UMA BREVE HISTÓRIA DO MAVERICK
A Ford do Brasil estava em um aperto em 1970. Ela fabricava um dos carros mais populares de então, o Ford Corcel, um Renault 12 modificado. Também fabricava o mais luxuoso carro brasileiro, o Ford Galaxie. Junto com o Dodge Dart, eram os únicos carros brasileiros que podiam vir de fábrica com ar condicionado, direção hidráulica e câmbio automático. Mas o seu sedan intermediário era o ultrapassado Ford Aero, na verdade uma versão modificada do Aero Eagle que a Kaiser-Willys tinha lançado nos Estados Unidos em 1954 (acredite, eu não poderia inventar isto)!
Enquanto isto a Chevrolet do Brasil estava fabricando desde 1968 o Opala, um Opel Rekord que podia ter o 4 cilindros de 2,5 litros ou o seis cilindros de 4,1 e que estava se mostrando muito popular nas versões de duas e quatro portas. Então a Ford precisava de resposta a ele. E eles fizeram uma pesquisa de mercado; seletos clientes da Ford foram convidados para um salão onde havia quatro carros, todos brancos e sem qualquer insígnia: um Ford Maverick americano, um Ford Taunus alemão, um Opala e um Corcel nacionais. Lhes foi dado um formulário com várias perguntas e quando os resultados foram tabulados o vencedor foi... o Ford Taunus. Os brasileiros sempre preferiram carros compactos e econômicos devido ao alto custo da gasolina brasileira, então o Taunus foi o escolhido da maioria. Estas eram más notícias para a Ford; o início dos anos 70 eram os anos do "milagre econômico" no Brasil a todas as montadoras estavam preparando novidades para o Salão do Automóvel de São Paulo de 73 e a Ford não podia ficar para trás. O Taunus era um problema para a Ford. A produção do 2.3 OHC de quatro cilindros em Taubaté estava prevista para 75 e até então não haveria motor fabricado no Brasil que entrasse no Taunus. Além disso sua suspensão traseira independente exigiria alto investimento em ferramental. Mas o Maverick... nele cabia o venerando seis cilindros de 3.0 litros do Aero Willys e seu eixo traseiro rígido com molas semi-elípticas já estava disponível. Então a alta cúpula da Ford decidiu ir em frente com o Maverick de qualquer jeito. Pra que pesquisa de mercado? De qualquer jeito sou muito grato a eles, pois do contrário eu provavelmente não conheceria a emoção de dirigir um Vê-Oitão.
A adaptação do "seis canecos" não foi fácil; o motor exigia modernização imediata. Ele ainda tinha a válvula de exaustão no bloco e a de admissão no cabeçote como o velho motor Hurricane do famoso Jeep da Segunda Guerra. A falta de espaço sob o capô obrigou a um redesenho do coletor de exaustão, o que deixou a junta do cabeçote em torno do cilindro seis queimando constantemente. A solução foi aumentar a passagem de água no bloco através de uma gambiarra (uma mangueira externa de borracha, mais uma para furar na rua). Só 60% do óleo do motor era filtrado, os 40% que iam para os mancais não eram; a Ford desenhou um sistema full-filtering e deixou o trem de válvulas como eram. O primeiro protótipo fundiu de cara, porque a nova bomba de óleo tinha ficado invertida e estava sugando o óleo dos mancais para o cárter!
Após algumas mudanças de última hora, o Maverick foi lançado em maio no Salão do Automóvel de 73 como modelo 74. Parecia-se muito como o modelo 1970 americano com os pára-choques pequenos (que foram aumentados depois na América devido à legislação deles). O Maverick estava disponível em três modelos: o Maverick Super básico tinha o seis cilindros de 3.0 litros, caixa de quatro marchas na coluna e banco inteiriço. O Super Luxo era basicamente igual, mas com mais cromados, assentos separados, carpete e rádio AM. Mas o verdadeiro Maverick era o GT. Ele vinha com o motor 302 V-8, caixa de quatro marchas no assoalho, suspensão reforçada, rodas maiores com pneus Wide Oval D70 e direção de esferas recirculantes (os outros tinham a velha direção do Aero, que demandava 6,5 voltas de batente a batente). As únicas opções no GT eram pintura metálica e direção hidráulica. Distinguia-se externamente por suas faixas laterais pretas com a inscrição "302 V-8", faróis de milha retangulares na grade e pintura preta fosca no topo do capô.
