MECANISMOS DE DESGASTE DO REVESTIMENTO REFRATÁRIO DE
CADINHO DE ALTO FORNO(1)
Baseado
nos resultados de testes laboratoriais comparativos, utilizando dois materiais
de carbono de diferentes concepções, foram identificados os diversos
mecanismos de reação e posterior destruição do revestimento refratário do
cadinho do Alto Forno.
A partir do
entendimento desses mecanismos de desgaste atuando sobre o revestimento do
cadinho, discute-se a adoção de algumas medidas práticas operacionais com o
objetivo de prolongar a campanha do Alto Forno.
Palavras
chaves: Mecanismo de Desgaste, Cadinho, Alto Forno.
1 – INTRODUÇÃO
É consenso
mundial que o desgaste do revestimento refratário do cadinho é o principal
motivo de encerramento da campanha dos Altos Fornos(1,3,4).
Nos últimos
anos, devido à necessidade de aumento de produtividade, exigiu-se, dentre
outras providências, o aumento da temperatura do gusa líquido.
Isso acarretou uma aceleração do desgaste do revestimento refratário,
devido principalmente a duas causas(3):
A velocidade do
fluxo de líquidos no cadinho foi aumentada significativamente, como decorrência
dos altos níveis de produção. Consequentemente,
o desgaste tipo “pata de elefante”, na área dos furos de gusa, foi
acelerado. Em adição, as altas taxas de injeção de finos de carvão
- 120-200kg/tonelada de gusa - reduziram aa permeabilidade do “homem morto” e
aumentaram o seu tamanho. Como
resultado final, o fluxo de gusa tornou-se mais turbulento, acelerando ainda
mais o desgaste do revestimento e a ocorrência de “zonas frágeis” que
originam-se no interior das paredes refratárias de carbono.
Enquanto as publicações são fartas em resultados de testes comparativos de materiais refratários para cadinho e o seu desempenho em serviço, muito pouca informação é encontrada nesses artigos sobre os mecanismos de reação e posterior destruição desses materiais. É necessário, portanto, entender os mecanismos de desgaste desses refratários para prolongar a campanha dos Altos Fornos.
2 – MATERIAIS E MÉTODOS
2.1 - Materiais
Para avaliar o
papel de cada uma das diferentes propriedades dos refratários de carbono frente
às diferentes solicitações do cadinho do Alto Forno, foram selecionados para
esse estudo dois materiais refratários de carbono, de concepções diferentes:
-
Refratário de carbono curado convencionalmente, à base de antracito
(80% de antracito), caracterizado
por partículas de carbono com baixo grau de cristalização e partículas de
grafite (20%), ligadas por uma matriz de carbono amorfo, de elevada
permeabilidade e alto teor de cinzas; e
-
Refratário de carbono supermicroporo, com dupla densificação por meio
de ciclos de impregnação com piche sob vácuo e coqueificação, com adição
de SiC, Al2O3 e Si à microestrutura carbonácea,
caracterizado por partículas de grafite (50%) com alto grau de cristalização
e partículas de carbono com baixo grau de cristalização (50% de antracito),
ligadas por uma matriz de carbono amorfo (alcatrão), de baixa permeabilidade e
baixo teor de cinzas.
2.2 - Testes Comparativos
2.2.1 - Resistência à Oxidação
A
resistência à oxidação foi medida por
intermédio da determinação da perda de massa de corpos de prova cúbicos, de
40mm de aresta, submetidos a 5 ciclos de aquecimento a 1100°C x 3 horas, sob atmosfera oxidante e
resfriados ao ar durante 15 minutos.
2.2.2 -
Resistência ao Choque Térmico
Corpos de prova
de 160x40x40mm foram aquecidos até 1100°C,
sob atmosfera redutora, a uma taxa de 125°C/hora
e mantidos a essa temperatura durante 3 horas.
Após esse patamar de encharque, os corpos de prova foram bruscamente
resfriados, por intermédio de imersão em um banho de óleo.
Esse ciclo foi repetido 20 vezes. Após
o 10.0 e o 20.0 ciclos de choque térmico, a degradação
da resistência mecânica dos corpos de prova foi avaliada
por intermédio de ensaios de resistência à flexão, conforme norma
ABNT-NBR-6113/90.
