O que é anime e mangá? Ai, ai...

Várias pessoas fazem esta mesma pergunta. As pessoas que sabem ler em inglês tem boas páginas explicativas na internet. Em português só conheço uma página que aliás possui uma conotação bastante poética para uma simples tradução(do Antonius do BaC). Vou tentar explicar, mas a minha humilde pessoa já avisa: tenho um conhecimento limitado de muita coisa, e talvez passe uma imagem um pouco ingênua do assunto. Agradeço desde já aos pioneiros que tentaram explicar tudo isso na internet, e às diversas revistas de animação do Brasil. Todos eles em conjunto me deram uma boa base em que me fundamentar nesta explicação.

Anime, de acordo com Hitoshi Doi, foi a palavra que os japoneses usaram para definir animação japonesa. Diferente do que se pensa, não é uma contração da palavra "animation" do inglês, mas provém do similar francês. Mas aqui só estamos interessados no que o anime é, e não no que significa ou qual a origem filológica da palavra.

Em todas as civilizações, as pessoas tentam registrar os fatos mais importantes de suas vidas para as gerações futuras: o Egito com seus hierógrifos, a Grécia com seu alfabeto. Me desculpem a ignorância neste ponto. De qualquer forma, esta necessidade não se dissipou com o passar do tempo, e continuamos tentando registrar tudo para o futuro. Com o Japão não podia ser diferente.

O Japão possui três diferentes escritas: dois alfabetos básicos chamados katakana e hiragana, e uma terceira escrita de símbolos complicados, o Kanji. Este é composto de mais de 2000 símbolos diferentes, todos com significados diferentes, e logicamente o mais difícil de ser assimilado (este último nos lembra muito a escrita chinesa, o que não é surpresa, uma vez que o povo japonês teve origem no continente). [De fato, todos os simbolos em Kanji tem mesmo significado que os caracteres chineses. Mais que isso: sempre uma das formas de leitura do Kanji manteve-se fiel ao original chines]

Então como registrar fatos históricos importantes se, como em todas as civilizações antigas, o acesso ao conhecimento era somente permitido a alguns poucos escribas e à classe privilegiada ? Como transmitir notícias importantes de uma parte do país para outra, quando as pessoas que receberiam as mensagens nem sempre saberiam ler?

Não sei dizer se a China possui algo similar, uma vez que este país foi a origem do povo japonês, mas o Japao adotou uma solução simples e eficaz. Para contar o desenvolvimento de uma batalha complexa, eles simplesmente começaram a fazer o que chamaríamos de histórias em quadrinhos: confeccionavam pergaminhos compridíssimos e desenhavam a história em sua extensão, enrolando o tomo posteriormente. Quem tomasse um desses volumes ia literalmente desenrolando a história de um lado para o outro e assim, sem palavras sabia o que havia acontecido. Hoje em dia estes pergaminhos são considerados obras de arte, e são tão valiosos quanto os vasos Ming da dinastia chinesa que lhe empresta o nome.

Bem esta é a origem do mangá, historicamente falando. Vamos voltar ao nosso tempo.

O século XX foi um período conturbado. Duas guerras mundiais, revoluções a torto e a direito. O mundo passou por várias transformações num curto espaço de tempo. Entre outras coisas, o mundo foi agraciado com o cinema (voltamos a isso depois).

O Japão também sofreu os efeitos do século XX. Imagine um país feudal, vivendo de forma praticamente medieval, passar de uma vez para o período moderno sem passar pela Renascença. Imagine um povo orgulhoso de seu código de honra, um povo que acreditava que seu imperador era a encarnação de Deus na terra, ter de se humilhar por ter perdido a II Guerra mundial, e ouvir o próprio imperador declarar que não era um ser celestial. Como reerguer esta nação, sendo vistos pelo mundo todo como um dos vilões?

