NAMO BUDDHAYA - NAMO DHARMAYA - NAMO SANGHAYA !


BUDISMO, SOFRIMENTO E DESEJO
Compilado por CARLOS LESSA a partir de uma palestra de DON K. JAYANETTI
Ouvir à Doutrina do Buddha é uma rara oportunidade que temos para fortalecer em nossas mentes o que é Budismo. 

Todos sabem instintivamente que tudo o que nós fazemos é devido aos pensamentos em nossas mentes. Se um pensamento é o mais forte, este predomina; através deste pensamento se manifesta a ação. Sabendo disto, nós devemos fortalecer os pensamentos mais importantes para nós; que nos ajudem a alcançar a finalidade da vida. E qual é a finalidade da vida? É ser feliz. Tudo o que nós fazemos na vida é para sermos felizes. Mas o que é a Felicidade? É a ausência de sofrimento. Felicidade não é somente prazer e alegria, mas ambas participam da Felicidade. 

Mas o que é Felicidade?  É a ausência de sofrimento, insatisfação. E o que é sofrimento?  Sofrimento é o (apego ao)  desejo. Enquanto nós nos envolvemos com os desejos, nós sofremos. Isto é muito claro. (Muitos dizem que se não desejarem estarão mortos. Mas no Budismo não se trata de destruir ou reprimir desejos, mas simplesmente compreendê-los, saber aonde levam e, especialmente, deixar de sermos escravizados por eles). Enquanto nós nos envolvemos com os desejos, nós sofremos. As pessoas não vêem como estão sofrendo (Já se acostumaram com um certo nível de insatisfação, de forma que não se dão conta de que estão sofrendo).  Mas quando o sofrimento se torna mais forte, então sente-se uma pequena dor física, ou mental. No caso de uma pequena dor física, nós não vemos o processo intrínseco ao sofrimento, devido à maneira que estamos já acostumados a sentir tantas vezes a mesma coisa. E assim, dizemos que é uma dorzinha, que está só “incomodando”.  Temos dor ou fome, e tendo-as vem o desejo de liberar esta dor; por exemplo, tirar o sapato que incomoda ou saciar a fome comendo. Até fazermos isto, de fato estamos sofrendo. Então satisfazer o desejo é felicidade. A cessação da dor é felicidade. Mas o que significa “satisfazer o desejo”?  Significa a cessação deste desejo. Por exemplo, se tenho um desejo de adquirir uma casa ou carro, até que realize este desejo, estou sofrendo perseguindo-o, indagando se vou conseguir, ansioso, ambicionando realizar este desejo específico.  Então, no dia que consigo realizar este desejo, obtendo estas coisas, fico feliz. Aquele desejo específico terminou.  Sua cessação levou à minha felicidade.

O ser humano está preso a essa dicotomia de ter que sofrer desejando, para poder valorizar a felicidade, obtendo-a com a realização dos pequenos desejos. Mas estamos presos neste ciclo de desejo-realização-outro desejo-realização, e assim por diante. O elo que dá continuidade aos sofrimentos seguidos que passam desapercebidos, ou até são considerados como “naturais”, é a energia do apego. O ser humano diz que uma  vida como esta é a única que ele poderia pensar em  ter, e quando ele já não agüenta mais seus sofrimentos e cargas criados por ele mesmo, ele procura a ajuda mística, fora de si!!! Ao invés de procurar a causa de seus males, ele prefere mantê-las, recorrendo somente a alívios momentâneos como a procura de milagres, magias e outras coisas afins.  Ele pode até receber a sua “graça” , mas depois disto está de novo dentro de um novo ciclo de desejos e dores, como um cego, e a isto é que o Budismo chama de ignorância

Assim como pensamos, nós somos.  Se seu estado mental é uma bagunça, suas decisões em sua vida não trazem a felicidade completa. Se você só pensa em ter e ter, em conseguir isto e aquilo, sem dar o devido crédito ao ser, à introspecção e à sabedoria interiores, então toda sorte de males físicos, mentais e psíquicos abrem as portas para você. 