2.2.3 - Desintegração por Monóxido de Carbono
Corpos de prova
de 160x40x40mm foram submetidos a ataque de CO de acordo com a norma
ASTM-C-288/78. Ensaios de resistência à flexão em 3 pontos, conforme norma
ABNT-NBR- 6113/90, também foram realizados visando a medir a degradação da
resistência mecânica decorrente do ataque de CO.
2.2.4 - Ataque de Vapor Alcalino
O método de
ensaio de ataque de vapor alcalino
empregado, consistiu em submeter corpos de prova cilíndricos de Æ 15 x 15mm, usinados, a um fluxo unidirecional
de vapor metálico de potássio, a temperatura
e pressão constantes. O forno, a pressão atmosférica, foi aquecido até a
temperatura de 1000°C, e mantido a essa temperatura durante 16
horas.
Durante o período
de teste, os corpos de prova foram submetidos à ação do vapor de potássio, em uma atmosfera rica em CO,
simulando as condições operacionais do Alto Forno, produzidos de acordo com a
seguinte reação:
Após o ataque
alcalino foram caracterizadas a composição mineralógica e a distribuição de
tamanho de poro dos corpos de prova. Em
adição, foram realizadas microanálises e determinada a absorção de potássio
(% K2O).
2.2.5 - Ataque Alcalino Via Fase Líquida
Corpos
de prova de 160x40x40mm foram submetidos a ataque alcalino via fase líquida
mediante contato direto com carbonato de potássio. Durante o período de teste,
os corpos de prova foram submetidos à ação do carbonato de potássio líquido,
em uma atmosfera rica em CO, simulando as condições operacionais do
revestimento do cadinho próximo à isoterma de 800°C.
Após
o ataque alcalino líquido, foram caracterizadas a composição mineralógica e
a distribuição de tamanho de poros dos corpos de prova. Em adição, foram realizadas microanálises e determinada a
absorção de potássio (% K2O). A degradação da resistência mecânica
dos corpos de prova provocada pelo ataque alcalino também foi avaliada por
intermédio de ensaios de resistência à flexão em três pontos, conforme
norma ABNT-NBR- 6113/90.
2.2.6 - Ataque Alcalino Sob Gradiente de Temperatura
A fim
de investigar com maior profundidade o fenômeno da condensação dos vapores
alcalinos no revestimento refratário do cadinho de Alto Forno e determinar a
sua isoterma característica, foi realizado um novo tipo de ensaio de ataque
alcalino, sob gradiente de temperatura, conforme ilustrado esquematicamente na
Figura 1.
Figura
1 – Montagem Esquemática dos Ensaios de Ataque Alcalino Sob Gradiente de
Temperatura.
Após
o ensaio, o corpo de prova foi secionado a cada 20mm, ao longo da sua altura,
correspondendo às diferentes zonas de temperatura entre 1100 e 600°C, de acordo com a sua localização. As
diversas seções dos corpos de prova foram caracterizadas em termos de absorção
de potássio (%K2O). A absorção de potássio foi correlacionada às
correspondentes temperaturas.
2.2.7
– Degradação da Resistência Mecânica com o Ataque Alcalino
Corpos
de prova de 160x40x40mm foram submetidos ao ataque de vapor de potássio, sob
atmosfera de CO, a temperatura de 1000°C,
durante 16 horas. Os corpos de
prova foram envolvidos numa mistura de coque metalúrgico fino (moinha) e
carbonato de potássio, numa proporção de 3:1 em peso. A degradação da
resistência mecânica provocada pelo ataque de vapor de potássio foi avaliada
por intermédio de ensaios de resistência à flexão em três pontos, conforme
norma ABNT-NBR- 6113/90.
2.2.8 - Dissolução no Gusa Líquido
2.2.8.1 - Influência da Saturação do Gusa Líquido
em Carbono
Ensaios de dissolução dos refratários de carbono no gusa líquido
foram realizados, utilizando-se diferentes condições em termos de concentração
de carbono no banho:
i
-
Gusa líquido com composição típica dos Altos Fornos # 2 e 3 da CSN,
com teor de carbono de aproximadamente 4,2 %;
ii
-
Gusa líquido saturado em carbono, mediante adição de carvão ativado
ao banho, numa proporção em peso de 1:16.
Nesses ensaios,
hastes cilíndricas refratárias de carbono antracítico e de grafite de Æ 15 x 120 mm, foram imersas num cadinho
contendo gusa líquido a 1550°C,
durante 8 horas, sob atmosfera de argônio (vazão de 10 l/min e 1,5 Kgf/cm2
de pressão), conforme mostrado esquematicamente na Figura 2.
a) Gusa Saturado em Carbono
b) Gusa Típico da CSN
Figura
2 - Montagem dos Ensaios de Dissolução no Gusa Líquido.