O motor V-8 também era opcional no Super Luxo, e com ele uma série de outras opções, como a direção de esferas recirculantes, caixa de quatro marchas no chão ou três na coluna e a suspensão do GT. Também eram disponíveis direção hidráulica e caixa de três marchas automática.
O motor V-8 vinha de fábrica com um carburador Motorcraft de dois venturis, taxa de compressão de 7,5:1 (a gasolina brasileira era uma porcaria na época), descarga dois-em-um e diferencial com relação de 3.08:1. Mesmo assim a revista Quatro Rodas em seu teste o cronometrou com 11,5 segundos no 0-100 km/h e registrou uma velocidade máxima de 178 km/h. Em 73 e 74, o GT era o carro de produção mais rápido do Brasil.
O Maverick vendeu bem em seus dois primeiros anos; era maior do que o carro típico brasileiro e a Ford direcionou seu marketing para homens entre os 30 e 40 que queriam transporte confortável e de prestígio. Carros de quatro portas não eram bem-vistos à época e esta é a razão das baixas vendas do modelo de quatro portas lançado poucos meses após. O modelo mais vendido foi o Super Luxo de duas portas.
Por motivos óbvios foram removidos os chifrinhos dos badges. Outra diferença era o porta-luvas fechado (os Maverick americanos só tinham uma bandeja aberta) para se adequar melhor à imagem de carro de prestígio.
Outra característica do Maverick era sua resistência estrutural. Já na época a maioria dos carros brasileiros eram bastante leves para ser econômicos. Muitas colisões resultavam em um Maverick levemente amassado e um Chevette, Fusca, Corcel ou o que quer que seja seriamente danificado. Por isso, os Maverick eram os carros favoritos de assaltantes de banco na década de 70.
Os problemas da Ford começaram com o motor; os donos adoravam seu estilo esportivo, espaço nos bancos dianteiros e porta-malas amplo, mas detestavam seu motor. O "seis canecos" tinha muito torque em baixa e só. Ele levava 20.8 segundos para ir de 0 a 100 km/h e atingia (depois de muuuito tempo) uma velocidade máxima de 149 km/h. Pior, seu consumo era pouco menor do que o do V-8 - na verdade pior acima dos 80 km/h! Para quem estivesse disposto a pagar o preço (cerca de 25% a mais) o V-8, seja Super Luxo ou GT, era o carro a ser comprado. O problema era que o V-8 era importado, as quotas de importação da época eram rígidas e ele também era usado no luxuoso Galaxie, o qual também vendia bem. Logo havia uma fila de 12 meses para se adquirir um Maverick V-8. Os únicos problemas do V-8 eram o radiador pequeno para o quente verão brasileiro e os freios traseiros a tambor que facilmente bloqueavam as rodas traseiras, exigindo cuidado ao frear forte.
Meu falecido sogro tinha um bem cuidado Maverick seis cilindros. Enquanto lutava contra o câncer que finalmente o levou, ele freqüentemente me pedia para dirigi-lo, e puxa, era ruim! Além do motor lerdo, o câmbio parecia ligado a nada, e engatar uma marcha era questão de tentativa e erro. A direção... bem, era uma porcaria. Eu estava acostumado com a muito melhor direção de esferas recirculantes do meu V-8 e quase subi na calçada oposta na minha primeira esquina. De qualquer jeito, ele o adorava, e seu filho o dirige até hoje.
