No capítulo anterior foram tomados em consideração os mais importantes elementos simbólicos mediante os quais as Catedrais chegavam a ter um significado global. Chegou agora o momento de desvendar esse significado com a ajuda de hipóteses e explicações coerentes com os princípios construtivos dos conhecimentos esotéricos.
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Para começar, o termo "arte gótica" (em francês art gotique) não derivaria, como afirma Fulcanelli, do nome da antiga população germânica dos Godos. Ele seria originado pela deformação ortográfica da palavra "argotique"
cuja raiz argot significa exatamente gíria: "linguagem especial usada por certos grupos sociais pertencentes a uma classe ou a uma profissão (Michaelis)". Efetivamente a omofonia entre art gotique e argotique é perfeita, mas Fulcanelli sugeriu uma relação ulterior entre o
argot e a nau Argos utilizada pelos Argonautas na busca do tosão de ouro. Assim, a empresa dos construtores das obras-primas medievais seria comparável à empresa dos heróis gregos que conquistaram um objeto prendado de dois símbolos: a inocência do cordeiro junto com a máxima espiritualidade do ouro.
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Muitas Catedrais continham referências inequívocas à simbologia alquêmica. Por exemplo, na fachada de Notre-Dame de Paris aparecem um atanor (o fornilho dos alquimistas), uma mulher que aponta um corvo (estado inicial da Obra), um cavalheiro que aponta um dragão (elemento fíxo do enxofre) e outro que sufoca um dragão (elemento móvel do mercúrio). A utilização desse simbolismo não significa necessariamente que os antigos construtores praticassem a alquimia, embora vários autores afirmem o contrário. Segundo Fulcanelli as Catedrais seriam verdadeiros livros de pedra que, com suas formas e suas esculturas, descrevem o processo da Obra alquêmica, ou seja o percurso iniciático realizado pelo homem à procura de sua edificação espiritual. De alguma forma, no caso das Catedrais, pode-se falar de uma alquimia global onde chegou a ser realizada a Grande Obra consistente na materialização subjetiva e objetiva do espírito e a espiritualização da matéria.
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Em muitas Catedrais o percurso esotérico era sugerido mediante a presença de um labirinto provido de uma única via para se chegar ao centro. Nessa maneira ficava evidenciada a unicidade do caminho iniciático que permitia ao viajante (Teseu, na mitologia grega) de alcançar a imortalidade, a realidade absoluta. O labirinto possuía um segundo significado relacionado não ao viajante, mas ao arquiteto que, analogamente a Dédalo, escolheu desfrutar a dimensão vertical para percorrer o caminho que une a Terra com o Céu. Para todos, fossem eles romeiros, viajantes, construtores ou simples visitantes, o labirinto indicava a necessidade de enfrentar um percurso de morte e ressurreição para chegar à salvação, à Jerusalém celeste, ao Santo Graal.
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Assim como no caso das grandes civilizações antigas, os arquitetos das Catedrais góticas utilizaram medidas e proporções ligadas ao número de ouro que está à base da construção do homem, das plantas, dos cristais e de certas galáxias. Para cada Catedral os construtores definiram uma fisionomia numérica própria, baseada sobre fatores como o ponto geográfico, a abóbada celeste, a energia terrestre, a dedicação do templo e sua mensagem global. Por exemplo, a Catedral de Amiens é caracterizada pelos números 21, 22 e 20. O primeiro, comum a todas as Catedrais, é gerado pelo produto dos números sagrados três e sete e é também o sexto número triangular. O segundo é o número de graus que marcam, em longitude, a orientação do templo em relação ao sol; ele é também o quarto número pentagonal e é o número de polígonos regulares que podem ser inscritos num círculo de 360 graus; ainda mais 22 é o número das comunicações que existem entre os dez Sephirot da Cabala. O terceiro representa o número dos livros do Antigo Testamento e das virtudes de Cristo; ele é o quarto número tetraédrico. Os números triangulares, pentagonais e tetraédricos pertencem à classe dos números esotéricos descobertos pelos pitagóricos. Na visão pitagórica, todo o Universo foi edificado com base nessas entidades numéricas. Em particular, os tetraédricos eram considerados os átomos do mundo material sólido: por isso o 20 representa justamente o número de obras da Criação.