2.2. 8.2 - Influência do Fluxo de Líquidos
Para
avaliar o efeito do fluxo de líquidos no cadinho sobre a dissolução do
revestimento refratário, foram realizados ensaios comparativos, com (200RPM) e
sem rotação, conforme ilustrado na Figura 2. Após os ensaios, a área corroída/erodida
da seção transversal das hastes refratárias de carbono foi medida por intermédio
de análise de imagem.
As
concentrações de carbono no banho de gusa líquido, antes e após os ensaios,
foram determinadas mediante análises químicas.
Em adição,
exames microscópicos das paredes do cadinho foram realizados para investigar em
detalhe o fenômeno da penetração do gusa líquido e dissolução do carbono
do revestimento.
3
– RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1
– Testes Comparativos
3.1.1
- Oxidação
A Figura 3 ilustra a perda
de massa e o aspecto dos corpos de prova com os ciclos de oxidação a 1100°C
durante 3 horas com resfriamento ao ar por 15 minutos. O resultado superior do
refratário supermicroporo mostra o efeito positivo da baixa permeabilidade da
microestrutura sobre a resistência à oxidação. Em adição, a reatividade do
carbono depende da sua estrutura(7).
Em grafites com baixo grau de cristalização, sítios ativos adicionais
para a oxidação são fornecidos por vacâncias, deslocamentos e outras
imperfeições na rede cristalina.
Análises termo-diferenciais
ajudaram a entender o desempenho superior do refratário supermicroporo.
De acordo com os picos exotérmicos
das análises termo-diferenciais, a temperatura inicial de oxidação do refratário
supermicroporo, de 569,2°C,
é superior àquela do refratário antracítico, de 539,2°C.
Esse fato está diretamente associado ao seu maior grau de cristalização.
Tais resultados encontram-se de acordo com os estudos realizados por Spreij et
al(4), os quais verificaram que materiais à base de antracito
oxidam-se a temperaturas inferiores, quando comparados aos materiais grafíticos.
De acordo com Yamaguchi e Zhang(8), o grau de cristalização,
decorrente das diferentes estruturas das duas classes de carbono, resultam em
diferenças significativas na resistência à oxidação. O refratário antracítico
tem um baixo grau de cristalização. Esse
carbono fracamente cristalizado ou amorfo, possui uma estrutura desordenada, com
um grande número de defeitos. Esses
defeitos atuam como centros ativos, acelerando a oxidação do carbono.
Figura
3 – Perda de Massa (%) e Aspecto dos Refratários de Carbono Antracítico e
Supermicroporo com os Ciclos de Oxidação (1100°C
X 3 horas; Resfriamento ao ar: 15minutos).
3.1.2
- Erosão / Dissolução Pelo Fluxo de Líquiddos
3.1.2.1
- Influência do Fluxo de Líquidos
A parede do cadinho é
normalmente protegida por um cascão formado na sua superfície, durante a operação.
Entretanto, quando o fluxo de gusa líquido torna-se muito turbulento, as
seções do refratário são erodidas e removidas, o que leva a um desgaste tipo
anelar.
A Figura 4.a ilustra a taxa
de desgaste de hastes refratárias de carbono antracítico e de grafite
submetidas à ação do gusa líquido.
Esses resultados mostram a
existência de dois mecanismos distintos, responsáveis pelo desgaste do
revestimento refratário do cadinho, decorrente da ação do gusa líquido:
-
Sob condições de fluxo turbulento, o desgaste é governado
essencialmente pela ação erosiva do banho de gusa (efeito mecânico ), contra
as paredes do cadinho;
-
No caso do banho “estagnado”, o desgaste é controlado pela dissolução
do carbono no metal líquido (efeito termoquímico).
As concentrações de
carbono no banho de gusa, antes e após esses testes comparativos, conforme
ilustrado na Figura 5, confirmaram a severidade do efeito do fluxo turbulento de
gusa líquido sobre o desgaste do revestimento.
De acordo com esses resultados, o grafite apresenta maior solubilidade no
gusa líquido do que o carbono antracítico. O carbono grafítico superficial
tem três ligações: duas do tipo s
e uma do tipo p.