A maioria da humanidade é movida pelo desejo, e não pela razão. O desejo é a força que norteia as nossas ações . Os povos antigos tinham uma só palavra para designar “desejo” e “estrela”,  por que, enquanto as estrelas guiam os viajantes em seus caminhos, os desejos guiam nossos atos . Assim, por exemplo, “hoshi”,  em japonês , é “desejar”  e também “estrela”.  Podemos ver que tudo em nossa vida é levado pelo desejo. Se não estamos vigilantes, os desejos nos escravizam, gerando o apego, querendo a repetição do que é prazeroso. A simples necessidade de saciar a fome torna-se então a gula; os apetites do sexo tornam-se as perversões e desvios sexuais; começamos a acumular coisas, etc. E, se não obtemos o que desejamos, geramos frustração e tristezas. Nossa busca pela felicidade é incessante, porque nunca estamos satisfeitos. Isto foi uma das constatações daquele grande homem Gautama Siddhartha, tornado O Buddha. Ele ensinou-nos a compreender o sofrimento e a causa do sofrimento, com a finalidade de liberar-nos destas causas de sofrimento e alcançar a felicidade. Ele ensinou isto através da Nobre Senda Óctupla. Budismo é chamado de Caminho da Correta Compreensão. Ou da Nobre Senda Óctupla. 

A  palavra “Budismo” vem do radical da língua páli “buddhi”, que significa “compreensão”. Com esta palavra “buddhi” vem “Buddha” , “Completa Compreensão” ou “Iluminação”.  E desta palavra “Buddha” vem “Budismo”, o Caminho que leva à Correta Compreensão ou Iluminação. E neste Caminho encontramos a Nobre Senda Óctupla, que contém 8 fatores. A Nobre Senda Óctupla nada mais é do que colocar nossa vida no lado positivo. Não tem mistificações. Como vivemos agora? Vivemos através do funcionamento de 8 fatores em nossas vidas. Quais são eles?  Vivemos pelo grau de (1) compreensão que temos hoje. Todos temos uma capacidade de compreensão, e como é essa compreensão é nosso (2) pensamento. Nosso pensamento é claro ou confuso, conforme o que compreendemos. Quando dizemos isto, quer dizer que tudo o que aprendemos e verificamos desde a infância compõe nosso quadro de estímulos do passado (background) que moldou nossa visão de mundo de hoje - vale dizer, como compreendemos o mundo hoje. Mas a força do pensamento exige (3) concentração. Nós todos temos uma capacidade de concentração, seja pouca ou muita, seja profunda ou rasa, mas temos! A capacidade de concentração depende da capacidade que temos de (4) atenção. Muitos confundem atenção com concentração, mas elas são em verdade coisas diferentes, o Buddha separou-as em Sua Visão interior. É difícil distinguí-las porque andam sempre juntas, combinadas em algum grau. Enquanto a concentração é analítica, focaliza um objeto particular, a atenção é mais abrangente, global. Por exemplo, neste momento em que escrevo estas linhas, minha atenção percebe a luz do abat-jour, o som da festa do vizinho, o suor em minhas mãos, o tato sentindo o banco em que sento e o pano que cobre a cama, mas a concentração se focaliza neste trabalho, nas idéias que ele gera. “Atenção” é  o estar  “ligado” , “Concentração” é o estar “ligado numa coisa só”. Contudo, não se tem atenção alguma sem um (5) esforço. O esforço que realizamos para dar cabo às tarefas do dia a dia tornou-se mecanizado e bastante interiorizado, de forma que não nos damos conta de como nos esforçamos. Nada acontece sem um esforço, sem uma persistência.  Este esforço nosso atual, de cada dia, foi moldado pelo (6) meio de vida que temos hoje e que tivemos ontem. Por meio de vida entende-se como nos relacionamos com os outros seres humanos e não-humanos, e com a Natureza. Este “meio de vida” é  uma coisa que aprendemos, depende muito dos valores que prezamos, é em grande parte influenciado pelo conjunto de fatores sociais, familiares, de país, época e tradição, etc. Em outras palavras, este meio de vida é composto das (7) ações  e (8) palavras nossas de cada dia. 

