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Sujata |
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Citta, um monge indeciso |
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O General Siha |
Sujata era uma menina bonita, doce e faceira, filha de uma amília
rural próspera em Senani. Esta atraente vila situava-se nas cabeceirasdo
rio Neranjara, a oeste de Rajagaha, a capital do Estado de Magadha.
Sujata era uma garota totalmente inocente, que desconhecia sua própriabeleza, e não tinha arrogância. Toda manhã, ela ia, junto com os fazendeiros da casa, até os pastos, onde a relva crescia verde e vigorosa, e as fontes de água pura borbulhavam da terra aqui e acolá, em diversos lugares. Cercada pela beleza e tranquilidade da natureza exuberante, Sujata passava os dias envolvida com as tarefas do dia, olhando o gado, tirando o leite, e assim por diante. Todos do vilarejo a elogiavam: - "Ela é uma boa mocinha! Gostaria que minha própria filha fosse tão gentil e bondosa quanto Sujata!" Nos bancos da margem do rio Neranjara, nos arredores da vila, havia
uma grande árvore nigrodha, com um tronco muito grosso e inúmeros
galhos, que se ramificavam por todas as direções.As pessoas
do vilarejo reverenciavam esta árvore como sagrada, como a moradia
de um deus (deva). Toda manhã e ao entardecer Sujata visitava a
árvore e oferecia suas preces:
A cada ano, na noite de lua cheia do mês de Vesakha (Wesak), Sujata
preparava um prato de arroz com leite para oferecer à divindade
da árvore. Ela se esmerava no preparo deste prato, que sempre ficava
rico, grosso e delicioso. Seis anos já tinham se passado desde que
ela havia casado com o homem mais rico do vilarejo. Agora era noite de
lua cheia de Vesakha. Os raios prateados do luar cobriam os pastos e florestas,
e transformavam o rio Neranjara num rio de luzes. Sujata levantou-se muito
antes do amanhecer, junto com Punna, a serva - a quem amava como uma irmã
mais nova -, e foi ordenhar as suas melhores vacas, sob um abrigo próximo.
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A lua cheia caía em direção do oeste, e o céu
a leste já começava a clarear. Punna correu na escuridão
até a árvore nigrodha. Ao chegar lá
o sol surgiu e fez a árvore brilhar sob a luz da manhã. De
repente, Punna pulou de susto. Ao pé da árvore sentava-se
uma figura emaciada, que mais parecia um rosto humano preso a um esqueleto.
Porém, mesmo assim, a face parecia irradiar nobreza, serenidade, e santidade. - É o deus! O deus da árvore nigrodha! Punna girou nos calcanhares e correu num só fôlego, para
contar à sua patroa o que ela tinha visto. Ao ouvir ao relato, Sujata
sentiu uma alegria sem igual.
Sujata e Punna encheram uma tigela de ouro até a borda com arroz
com leite, e correram para a árvore. O dia já havia raiado,
e o homem santo continuava sentado sob a árvore, imerso em meditação.
Porém, a figura que as mulheres pensavam ser o deus da aacute;rvore
era, de fato, o Príncipe Siddhartha, que há seis anos estava
fora dos palácios de Kapilavastu, em busca da iluminação
procurando a resposta ao sofrimento para o bem de todos os seres, entre
mestres e florestas. Após ter visitado diversos reinos, e procurado
a iluminação em diversos mestres, o Príncipe Siddhartha
decidiu ficar nos arredores da vila de Senani, próximo ao Parque
dos Ascetas. Escolheu o local para realizar seus últimos esforços
ascéticos:
Ele havia passado por um jejum severo, comendo um grão de sésamo
e um de arroz por dia. Quando ele entrava no "transe sem respiração",
no qual a respiração normal é suspensa e a mente concentra-se
em si mesma, ele perdia a consciência e caía para a frente.
O Príncipe, então, decidiu-se abandonar as práticas ascéticas e quebrar o jejum. Usando suas últimas reservas de energia, arrastou seu corpo sujo de pó e feridas até o rio Neranjara. Ali, tomou banho nas águas puras do rio, e puxou-se para a margem pegando numa raiz de árvore que avançava para o rio. Sentou-se debaixo da árvore nigrodha, e ali entrou em profunda meditação. Seu corpo emaciado e magro brilhava sob a luz do sol da manhã. Foi neste momento que Punna apareceu, e viu o Príncipe Siddhartha.