Neste entretanto a Chevrolet tinha o seu Opala bem estabelecido no mercado. Para ser sincero, o seu quatro cilindros de 2,5 litros era mais rápido e mais econômico do que o seis do Maverick, e o seis cilindros era facilmente disponível por ser fabricado no Brasil, sendo mais lento do que o V-8 só até 1975 (como veremos). Além disso, a maioria daqueles sujeitos de 30 a 40 anos tinham famílias, e o Opala duas portas tinha mais espaço no banco traseiro do que o Maverick duas portas. Naquela época, carros de quatro portas não eram populares no Brasil. O Opala tinha seus problemas, porém, o mais sério era uma péssima suspensão traseira; dirigir um Opala rápido em uma estrada de terra ou asfalto molhado era uma aventura perigosa, pois ele podia rodopiar sem muito aviso.
A demanda pelo V-8 foi rapidamente reduzida quando a crise do petróleo bateu no final de 74. Como o seis cilindros também era beberrão, a coisa ficou feia para o Maverick. Felizmente a nova fábrica de motores da Ford em Taubaté ficou pronta e a produção do 2.3 OHC de quatro cilindros começou. Ele foi rapidamente instalado no Maverick, junto com freios melhorados, suspensão dianteira recalibrada, caixa de quatro marchas no assoalho e a direção de esferas recirculantes que se tornou padrão para todos os modelos. O GT permaneceu inalterado, e o V-8 continuou opcional no Super Luxo, embora menos popular.
Finalmente, o Maverick era um bom carro para o mercado brasileiro. Com o motor 2.3 ele tinha melhor desempenho (0-100 in 15,3 seg., 154 km/h) do que seu concorrente direto, o Opala quatro. Tinha ficado mais econômico (até 25% melhor), e freios melhores, suspensão e direção o tinham tornado um carro muito melhor. A única vantagem do Opala era seu espaço no banco traseiro e as revistas especializadas lhe foram favoráveis. Infelizmente, a má impressão gerada pelo seis cilindros tinha deixado sua marca e para piorar as coisas, 75 foi um mau ano para o setor de controle de qualidade da Ford. Algo deu errado com o aço que a Ford comprou, fazendo a maioria dos Ford 75 apodrecer cedo.
Embora os modelos 76 não tivessem mudanças, 77 trouxe muitas novidades com os modelos da Fase II. As designações Super e Super Luxo foram abandonadas; agora só haviam o Maverick 4 (o batizaram assim, com o número) e o GT. Havia uma nova grade, novos cromados e lanternas traseiras maiores. A suspensão foi recalibrada para pneus radiais, os quais eram agora standard. O GT ganhou um novo capô com falsas entradas de ar e, a mais triste de todas as mudanças, podia vir com o motor de quatro cilindros, iniciando a era de "desempenho cosmético" para o Maverick. A versão V-8 perdeu algum desempenho devido a um diferencial mais longo (2,87:1), ligeiramente compensado por um aumento na taxa de compressão para 7,8:1. Não tenho dados sobre a produção de GTs com o V-8 na Fase II, mas creio que foram muito poucos, pois só vi três deles. Poucos V-8 não-GTs foram feitos, também.
Outra novidade para 77 era o ar condicionado opcional tanto para o V-8 como para o quatro 2.3, como também uma caixa automática de três marchas e direção hidráulica para o quatro canecos. Um amigo meu dirigiu um 2.3 com tudo: ar, direção e câmbio automático. Ele diz que tomou pau de um fusca e eu acredito. De qualquer jeito, se não fosse sobrecarregado com opcionais, o Maverick 4 era um bom carro de uso diário, sendo confortável, confiável, razoavelmente econômico e bastante seguro com a suspensão, freios e pneus radias da Fase II. Sendo quase neutro no limite, ele se comportava bem melhor em uma estrada sinuosa do que o Opala, o qual ainda tinha uma suspensão traseira perigosa.
