"Gonçalo Anes Bandarra
era um sapateiro e poeta popular, nascido em vila de Trancoso pelos anos
de 1500, celebérrimo pelas suas trovas proféticas que de
século para século voltavam à discussão sempre
que as desgraças públicas faziam surgir nas almas, a ideia
messiânica de um salvador.
Como acontecia um pouco
por toda a parte, Câmara de Lobos não ficou imune a essas
profecias e, em finais do século passado, um grupo de habitantes
do Estreito e do Curral das Freiras, chegam mesmo a ir à procura
de um tesouro, que segundo ditavam tais profecias, havia sido abandonado,
pelas Freiras do Convento de Santa Clara, no Curral das Freiras.
Com efeito, por volta
de 1892, três habitantes do Estreito de Câmara de Lobos e os
restantes do Curral das Freiras pretenderam descobrir, nesta última
freguesia, um riquíssimo tesouro que a todos faria felizes.
Os bandarristas haviam
“lido” nas profecias de Bandarra que perto da Ribeira dos Socorridos, em
frente da Boca dos Namorados, havia sido enterrado um cofre com fabulosos
valores.
Pensaram, tornaram a pensar,
e por fim bateram as palmas de contentes e decidiram a pesquisa.
As religiosas de Santa
Clara, que em tempos remotos, possuíam muitas riquezas, pois eram
descendentes de nobres e abastadas famílias, haviam fugido para
o Curral das Freiras de que eram proprietárias, quando o Funchal
foi, em 1566, invadido por Corsários.
Fugiram, levando consigo,
jóias e dinheiro, e ficaram algum tempo nesta freguesia, onde mandaram
construir um Santuário dedicado a Santo António, no sítio
da Capela.
O Santuário, hoje
desaparecido, ficava em frente da Boca dos Namorados e a pouca distância
da Ribeira dos Socorridos.
Os bandarristas
do Estreito concluíram: as freiras, regressando ao convento de Santa
Clara, temeram nova invasão e deixaram as suas jóias e dinheiro
escondidas no Curral e, com certeza, na capela de S. António.
Contudo, era indispensável
interessar na empresa entidades do Curral das Freiras, porque, de outro
modo, a exploração poderia redundar num fracasso.
Também não
foi difícil conseguir o apoio e colaboração do regedor
daquele tempo, pessoa preponderante e respeitada. Apesar de inteligente
e nada supersticioso, deixou-se ir na cantiga.
Houve reuniões
preparatórias, determinou-se o grande dia e entretanto, os interessados
do Curral das Freiras faziam de polícias nocturnos, não acontecesse
que outros espertos se adiantassem.
No dia aprazado, a altas
horas da noite chegaram os do Estreito. O plano havia sido maduramente
estudado e em todos havia grande nervosismo na expectativa da sorte grande.
Uma das precauções
consistia em irem munidos de moedas de cruz, em prata, que seriam atiradas
para junto do suposto cofre a fim de que se não convertessem em
pó as riquezas entesouradas.
Era uma noite de Abril;
a lua cheia não deixava um cantinho escuro; havia em todos um misto
de alegria e pavor.
O regedor, o elemento
mais importante, adoecera à última hora. A doença
foi providencial, apercebera-se do ridículo do empreendimento e
da situação de desprestígio em que ficaria perante
o seu esperado insucesso.
Passava uma hora depois
da meia noite quando o grupo chegou às ruínas da capela de
Santo António.
O momento era solene.
Ninguém ousava
falar; a própria respiração era abafada. A lua desenhava
aqui e além, figuras fantásticas; todos apalpavam os bolsos
para se certificarem de que tinham as moedas de cruz.
Começaram as escavações
no interior das ruínas da capela. Os badarristas do Estreito, munidos
de pás e de enxadas, cavavam como leões.
De repente, um dos cabouqueiros
descobriu um vácuo.
Trémulo de comoção
e pavor, fez sinal aos outros que se aproximaram e, apressadamente atiraram
para dentro do buraco as moedas de cruz.
Mais audacioso, um dos
bandarristas do Estreito de Câmara de Lobos, estendeu-se, como cão
de caça, pela cova dentro e agarrou, nervoso, alguma coisa que corajosamente
puxou para fora, dizendo baixinho, em tom misterioso: Cá está.
Que macabro tesouro!
Ao clarão da lua
apareceram um crânio, fémures, tíbias e outras ossadas,
restos mortais de seres humanos, que as profecias do Bandarra conseguiram
arrancar ao sepulcral repouso e que, mais tarde, foram para ao cemitério.
No dia seguinte, naquela
localidade, não se falava de outro assunto.
Milagre, diziam uns! Santo
António quer que lhe restauremos a capela, exclamavam outros!
Entretanto os bandarristas
do Estreito recolhiam a casa, maldizendo o seu profeta e os colaboradores
do Curral quedavam silenciosos, espantados por haverem caído no
embuste".