Ambas as mulheres tremiam de emoção, sem tirar os olhos de cima daquele homem santo ali sentado. Ao tomar o leite preparado por Sujata, o Príncipe sentiu nova energia começando a espalhar-se pelo corpo. Levantou-se e andou até os arredores da cidade de Gaya, a uma curta distância, percorrendo as margens do rio Neranjara. Ele sentou-se sob uma figueira que encontrou por lá e entrou em um estado de meditação profunda. No amanhecer do sétimo dia após todo aquele acontecido com Sujata, o Príncipe Siddhartha finalmente logrou iluminar-se, tornando-se o Buddha, o Bem-aventurado. |
Logo as notícias chegavam a respeito de um homem santo, conhecido
como Shakyamuni, que lograra um grau de Iluminação inigualável
e tornara-se o Buddha. As pessoas comentavam que Ele havia
convertido os três irmãos Kashyapa, que eram ascetas nas florestas
de Uruvela; diziam que Ele foi ao país de Magadha e converteu Shariputra
e Maudgalyayana (estes eram discípulos de Sanjaya, eminente pensador
daquela época), junto com 250 de seus seguidores. Na capital de
Rajagaha, o rei e os principais magnatas tornaram-se seguidores de Shakyamuni.
Um dia, correu um rumor de que o Buddha estaria visitando Senani. - Ele está vindo! Dizem que a Doutrina que prega é a mais profunda! O vilarejo de Senani estava excitado com a iminente visita do Buddha.
Sujata e Punna quase não puderam conter-se de alegria, enquanto
ouviam ao sermão do Buddha. Quando o Buddha
terminou o sermão, Sujata foi à frente, prostrou-se aos pés
do Buddha, e falou:
Punna, por sua vez, seguiu o exemplo de sua patroa. O Buddha olhou para as duas, com carinho e compaixão, e fez sinal com a cabeça, assentindo. Assim, Sujata tornou-se a primeira discípula leiga da comunidade budista. Ela decorou as palavras do Buddha e procurava seguí-las sem falta. Em casa, ela servia ao marido e à sua família com diligência, cuidava das necessidades de seus servos, e fazia o melhor que podia para manter a ordem da casa. Além disso, procurava não esquecer nunca os fundamentos da religião que abraçara, e sempre que podia fazia oferendas aos monges. Como resultado, ela foi amada e respeitada não somente em sua família, mas também por todos aqueles com que ela fazia contatos. Assim, sua vida foi muito feliz e pacífica. |
(1) | Na Índia antiga e tradicional, os casamentos são arranjados pelos pais e as meninas e meninos casam-se muito cedo, ou são prometidos em casamento. |
(2) | Nas áreas rurais e nas cozinhas dos mais pobres na Índia, o esterco seco e a lenha ainda alimentam fogões, de forma que é sempre uma aventura cozinhar com fuligem, mãos e rostos sujos!!! |
Citta-Hattisariputta era um jovem fazendeiro solteiro, que vivia na
cidade de Savatthi. A cada manhã ele saía, com suas cordas
nos ombros, para os campos fora da cidade, e trabalhava até o anoitecer.
Um dia, contudo, tendo conseguido terminar todos os seus trabalhos ao meio dia, ele decidiu passar no mosteiro de Jetavana, a caminho de sua casa. Nesta ocasião, o Buddha passava seus dias neste mosteiro, localizado nos arredores de Savatthi. Ele era muito estimado na área, e o número de pessoas que iam vê-Lo pregar aumentava a cada dia. Citta pensou que seria bom ir assistir a um sermão, daquele homem que o povo dizia ter nascido príncipe, e que agora era um Buddha. No mosteiro, a paz sobressaía no meio da floresta e na luz do
outono. A quietude era total: dava a impressão de não haver
ninguém lá. Então, por detrás de Citta veio
uma voz:
Ao virar-se surpreso, ele viu que um monge veterano estava ali, de pé,
com um caloroso sorriso. Parecia que ele tinha acabado de chegar da sua
ronda diária de mendicância - sua tigela estava cheia de uma
comida, que parecia deliciosa.