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Os mestres construtores tinham um conceito cíclico e não linear do tempo. Eles perceberam a analogia entre o ciclo anual e o ciclo cósmico (o "grande ano") atribuindo grande importância à sucessão dos solstícios e dos equinócios. Essas recorrências astronômicas, de fato, marcavam o ritmo quaternário do ano evidenciando o aspecto criativo do Universo fundado no conflito dia-noite, luz-trevas. Por essa razão, os construtores góticos não apenas projetaram Catedrais "solsistiais" e Catedrais "equinociais", mas as relacionaram com constelações particulares como a de Orion, da Virgem, da Corona Boreal, etc. É particularmente interessante conferir como a localização dos templos consagrados à Virgem Maria tenha, na França do norte, uma correspondência quase perfeita com a constelação da Virgem, assim como ela aparece no céu.
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Na Catedral de Chartres o número dominante é o 72. De um lado 72 é a quinta parte, em graus, de uma circunferência e representa, portanto, o pentágono e o pentagrama inscritos na circunferência (o pentagrama, ou pentáculo, era o símbolo de reconhecimento dos adeptos da Ordem Pitagórica). Por outro lado, sabe-se que em cada ano o sol se desloca de um grau no Zodíaco; esse grau corresponde a um dia do "grande ano pitagórico" cuja duração total é 72 x 360 = 25.920 anos. A utilização do número 72 demonstra que os Mestres conheciam e mediram com perfeição surpreendente o movimento terrestre gerado pela precessão dos equinócios. Parece que esse fenômeno fosse conhecido também pelos antigos Celtas sendo que, na lenda do Templo do Graal, 72 era o número das capelas.
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É significativo observar como a maioria das Catedrais era dedicada ao culto da Virgem. É portanto legítimo levantar as seguintes questões: qual foi a origem desse culto? E por que ele se afirmou num espaço de tempo tão reduzido? Uma possível explicação não pode prescindir da obra espiritual de São Bernardo (1090-1153), fundador dos Templários, que literalmente "inventou" e popularizou o culto de Nossa Senhora. Nesse sentido, a ação de São Bernardo foi tão incisiva e tão bem sucedida que entre o 1128 e o 1153 foi realizado algo como 356 novas fundações. Naturalmente essa imensa mole de trabalho só pôde ser realizada por corporações especializadas na arquitetura sagrada que, ao mesmo tempo que satisfaziam aos pedidos dos comitentes, infundiam nas obras uma mensagem reservada a poucos iniciados. |
Em segundo lugar, é necessário lembrar que o da Virgem é um dos arquétipos mais possantes de toda a história da humanidade. Por um lado existe uma relação prototípica entre a Virgem e a Lua: essa Virgem-Lua, englobada no contexto teológico com o nome de Maria, reflete e difunde no mundo a luz mística do Cristo-Sol. Por outro lado, a relação arquetípica se manifesta mediante uma ligação com a água, o líquido da vida e do batismo. Nem pode ser esquecido o fato de que todos os cultos relacionados com a Grande Mãe eram caracterizados pelo relacionamento preferencial da deusa com os poderes regeneradores da água. Além disso, muitas Catedrais surgem em localidades que já eram sagradas na época do paganismo, principalmente naquelas onde era praticado o culto de Isis. Sem dúvida as célebres "Virgens Pretas" descendem, mediante um processo de sincretismo, da Grande Mãe pois, originariamente, essas estátuas tinham sido colocadas em câmaras subterrâneas onde a ocorrência de correntes telúricas aumentava seus poderes de ressonância. A presença de inscrições contendo explicitamente o nome de Isis e a descoberta, na Catedral de São Estevam a Metz, de uma estátua dessa Deusa, eliminam todas as dúvidas sobre a correspondência, não apenas esotérica, entre Nossa Senhora e a Grande Mãe.
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As Catedrais, com seus alicerces na Terra e seus pináculos projetados até o Céu, são o símbolo concreto da unidade da criação realizada pelo Grande Arquiteto do Universo. A Catedral, em suas esculturas e em sua geometria, realmente contem, disfarçado numa floresta de símbolos, o código necessário para decifrar a dúplice mensagem contida nela. De um lado, uma mensagem pública dirigida aos fieis, do outro uma mensagem esotérica reservada a poucos iniciados.
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De alguma forma, a presença de duas linguagens paralelas não impede a captação de uma mensagem unitária superior válida tanto para os homens da Idade Média como para os homens de hoje. O que a Catedral sugere é a necessidade, para o ser humano, de escolher um rumo, de encontrar uma orientação na floresta de símbolos em que ele se encontra mergulhado e nos quais, freqüentemente, se perde.
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