E por que estamos falando de “raízes salutares” num assunto como pontos de vista? Porque vivenciá-las é a nossa única saída ! Como dissemos, a ação é precedida do pensamento - consciente ou inconsciente. E os pensamentos ou idéias são forças motrizes que alavancam o mundo. Num nível, os pensamentos e idéias são resultado de condicionamentos passados e atuais. São coisas que temos como reais, que foram criados e nutridos como sendo criações de nosso “eu”, porém a maioria deles vieram de fora: de nossos pais, de nossas culturas, de pensadores modernos, dos pensadores antigos, dos formadores de opinião, de nossos amigos, etc, etc...Tudo é introjetado na mente e não nos damos conta disto. Juntemos a esta situação um acúmulo de condicionamentos subconscientes e inconscientes, que o Budismo chama de “impurezas”, aparentemente escondidas, mas que se mostram plenamente durante aqueles estouros de raiva, na hora do medo e da avidez, quando o mundo rui a nossa volta e desejamos nos agarrar ilogicamente a qualquer tábua de salvação. Esta situação confusa é criada pela nossa condição básica de ignorantes - desconhecedores da Realidade, da nossa Realidade. A “ignorância” ou “delusão” compõe junto com a avidez ou sede dos desejos e o par apego/aversão as três “raízes insalutares”, que movem cada ato na nossa vida atribulada. Se você deseja liberação, procure viver dentro das três raízes salutares (generosidade, amor universal e sabedoria). Se você deseja sofrer, então deixe tudo como está, que as impurezas da mente e seus pensamentos correntes darão conta de todo o trabalho de gerar cada vez mais Karma que traz desconforto e sofrimento.
Os pontos de vista ou idéias são expressões de nossos pensamentos. O Buddha nos deu um critério para que avaliássemos que tipo de coisa vale a pena nutrir em nossas mentes, e o que vale a pena ser descartado, ou ao menos controlado...Se nutrirmos pensamentos que forem baseados em Sabedoria, Amor-Compaixão, generosidade, desapego etc, então podemos esperar os melhores resultados. Se nutrirmos pensamentos baseados em ignorância, delusão, avidez, raiva, ódio, medo, cobiça, inveja, angústia, etc, então podemos esperar os piores resultados. Uma vez que a humanidade age mecanicamente conforme seus pontos de vista, idéias e crenças, é de importância crucial não somente para nossa própria liberação, como também para a paz mundial que as pessoas aprendam a reconhecer (em meditação) o conteúdo de seus pensamentos, idéias e crenças. Para quem viu o Globo Repórter do dia 08/08/97, canal 4 da Globo do Rio, e outros programas similares sobre seitas e o supermercado religioso, saberá que os pontos de vista religiosos são capazes de matar e gerar matanças. Existem inúmeros exemplos pela história antiga e moderna; desnecessário seria descrevê-los. Da mesma forma, as idéias políticas também causaram muita mortandade. E qual o balanço geral disto tudo? A humanidade está mais esclarecida com toda essa multiplicidade de idéias? Somos todos realmente fraternos? Aprendemos realmente alguma coisa que nos torne mais humanos? O que vale mais a pena: lutar por uma idéia ou realizar a transformação interior? Enquanto a humanidade como um todo não perceber este ponto, a fraternidade humana ainda será uma quimera.
O critério que o Buddha nos apresenta é muito claro, simples e direto: se as idéias e crenças que você alimenta tão bem em seu coração perpetua a raiva, a má-vontade, a ignorância, a separação, o medo, a avidez, a delusão, a confusão, a inquietação, a insatisfação e sofrimentos - para si próprio e para os outros -, você ainda não entendeu o que é essencial na vida e está perdido, mesmo que estejas dentro de um caminho dito religioso. Se as idéias e crenças que você alimenta em seu coração resultam em amor, boa-vontade, compreensão, união, intrepidez, desapego, Sabedoria, clareza, tranqüilidade e paz interior, satisfação e contentamento, e liberação dos sofrimentos, então você realizou realmente sua humanidade.