Citta hesitou por um momento, mas antes que ele pudesse saber o que estava acontecendo, já tinha estendido a sua mão. O monge colocou uma porção farta da deliciosa comida na mão de Citta. A comida era do tipo que um camponês como Citta raramente provava. Citta engoliu-a, com fome. Como era indescritivelmente deliciosa!
Cada vez mais o seu trabalho pesado nos campos parecia sem sentido.
Naquele mesmo dia, a nova vida de Citta como monge começou. Mas em poucos dias ele descobriu que a vida de um monge budista não era tão confortável quanto pensava. Primeiro, havia diversos preceitos a serem observados. Tinha-se que praticar a meditação sentada, de manhã até a noite. Em certas horas, o monge tinha de sair mendigando pela Savatthi. E haviam certas tarefas a serem cumpridas, passadas pelo monge superior que havia sido apontado como instrutor pessoal do novato. E, nos momentos livres, Citta tinha de aprender de cor a recitar a Lei, memorizando-a. com relação à boa comida, que ele foi atrás ao se converter, viu que tudo que comia tinha sido comida misturada e ensossa. Nem uma só vez tinha aparecido aquela comida deliciosa que ele havia provado com aquele monge... Pouco mais de um mês tinha se passado, e Citta estava pronto para
desistir:
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Citta fugiu do mosteiro na surdina naquela noite, e correu para sua
antiga casa. Na manhã seguinte, retornaria ao trabalho nos campos.
Mas após três dias, foi atacado por uma sensação
de vazio. E começou a sentir falta da vida monástica, que
parecia tão severa. Ele lembrou-se dos monges mais velhos, que se
esmeravam por cuidar e ensinar aos monges novatos, e da vida que levavam,
livres de tumultos e apegos - agora ele pensava como tinha sido bom. Citta
viu-se de novo na estrada, a caminho do mosteiro de Jetavana.
Ele aproximou-se do dormitório dos monges, com medo, mas os monges o receberam como se nada tivesse acontecido. Isto o aliviou tremendamente, e pensou: - Desta vez vou manter meu treinamento, não importando quanto tenha de me esforçar. Devotar-me-ei ao estudo dos Comentários. Citta lembrou-se de quando era criança, sendo elogiado por sua inteligência. Ele encorajou-se com o pensamento de que ele também poderia tornar-se um bom monge e atingir a iluminação. Agora ele se atirou ao treinamento religioso com toda energia. Mas após um ano, ele ainda não estava livre de paixões atormentadoras (2). Então, uma tendência à preguiça e má-vontade tomou conta dele, e ele começou a pensar na vida que levava antes, envolta nos prazeres dos sentidos: - Esta vida de monge não é para mim. Por que estou desperdiçando meu tempo desta maneira? Cheio de vergonha, Citta mais uma vez fugiu do mosteiro à noite
e correu para casa. Ele descobriu, contudo, que não poderia fugir
à sensação de vazio existencial ou frustração,
que crescia mais forte a cada dia. Não importava o que fizesse,
um sentimento de solidão insuportável o atacava. E assim,
não havia nada mais que pudesse fazer que não voltar ao mosteiro.
Quantas vezes ele passou por este processo - se afastando e retornando
à vida monástica? Não importa o quanto ele tentasse,
parece que ele não conseguia conquistar sua ilusão pessoal.
Numa ocasião ele encontrava-se no Parque das Gazelas, de Baranasi
(Benares), na terra de Kasi, praticando na companhia do Buddha.
Um outro monge muito amigo de Citta interveio, dizendo:
Mahakotthita assentiu com a cabeça e respondeu:
As palavras de Mahakotthita resultavam de uma preocupação sincera e compassiva por Citta, mas Citta prestou pouca atenção a isto e, como resultado, estava prestes a desviar do Caminho, e desta vez, de uma forma muito séria. |
Citta tinha ido com o Buddha para a região de
Kuru, localizada a nordeste do reino de Kosala. Ele permaneceu na vila
de Kammasadamma, pregando a Lei a todas as pessoas da área. Ele
era respeitado por todos e teve muitas oportunidades de se socializar amigavelmente
com os locais. Gradualmente ele veio a sentir profunda inveja da vida agradável
dos leigos.
