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CONTOS ZEN
O poeta Hakurakuten e o Mestre Dorin
A Passagem de Ninakawa
Um conto Zen 

O POETA HAKURAKUTEN E O MESTRE DORIN

O mestre Dorin costumava meditar no alto de uma árvore. Certo dia, o poeta Hakurakuten veio visitá-lo e, vendo-o encarapitado num galho alto, assustou-se e exclamou: 
- Cuidado, Mestre!

O Mestre gritou lá de cima: 
- Quem está em perigo és tu!

Que perigo ameaçava o poeta, que estava tranqüilo, com os pés firmemente apoiados no chão? Hakurakuten perguntou, então ao Mestre: 
- Qual é a essência do Budismo? 
- Não fazer o mal e praticar o bem. 
- Mas até uma criança de três anos sabe isso! 
- Sim, mas é uma coisa difícil de ser praticada mesmo por um velho de oitenta anos.


A PASSAGEM DE NINAKAWA

Pouco antes de Ninakawa falecer, o Mestre Zen Ikkyu visitou-o. 
- Devo conduzi-lo adiante?, perguntou Ikkyu. 

Ninakawa respondeu: 
- Vim só e partirei só. No que pode me auxiliar? 

Ikkyu respondeu: 
- Se você realmente pensa que veio e vai, esta é a sua ilusão. Deixe-me mostrar-lhe o caminho no qual não há vir nem ir. 

Com estas palavras, Ikkyu revelou o Caminho tão claramente, que Ninakawa sorriu e expirou. 

Ikkyu queria apenas saber se esse homem ainda estava preso às escrituras ou se havia compreendido o Buddha. Ikkyu estava lá e perguntava "posso conduzi-lo?", porque o caminho é desconhecido. "Você nunca esteve lá, eu já. Eu sei como morrer...". Ninakawa respondeu utilizando palavras das escrituras: "vim só e partirei só...". Ele realmente precisava de ajuda. Se não precisasse teria simplesmente sorrido e agradecido. Mas quando se está incerto, usamos as escrituras ou a autoridade de alguém para esconder nossa hesitação e ignorância. Ninakawa estava apenas repetindo palavras, e com elas você não engana um Mestre. 
Ikkyu respondeu: "se você realmente pensa que veio e vai...", então o ego está realmente aí. Quem vem? Quem vai? Se pensas que vai e vem, então não sabes, estás apenas repetindo as palavras de Buddha. "Deixe-me mostrar-lhe o caminho no qual não há nem ir nem vir". Que caminho é este? É realmente um caminho? 
Ikkyu usou a palavra "caminho" porque temos de usar as palavras. Mas na verdade, não há nenhum caminho porque um caminho sempre leva a algum lugar. Nenhum caminho pode conduzi-lo aonde você já está. Se você desejar mover-se internamente não há caminho. Você já está aí, então seja! Apenas uma sacudida é necessária para que descubra que já está aí. 
Os Buddhas tem ensinado isto, que não há necessidade de ir a lugar algum porque já está no lugar aonde quer ir, só que está sonhando. Esta sacudida pode ser dada muito facilmente na hora da morte, pois todo o corpo e a mente estão passando por uma grande mudança. Tudo é um caos. E nesse estado caótico você pode tornar-se alerta mais prontamente, pois tudo é desconfortável. 
Quando há a comodidade do sonho, é difícil trazer alguém para fora dele. Só quando o sonho se torna pesadelo você grita! Os sonhos são bem reais, entram a fundo porque numa mente desatenta há apenas uma vaga distinção entre o sonho e a realidade. Eles se misturam, os limites não são claros. Por isto, você nunca fica consciente do sonho enquanto está sonhando. Acha que ele é real. Para que tudo continue é necessário que acredite que é real. E você o faz real através de suas emoções. A vida é um contínuo eterno. Nunca vem nem vai. Este corpo pode ter nascido e poderá morrer, mas a vida ou consciência continuam. É um sonho você estar nesse mundo; na realidade você nunca se movimentou no Ser. 
Um sonho, mesmo agradável, é apenas um sonho. Mesmo morrendo, você não estará no seu leito de morte, pois continuará desejando estar vivo e regando seus sonhos, alimentando-os. Ninakawa em seu leito de morte já não tinha mais futuro. Ele estava no caos, lutando contra a realidade. Todo o seu sistema corporal e mente estavam tornando-se mais e mais inoperantes. O pesadelo era intenso, porque na hora da morte tudo é mais intenso. Sentia-se miserável pois havia apenas a morte à sua frente, sem nenhum futuro. Quando n˜o há futuro você não pode sonhar, pois os sonhos necessitam de espaço e tempo. Eis porque a morte parece tão perigosa: ela não dá tempo para pensar. A morte não o mata, mata apenas o amanhã. Como você nunca viveu o hoje, o agora, sempre adiando para amanhã, a morte vem e destrói seu amanhã, queima seu calendário. Enquanto morre, não pode pensar. Somente uma pessoa que meditou a vida toda e realizou o não-pensamento antes da morte não tem medo - pois sabe que o pensamento não é a vida. Conhece um plano diferente da existência. Conhece a profundidade da existência. Ela não se move deste momento para outro, de hoje para amanhã. Ela se move neste momento, cada vez mais profundamente. Move-se aqui e agora nas profundidades de seu ser. 
Ela não tem amanhã. O aqui e agora é sua única existência. Então, como poderá morrer? Para este tipo de pessoa, a morte ocorre na periferia. Fica sabendo da própria morte como toma conhecimento da morte de um conhecido. Vem a saber que está morto - apenas uma notícia. Pode até sentir-se triste pelo corpo, mas sabe que não é o fim. 