Enumerei 8 fatores, a saber: compreensão, pensamento, concentração, atenção, esforço, meio de vida, ação e palavra. Nossas vidas são estes oito fatores funcionando, de alguma forma capengas. O Budismo é justamente colocar estes oito fatores funcionando no lado “positivo” ou “pleno”, ou “correto”.  A Nobre Sendo Óctupla, proclamada por Buddha, é justamente o seguinte: (1) Palavra Correta, (2) Ação Correta, (3) Meio de Vida Correto, (4) Esforço Correto, (5) Vigilância Completa ou Plena Atenção Correta, (6) Concentração Correta, (7) Pensamento Correto e (8) Compreensão Correta. Há muito o que se falar sobre a  qualificação “correta” como tradução da palavra páli “samma”, mas não é intenção deste trabalho discutir isto agora. Muitos podem objetar os oito fatores em ordem inversa, apresentados no parágrafo anterior, pois a ordem tradicional é a apresentada neste parágrafo. Mas devemos nos lembrar que o símbolo do Nobre Caminho Óctuplo é uma Roda com 8 raios; não há exatamente um primeiro fator, nem uma direção específica a girar a roda. Cada um começa de onde está, fortalecendo o que mais precisa. E como se trata de uma roda, um fator levará ao outro naturalmente. Um fator leva ao outro, seja na ordem direta ou inversa.  Por questões lógicas, a Nobre Senda Óctupla começa em “Compreensão”. Mas na verdade, inicialmente ninguém tem a Compreensão Correta desde o início, já que somos todos ignorantes, e nossa meta é justamente alcançar a Completa e Irrestrita Compreensão, ou Iluminação! Logo, Compreensão Correta como 1º fator da Roda é meramente uma das maneiras possíveis de expor o Caminho Óctuplo e ninguém deve se perder em classificações, mas sim no seu conteúdo. 

A  grande mensagem do Budismo é colocar nossa vida no lado positivo, pondo estes 8 fatores a girar  em sua dimensão mais correta e plena. 

Estamos vivendo inconscientes de como vivemos. Temos que examinar bem como estes 8 fatores funcionam hoje em nossas vidas. O que nos falta? Onde estamos pior? Então devemos enfatizar aquilo que nos falta. Nós todos temos uma compreensão, e em linhas gerais, como ela é, é também nosso pensamento. Mas como vem a compreensão? Ela pode vir através de duas maneiras: pela intuição e pelo intelecto. As palavras podem nos induzir ao erro, em se tratando de coisas espirituais. Muita gente diria que pela razão ou intelecto só podemos entender , que pela intuição, insight  ou sabedoria interior compreendemos. A diferença entre os verbos “entender” e “compreender” é o sentido que nós arbitramos para cada verbo. O que importa é saber que pela razão, retalhando e classificando tudo, nós vamos até certo ponto. Pela intuição, pela síntese, vamos além, pois não estamos presos às palavras ou conceitos (que limitam). A intuição é um saber que vem da experiência interior, e não está ligada às palavras e conceitos.  Acontece, porém, que tudo o que nós possamos intuir é interpretado pelo intelecto com base no arsenal de informações limitadas que ele tem para trabalhar. Assim, usamos palavras e conceitos para podermos nos relacionar com os outros, com o mundo exterior. Não há nada de errado com intelecto e a razão. Razão e intuição são 2 aspectos da mente que temos, e no Budismo são levados a sério em conjunto. Acontece que a nossa criação como seres humanos valorizou sempre mais o lado racional, analítico, sejamos ocidentais ou orientais (sim, orientais também, pois apesar de terem culturas que tradicionalmente valorizem a intuição, e que seja para eles mais fácil lidar com isto, como seres humanos eles estão sujeitos também à racionalização no seu dia a dia; ainda mais hoje que a cultura ocidental já tomou todo o Oriente).  Então vem o treinamento budista enfatizando o outro lado, para equilibrar nossa psique. 