- Eu já tenho anos de prática e sou versado nos Comentários. Com certeza, eu não vou regredir se me misturar um pouco com as pessoas. Assim ele pensou, e quanto mais ele se associava com leigos e não-adeptos, seu coração começou a endurecer para as coisas espirituais, abrindo brechas nas regras monásticas, como tomar bebidas alcoólicas e tendo contatos com o sexo oposto. Relatos da conduta errônea de Citta chegaram à Sangha, e o Venerável Ananda, o atendente pessoal do Buddha, foi até a vila de Kammasadamma em mendicância e para ver por si mesmo. Ananda entrou na vila pelo amanhecer e logo chegou ao portão da casa onde disseram que Citta estava. Olhando dentro, ele viu Citta dormindo, o hábito do monge jogado ao lado, deitado ao lado de duas jovens mulheres. Ele passara a noite "divertindo-se". O Venerável Ananda suspirou profundamente. Então Citta sentiu que havia alguém de pé no portão da casa. Ele levantou-se tremendo, suportado pelas duas mulheres, e aproximou-se do portão. Então ele reconheceu quem estava lá. Sua embriaguez pareceu sumir à medida que ele esfregava os olhos várias vezes. Não - não havia engano - era realmente o Venerável Ananda que estava ali ao sol da manhã. Ananda olhou para ele com olhos cheios de tristeza. Citta sentiu como que um choque percorresse todo o seu corpo - como se tivesse sido atingido por um relâmpago. Ele se atirou aos pés de Ananda e ali ficou, imóvel. Então seu corpo começou a convulsionar com soluços. Retornando da casa de Citta, Ananda relatou o que viu para o Buddha:
Shakyamuni aquiesceu com a cabeça e respondeu:
E assim foi. Sete dias depois, Citta veio a ter com Shakyamuni, pedindo para ser readmitido na Ordem como um monge de baixo escalão, expressando profundo arrependimento pelo seu erro. Foi assim que Citta caiu nas garras da paixão vez atrás de outra, mesmo após ter tornado-se monge. Eventualmente, contudo, ele veio a se conscientizar que não havia outro caminho para ele, exceto o da Lei budista. Então, devotando-se completamente à sua prática, ele logrou o primeiro estágio de santidade, de "não-retorno", e mais tarde o estado iluminado como um Arahant. Contudo, haviam uns monges que não podiam acreditar que Citta havia obtido o estágio de "não-retorno", por causa de seu comportamento passado. Mas ele não se chateava com tais comentários. Ele passou o resto de seus dias devotando-se à sua prática e a pregar a Lei. Todas as suas ações estavam de acordo com o que pregava. Com o tempo, ninguém mais veio a duvidar, e todos os companheiros monges vieram a respeitá-lo profundamente. A história de Citta é uma questão de bagagem espiritual, e conseqüente purificação como monge. No Dhammapada encontramos as seguintes palavras do Buddha
em louvor de Citta-Hattisariputta:
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(1) | Esta tradição ainda existe nos países do sudeste
asiático. Os monges, do mais graduados até os menos graduados,
saem, muitas vezes descalços, para coletar alimentos, de manhã
bem cedinho. Mas os monges não pedem nem podem pedir. Quem quiser,
dá a comida quando eles passam, calados. Ou os monges de um mosteiro
são convidados para o desjejum ou celebração especial.
Vemos isto especialmente na Tailândia, na Birmânia, Camboja, Laos, e Sri Lanka, e é uma tradição que vem desde os tempos do Buddha. Os tempos hoje são outros, e quantas críticas os adeptos da tradição Theravada já não sofreram por levar este modus vivendi ! A prática da mendicância é tida como polimento espiritual (simplicidade, voto de pobreza), e não como meio de vida dos monges. Além do mais, com o estabelecimento do Budismo pelos países, os mosteiros sempre cumpriram um papel social, como centros de educação não só religiosa, mas também secular, ou centros médicos e de aconselhamento para a população em geral. |
(2) | O que o Budismo chama de paixões são quaisquer tipo de desejos e sentimentos, enraizados no apego, que nos dominam e nos tiranizam. |
Vesali, a capital da Confederação dos
Vajjias, era uma das seis grandes cidades, ao lado de Rajagaha e Savatthi.