Por outro lado, o carbono amorfo é constituído de três ligações do tipo s. Dessa forma a dissolução do carbono grafítico é mais fácil, uma
vez que exige a quebra de uma ligação do tipo p,
enquanto que o carbono amorfo, constituído essencialmente de ligações do tipo
s,
envolve uma quantidade de energia maior para rompimento da ligação.
Ensaios de dissolução em gusa líquido de diversos materiais de
carbono, realizados por Bauer et al(18), indicaram a mesma tendência.
4.a)
Gusa Típico da CSN
4.b) Gusa Saturado em Carbono
Figura
4 – Taxa de Desgaste de Hastes Refratárias de Carbono Antracítico e de
Grafite, Submetidas à Ação de Gusa Líquido a 1550°C, Com Diferentes Concentrações de
Carbono, Durante 8 Horas, Sob Atmosfera de Argônio.
É evidente, a partir desses
resultados, a importância, do ponto de vista operacional, de se controlar o
fluxo de gusa periférico ao longo da parede do cadinho, responsável pelo
desgaste anelar. Em termos práticos,
com um maior comprimento do furo de gusa, o metal é vazado a partir de uma região
mais afastada das paredes laterais, reduzindo o fluxo periférico contra o
revestimento refratário do cadinho. Esse
efeito foi confirmado por Shimomura et al(5), os quais utilizaram
testes a frio em moldes de acrílico. Resultados industriais do Alto Forno # 3 da Usina de Kakogawa
da Kobe Steel, Japão, mostraram que à medida que o comprimento do furo de gusa
aumentava, a temperatura da parede, logo abaixo das seções do furo de gusa,
rapidamente eram diminuídas.
Figura
5 – Concentração de Carbono no Banho de Gusa, Antes e Após os Testes
Comparativos de Resistência ao Fluxo de Líquidos.
Se a região central do poço
é ocupada pelo “homem morto” assentado na soleira, o gusa líquido tem de
fluir no canal formado entre a parede e o “homem morto”, e esse movimento
causa a erosão da parede entre o furo de gusa e a soleira. É geralmente admitido que a relação profundidade do poço
/ diâmetro do cadinho deve ser ao redor de 20%. Exames microscópicos das
paredes e fundo dos cadinhos refratários, evidenciaram o mecanismo de dissolução
do carbono no banho de gusa líquido, conforme ilustrado na Figura 6.
a) Imagem SE
b) Raios-X de Fe (50X) c)
Precipitação de Grafite(200X)
Figura
6 – Micrografia da Parede do
Cadinho Refratário Antracítico Após os Testes de Dissolução em Gusa Líquido
a 1550°C
Durante 8 Horas, Sob Atmosfera de Argônio.
O excesso de carbono
dissolvido no gusa penetrado no bloco refratário de carbono, precipita na forma
de grafite, confirmando o efeito termoquímico sobre o desgaste do revestimento
do cadinho.
As partículas compostas da
fase grafite são as mais vulneráveis à dissolução no gusa líquido. Por
outro lado, a matriz do refratário, constituída de carbono de baixo grau de
cristalização, é dissolvida em menor intensidade. Esses resultados explicam a menor taxa de desgaste dos refratários
antracíticos, de menor grau de cristalização, nos testes de erosão pelo
fluxo de gusa líquido, quando comparados aos refratários de grafite, de maior
participação da fase grafítica.
Testes comparativos
realizados por Miwa e Yamamoto(6) também confirmaram a maior
vulnerabilidade dos refratários grafíticos à dissolução pelo gusa líquido
em relação aos refratários antracíticos.
3.1.2.2
- Influência da Saturação do Gusa em Carboono
(Empacotamento do “Homem Morto”)
A concentração de carbono
no gusa no nível da raceway é da
ordem de 2.5-3.5%(19). O
gusa vazado é saturado em carbono. Portanto, a diferença na concentração de
carbono é proveniente da dissolução do coque e dos refratários de carbono do
revestimento. O valor de saturação
depende da temperatura e do teor de silício(19).
A Figura 4.b ilustra a taxa
de desgaste das hastes refratárias de carbono antracítico e de grafite,
submetidas à ação de gusa líquido, “estagnado” e turbulento, com
diferentes concentrações de carbono.
Conforme esperado, o efeito
da concentração de carbono do gusa líquido sobre a taxa de desgaste é mais
sensível no caso de um banho de gusa “estagnado”, onde o mecanismo de erosão
do refratário é governado especialmente pela dissolução do carbono no gusa líquido.
