Era inverno, um dos mais rigorosos que Zalinus já tinha visto. Os dias eram de calmaria, pois todos preferiam ficar em suas casas, temendo o frio. Alguns dos habitantes do bosque até sumiram completamente, já que costumavam hibernar nessa época do ano.

Num dos poucos dias em que o sol apareceu, tímido, mas distribuindo seus raios pelo bosque, Dralaman, a duendina envergonhada, resolveu aproveitar o calor. Fez um pote grande de brigadeiro e chamou Uz, a bruxa resmungona, para uma conversa. Foram se sentar em um rochedo que havia em Zalinus, chamado Que Coisa Incrível. Gostavam de bater papo ali porque quase ninguém as enxergava naquele rochedo e a maior parte das conversas era falar da fada Cate. As duas adoravam zoar das trapalhadas dela, mas Cate desconfiava logo e dava sempre um jeitinho de aparecer por ali. Foi isso que ocorreu nesse dia de sol. Assim, como quem nada queria, se aproximou de Uz.

- Tem visto muitos lagartos por Zalinus ? Perguntou Cate só para puxar assunto.

Uz, que também não era nada boba, logo se fez de desentendida:

- Lagartos ? Tem algum em Zalinus ?

Ficaram assim, numa conversa sem nexo durante algum tempo. Quando Uz enjoou de perturbar Cate resolveu implicar com Dralaman (a bruxa já tinha avisado que estava num de seus dias de implicar com as pobres criaturas que lhe cruzassem o caminho):

- Pára de comer tanto brigadeiro ! Vai acabar ficando gorda. E o que você tem feito ultimamente ? Nada não é ?

- Com esse frio Uz, não tenho ânimo de sair. Sou muito friorenta.

Cate logo concordou com Dralaman:

- Todo mundo reclamando de falta do que fazer nesse inverno. Que coisa ... Preciso pensar em algo que diminua essa pasmaceira ... Já sei !!!

Uz e Dralaman se entreolharam, as duas pensando: lá vem bomba !!! Mais uma "brilhante" idéia dessa fada atrapalhada. Melhor ficarmos quietinhas, não dar bola, para ver se ela desanima.

Desânimo ? Em Cate ? Nem pensar ...



Continuou a fada toda animada:

- Conheço um terreno aqui em Zalinus onde estão disponíveis espaços para quem quiser. Vou montar um mural lá. Já pensaram que legal seria ? Todos poderão participar, será assim como uma Terapia Ocupacional Fadalina !

Dralaman se fez de desentendida ... Uz logo se retirou dizendo que era hora de aquecer seu caldeirão de poções ...



Ninguém conseguiria desanimar Cate. Um dia mandou um recado a Dralaman pela caixa mágica: "Você é metida a entender de construção, arquitetura, ferramentas ... Não quer me ajudar nesse projeto do mural ?".

A duendina se propôs a começar a ajudar a construir o mural. Se iludiu pensando que Cate logo se cansaria dessa tarefa, desanimaria quando visse o trabalho que isso dava. O tempo comprovou que duendes não entendem nada de premonições.

O mural começou a ser construído. Timidamente no início, mas depois foi tomando maior velocidade. Cate não parava de ter idéias, sempre que encontrava alguém pelo bosque convidava para dar uma "passadinha" pelo mural e, se achasse que era alguém entediado pela falta do que fazer, logo encaixava no seu projeto de Terapia Ocupacional Fadalina.



Dralaman ia montando o mural e Cate trazia as contribuições que não paravam de chegar. Logo vários amigos estavam participando:

O esquilo Fejard, que gostava de tomar umas e outras nos botecos do bosque enquanto namorava todas as fêmeas disponíveis de Zalinus, por algum motivo desconhecido quis montar um mural a parte para Cate. Era sempre do contra esse esquilo ! Tentou convencê-la que Dralaman não possuía os mesmos requisitos que ele para entender tanto assim de arquitetura. Para tristeza de Dralaman essa idéia não foi do agrado de Cate.

