Hoje - 01/12/01 - estive numa celebração do CVV,
para o qual fui convidado, junto com outros religiosos, para dar nossa
palavra sobre a Paz, segundo as respectivas religiões.
Comecei dizendo que a Paz é uma questão interior, que temos de fazer um esforço, em direção da Paz. Antes de mim, palestrou um padre católico, que enfatizava que a Paz é um presente de Deus. Mas cá comigo, pensei ; “Então porque a Palestina, local de encontro das três maiores religiões monoteístas, está em guerra, e não há Paz, já que não é uma questão dos homens quererem fazê-la, mas um caso de a receberem como presente??? E foi o que disse à platéia. Longe de estar ali para tentar convencer as pessoas a aceitar meu “credo”, nem estava ali para discutir teologia, eu tinha de “sacudir” a inércia egoísta que esta crença impõe. Por mais que haja sol fora de nossas casas, nós temos de fazer o esforço (inicial) de “abrir as janelas” para deixá-lo entrar! Haja ou não Deus, a questão da Paz não é um presente pura e simplesmente, mas começa com a nossa iniciativa, com o nosso esforço. Há muito tempo, desde que o homem existe, existem tantas religiões, e a humanidade não parece ter aprendido nada. As religiões insistem em conceitos, mas os conceitos não melhoraram em nada a situação dos homens. Então, para o Budismo, a Paz passa não pela afirmação de conceitos, nem de dogmas, mas sim pelo autoconhecimento. Conhecendo quem sou eu, o que é este “eu”, do que é composto, do que é feito. Então existe todo um treinamento para isso, que culmina com o treinamento que todos chamam de “meditação”. Jesus declarou certa vez : "vigiai e orai, para que não te suceda cousa pior". Isto é uma declaração muito budista. O Buddha enfatizou a conscientização de nossos concomitantes mentais e de nossos corpos, como ferramenta para o autoconhecimento. Temos de conhecer nossas sensações, nossas percepções, nossos pensamentos, nossa consciência, em primeira mão, através da observação. Somente em vigilância, ou Plena Atenção, podemos nos conhecer, podemos ver cada sensação, cada percepção, cada pensamento, sem palavras, sem conceitos. Aprendemos a desenvolver uma atitude de testemunha. Em vigilante testemunha vivemos o momento presente. Basta fecharmos um pouquinho os olhos, para ver que a atividade mental não pára, é agitada, e corre para lembranças do passado ou para projeções do futuro. Mas nunca está aqui no presente! Somente em vigilância, ensinou o Buddha, podemos ver nossos “eus” como eles realmente são, sem nos agarrarmos, sem nos apegarmos, sem sermos levados por eles... Não há necessidade de agarrarmos nada, não há necessidade de apego. Agarrando, geramos sofrimentos e conflitos. A meditação é um meio eficaz para apaziguarmos a mente, gradualmente. Mas necessita-se de empenho, prática, esforço. No estado vigilante da Plena Atenção, não mais o apego aos concomitantes mentais, não mais a tirania do ego. Em vigilante Plena Atenção, desenvolvemos a Paz interior, desenvolvemos a compaixão, desenvolvemos a Sabedoria. Aliás, seria melhor dizer : em vigilante Plena Atenção, descobrimos a nossa Paz interior, descobrimos que temos compaixão, evidenciamos a Sabedoria! Tudo isto já está presente em nós, mas os condicionamentos negativos e pesados obscurecem, como nuvens carregadas ou uma janela fechada, a luz do sol interior. O problema da Paz, em outras palavras, é o problema do ego e do egoísmo. O Buddha passou toda a vida apontando o ego, e a ignorância, como os causadores de todos os males do mundo. Direta ou indiretamente esta dupla tem papel preponderante nas dores de cada um, na falta de Paz de cada um. A oração que se atribui a S. Francisco é bem budista, e a última frase : “é morrendo que se vive para a vida eterna” tem ainda um sabor muito búdico. O ego é a mentira, o ego é a morte. Quando pomos o ego de lado, até mesmo por uns momentos, temos Paz, pois o fardo dos desejos ignorantes que ele nos impõe é muito pesado. Morrendo o ego - e consequentemente o egoísmo -, estamos vivendo nossa consciência pura e iluminada. Na morte do ego, temos a vida eterna, pois vivemos, testemunhamos e fluímos junto com a Vida, junto com a Existência. As pessoas ficam assustadas quando se fala na “morte do ego”, mas o Budismo diz que este é um artifício da mente para nos comunicarmos no mundo ordinário, mas existem muitas outras formas de comunicação, especialmente no mundo espiritual, e a paralisação do ego mostra-nos isto claramente. Vocês não precisam crer nisso, basta experimentarem por si mesmos. A Paz não somente é um grande bem como um direito de todos os seres, pois todos os seres tem o direito de ser felizes. Todos os seres procuram a felicidade, e a Felicidade, assim como a Paz, são estados que qualquer um pode obter com a prática da meditação. Amigos, antes de religiosidade precisamos de espiritualidade. E espiritualidade não é acender velas, ou cantar em línguas estranhas, apesar do que estas coisas tem o seu devido lugar e valor. Espiritualidade é a transformação humana, é a transformação de nossos venenos em remédios. Espiritualidade é a cura de nossa doença espiritual, de nossa cegueira mental, fazendo vibrar a Luz da Sabedoria e da Compaixão por todos os seres. E para isto, precisamos fazer alguma coisa para trazer esta conscientização, esta Sabedoria, este Amor, para nossas vidas e para nossos semelhantes. A Paz é um item, o autoconhecimento outro item, fermentos indispensáveis nesse bolo chamado Humanidade. Celebremos a Existência! |