Para a condição de fluxo turbulento, o efeito de dissolução do carbono é
desprezível, sendo a taxa de desgaste controlada pelo efeito mecânico da erosão
do fluxo de líquidos contra as paredes.
As altas taxas de injeção
de finos de carvão nas ventaneiras do Alto Forno (PCI), reduzem a
permeabilidade do “homem morto”. Isso
resulta em dois efeitos indesejáveis sobre o desgaste do revestimento do
cadinho:
-
Reduz o volume de gusa percolando o “homem morto”.
Portanto, um maior aporte de carbono, proveniente do revestimento, é
necessário para a saturação do metal. Como
consequência, aumenta-se o efeito de dissolução nas regiões de gusa
“estagnado”.
-
Aumenta a velocidade do fluxo de líquidos periférico.
O gusa líquido tem de fluir no canal formado entre a parede e o “homem
morto”. Como resultado final,
tem-se uma aceleração da erosão das paredes refratárias.
Fica claro, a partir desses
resultados, a importância do ponto
de vista operacional, de se controlar a permeabilidade do “homem morto”.
Como medida prática, a seleção e uso de coque graúdo, de alta resistência
à degradação, é uma forma muito eficaz de se aumentar a permeabilidade do
cadinho e, por conseguinte, reduzir a taxa de desgaste do revestimento do
cadinho.
3.1.3
- Ataque de Álcalis – Testes Comparativos<
Diversos estudos post
mortem dos cadinhos de Altos Fornos(15, 16, 17) registraram a
ocorrência de uma zona rica em álcalis, na região intermediária do
revestimento, entre as faces quente e fria.
Para elucidar as causas que concorrem para a ocorrência desses depósitos
alcalinos no interior do revestimento, responsáveis pela formação da “zona
frágil”, foram realizados testes de ataque de vapor alcalino nos refratários
de carbono antracítico e supermicroporo, sob gradiente de temperatura.
A Figura 7 ilustra a concentração de K2O nos corpos de prova
em função da temperatura.
Figura
7 – Concentração de K2O nos Corpos de Prova de Refratários de
Carbono Antracítico e Supermicroporo Submetidos a Ataque de Vapor Alcalino Sob
Gradiente de Temperatura.
Fica claro, no caso dos
refratários de carbono antracíticos, de elevada permeabilidade e alto teor de
cinzas, que os depósitos de álcalis são formados essencialmente na região próxima
à isoterma de 800°C. Baseado nesses resultados, propõe-se a seguinte reação para
explicar o fenômeno de acumulação de álcalis no revestimento do cadinho, próximo
à isoterma de 800°C:
De acordo com a literatura(2)
é especialmente através da sílica livre que ocorre a incorporação dos álcalis.
Assim, os baixos teores de cinzas dos refratários supermicroporo e, por
conseguinte, as suas baixas concentrações de sílica, explicam a baixa absorção
de potássio. Destaca-se, que a sua baixa permeabilidade também contribui para
esse fato.
De acordo com esses
resultados, o revestimento refratário do cadinho de Alto Forno estaria
submetido a dois diferentes tipos de ataque alcalino:
-
Ataque via fase líquida, na região do revestimento ao redor da isoterma
de 800°C;
e
-
Ataque de vapor alcalino, nas regiões do revestimento com temperaturas
superiores a 800°C.
A Figura 8.a apresenta a
absorção de álcalis dos refratários de carbono nos testes de ataque de vapor
de potássio e de carbonato de potássio líquido.
a) Absorção de Potássio (%K2O)
b) Degradação da Resistência Mec.
Figura
8 – Absorção de Potássio (%K2O) e Degradação da Resistência
Mecânica dos Refratários de Carbono Antracítico e Supermicroporo Atacados
Durante 16 Horas por Vapor Metálico de Potássio e por Carbonato de Potássio Líquido.
Observa-se que a absorção
de potássio é superior no caso do ataque alcalino via fase líquida.
Análises dos corpos de prova, após ataque de vapor alcalino de potássio
e de carbonato de potássio líquido, utilizando difração de raios-X e
microscopia eletrônica, revelaram a presença de fases alumino-silicatos de potássio,
em ambos os casos.