Nada bom, não é? Coitadinhos dos japoneses? Nada disso, nao sou tao ingenua assim. O Japao tambem nao foi anjinho: cometeu muitos atos barbaros (contra a China, por exemplo). O povo japones era um povo muito arrogante (como toda sociedade feudal e fechada e') achando-se os melhores do mundo antes da vergonhosa rendicao. Alem disso, o mundo todo passava por maus bocados no mesmo periodo.

Mesmo assim, nao posso deixar de me admirar. Pois diferente do Brasil, que adora importar cultura de outro lugar contanto que seja americano, o orgulhoso Japão logo percebeu o perigo de um povo analfabeto com influências da cultura massificante dos filmes enlatados. E investiu fundo no maior bem que possuia na época: seu povo e em sua educação.

De novo, nao me achem ingenua. Sei perfeitamente que o governo japones fez uso de sua cultura para impor uma "lavagem cerebral" em tempos de guerra (de fato, um dos livros usados na 2a. Guerra Mundial para criar "soldados e cidadaos perfeitos", ou seja fanaticos - acho que era o Bushido, ou caminho do guerreiro - foi praticamente expurgado do Japao pos-guerra, para evitar que o povo lembrasse-se de seu orgulho e se revoltasse contra seus governantes). Mas mesmo assim, eles perceberam que um povo completamente ignorante e vulneravel e' otimo para manipular, MAS que nem sempre eles podiam ser os manipuladores (o medo dos governantes do Japao era serem marionetes de outra potencia. Acho que ate' hoje. Pena que aqui os governantes gostam de ser marionetes. Marionetes podem ser sempre descartados, tsc...)

Porém, ensinar todo um povo a ler mostrou ser uma tarefa bastante complicada. Como ensinar os mais de 2000 símbolos diferentes que compõe a base de comunicação do país?

Bem, foi uma grana alta... Porém algo inusitado aconteceu em paralelo, auxiliando essa missão.

Quando você abre um jornal, qual o caderno que você pega primeiro? A maioria das pessoas vai direto para os quadrinhos, não é? Bem, que eu saiba o japonês é gente também. Lá no entanto, também publicam os quadrinhos separadamente, os mangás, publicações baratas e de fácil aquisição para o povo em geral. Claro que para os desenhistas economizarem espaço usavam esses símbolos complicados nas estórias que eles publicavam (e isso não é brincadeira: com um único símbolo você pode dizer fazer a diferença entre fogo, fogaréu, ou incêndio. E mesmo a última palavra possui várias conotações.). Mas de novo, a barreira dos "kanjis" impedia a assimilação da idéia da história.

Mas o ser humano é por excelência inventivo. Três desenhistas, entre eles Tesuka Ozamu, perceberam que essa barreira ficava muito menor se as emoções que sentiam pudessem ser transmitidas pelo próprio rosto do personagem. Era impossível reproduzir toda a complexidade dos vários músculos faciais no papel (ainda o é), mas esses pioneiros perceberam que 99% das emoções podiam ser transmitidas através dos olhos. E que melhor maneira de fazê-lo, senão aumentando o tamanho deles?  Com isto, o povo japonês começou a aprender a própria língua na base da prática.

Ao mesmo tempo, o cinema invadiu o Japão, como no Brasil. Nossos avós e pais nos contam histórias de como era nosso cinema na época: mudo, com legendas e o pianista tocando a trilha sonora atrás ou ao lado da tela. Havia as sessões matinês, onde as mães levavam as crianças, muitas vezes uma por mês, pois era uma época de recessão. As crianças brincavam atrás do telão, conversavam com o pianista e esperavam ansiosas o começo dos desenhos. Um relato fiel nos é apresentado no livro de Zélia Gattai: "Anarquistas, Graças a Deus!". Lá vemos a Dona Angelina lendo as legendas para suas amigas semi-analfabetas, um esforço e uma gentileza que nem sempre as pessoas dessa época faziam.

Bem, os filmes eram americanos, e tinham legendas em português. Algo parecido acontecia no Japão, mas com legendas em japonês. Lembram do que falei há pouco? O Japão ainda era analfabeto na época!

