Borracheiro
A ele se associam quase sempre cantares tristes e cadenciados que
acompanham o passo, às vezes penoso, enquanto transportam o borracho.
E é desse borracho que lhe advém o nome pelo qual ficou conhecido.
(…) Estes homens transportavam os borrachos desde o lagar até aos
estabelecimentos que lhes haveriam de comprar o mosto, do qual mais
tarde se faria o vinho.
O borracho, por sua vez, é feito com odre de pele de cabra
devidamente tratada e preparada para transportar o mosto. O resultado
final é um recipiente que se adapta de forma quase perfeita ao dorso
do homem que o carrega. Numa das obras de Alberto Vieira, pode ler-se
que o surgimento deste característico e rústico objecto, já antes da
Madeira, fora visto em Canárias e no Norte de África, sendo certo que
«não é uma criação madeirense». Em África, era usado para se
guardar e transportar água. Embora haja
indícios da presença de borrachos na Madeira já no século XVI, o termo
aplicado a este instrumento parece só surgir em datas bastante mais
recentes. A fotografia que hoje "recuperamos" mostra bem o esforço e o
peso que pelo corpo destes homens passava. Num ofício que ainda assim
era temporário, apenas ocorrendo em época de vindimas, os borracheiros
caminhavam em veredas, caminhos de cabras, ribeiras e outros percursos
bem duros.
Este é um cenário que na Madeira de hoje já quase não existe. São
retratos de costumes que o tempo se encarrega de fazer distantes.
Recuando no tempo, um precioso parágrafo escrito por João França (em
Crónicas Madeirenses, 1979) ilustra-nos a árdua tarefa destes homens:
«Cobre o borracheiro dezenas de quilómetros no seu dia de trabalho,
nunca sozinho mas em rancho, caminhando à formiga: passo miúdo,
apressado, o pescoço vergado sob o peso da carga, os olhos no chão do
caminho difícil, na torreira do sol. Nada de queixumes contra a dureza
da vida. Pelo contrário, eles cantam, embora por simples hábito».
Luís
Sena Lino, In Diário de Notícias - Revista
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