Mas isto não é para ser feito de forma dogmática: “eu devo fazer isto ou aquilo porque fulano de tal disse que é para sermos bons”. É de se perceber que a tônica dos Ensinamentos do Buddha não determinam um dogma, mas uma conduta na vida, uma atitude em ação. Se você leu este papel e se convenceu que deve observar seus pensamentos e tratar os outros com mais amor e compreensão, parabéns, é melhor do que nada. Mas não é forçar a barra com “carinhas e bocas sorridentes” em encontros interreligiosos, e sim uma coisa muito mais profunda, que é engajar-se numa prática de autoconhecimento! O Budismo tem esse lado de autoconhecimento; está nessa estrada há mais de 2.500 anos, e tem tudo para ajudar a todos os gostos e temperamentos a se verem como são, a se liberarem e a desenvolverem as emoções salutares que nos trarão a Ação “correta”, plena ou perfeita - e a Felicidade para todos os seres.
No Sutra “Brahmajala” em língua páli, o Buddha analisa 62 pontos de vista que considera desnorteadores, entulho mental e perpetradores da ignorância e do sofrimento. Obviamente declarou que o que ensinava era diferente de todos esses 62 pontos. Buddha não fez isto para glorificar Seu Ensinamento ou a Si mesmo, mas por compaixão com as pessoas enredadas nos pontos de vista “errôneos”. “Errôneos” no sentido de que causam a ruína e sofrimento, e não no sentido dogmático. Então, neste Sutra ou discurso, o Sublime analisa pontos de vista com vistas à liberação, e nada mais. A seguir discorreremos sobre esse assunto e procuraremos alertar nossos leitores para a futilidade dos pontos de vistas não práticos, que são geralmente tidos na mais alta conta.
O SUPERMERCADO RELIGIOSO
A idéia de “religião” ou crença religiosa é uma das mais fortes no homem. O programa documentário da Rede Globo mostrou pessoas envolvidas com ritos e rituais diversos, como bruxos modernos, cânticos de louvores, gente paramentada com roupas estranhas, morando em comunidades de casinhas de arquitetura extravagante, clamando por curas diversas em sessões esotéricas e espirituais, e assim por diante. As pessoas preferem uma doutrina que seja vistosa e garbosa como o pavão; que traga alívio imediato, empregos e saúde, e que não requeira esforço pessoal nenhum para mudar a si mesmas. Agindo assim, elas continuam como sempre foram, com o ego mais fortalecido e mais aferrados aos dogmas das respectivas doutrinas que foram adotadas, provavelmente, após alguma cura milagrosa ou experiência mística arrebatadora.
Existe a noção geral entre os que se dizem espiritualistas, gente de índole boa e de mente “aberta”, de que “todos os caminhos levam ao Pai, ou a Deus, e que todas as religiões levam ao mesmo ponto”. Isto é de uma falácia sem igual, pois se assim fosse, o próprio Buddha teria ficado calado ou repetido meramente os dogmas do Hinduísmo, que era o universo religioso em que Ele nasceu. Caminhos religiosos e filosóficos se multiplicam a cada dia, e qual seria o critério para a escolha de um? O Sublime nos deu uma dica: primeiramente, avaliar de maneira sistemática e prática os ensinamentos e os resultados de uma determinada doutrina. As doutrinas refletem não somente um ângulo de visão da Realidade,- como dizem, uma porção da Verdade -, como também são especializações num determinado sentido. Os espíritas se especializaram em se comunicar com entes desencarnados; os cristão no exercício do amor e da caridade, os budistas se especializaram na sabedoria e na prática do autoconhecimento. São especializações de cada um destes caminhos, mas eles obviamente englobam também outros aspectos e tendências. A segunda dica que o Sublime nos deixou foi precisamente constatar para onde estas práticas e idéias religiosas nos levam. Se levam ao esclarecimento ou se nos fazem chafurdar ainda mais fundo na ignorância. Não sejamos piegas. É claro que todas as religiões dignas ensinam aspectos morais ou éticos altamente válidos - talvez sem a religião a humanidade fosse hoje ainda mais bárbara do que já é. É óbvio que religiosos de todas as raças e caminhos se desdobram em trabalhos de caridade e amor ao próximo. Mas isto é PARTE do trabalho. O outro lado da moeda seria uma via engajada no autoconhecimento, pois o sofrimento, a separabilidade, e muitos outros problemas começam dentro de cada um, em particular. Se o conflito interior se resolve, então o ambiente e pessoas ao seu redor também serão influenciados naturalmente. O Budismo é visto como um caminho de autosalvação e autoconhecimento, mas esta é a imagem vendida aqui no Ocidente pelos monges tradicionais e os ocidentais que abraçaram o Dharma. É claro que outros aspectos como serviços de caridade, aspectos místicos e religiosos também existem no Budismo, mas, como foi dito, a tônica é no cultivo de um caminho de Iluminação, porque é realmente o mais básico.