A única mudança para 78 era a opção LDO (luxuosa decoração opcional). Más notícias era o novo Corcel II. A Ford mudou todo o design do seu campeão de vendas, melhorou seu motor, adicionou uma caixa de 5 marchas (rara no Brasil até então) e redesenhou completamente sua suspensão. O carro ficou muito bom; era quase tão rápido quanto o Maverick 4, tinha mais espaço interno e sua economia de combustível era excepcional para a época. Ele tirou compradores leais à Ford do Maverick (meu pai inclusive) e foi um dos golpes finais. Além disto, mais de 50% dos compradores de carros 0 km na época eram mulheres, e elas não gostavam do tamanho, peso e má visibilidade traseira do Maverick. Ele era difícil de estacionar nas superlotadas ruas brasileiras, o que é o principal teste comparativo feminino. Com a recessão de 80-81 no horizonte, a Ford do Brasil silenciosamente abandonou o Maverick em 79, deixando todos nós fãs do desempenho Ford órfãos.
Competições
A página mais brilhante da história dos Maverick brasileiros é sua participação em competições. Felizmente posso que dizer que os Mavericks dominaram o automobilismo brasileiro de 73 a 77. E não estou falando de drag racing, o qual nunca foi um esporte popular aqui; estou falando de corrida de circuito! Corredores receberam os V-8 assim que estes chegaram às revendas. Em 73 os Maverick ganharam as três corridas de longa duração brasileiras: as 25 horas de Interlagos, os 500 Quilômetros de Interlagos e as 1000 Milhas de Interlagos. Não apenas venceram , mas em todas estas provas quatro Mavericks chegaram entre os cinco primeiros lugares! Assim como nas ruas a concorrência eram os Opala seis cilindros. Apesar de seus motores menores, os Opala eram mais leves que os Maverick, o que deveria equilibrar as coisas não fosse pela sua suspensão infame.
Em 74 os Maverick participaram do Campeonato Nacional de Turismo, vencendo todas as provas! Obviamente, o General (a GM) não iria agüentar a humilhação por muito tempo, então ela largou em 75 o 250-S, uma versão esquentada do venerável seis canecos que igualou as coisas por um tempo. A Ford reagiu com o chamado Maverick Quadrijet (escrito com "i" provavelmente para evitar problemas de marca registrada com a Holley), o qual seria um V-8 com um carburador Holley de corpo quádruplo, comando Iskenderian com tuchos mecânicos e taxa de compressão de 8,5:1, exigindo a já difícil de encontrar gasolina azul. Era só uma mensagem - a Ford do Brasil nunca fez carro nenhum com carburador quádruplo - mas os corredores entenderam. Peças foram trazidas dos EUA e logo as coisas voltaram ao normal, ou seja, Mavericks vencendo todas as corridas. Infelizmente, o motor 250-S era 100% nacional e Opalas 250-S eram vendidos em qualquer concessionária GM para qualquer um, enquanto que o "Quadrijet" era só um anúncio de revista. A taxa de câmbio entre dólares e cruzeiros era muito desfavorável e duras leis de importação resultaram em muito poucos Maverick envenenados nas ruas. Isto deu uma imagem de perdedor para o Maverick na rua, pois "pegas de rua" eram um esporte popular à época, e um 250-S era mais rápido do que um V-8 comum.
Na pista, porém, as coisas iam de mal a pior para a Chevrolet. Sabe-se que não há substituto para capacidade cúbica de um motor, e há uma seleção muito maior de peças de performance para o Ford V-8 do que para o Chevrolet seis. O mais destacado Maverick de corrida foi um carro patrocinado pelos cigarros Hollywood. Ele foi preparado pelo famoso construtor argentino Oreste Berta, que não apenas preparou o motor (com quatro Webers e cabeçotes Gurney) como também a suspensão e a lataria com enormes spoilers, um aerofólio e pára-lamas alargados cobrindo enormes pneus. Dirigido pelo experiente Luís Pereira Bueno, este carro podia andar em círculos na volta dos Opala. Seu problema era confiabilidade, o supermotor quebrava mais do que os outros "Quadrijets", os quais eram bastante confiáveis. Mesmo assim, ele ganhou todas as corridas que terminou, inclusive uma em que partiu do último lugar devido a problemas mecânicos na classificação.