A elevada reatividade dos álcalis
com a sílica e a alumina, presentes nas cinzas do grafite, resulta na formação
das fases caliofilita e leucita. A
formação dessas fases foi confirmada em vários experimentos laboratoriais de
ataque alcalino em refratários de carbono encontrados na literatura(9, 10,
11).
A Figura 8.b apresenta a
degradação da resistência à flexão dos refratários de carbono antracítico
e supermicroporo com o ataque alcalino. Como resultado final do
microtrincamento, decorrente da termoclase estrutural, as propriedades mecânicas
do material são degradadas, dando origem às “zonas frágeis” no
revestimento do cadinho. Ressalta-se que a degradação decorrente do ataque
alcalino via fase líquida não foi possível de ser medido em função do
comprometimento da geometria dos corpos de prova.
Baseado nesses resultados,
verifica-se a importância de se especificar refratários de carbono de baixo
teor de cinzas e baixa permeabilidade para prevenir a corrosão alcalina e a
formação de “zona frágil” no revestimento do cadinho de Alto Forno.
3.1.4
- Desintegração por CO
A dissociação do monóxido
de carbono em carbono e dióxido de carbono, a denominada reação de Boudouard
(2CO(g) ® CO2(g) + C(s)
), foi estudada por mais de um século. Os
ceramistas se preocupam com essa reação por causa do carbono depositado sobre
as impurezas de ferro dos refratários, que leva ao dano do revestimento.
Avaliações da degradação
da resistência mecânica dos corpos de prova de refratários de carbono antracítico
e supermicroporo após o ataque de CO foram
realizadas conforme ilustra a figura 9.
Figura
9 – Degradação da Resistência Mecânica de Refratários de Carbono Antracítico
e Supermicroporo com o Ataque de CO a 500°C, Durante 50 Horas.
Observa-se que os refratários
de carbono antracítico, com alto teor de cinzas, ricas em óxido de ferro, são
mais suscetíveis à desintegração pelo monóxido de carbono.
Esses resultados estão de acordo com o mecanismo proposto por Xu e Brown(12),
que associaram a dissociação do monóxido de carbono, aos efeitos catalíticos
dos sítios de ferro atômico decorrentes da redução do óxido de ferro
presente nas cinzas do carbono.
3.1.5
- Penetração de Gusa
Os refratários de carbono
do cadinho entram diretamente em contato com o banho de gusa líquido, quando o
cascão de proteção, normalmente aderido à face quente do revestimento, se
desprende. Várias razões são
mencionadas na literatura(13-14) para que essa penetração de gusa
no revestimento deva ser evitada:
-
Geração de tensões no revestimento, causadas pelas diferenças em
termos de expansão térmica entre o revestimento penetrado por gusa e o
revestimento original; e
-
Dissolução do carbono no gusa líquido.
Exames microscópicos,
associados ao mapeamento de raios-X de Fe, dos cadinhos refratários de carbono
antracítico e supermicroporo, submetidos à ação de um fluxo turbulento de
gusa líquido, confirmaram o fenômeno da penetração de gusa no revestimento e
dissolução do carbono, conforme ilustra a Figura 6.
O processo de solidificação
do gusa líquido envolve uma contração volumétrica da ordem de 8%, gerando
tensões sobre o revestimento. Como
consequência, ocorre a propagação de trincas, paralelas à face quente.
Com o avanço do desgaste
das paredes, a isoterma de 1150°C,
de solidificação do gusa, desloca-se em direção à face fria. As trincas finas abertas são então ocupadas pelos veios
de gusa (fingers).
De acordo com modelamento
matemático (4), o diâmetro mínimo de poro, que será penetrado,
teoricamente, pelo gusa, quando a pressão ferrostática, decorrente da altura
da coluna de metal no cadinho, for igual ou superior à pressão capilar, é da
ordem de 10mm.
Entretanto, os exames
microscópicos realizados nos cadinhos refratários, ilustrados na Figura 6,
cuja pressão da coluna ferrostática era desprezível (altura do banho de cerca
de 50mm), indicaram, todavia, que o gusa estava presente em poros com diâmetros
da ordem de 1mm.
Testemunhos de sondagem da área do cadinho, de vários Altos Fornos, também
confirmaram esse fato(4). Esses resultados reforçam a idéia de que
a penetração do gusa na porosidade aberta do revestimento não é apenas
decorrente apenas do efeito mecânico da pressão da coluna ferrostática. A
penetração depende também dos efeitos termoquímicos, que envolvem a
solubilidade do carbono no banho de gusa líquido, conforme comprovado
anteriormente.