Ninakawa era um meditador à beira da iluminação, mas ainda apegado a muitas coisas. Com a revelação de Ikkyu ele compreendeu e parou de se apegar: sorriu e suspirou. Você nunca ou raramente sorriu de verdade. Já chorou, riu e gargalhou. São extremos. Sorrir está no meio. Só um Buddha sorri perfeitamente. O sorrir tem tanto de tristeza quanto de alegria. Olhe para uma imagem de Buddha e observe como sorri. Seu sorriso enigmático expressa um profundo contentamento interior e uma profunda tristeza pelo sofrimento dos outros. Com estes dois componentes, um sorriso é criado. Buddha percebe que a mesma existência feliz, a mesma beleza e o mesmo êxtase que Ele tem você tem, mas você bate no peito e chora e se enreda em tanto sofrimento - uma tristeza! Em Buddha o ego dissolveu-se na Consciência universal, não existe mais. Neste momento, dois elementos se encontram: Sua Consciência que se tornou perfeita, com os milhões de consciências à Sua volta, que são perfeitas, mas com sofrimentos desnecessários. Deste encontro, um sorriso triste e feliz surgiu em sua face. 

Com este mesmo sorriso, Ninakawa não morreu, simplesmente passou para mais uma etapa. 

Adaptado de "Nem Água, Nem Lua", Ed.Pensamento, 1975,
comentário de B. Shree Rajneesh sobre dez histórias Zen, décimo discurso.

UM CONTO ZEN

Certa vez um Mestre mandou que chamassem determinado discípulo, que se encontrava recluso em sua cabana, nos arredores de um mosteiro Zen. Este discípulo já estava com este Mestre há anos, treinando sob sua direção. Como o Mestre tinha muitos discípulos, era difícil de se conseguir uma entrevista particular com ele. O discípulo achou inusitado o fato do Mestre estar chamando-o para uma conversa. Começou a ficar excitado, pensando: "o que será que o Mestre deseja de mim?", "será que ele vai me perguntar alguma coisa sobre o Dharma, para me testar?", "será que ele deseja me atribuir algum cargo ou tarefa?". Com a mente repleta de pensamentos, pôs-se o monge a andar. Como estava chovendo, levou seu guarda-chuva. 

Ao chegar à casa do Mestre, ele fechou o guarda-chuva, colocou-o a um canto. Pôs suas sandálias molhadas do lado do guarda-chuva. Na frente do Mestre, fez as mesuras que mandam a etiqueta monástica e sentou-se. O Mestre então foi logo perguntando: 
- Quando você entrou aqui, de que lado do guarda-chuva você deixou suas sandálias

O monge discípulo não conseguiu se lembrar com certeza... O Mestre então declarou: 
- Volte para sua cabana e medite

Desta maneira, o Mestre quis dizer que meditação e vida cotidiana são uma única realidade. Não podemos separar a nossa vida diária do ato de atenção com que devemos fazer todas as coisas. O discípulo estava separando, e vendo que ainda não estava preparado o suficiente o Mestre recomendou que ele voltasse para sua cabana e meditasse mais. A prática budista é no dia-a-dia.