Até os Maverick de quatro cilindros competiram por uns tempos; em 75 a Ford promoveu um campeonato só com eles para promover o novo motor. Foi vencido pelo corredor de Fórmula 1 José Carlos Pace.
Esta situação se manteve até 77, quando novas regras proibiram o uso de componentes importados. A Ford não estava mais interessada em competir com o Maverick ou qualquer outro carro.
Parecia o fim da carreira do Maverick nas pistas, mas não foi. Em 81 seis corredores independentes se reuniram em Interlagos com seus carros particulares (um deles ainda tinha toca-fitas e direção hidráulica) e formaram uma nova categoria chamada Turismo 5000. Esta aceitava qualquer carro com motor de até 5,2 litros (de modo que os Dodge Darts pudessem correr). Aos poucos mais e mais carros apareceram; uma prova começou com 40 carros. A maioria eram Mavericks, mas havia muitos Dodge Dart e até dois Galaxies participaram! De novo, os Mavericks venceram todas as provas que eu possa me lembrar - além do peso, os Dodge tinham um problema de lubrificação com seu motor 318, o qual perdia pressão do óleo em curvas apertadas. Um Opala poderia participar, mas nunca aconteceu, porque havia uma categoria só deles... ou porque a GM não gostaria de ver os velho Maverick fora de linha vencer seus Opala novinhos ainda em produção.
Lá por 87 ficou difícil de se encontrar bons carros e peças, e a Turismo 5000 terminou. Mas velhos Fords nunca morrem, eles só correm mais. A mais prestigiada prova brasileira é as Mil Milhas Brasileiras, na qual pode-se inscrever qualquer carro. Hoje em dia geralmente é um Porsche que ganha, mas entre os carros nacionais sempre há pelo menos um Maverick. Na edição de 92, um Maverick ficou no vácuo da BMW M3 vencedora, mas teve de abandonar após umas 500 milhas. Sorte do piloto da BMW!
Produção Brasileira de Mavericks
A tabela mostra a produção ano a ano de Mavericks:
| Ano | 2 portas | 4 portas | GT | Total |
| 1973 | 16,287 | 602 | 2,081 | 18,970 |
| 1974 | 23,859 | 6,734 | 4,177 | 34,770 |
| 1975 | 17,864 | 2,297 | 998 | 21,159 |
| 1976 | 18,040 | 1,443 | 499 | 19,982 |
| 1977 | 5,278 | 513 | 1,643 | 7,434 |
| 1978 | 3,526 | 233 | 998 | 4,757 |
| 1979 | 800 | 57 | 177 | 1,034 |
| Total | 85,654 | 11,879 | 10,573 | 108,106 |
Apesar de não haver dados sobre a produção total dos V-8, todos os GTs de 73 a 76 tinham este motor, assim pelo menos 7.755 foram fabricados. O súbito aumento na produção de GTs em 77 é devido à (triste) introdução do quatro cilindros neste modelo; muito poucos GT V-8 foram feitos depois.
Além dos modelos de duas e quatro portas, foram feitas 100 station wagons em 75. Eram basicamente o quatro portas com a capota estendida para trás com uma terceira janela lateral e porta traseira. Só vi uma delas, a qual costumava estar estacionada a três quarteirões de casa. Ela logo começou a enferrujar e após dois anos desapareceu. Apesar de minha curiosidade, nunca encontrei seu dono. Só sei de uma station wagon sobrevivente, a qual por sinal tem motor V-8.
Hoje em Dia...