Do ponto de vista prático,
a utilização de refratários de carbono de alta condutividade térmica
favorece a formação de cascões, que aderem à face quente do revestimento e
impedem o seu contato direto com o gusa líquido, minimizando assim os problemas
de erosão e dissolução do carbono pelo banho metálico.
Em contrapartida, esses materiais refratários de carbono, de alta
condutividade térmica, têm alto grau de cristalização, normalmente partículas
de grafite ligadas por uma matriz grafítica, que apresentam maior solubilidade
no gusa líquido. Dessa forma, os
desvios operacionais, tais como, variação brusca de temperatura, desconexão térmica
entre o revestimento refratário e o sistema de refrigeração etc., responsáveis
pelo desprendimento desse cascão de proteção, devem ser cuidadosamente
monitorados.
3.1.6
– Choque Térmico
Os resultados dos ensaios de choque térmico realizados em corpos de
prova de refratários de carbono antracítico e supermicroporo, evidenciaram a
excelente resistência desses materiais a tensões térmicas (Figura10).
A variação máxima de temperatura medida em um Alto Forno foi da ordem
de 150ºC/minuto(20), nas regiões da rampa e cuba inferior. Na região
do cadinho, as perdas térmicas através das paredes são 9-10 vezes inferiores
àquelas das regiões da rampa e cuba inferior(21). Isso significa
que as tensões térmicas na região do cadinho são baixas.
Figura
10 – Degradação da Resistência Mecânica dos Corpos de Prova de Refratários
de Carbono Antracítico e Supermicroporo submetidos a Ciclos de Choque Térmico.
Apesar do
pequeno número de corpos de prova envolvidos e a sua representatividade estatística,
observa-se que mesmo sob gradientes de temperatura extremamente severos (1100ºC),
inimagináveis para a região do cadinho de um Alto Forno, a degradação da
resistência mecânica após 10 ciclos de choque térmico, foi de apenas –5,44
e –8,51%, para os refratários de carbono antracítico e supermicroporo,
respectivamente. Novamente confirma-se a excelente resistência ao choque térmico
dos materiais refratários à base de carbono, de elevada condutividade térmica
e baixo coeficiente de expansão.
Esses resultados indicam que os refratários de carbono novos são
capazes de suportar as flutuações de temperatura do cadinho do Alto Forno,
mesmo sob as condições de operação mais severas possíveis.
Baseado nessa constatação, acredita-se que as tensões térmicas,
atuando isoladamente, não seriam responsáveis pela fragilização do
revestimento. Entretanto, durante a
operação coexistem simultaneamente tensões térmicas e corrosão.
O efeito conjugado das tensões térmicas e corrosão podem levar ao
trincamento do revestimento.
4
- Mecanismos de Desgaste Propostos
Estudos post
mortem do cadinho dos Altos Fornos # 2 e 3 da CSN revelaram o perfil de
desgaste típico ilustrado na Figura 11. Conforme pode ser observado, existem 6
camadas distintas ao longo da espessura do revestimento, da face quente para a
face fria:
1.
Camada perdida (desgastada): os blocos de carbono foram erodidos e
dissolvidos pelo gusa líquido.
2.
Camada de proteção: cascão de baixa condutividade térmica, depositado
na face quente do bloco de carbono.
3.
Camada penetrada pelo gusa: os poros dos blocos de carbono foram
penetrados pelo gusa líquido.
4.
Zona frágil: os blocos de carbono foram desintegrados.
5.
Camada levemente alterada: os blocos de carbono tiveram as suas
propriedades físico-químicas ligeiramente alteradas.
6.
Camada inalterada: os blocos de carbono preservaram as suas propriedades
físico-químicas originais.
Figura
11 – Perfil de Desgaste Típico de Cadinho de Alto Forno.
4.1
- Mecanismo de Erosão e Dissolução do Carbbono no Gusa Líquido
Estágio
1 – O gusa penetra na porosidade aberta e nos vazios existentes no contorno de
grão.
Estágio
2 – Os grãos grossos de carbono grafítico são dissolvidos no gusa líquido,
enquanto que a matriz ligante, de carbono de baixo grau de cristalização, é
atacada em menor intensidade. O
excesso de carbono dissolvido do revestimento, precipita-se na forma de grafite.
Estágio
3 – O revestimento é progressivamente desgastado pelo fluxo de líquidos no
cadinho.