Sua prosperidade, como centro comercial, impressionava a todos os visitantes
(1).
O Buddha Shakyamuni começou a visitar a área para pregar
a Lei logo após a Sua Iluminação. Como resultado disto,
muitos moradores da cidade foram convertidos, e eles construíram
o mosteiro de "Telhados Altos", nos arredores de Vesali. Na ocasião
desta história, Shakyamuni estava residindo neste mosteiro.
A nobreza da Confederação dos Vajjias estava realizando
uma reunião no salão público de Vesali. O salão
estava lotado com representantes de todas as partes da Confederação
e, no meio das discussões públicas, aconteceu que alguém
mencionou alguma coisa sobre o "asceta" Gautama. Ele e Sua Doutrina foram
altamente elogiados por muitos dos presentes:
Agora Siha estava ali, ouvindo o "asceta" Gautama ser altamente elogiado
pelos presentes, e ele teve a vontade de conhecê-Lo, visitá-Lo
pelo menos uma vez.
Naquele dia mesmo, a caminho de sua casa, General Siha foi visitar seu
mestre, Nigantha Nataputta, e lhe disse:
Siha falou assim, na esperança de poder refutar Gautama na primeira
oportunidade, se Ele estivesse pregando uma doutrina "falsa". Mas o mestre
jainista proibiu-o, dizendo friamente:
Assim repreendido, General Siha não teve outra escolha a não
ser desistir do plano de ir conhecer o "asceta" Gautama.
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Com seus modos suaves e gentis e uma aparência nobre, a forma
do Buddha parecia irradiar luz. Só por vê-Lo, Siha foi tomado
pela emoção, e seu corpo tremeu. O Buddha notou que Siha
olhava-O à distância, firme e sem pestanejar. O Buddha sorriu
e fez sinal para que o general se aproximasse e sentasse próximo.
O general fez uma reverência.
- General Siha, o senhor tem alguma coisa para me dizer, ou perguntar? Siha olhou para o Buddha e disse:
O Buddha respondeu gentilmente:
General Siha ficou surpreso com a positividade da resposta dada pelo
Buddha. Sem uma só palavra de crítica para com os outros
mestres, Ele conseguiu usar as palavras mal-intencionadas dos outros para
demonstrar a Sua própria doutrina.
Enquanto ouvia o Buddha respondendo tão calma e razoavelmente,
um sentimento de profunda fé surgiu em Siha: "o asceta Gautama
é verdadeiramente aquele que percebeu a verdade. Ele seguramente
é um Buddha que, pelo poder da Sabedoria e Compaixão, transforma
tudo o que é impuro em puro, e todo mau Karma em bom". Cheio
de alegria, ele fez uma reverência e disse ao Buddha, com toda a
sinceridade:
Contudo, para sua grande surpresa, o Buddha não aceitou o pedido:
Siha não podia acreditar no que estava ouvindo. Quando ele tornou-se adepto do Jainismo, os monges jainistas saíram pelas ruas com bandeiras, que anunciavam orgulhosamente a conversão de um homem tão influente e nobre... Ainda assim, o Buddha pedia para que ele refletisse cuidadosamente antes de tornar-se um budista. Siha estava profundamente comovido: "o Buddha não tem o mínimo interesse de se aproveitar de minha pessoa influente para o benefício de Sua Ordem religiosa; Ele pensa somente na propagação da Lei". De novo Siha fez uma reverência refez seu pedido:
General Siha sentiu seu coração esquentar. Os monges jainistas sempre falaram mal do Buddha, dizendo que Ele ensinava que somente aqueles que faziam oferendas à comunidade budista é que ganhariam mérito. De fato, o Buddha, longe de trabalhar somente pelo benefício de Sua própria Ordem, disse que Siha deveria continuar a dar suporte aos monges jainistas, mesmo se convertido ao Budismo. O que mais poderia exemplificar melhor o espírito de caridade, de religião verdadeira e virtude? Siha não tinha mais qualquer dúvida ou hesitação.