Como então assistir estas sessões? Esperar que alguma alma bondosa leia para todo o público presente as legendas? Bem, acho que no começo foi isso mesmo que aconteceu. Mas algum dono de cinema percebeu que as sessões ficavam mais cheias quando alguém lia as legendas. Então ele pagava além do pianista que fazia a sonoplastia, também uma pessoa para ler a história ao público. Assim nasciam os dubladores no Japão (ou como são conhecidos lá, seiyuu).

Claro que quando a gente interpreta o personagem, ele se torna mais cativante. Logo formavam-se atrás do telão grupos de pessoas que davam suas vozes aos personagens do filme. Dando sua emoção aos personagens eles cativaram muito mais o público. E já estavam então preparados quando o cinema ganhou voz. Estava garantido assim o lugar dos dubladores dentro do coração do povo japonês.

Bem, bem... Se o cinema chegou, e se os desenhos também chegaram, logo os japoneses também começaram a fazer seus próprios desenhos animados. No começo os temas enfocados eram os contos do folclore popular. Mas com o tempo, os desenhos animados foram usando estórias não apenas do folclore, mas imaginadas e fantasiadas pelas pessoas. Várias estórias de mangá ou com o estilo envolvente do mangá foram produzidas, pois estes apresentavam uma aceitação muito grande do público.

A alfabetização de um povo é o primeiro passo para a consolidação da cultura desse povo, pois assim ele toma conhecimento de idéias e de conceitos que não necessariamente concordam com seus conceitos de certo e errado. Ele se torna mais crítico, e passa a exigir produtos de qualidade. Isso inclui o que eles lêem e assistem. Logo os mangás e os animes tinham de evoluir juntamente com o amadurecimento do povo japonês.

Desta forma, as histórias dos animes e mangás começaram a se tornar complexas, pois os leitores semi-analfabetos de antes cresceram e se tornaram pessoas exigentes. Mas ao mesmo tempo, ainda há a nova geração a ser considerada. Para estes uma linguagem simples e didática ainda seria necessária.

Começou assim a segmentação das estórias dos animes e mangás, de tal forma que hoje em dia podemos encontrar produtos para todos os gostos, para qualquer pessoa que tenha 8 até 80 anos, onde há histórias com romance (Ah! Megami-sama... Oh! My Godess...), ou aventura (Bubble Gum Crises), drama (Hotaru no Haka - Grive of the Fireflies), suspense, terror e por aí vai.

Por vezes, também há aqueles em que há exploração de temas violentos, obscenos ou pervertidos (da mesma forma que muitas vezes esse assunto é veiculado na televisão brasileira), mas estes são normalmente veiculados em horários e canais restritos (pode se dizer o mesmo no Brasil? Mesmo se o programa em si não é veiculado de dia, os comerciais nem sempre cortam as partes "picantes").

Os desenhos infantis são veiculados normalmente de dia, quando os pais estão ocupados e não podem ficar do lado de seus filhos. Mesmo Dragon Ball, que é considerado um desenho infantil aqui, é veiculado em horario nobre no Japão: de sábado às oito horas da noite, pois contém elementos que devem ser esclarecidos para as crianças. Este é um dos desenhos de maior duração lá: mais de dez anos de exibição semanal, sem contar os especiais de final de ano.

Assim, Sailor Moon, Guerreiras Mágicas de Rayearth, são considerados desenhos para meninas adolescentes, enquanto Fatal Fury, Street Fighter são considerados desenhos para garotos adolescentes. Animes como X, Ghost in the Shell, Neon Genesis Evangelion são mais pesados e possuem tramas mais complicadas, sendo voltados para um público mais adulto. Doraemon e os live-action de grupos de cinco como Changeman, Jaspion, Kamen Ryder são voltados para o público infantil.