Assim como nosso intelecto é desenvolvido desde criança pelo contato com a família, com o mundo e pelo estudo, a intuição também pode ser trazida à tona ou funcionamento através de um treinamento baseado em VIGILÂNCIA ou Atenção Plena. Esta é a única maneira de desenvolver a intuição. É somente pela prática da “observação pura” ou  “meditação” conhecida no Budismo como Vipássana, que desenvolvemos a intuição. Qualquer outro tipo de meditação só faz trazer tranqüilidade ou calma, mas não conhecimento. Estes tipos de meditações da tranqüilidade já existiam antes do Buddha. Eles as conheceu todas, mas insatisfeito com elas descobriu a Vipassana, que é uma meditação dinâmica, sem um objeto específico, e que demonstra desde o primeiro instante como é nosso interior, trazendo autoconhecimento. 

A base da Nobre Senda Óctupla é na verdade a Vigilância ou plena atenção.  Sem ela estamos perdidos ! Somos pior que um zumbi. É somente pela Plena Atenção que voce compreende as coisas como elas realmente são. Isto é sabedoria - compreender as coisas como elas realmente são. Mas nós não estamos vendo as coisas como elas são, porque estamos sempre projetando a mente em alguns aspectos. Não vemos a realidade porque somos levados pelos desejos, pela ambição, pelo intelecto, e acima de tudo, pela ignorância ou desconhecimento. Então, sempre ouvimos, vemos, pensamos e sentimos de acordo com, ou através dos conceitos em que fomos criados ou educados. Por isto não é sabedoria que nós temos, mas sim uma visão parcial das coisas, nunca definitiva. Até este manuscrito, sendo a minha visão particular de um assunto, não é definitivo. Nós sabemos as coisas, mas de uma maneira fraca; nosso conhecimento não é completo. É como a visão de um cego. O Buddha nos conta uma história para ilustrar isto: um rei convocou uma porção de cegos de nascença para conhecerem um elefante. Eles foram postos em contato com o elefante, e cada um tocou uma parte diferente do elefante. Conforme a parte que tocaram, cada um descreveu o elefante de uma maneira. Um disse que o elefante era como uma parede; outro disse que ele era fininho como uma corda (rabo). O que tocou numa perna disse que parecia uma coluna... Estavam eles errados? Não. Mas não tinham a idéia do conjunto. A nossa visão de mundo também é parecida com a destes cegos. Nós sabemos as coisas em alguns aspectos. É justamente por isto que não resolvemos nossos problemas, ou temos soluções parciais para eles. A sabedoria intuitiva é aberta e muito mais ampla. Nela não somos levados por tendências ou aspecto, mas é uma Visão global, sintética. Só em Vigilância, observação pura ou plena atenção temos esta visão global. Estabelecer a mente na Vigilância, ao invés da distração ou dispersão, é sabedoria, é visão “em tempo real”, para usar um termo da informática. Nesta vigilância vem a compreensão, como agir numa situação. Por isto, este grande homem Gautama Siddharttha deu a maior importância para a vigilância e o treinamento meditativo. Meio século depois o Cristo repete, com seu “vigiai e orai...”,  o que Buddha já tinha ensinado. 