Pela terceira vez prestou humilde reverência ao Buddha e falou:
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Tendo sido aceito como discípulo, General Siha logo pediu para
que pudesse fazer oferenda de alimentos para a Sangha budista, e o Buddha
concordou. Cedo na manhã seguinte, General Siha e seus atendentes
receberam reverentemente a Shakyamuni e seus monges, que foram levados
a um salão, onde os lugares e as refeições já
estavam prontas esperando. Quando o Buddha e os monges terminaram a refeição,
Siha chamou todos os membros da casa e pediu que o Buddha falasse algo
sobre os méritos de se fazer oferendas. Shakyamuni respondeu:
- Aquele que dá generosamente para aqueles em necessidade obtêm os seguintes benefícios: 1- é amado por todos, 2- tem sempre amigos, 3- é respeitado por todos, 4- não sente vergonha ou medo perante seus semelhantes. Além destas quatro coisas, General Siha, existe ainda um benefício futuro que é renascer nos planos divinos de beatitude, devido à generosidade nesta vida. General Siha ouvia atentamente às palavras do Buddha, e disse:
O Buddha Shakyamuni então ensinou a Siha as Quatro Nobres Verdades
e o Nobre Caminho Óctuplo, e retornou com seus monges para o mosteiro
de Telhados Altos. Siha e seus atendentes, tendo encontrado tão
nobre doutrina pela primeira vez, estavam muito felizes. Então Yasomati,
sua filha, com os olhos brilhando de felicidade, fez um pedido ao general:
Siha sabia que Yasomati era uma jovem talentosa e virtuosa, e assim ele convidou o Buddha e aos monges para tomarem o desjejum da manhã seguinte, desta vez o convite em nome de Yasomati. Após ouvir o Buddha pregar, Yasomati fez votos de trabalhar para a iluminação e assim lançou a fundação de um futuro feliz, pela prática regular da doação generosa. Além disto, a sobrinha de Siha, chamada Sihah, ao ouvir aos sermões do Buddha, foi prontamente tocada, que acabou por pedir a permissão de seu tio para entrar na Ordem como monja. O general concordou e o Buddha a admitiu na Ordem. De acordo com o Therigatha (Hinos das Irmãs), a Irmã Sihah devotou-se arduamente à prática meditativa por sete anos, mas não logrou a iluminação, porque ainda carregava muitas paixões. Desapontada, ela foi só para a floresta, passou uma corda por um galho de árvore, e estava prestes a se enforcar, quando, neste exato momento, suas ilusões remanescentes caíram por terra e ela atingiu a iluminação. Ela viveu até idade avançada e foi reverenciada como uma monja realizada. Assim aconteceu, que o General Siha, seus familiares e atendentes, de fervorosos jainistas, tornaram-se devotos budistas, através do encontro com o Buddha. Após sua conversão, Siha continuou a realizar trabalhos de caridade, vivendo feliz, e sendo respeitado e considerado em alta estima pelo povo Licchavi. |
(1) | A Índia antiga não era um país, mas reinos diversos, alguns coligados, outros não. E o que impressiona nos sutras é a descrição de reinos prósperos, em contraste flagrante com a Índia pobre de hoje. |
(2) | Sempre houveram adeptos do Jainismo nesta área; de fato, o fundador desta religião, Nigantha Nataputta, foi um conselheiro da casa real de Vajjia. |
(3) | Faz parte da religiosidade indiana que os monges, ascetas e homens santos de suas as religiões sejam assistidos em suas necessidades diárias, sendo uma delas a alimentação. Nos tempos de Buddha, haviam diversas correntes religiosas antagônicas, que procuravam por prosélitos, assim como hoje fazem as religiões cristãs; e fazer oferendas de comida era uma conseqüência natural de se adotar uma determinada religião. Era um costume já arraigado; daí a questão ser relevante para Siha. |