéia de como poderemos executar sua proposta?
- Sim. – respondeu rapidamente a cientista negra. – O Dr. Marcos C. trabalha com transposição de elementos sólidos, correto?
- - Correto. – disse Marcos
A Rede tornou a interferir.
- Mas o Dr. Marcos C. não tem ainda todos os elementos de transposição em tempo, apenas em espaço e mesmo assim trata-se de trabalho ainda não concluído.
Novo silêncio. Todos olharam para Marcos C. aguardando sua confirmação. Marcos sentia arder em sua pele o olhar fixo da Sra. De Angelis. “maldita” – pensou – “Ela sabe o que estou fazendo...”
- É verdade. Ainda não tenho experiências concretas para transposição em tempo e espaço. Pelo menos ainda não com a precisão necessária para esse caso.
A Sra. De Angelis continuava olhando fixamente para Marcos. Este suava um pouco, apesar do ar condicionado. Olhou para o monitor.
- A menos – o que muito nos decepcionaria – que o eminente Dr. Marcos C. esteja desenvolvendo experiências sem o conhecimento da Rede. Custamos a crer em tal atitude, já que ela é radicalmente contrária a todas as orientações que possuímos e que é, como sabemos todos, crime.
- Senhores – entrou em ação a Sra. De Angelis – Devemos ter serenidade num momento como este. O Dr. Marcos C. pode estar fazendo experiências na área de divindades, o que é difícil disponibilizar enquanto o fato não esteja mais concretizado, mais.... traduzível.
- Não, doutora – o tom da Rede era ríspido – deve haver relatórios freqüentes de tudo o que está sendo feito, ainda que em pensamento. O Dr. Está sonegando informações?
Todos estavam constrangidos. Há muito não se via uma atitude grosseira partindo de nenhum terminal da Rede, não condizia com sua própria programação.  
Marcos C. esperava a reação da Rede. Ele esperava a reação há muito tempo. Sabia que a Rede falhava muito mais do que as pessoas imaginavam. Por sua vez, a Rede tinha conhecimento das análises de Marcos. Inúmeras vezes Marcos deixara de colocar todos os dados no terminal. E nem sempre a Rede se dera conta. O acordo de tudo ser colocado na Rede era ancestral, tácito, mas não havia propriamente uma lei que legislasse sobre o fato. Ninguém deixava de colocar nada. Possivelmente alguns não colocavam e a Rede, sozinha, criara programas para tentar detectar esses “infratores”. Eventualmente um ou outro era pego e “se desculpava”. A coisa ficava por isso mesmo. Cada vez mais a rede criava mecanismos para não permitir que trabalhos não fossem disponibilizados e, assim, controlados.
Alguns poucos intelectuais e outros tantos cientistas que insistiam em não repassar tudo para a rede.
Muita coisa voltara a ser escrita à mão ou em máquina de escrever já que todos os micros eram conectados e Rede entrava em qualquer um buscando informações. De minuto em minuto a Rede fazia uma varredura nos micros tirando deles tudo o que ainda não estivesse em seus arquivos.
A maioria dos trabalhadores não hesitava em disponibilizar tudo para a Rede, mas, como sempre, haviam os rebeldes.
Levantou-se:

                    - Senhores – começou olhando inclusive para o monitor do terminal – Não creio que este seja o fórum adequado para o que direi, mas diante da insistência da Rede, devo deixar alguns pontos claros.: Não existe crime algum em não repassar todos os dados imediatamente para a Rede. Embora ela crie determinados programas de busca e, através do cruzamentos dos dados de seu acervo universal, auxilie em muito o trabalho dos homens, deve compreender exatamente isso. A Rede auxilia. A Rede faz parte da nossa vida, tem praticamente vida própria. Praticamente, senhores, praticamente. Na verdade, a Rede executa programas autônomos e “pensa soluções” para problemas do dia a dia à partir de toda a informação que tem e controla. Essa informação, entretanto é um capital do homem, do ser humano. Os cientistas, os filósofos, os criadores não são, muito ao contrário do que está parecendo, escravos da Rede. É preciso que isso fique muito claro para evitar outras alterações de comportamento da Rede em relação aos nossos trabalhos.

Todos prestavam atenção. O monitor do terminal estava escuro, em repouso.

                   -  Nós somos um povo livre – tornou Marcos – Acredito em Deus e em divindades. Em sensibilidade e espíritos. Trabalho realmente, senhores, na transmutação de corpos no espaço e no tempo. Esse trabalho, entretanto, não é apenas físico. Não possuímos ainda equipamentos necessários para tal. Existe ajuda de Deus, de divindades, de entes tão sublimes que a Rede, como muitos homens, não crê, não percebe. Portanto, digo e ressalto que pretendo continuar meu trabalho sem disponibiliza-lo na Rede neste momento. Quando ele estiver mais avançado, mais palpável, digamos assim, eu o disponibilizarei para que toda a humanidade possa dele se servir e não por ditadura da Rede.
A Sra. De Angelis aparteou:
                   -  Todos temos certeza de que a Rede compreende perfeitamente seus motivos, prof. Marcos C. O trato com as divindades ainda é difícil e praticamente impossível de ser absorvido como programa.
                   -  Senhores – o monitor da Rede se acendeu – Realmente, concordamos com Prof. Marcos C., agora não é momento para tratarmos deste assunto. De qualquer forma, vale lembrar que todo o progresso, o avanço exponencial da Ciência hoje só é possibilitado pela parceria com a Rede. Se a Rede parar, Professor, em todo o mundo, centenas de pessoas morrerão, milhares ficarão sem água, energia, esgotos, empresas irão imediatamente à falência, hospitais deixarão de funcionar e assim por diante. O homem está definitivamente atrelado a Rede. Quanto ao trato com o divino, cabe lembrar ao Professor que o Vaticano, que o Santo Papa disponibiliza todo o seu acervo, não esconde nada, pelo contrário, consulta com freqüência nossos arquivos e nossa inteligência  artificial inclusive para aconselhamento em Teologia.
                 -   Nem tudo – interrompeu De Angelis – espiritual passa pelo Vaticano, nem pelo Santo Papa, nem é tratado na Teologia.
                   -  O mundo não é Católico. Sra. De Angelis? – provocou o terminal.
                   -  A Religião é Católica. Não existe, entretanto, nenhum impedimento a outras crenças.
                    - E os senhores estão valendo-se de outros expedientes espirituais fora da religião católica para concretizar experiências científicas? Se para o avanço da ciência, devemos contornar o catolicismo, por que então ele é a Religião Universal? – provocou o terminal da Rede.

Continua em breve-

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