Mas estabelecer em Vigilância Correta não é tão fácil. Ninguém deve pensar que ao sentar em meditação vai subir como um jato até as alturas espirituais instantaneamente. Por isto, calma e persistência. Temos zilhões de vidas em dispersão e descontrole, e não é numa só que a grande maioria conseguirá a meta. Para facilitar nosso trabalho espiritual, os outros 7 fatores da Nobre Senda Óctupla devem ser desenvolvidos passo a passo. A gente não pode pegar um dos fatores e esquecer todo o resto que não funciona. Por isto, para estabelecermos em Plena Atenção, devemos também nos estabelecer em  Palavra correta, Ação correta, Meio de Vida correto, etc., etc. A moralidade ou vida ética é base do edifício espiritual. Sem moralidade não há meditação. Não há concentração correta, muito menos compreensão correta. É importante estabelecer na moralidade, ter uma consciência limpa, e ter condições adequadas para entrar na prática. E para estabelecer na moralidade é preciso também  a vigilância, porque tudo o que nós fazemos é diretamente influenciado pelos pensamentos. Levados pelos pensamentos, somos qualquer coisa! Se o pensamento é confuso, resultante de uma pouca compreensão, nossa ação é limitada, confusa, titubeante, induzida ao erro. Os pensamentos - verbais ou não - precedem sempre a ação. Para o budista  dizer que “agi sem pensar”  num momento de descontrole não é verdade, pois na verdade agiu-se sem  a devida reflexão sobre o que se estava fazendo. Mas houveram pensamentos, verbalizados ou não, de raiva, ódio, má-vontade ou qualquer outra coisa, precedendo à ação. 

Fazemos o bem ou mal pelos nossos pensamentos. Os pensamentos em nossas cabeças pululam como macacos de galho em galho. A mente não tem paz devido à atividade intensa das forças do pensamento, que aparecem e desaparecem num fluxo contínuo. Este fluxo é mantido por meio de um diálogo interno que temos conosco, que mantém a idéia de nosso eu viva, e lança âncoras de apego em todas as direções. Então vemos a importância da vigilância mesmo para se estabelecer em moralidade, e vice-versa. Nossas mentes foi criada e educada nestes maus pensamentos, e estes maus pensamentos são mais fortes  ou predominantes. Assim, fazemos coisas erradas , mesmo contra a nossa vontade. Sabendo disto nós devemos dar importância ao cultivo dos bons pensamentos, como Amor, Compaixão, boa-vontade, simpatia, alegria, não - violência, renúncia, etc. A moralidade também é facilitada pelo cultivo destes pensamentos. 

Para fazer tudo isto é necessário o esforço correto. Não conhecemos nossa natureza poluída, e caímos presas fáceis da preguiça, da cobiça, da dúvida, do orgulho, e de todas as fraquezas que normalmente habitam em nossas mentes. Esta “coisas” não devem ser combatidas com a repressão, pois elas se vão e voltam mais fortes depois. O Budismo ensina que devemos introduzir na mente os antídotos, que são o cultivo dos bons pensamentos mencionados anteriormente, amparados pela vigilância. A “moralidade” budista não é repressão - é toda compreensão e sabedoria.  O esforço correto é quádruplo e consiste em superar as nossas más tendências atuais, evitar o surgimento de novas más tendências, fazer surgir boas tendências e manter  as boas tendências já existentes na mente. 

Iniciamos qualquer Caminho com a compreensão que temos no momento. E no Budismo, tudo é feito em Compreensão. Se a pessoa não tem um mínimo de compreensão, então ela é perdida, e não entra no Caminho. Podemos dizer que a 1ª coisa a ser compreendida é compreender a existência e a universalidade do sofrimento. A 2ª coisa a compreender é a causa do sofrimento, como se sofre e como estamos sofrendo. Se uma pessoa não tem uma compreensão mínima do sofrimento, ela então não procurará este Caminho. E por que? Porque ela está intoxicada e acostumada com as impurezas da mente. Intoxicada e envolvida com conceitos - gaiolas - de “minha” família, “minha” religião, “minhas” posses,  etc. Então esta pessoa é levada por rótulos, qualquer nome, conceitos à respeito disto ou daquilo. É muito importante vermos como somos levados pela ignorância, umas das principais causas do sofrimento. Os desejos aliados à ignorância, outra.  O apego, criado por estes desejos, outra. E assim a coisa vai piorando...Se uma pessoa não sabe que ela está envolvida num processo de sofrimento, como acordá-la? 