3.3.1
- Mecanismo de Formação da Camada Penetradda por Gusa
Estágio
1 – O gusa líquido penetra nos poros do bloco de carbono.
A dissolução do carbono ocorre simultaneamente à penetração do gusa
líquido.
Estágio
2 – Solidificação do gusa na isoterma de 1150°C,
com contração volumétrica e propagação de trincas, que aumentam o volume de
vazios a ser preenchido pelo gusa líquido, numa próxima etapa.
Estágio
3 – À medida que o desgaste do bloco de carbono avança, a isoterma de 1150°C
desloca-se em direção à sua face fria. A
penetração do gusa líquido no revestimento é gradual e progressiva, com
propagação de trincas paralelas à face quente, que reproduzem o perfil de
desgaste do cadinho.
3.3.2
- Mecanismo de Formação da Zona Frágil
Estágio 1 – Os vapores metálicos
de potássio e zinco penetram no revestimento através da porosidade aberta dos
refratários.
Estágio
2 – Os vapores metálicos de potássio e zinco são reoxidados e depositam-se
no revestimento mediante condensação, próximo à isoterma de 800°C:
Estágio
3 – Os álcalis e o zinco reagem com a alumina e a sílica, presentes nas
cinzas do grafite, formando fases líquidas de alumino-silicatos de potássio e
zinco:
Estágio
4 – O elevado volume de fase líquida formado na porosidade aberta, próximo
à isoterma de 800°C,
provoca o colapso da microestrutura do material por spalling
estrutural, resultando na sua completa desintegração, tornando-o pulverulento.
Estágio
5 – A descontinuidade térmica provocada pela fragilização do revestimento
prejudica a transferência de calor do cadinho para o sistema de refrigeração
e reduz o gradiente de temperatura no bloco de carbono, junto à face quente.
Aumenta-se a temperatura da face quente do bloco de carbono e acelera-se a sua
taxa de desgaste.. Em adição, a isoterma de 1150°C
desloca-se em direção à face fria, aumentando a penetração do gusa líquido,
aproximando as camadas frágil e penetrada por gusa.
4.4
- Camadas Inalterada e Levemente Alterada<
Conforme discutido
anteriormente, todos os mecanismos de desgaste atuando sobre o revestimento do
cadinho ocorre a temperaturas superiores a 500°C.
Portanto, toda a extensão do revestimento situado abaixo da isoterma de
500°C,
preserva as suas propriedades físico-químicas originais, encontrando-se
inalterada.
Entretanto, a zona do
revestimento compreendida entre a isoterma de 500°C
e a zona frágil, pode ter as suas propriedades físico-químicas ligeiramente
alteradas, devido aos mecanismos de oxidação e desintegração por CO.
4.4.1
- Mecanismo de Oxidação
Estágio
1 – O oxigênio penetra por
intermédio da porosidade aberta do revestimento.
Estágio
2 – O oxigênio é adsorvido nas paredes dos poros e reage com o carbono a
temperaturas superiores a 500ºC, formando CO.
Estágio
3 – O monóxido de carbono é dessorvido das paredes do poro.
4.4.2
- Mecanismo de Desintegração por CO
Estágio
1 – O monóxido de carbono penetra a porosidade aberta do revestimento.
Estágio
2 – O monóxido de carbono reduz o óxido de ferro presente nas cinzas do
grafite.
Estágio
3 – O CO é adsorvido na superfície porosa do sítio de ferro atômico.
Estágio
4 – Decomposição das moléculas de CO adsorvidas com formação de carbetos
de ferro, liberação de oxigênio e dióxido de carbono e deposição de
carbono grafítico.
Estágio
5 – Os depósitos de carbono formados geram tensões na microestrutura,
resultando na propagação de trincas e/ou desintegração do revestimento.
5
– CONCLUSÕES
A partir do entendimento dos diversos mecanismos de desgaste atuando
sobre o revestimento do cadinho identificados nesse estudo, foi possível
especificar refratários mais adequados para a Reforma Geral do Alto Forno # 3
da CSN, planejada para maio de 2000. Por outro lado, o conhecimento desses
diversos mecanismos, resultou na adoção de medidas práticas operacionais,
visando ao prolongamento das atuais campanhas dos Altos Fornos # 2 e # 3.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à CSN, UFSCar, FAPESP, PADCT, RHAE, CNPq e
FINEP/PRONEX pela colaboração na realização do trabalho.