Assim, cada religião faz um efeito. E os efeitos são testemunhos evidentes do que os caminhos religiosos são capazes. “A árvore se julga pelos seus frutos”, não é verdade? Agora que efeito teria a religiosidade cristã, muçulmana, budista ou hindu sobre as pessoas? Poderíamos relatar diversas coisas, mas como este manuscrito não se destina a ferir princípios religiosos alheios, basta-nos pensar no quesito “esclarecimento”: Onde se encontra mensagens esclarecedoras de como suportar os sofrimentos, como trabalhar a mente, e uma explicação integral da vida e seus problemas, como resolvê-los? Onde se encontram ferramentas poderosas para o desenvolvimento do amor, da compaixão, e da Sabedoria? Onde você já ouviu uma mensagem do tipo das “Quatro Nobres Verdades”, “Caminho Óctuplo”, “As Três Características da Existência Condicionada”, “Natureza da Mente”, ou os “Elos da Originação Dependente” ? Por acaso o padre da igreja lhes ensinou como ser menos ávidos, menos egoístas, ou só disse que vocês deveriam ser assim, sem explicar como? Será que um mulá muçulmano explicaria a você porque a gente sofre? Ou será que um brâmane, da casta superior hindu, saberia dizer com todas as letras como acontece nosso condicionamento neste mundo de Samsara? Talvez um rabino pudesse discorrer sobre os estados mentais salutares e insalutares e como afetam nossas vidas? Não. Não se trata de “puxar a brasa” para o lado dos budistas , mas realmente pergunte estas coisas a um monge budista, que ele te responderá, porque esta é ou deveria ser a sua especialidade. Os sacerdotes não tem em suas doutrinas uma psicologia de mente profunda como a exposta pelo Iluminado. Se por acaso vocês já presenciaram um sacerdote destes ensinando sobre esses assuntos, ou eles estudaram o Budismo teórico, ou aprenderam sobre estas coisas através da contemplação vida, pois em verdade os Ensinamentos do Buddha, não sendo dogmas, são visíveis para qualquer um que tenha olhos para ver e aprender com as experiências do dia-a-dia. Isto eqüivale a dizer: que tenha um mínimo de prática introspectiva. Então esse conhecimento lhe veio de forma não ortodoxa, não pelos dogmas deles. Tais ensinamentos tem a ver com a nossa natureza mais básica, e nada a ver com um dogma. Padres, mulás, rabinos e sacerdotes estão doutrinariamente muito mais preocupados em justificar e glorificar seus objetos de devoção, do que ajudar a humanidade em nível tão básico e “feijão-com-arroz” como fazem os budistas. O resultado desta tendência ideológica reflete no modo de agir de cada grupo, e individualmente sobre cada leigo. A ideologia budista é muito mais básica, compassiva, e “essencial” do que suas congêneres mundiais.
Qual é a conclusão de todo este raciocínio? De que a maior parte de humanidade parece brincar de religião; que as pessoas tem um “passatempo espiritual”. Vocês já tiveram a oportunidade de conversar com alguém fervoroso de alguma religião ou seita? A maioria das pessoas assim eram e são muito sofredoras, e o conforto psicológico que o dogma traz oculta a confusão mental delas. Muitas vezes tais pessoas são assim também porque foram “agraciadas” com alguma cura ou favor concedido. Ora, isto é tão velho quanto o mundo. Se obter uma “graça” é critério para avaliação da veracidade de uma doutrina religiosa, então todas as doutrinas são 100% verdadeiras, pois encontramos o fantástico, os “milagres”, as “graças” e as curas espirituais em toda a parte, seja entre espíritas, cristãos, budistas, índios, esotéricos e tantos outros! Mas para tantos a obtenção de uma cura espiritual, favor ou emprego é um sinal de veracidade da fé, e a conversão se processa. Na verdade é uma conversão externa, melhor seria dizer “perversão”, pois a mente da pessoa estará tão irremediavelmente apegada e virada para a adoração do fantástico, que nada mais terá penetração, mesmo que seja infinitamente superior ou melhor. A pessoa se agarra neste rótulo, e descarta todos os outros. A verdadeira “conversão” é a transformação interior, que se livra de rótulos, como o Buddha quer que façamos.
