Jornal do Brasil
Sábado, 2 de setembro de 2000"Bom dia, Vietnã"
Fantasma de americanos na Amazônia assusta Senado
CARMEN KOZAKBRASÍLIA - Dá para imaginar a programação da Rede Amazônica de Televisão aberta todas as manhãs com "Good morning, Vietnã (Bom dia, Vietnã)"? Dá! Bastaria que um desavisado assistisse à sessão de quinta-feira passada do Senado. Preocupados com a ameaça da guerrilha colombiana à segurança nacional, quatro senadores fizeram discursos alarmados com o que seria iminente invasão da Amazônia por tropas americanas e a ocupação do território brasileiro por uma horda refugiados colombianos. Enquanto acontecia o frenético debate da reedição da guerra do Vietnã, conflito dos anos 60 e 70, desembarcavam em Brasília oito dos 11 presidentes que participaram da primeira reunião de cúpula dos presidentes de países da América do Sul.
"Estamos vivendo o dia D desse processo, o primeiro dia do Plano Colômbia. Há o perigo de um novo Vietnã", bradou o senador Pedro Simon (PMDB-RS). Para ele, a presença militar dos Estados Unidos na Colômbia representa uma ameaça àquele país e à soberania brasileira.
"O senador Simon disse ter recebido informações de um general brasileiro, que não identificou, sobre a existência de um quartel de treinamento americano na Guiana. Tudo para uma possível ocupação da Amazônia. "Há muito tempo existe interesse de intervenção na Amazônia", disse."
"Eles (os americanos) estão preparados. Vão entrar na floresta e não vão saber onde é a fronteira. É uma floresta só", previu o senador gaúcho, que propôs a convocação da Comissão de Relações Exteriores do Senado para uma reunião de emergência.
A senadora Marina Silva (PT-AC) também acha que o Congresso tem que agir rápido. Ela prevê a invasão da Amazônia brasileira não por militares americanos, mas por refugiados colombianos. "A população colombiana está sendo massacrada", disse Marina, que defendeu a criação de barreiras militares e sanitárias para evitar que refugiados entrem no país. "Os refugiados buscarão abrigo em solo brasileiro, gerando problemas sociais e ambientais".
Marina apoiou a convocação da Comissão de Relações Exteriores proposta por Simon, mas acha que a discussão tem que ser ampliada à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. "O problema não é só de segurança nacional, mas de segurança humana".
Mobilização - A líder do PT, senadora Heloísa Helena (AL), sugeriu uma mobilização popular apoiada na tecnologia da informática: os brasileiros deveriam congestionar as caixas postais, secretárias eletrônicas e e-mails dos políticos com mensagens sobre os riscos da situação. Quanto à ameaça de invasão americana, afirmou: "A ação dos americanos conta com o apoio dos fracos e dos covardes. Receberemos os galeguinhos americanos para trabalhar e produzir, mas de metralhadora e tanque, não".
Para o senador Geraldo Cândido (PT-RJ), a Colômbia é a porta que os Estados Unidos queriam para invadir a Amazônia. "Os Estados Unidos queriam intervir na região há muito tempo, o imperialismo americano está retomando sua face intervencionista", discursou.
O que acabou puxando a catastrófica discussão de quinta-feira no plenário do Senado foi um discurso despretensioso do senador Bernardo Cabral (PFL-AM), em homenagem aos 28 anos da Rede Amazônica de Televisão.
Tão despretensioso que limitou-se à citação das inúmeras colaborações da empresa de comunicação à integração do gigantesco território amazônico. "Para se ter uma idéia da importância para a população, o Hino Nacional virou modinha na fronteira a partir de 1972", disse Cabral. Se do aniversário de uma rede de TV puxou-se o fio do novelo da discussão, é um só pulo para o "Good morning, Vietnã".