O passarinho rabugento, amigo de Cate, mandou alguns de seus trabalhos, achando que fazia um imenso favor à fada, visto que, naturalmente, seriam eles que engrandeceriam o mural.

Sem, o elfo, entregou alguns dos contos que ele escrevia enquanto observava as mocinhas escondido atrás das árvores.



Um lobo se inspirou numa noite de Lua Cheia e entregou um poema a Cate.



Até criaturas de lugares distantes, que não frequentavam Zalinus, mas conheciam Cate de outros bosques, enviaram material para ela. Um herói de um bosque distante, de outro continente, enviava quadros belíssimos que ele ia encontrando nas suas viagens.

Um dia todos se reuniram no mural para fazer um campeonato de cartazes. Denominaram de campeonato só por brincadeira, porque na verdade todos os que participaram podem ser considerados vencedores.

E lá ia a duendina colocando no mural os trabalhos e os quadros que apareciam. Subia na escada, tentava se equilibrar nas beiradas, ficava de cabeça para baixo, tudo isso só para colocar uma pequena flor num dos cartazes mais recentes. Quando descia ela logo corria para mostrar a Cate. Que olhava, analisava ... Dralaman tinha vontade de gritar nas vezes em que a fada retrucava:

- Está interessante, mas você não acha que essa flor poderia ser só um pouco menor para poder ressaltar o texto ? E que essa cor de letra não está combinando com a cor do papel ? Poderia ser uma cor assim como ... magenta, ou quem sabe, um ocre não muito forte. Para o título cairia bem uma cor de pêssego ...

E lá ia Dralaman mexer na sua caixa de ferramentas a procura dos tubos de tinta. E subia na escada, se equilibrava nas beiradas, ficava de cabeça para baixo ...

Uz só ficava olhando de longe. Algumas vezes chamava Cate num canto e comentava que um ou outro cartaz estava torto. Cate corria para avisar do erro a Dralaman que subia na escada, tentava se equilibrar nas beiradas, ficava de cabeça para baixo ...

Um dia Dralaman resolveu, pela primeira vez, colar algo de seu no mural. Uma simples folha de papel com alguns de seus tímidos rabiscos. Mostrou à fada, toda acanhada. Cate foi logo dando suas sugestões: deveria ter usado um dos meus papéis, não gostei dessa bonequinha que você colocou, etc e etc ...

Dralaman reclamou:

- A folha é minha !!! Faço como quero !!!

E saiu para um canto chateada. Ela era mesmo uma duendina muito sensível, mimada. Sentou-se numa pedra batendo o pezinho, fazendo bico e mexendo no cabelo.

Uz não revelava a ninguém, mas seu grande desejo era deixar de ser bruxa. Gostaria de ser uma fada, um anjo, algo mais etéreo ... E como ficava observando de longe o trabalho das duas resolveu ser mediadora:

- Meninas, meninas ... o que é isso agora ? Vocês sempre se entenderam tão bem, por que a briga ?

Cate e Dralaman começaram a falar ao mesmo tempo, uma reclamando da outra, claro.

Uz contemporizou, chamou Cate num canto e conversou com ela. Foi até Dralaman e a acalmou. No fim acabaram chegando a um acordo e o cartaz ficou no mural, do jeito que a duendina queria.

Vez por outra Cate passa por esse cartaz e pensa: "Do meu jeito teria ficado bem melhor, por que essa duendina é tão teimosa ?".

Isso aconteceu há muito tempo atrás, mas na última vez que passei por Zalinus ainda vi Dralaman de cabeça para baixo pregando cartazes no mural. Cate tendo idéias sem fim e perturbando todo mundo com a Terapia Ocupacional Fadalina. E Uz observando tudo, pronta a intervir quando fada e duendina se desentendiam. Mas toda feliz, se sentindo a própria estagiária de fada, com uma varinha de condão que Cate lhe deu no seu último aniversário. Se bem que me confidenciaram que não resiste a resmungar de vez em quando que a tal varinha está com a bateria gasta, que é uma porcaria e que Cate fez isso de propósito.



Malandra - 07/07/99





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