Mas falamos de casos bem sucedidos de obtenção de “graças”.
E o que dizer dos casos não respondidos ou correspondidos; de gente
que pede isto e aquilo outro e não o obtém? Com certeza
os casos de falha são bem conhecidos, mesmo pelos mais fanáticos,
de gente que não voltou a ver, não voltou a andar, nem conseguiu
aquele emprego...É por isto que ainda tem tanta gente pulando de
religião em religião, pois elas estão procurando pela
satisfação das necessidades do ego, ao invés da diminuição
desse mesmo ego. As pessoas não se dão conta de que
por mais que existam seres “do outro lado”, dedicados a ajudar a humanidade,
eles não tem o poder de mudar aquele Karma poderoso que é
nosso e temos de suportar de qualquer maneira. Nós devemos
fazer o primeiro movimento de “abrir a janela”, de forma que do outro lado
haja uma resposta também vindo em nosso auxílio. Mas não,
queremos tudo de mão beijada. Daí certas coisas não
acontecerem para nós ou demorar a acontecer...
A humanidade está vivendo um passatempo espiritual porque não
se conscientizou do papel ativo que tem no plano divino das coisas, e só
quer saber mesmo “o que o Buddha ou o Cristo podem fazer por mim?“,
ao invés de terem a disposição do “que posso melhorar
em mim mesmo?”. Assim, não nos admira que certas religiões
e seitas se resumam em cantar hinos lindíssimos, rituais elaborados,
e as pessoas continuem sofrendo das mais variadas formas, neste mundo
- e no próximo!
Como tudo neste mundo é plural, tenhamos cuidado com o supermercado
religioso e esotérico. O fenômeno religioso é muito
complexo e cheio de surpresas. Apliquem os critérios ensinados pelo
Buddha. Saibam realmente distinguir o que é essencial.
Espiritismo cura
Cristianismo cura Sabedoria xamã também cura. Mas não curam a ignorância. Messiânica cura
Medicina tibetana,
Existe Deus; existem deuses e divindades,
Rituais ajudam,
Jesus é lindo,
Existem fenômenos psi, e sobrenaturais,
Desdobramentos, viagens astrais, clarividência, telepatia, levitação...
Banhar-se nos rios sagrados,
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Mas a IGNORÂNCIA continua ao lado de tudo isto. O que temos de descobrir é o que é essencial. Sabendo o que é essencial, tudo isto será visto como fenômenos que existem no mundo, como a chuva, o sol, a noite e o frio e o calor. Cada um com seu papel importante, mas não definitivos. Cada um traz seus benefícios, mas não são absolutos no final.
Não são realidades absolutas.
Devem ser vistas como limitados. Devem ser vistas como uma ajuda no Caminho. Mas não como o Caminho em si. Pois o Caminho é interior. Cada um por si se conhecendo e se transformando. E atingindo finalmente o que é ESSENCIAL : a inocência da mente. |
Este verso “iconoclasta” diz que todas estas coisas estão aí no mundo, existem realmente, mas trazem resultados e benefícios relativos. Não estamos negando a realidade de cada um desses caminhos ou fenômenos. O que queremos dizer é que muitas coisas estão aí no mundo, podendo tanto ajudar como atrapalhar, e que nada se compara à liberdade obtida pelo autoconhecimento - a Paz interior, o doce controle “sem força” de nossas mentes. A sanidade mental é o maior bem que se pode ter. Nenhuma doutrina lhe dará esta sanidade. É uma conquista, é um trabalho de vida. Para um ser humano, nada mais essencial do que realizar o conhecimento de si mesmo e de sua humanidade. Todo o resto é coisa para preencher o tempo e o vazio existencial de nossas mentes - passatempos espirituais.