Gente mais inteligente do que eu já disse que o povo brasileiro não tem memória. O fato é que os brasileiros amam o novo e desprezam o velho. É por isso que colecionadores de carros são espécie rara por aqui. E é por isso que é difícil de se encontrar carros de 15 ou 20 anos em bom estado. Os Maverick de seis e quatro cilindros não são exceção; sendo carros tão lentos pouca gente os ama. São considerados "carros de velho" porque, ahn, porque geralmente são dirigidos por "cidadãos cronologicamente avançados". Mas o V-8... Bem, sempre haverá uma mística a respeito de motores V-8. Só três carros com V-8 modernos foram feitos no Brasil: o Maverick e o Galaxie com o 302 e o Dodge Dart com o 318. O Maverick saiu de linha em 79, o Dodge em 81 e o Landau (um Galaxie maquilado para parecer um Lincoln Town Car) em 83. O Maverick era o mais barato, mais esportivo e tinha o maior potencial de desempenho, como sua carreira desportiva provou.
Todos os carros feitos hoje no Brasil tem motores de quatro cilindros de 1.0 a 2.0 litros, a única exceção é o luxuoso Chevrolet Omega que tem opcionalmente o (adivinhe!) seis cilindros de 4.1 litros. Comparado com estas "máquinas de costura", o 302 V-8 é um motorzão! Por esta razão os Maverick V-8 são considerados os verdadeiros musclecars brasileiros. Dirija um bom V-8 por aqui e as pessoas olham com espanto. São maiores do que quase todos os carros atuais, e nenhum quatro ou seis canecos tem o som sensual de um V-8. Os V-8 estão entre os carros colecionáveis mais desejáveis aqui. Como há menos donos de bons V-8 querendo vender do que compradores potenciais, alguns compraram bons Maverick 4 e instalaram motores V-8 tirados de Galaxies desmanchados, o que é mais fácil dizer do que fazer.
Restaurar e manter um Maverick aqui hoje em dia não é fácil. Embora peças de motor se encontrem com facilidade, as de lataria são quase impossíveis de se encontrar. Mesmo assim, alguns maveriqueiros fanáticos ainda fazem de tudo para manter seus carros. Muitos donos de V-8 sonham com os famosos "Quadrijet" e seu histórico de vitórias - e coisas interessantes começaram a acontecer. As leis de importação ficaram muito mais permissivas em 1989, e a taxa de câmbio mais favorável. Agora pode-se comprar um carburador Holley por menos do que um carburador nacional. O mesmo acontece com outras peças. A qualidade da gasolina brasileira melhorou muito, as aditivadas permitem taxas de compressão de 9,0:1. Isso fez com que muitos donos de V-8 (como eu) envenenarem seus carros e Mavericks "Quadrijets" são hoje mais comuns nas ruas do que nos anos 70.
Chequemos alguns números. Em 75 a Quatro Rodas testou um "Quadrijet" feito pela receita da Ford: carburador Holley, comando Iskenderian mecânico de 270 graus e taxa de compressão de 8,5:1. Este carro acelerou de 0 a 100 km/h em 7,8 segundos, com uma velocidade máxima de 200,00 km/h, um número redondo demais para ser real. Eu soube de um "Quadrijet" de rua cronometrado em Tarumã à 230 km/h, mas este tinha um motor realmente radical. De qualquer jeito, aquele 0-100 em 7,8 segundos pode ser facilmente reproduzido com as peças certas. Procurando bem, acha-se um bom V-8 por R$ 7.000, ou um mais ou menos por R$ 4.000. Espere gastar cerca de US$ 1.500 com carburador, admissão, radiador maior, peças diversas e mão-de-obra. Por cerca de R$ 8.500, pode-se ter um carro destes. Compare isto com o carro mais veloz em produção atual, o Fiat Tempra Turbo 2.0: ele leva 8,4 segundos no 0-100, meio segundo mais lento. Claro, uma aerodinâmica moderna lhe permite atingir 212 km/h, não é beberrão (desde que não se pise muito) e tem amenidades nunca sonhadas em um Maverick, como assentos de couro, trio elétrico e CD changer de 10 discos... mas o básico custa R$ 34.000, chegando aos R$ 45.000 com opções.
Acredito que pela virada do século a maioria dos
Maverick sobreviventes no Brasil serão "Quadrijets" bem cuidados e venerados
por seus donos como os Shelby Mustangs nos EUA. Que ironia, os últimos Maverick serão os
que a Ford nunca fabricou!