O sofrimento tem natureza tríplice: o aspecto físico, o aspecto psicológico, e o aspecto condicionado. Temos idéia do que é o sofrimento físico e o que pode ser o sofrimento psicológico. Mas saber realmente o que é sofrimento resultante do aspecto condicionado necessita de uma explicação.

Podemos explicar isto de 2 maneiras. A primeira é que tudo na Natureza está em estado de fluxo, sofrendo a mudança. Nada está parado. Átomos, moléculas, pessoas, montanhas e coisas, tudo está vibrando sem parar. Toda a Natureza, incluindo aí o ser humano, está sujeito à mudança, e ele nada pode fazer para impedir isto. O problema está no homem, que deseja permanecer sempre jovem, sempre em companhia das pessoas que gosta, usufruindo dos bens e serviços que lhe dão prazer. Mas tudo muda. Existe uma lei na natureza manifestada que concede cada vez menos prazer a cada vez que repetimos uma experiência prazerosa. Para termos a mesma experiência prazerosa deveremos trabalhar mais, despender mais energia, estar mais atentos aos detalhes que geraram aquele prazer, o que torna a experiência cansativa. Por outro lado, se tudo está sujeito à mudança, a impermanência  é a Lei mor geral de tudo, de forma que ao nos apegarmos ao que tem início, meio e fim, estaremos cavando dores para nós mesmos. Porque aquilo que queremos tanto já  não é mais como era, mudou, e acabou!!! Por não compreendermos como as coisas são finitas, sofremos. 

A segunda maneira de expor a problemática dos sofrimentos - aspecto condicionado - é a seguinte: todos os fenômenos são compostos, dependentes de causas, inter-relacionados uns com os outros, impermanentes. Se eles são assim, eles são vazios de uma entidade permanente ou auto-suficiente, ou eterna. Só existem em função de outras coisas que, se deixarem de existir, também dão um fim ao fenômenos ou objeto que compunham. Por exemplo, um carro só existe em função de suas partes, se retirarmos os pneus, não teremos mais a unidade funcional “carro”. Da mesma forma o ser humano é um composto de cinco agregados, a saber: corpo físico ou materialidade (nome-e-forma), percepção, sensação, formações mentais e consciência. Cada um destes condiciona o modo de ser do outro, e vice-versa. O ser humano não é uma entidade estática, mas é este conjunto de agregados altamente inter-relacionados ( aí está a unidade corpo-mente de que os budistas tanto falam ), mas cada um destes agregados é finito, limitado. Não há nada de errado neles serem assim. O erro é nosso, achando que somos uma alma eterna, desligada dos processos da natureza que nos são externos, pensando que somos independentes ou diferentes da Natureza. Natureza vem de “natura” , “aquilo que nasce”, logo que tem um fim. Não nos vemos como finitos ou dependentes, e nessa visão, nos apegamos ao nosso corpo, às nossas sensações, às nossas percepções, à nossa consciência. O apego aos cinco agregados é sofrimento. Queremos a constância deles, e resistimos à idéia de que eles possam mudar! 

O universo é movimento. A suástica é um símbolo disto, e um dos mais belos (nada tem a ver com Hitler). “Nada do que foi será de novo igual ao que já foi um dia. Tudo passa, tudo sempre passará. A vida vem em ondas como o mar - no indo e vindo infinito...”, já dizia Lulu Santos,  justamente influenciado por esta mensagem budista. Só que nos afogamos nas ondas de apego e aversão, atração e repulsão, e assim fazemos da vida um jogo (de nossos interesses). Porque estamos cegos de como este apego e aversão estão surgindo e desaparecendo, estamos cada vez mais envolvidos nesta obscura situação. O sofrimento existe porque houve uma falha da vigilância, neste caso.