Todos eles no entanto nunca insultam a inteligência de seu público. Mesmo as crianças não são tratadas como "recipientes vazios prontos para serem preenchidos com as idéias de outrem", e sim como seres providos de inteligência. Assim ao invés de fugir de temas difíceis como a morte e a violência, os animes infantis abordam esse assunto de uma maneira amena, quando necessário, explicando e educando como puder. A responsabilidade, no final, cabe sempre aos pais, que devem orientar e explicar seus filhos para que se tornem seres humanos e não animais.


Mas agora vamos abordar um tema atual: o caso do desenho "Pocket Monsters".

Esse desenho é muito (ou era, não sei dizer no momento) popular entre as crianças no Japão. Seus personagens principais são retirados de um conhecido jogo eletrônico, e a trama basicamente trata de bichinhos fofinhos, que vivem no mundo de realidade virtual dos computadores, lutando contra seres terríveis que querem corromper esse mundo: os vírus.

Recentemente, após a apresentação rotineira desse desenho, várias crianças começaram a se sentir mal (convulsões, olhos irritados, vômitos, dor de cabeça e tontura). Nos seus relatos, as crianças dizem que começaram a se sentir mal quando os olhos do personagem principal brilharam (por cinco segundos).

O diagnóstico dos médicos é que as crianças sofreram uma forma de epilepsia fotosensível, onde a frequência das luzes aliada à proximidade com que as crianças ficam da televisão e a absorção total delas pela história, foi o catalizador de tal reação adversa. Este efeito também é comum em danceterias, onde os efeitos luminosos também variam de forma hipnótica.

O relações públicas da TV Tokyo, Hiroshi Uramato, afirmou ter se chocado com tal incidente. De acordo com ele, todos os programas são avaliados antes de irem ao ar. Talvez o fato dessa avaliação ser feita "com olhos de um adulto" seja o causador de não perceberem esses efeitos colaterais (uma vez que eles são então assistidos respeitando a recomendação das televisões, de somente assistir a tela a pelo menos 2,5 metros de distância).

De qualquer forma, este foi um efeito colateral devido à animação propriamente dita, e poderia ter acontecido com qualquer outro estúdio de animação de desenhos: Dysney, Hanna-Barbera etc..
 

Fonte: página do jornal da CNN, seção mundo. (http://cnn.com/WORLD9712/17/video.seizures.update/index.html)


Culpar a internet, a televisão, os desenhos japoneses, os filmes enlatados é uma forma confortável de explicar a violência. Até pouco tempo atrás culpávamos a KGB, os comunistas de disseminar a discórdia no mundo, e antes culpávamos os judeus. (Há pouco tempo passou na TV Cultura um excelente documentário mostrando a discriminação que os judeus sofriam na época da II Guerra Mundial. E depois com o holocausto nazista, eles simplesmente esqueceram que fizeram a mesma coisa que o "Bigodinho" Hitler.), os negros, e por aí vai.

Na verdade, a única explicação para tudo de ruim que acontece no mundo somos nós mesmos. Nos definimos como seres racionais e superiores, mas raramente nos lembramos da responsabilidade que esta definição carrega. Pois se somos racionais, temos que tentar ser mais compreensivos. As emoções são importantes, mas enquanto normalmente falamos de amor e  compreensão, praticamos mais o ódio resultado da ignorância. Somente animais reagem por estímulo, e a eles não cabe os rótulos de bem e mal. Não nos definimos como melhores que isto?


Links informativos

Para saber mais, melhor consultar pessoas que realmente saibam do que estão falando. Eu sei que sou apenas uma aprendiz, e portanto o que escrevi aqui é apenas minha opinião, mesclada com a pobre pesquisa que andei fazendo. Mas o melhor mesmo é que vocês dêem pesquisem pelos links abaixo para maiores informações.

BaC - Brasil Anime Club

Hitoshi Doi - Ele agora não explica o que é anime e mangá, mas tem uma ótima biblioteca para consulta de diversas séries. Obrigatório.

Anime On Line - é uma página comercial, mas tem uma boa página explicativa.

Anime Web Turnpike - index para várias páginas relacionadas a anime e mangá.

(Figura do fundo: Ami de DNA2)
 

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