Compreender as 4 Nobres Verdades é a Correta Compreensão:
(1) a existência do sofrimento ( insatisfatoriedade);
(2) a causa do sofrimento ( ignorância-desejo );
(3) a cessação do sofrimento ( Nirvana );
(4) o caminho para a cessação do sofrimento ( Nobre Senda Óctupla ).

Isto é puro Budismo. Nós devemos aproveitar nossas vidas para vencer a ignorância. Viver na inconsciência é uma coisa muito séria e desastrosa. Como papagaios, dizemos que estamos vivendo; que somos conscientes. Mas até que ponto? Nossa consciência atual é fraca para impedir sofrimentos! Na observação pura, vemos o que é consciência, o que é dor, o que é apego, o que é felicidade. Falar  não adianta. Praticar e ver , é o que importa. 
Somos levados pelos desejos. Existem três tipos de desejos: os desejos ligados aos prazeres dos sentidos; desejo de existir e continuar existindo, seja na Terra ou num céu; e desejo de não existir , de auto-aniquilamento. Todos nós caímos numa destas categorias. O Budismo prega a libertação pela Compreensão, observando atentamente o surgir destes desejos, sem apego ou aversão. “Vede a Verdade, e a Verdade vos libertará” - sem saber do que estava falando, o Papa cristão falou uma verdade central do Budismo! A Visão clara e desimpedida é o mesmo que libertação, no Budismo. Esta Visão é fruto da Compreensão introspectiva, adquirida em prática meditativa. Nela vemos como e de onde surgem todas as coisas em nós, sem repressão, com compreensão, transformando os venenos em remédio, realizando a verdadeira alquimia que é adquirir o auto-conhecimento, e transformar a ignorância na jóia-diamante da Perfeição da Sabedoria. 

O Buddha disse que a vida é como a chama de uma lâmpada a óleo, queimando devido a combustíveis. Enquanto houver combustível, há chama. O mesmo para a vida. São diversos os combustíveis ou alimentos da mente e do corpo. São eles a comida material, o alimento mental e o alimento da sensação-percepção. Cada um dos agregados tem sua  alimentação específica, havendo o contato de cada um deles com seu alimento. Devemos nos alimentar corretamente. Hoje é uma moda  fazer a “alimentação correta”, mas e quanto às “comidas” como as idéias, percepções e sensações?  Na verdade nos entupimos de informações, na sua maior parte apelativas ao descontrole dos sentidos (sensualismo), valorizando a cobiça da sensualidade, da gula, do anelo pelas coisas materiais, em detrimento das espirituais. A humanidade atual é bombardeada com mensagens que valorizam a dependência, o vício, e coisas afins como sendo positivas. Estes alimentos são como venenos; são como o carrasco que leva voce para a guilhotina. O combustível da consciência tornou-se uma prisão. É o perigo do condicionamento adquirido que entra sem questionamento. 

Praticando a “meditação” as pessoas ganham um estado de tranqüilidade e equilíbrio na saúde . Mas aí ficam. Elas devem ir além ! Passar além, continuar ! Como o Buddha fez ! Na prática da meditação budista voce compreende diferentes coisas de diferentes formas. Nada é premeditado. Cada um tem sua capacidade.  O Budismo é mostrado como uma grande árvore, onde cada um pega aquilo que necessita. E esta árvore é a “árvore da Iluminação” , toda ela voltada para sua liberação, para a Completa Compreensão. Não é para entrar numa gaiola dourada de uma doutrina religiosa, como vemos em diversas religiões.


Devemos ter em mente que só a Compreensão advinda da Sabedoria libertará.
Tudo de Bom !