NAMO BUDDHAYA - NAMO DHARMAYA - NAMO SANGHAYA !

SOBRE O APEGO

"O não-apego é um dos mais importantes Ensinamentos do Budismo. Na verdade, a vida de Iluminação é o Caminho do não apego. A maioria das perturbações da vida são causadas pelo apego. Ficamos aborrecidos, preocupamo-nos; tornamo-nos avarentos, queixamos ignorantemente e temos toda sorte de complexos. Todas estas causas de infelicidade, tensão, teimosia, tristeza são devido ao apego. Se você tem qualquer problema ou preocupação, investigue-se, e descobrirá que a causa é o apego.
Rev. Gyomay M. Kubose - Chicago

Todas as perturbações são causadas pelo apego. o apego está intimamente ligado à estrutura do ego. O ego procura a saciedade e segurança fora de si, e quase nunca em seus próprios recursos interiores. Daí, qualquer contrariedade a seus padrões e expectativas são sempre um aborrecimento. Pois o ego é extremamente conservador e odeia ser contrariado. 

Avareza é o apego do ego por suas experiências e pertences. Teimosia é o apego do ego às próprias idéias e desejos. Tristeza é o apego do ego às coisas que não pode obter ou manter. 

Apego é gerado por querer e desejar. A mente que procura satisfação exclusivamente neste mundo instável por natureza, está fadada à infelicidade. 

"Todos os seres almejam a felicidade...", diz um trecho do Dhammapada. E, na busca, os homens se embrenham nas mais diversas façanhas. E por qual motivo os homens se embrenham em tais ações? Porque eles esperam, conscientemente ou não, obter a felicidade delas. Por fim, acabam apegados aos frutos das ações, isto é, apegados aos resultados das ações, desejando sempre a repetição. 

Não-apego significa renúncia aos frutos que as ações possam trazer. Devemos ter em mente que ações e intenções trazem resultados correspondentes, e por isto evitar as ações e intenções para nós desfavoráveis. Entretanto, renunciar aos frutos das ações não significa deixar de agir no mundo, e sim agir livremente sem esperar recompensas. Talvez isto seja muito difícil para a nossa mente habitual, que só age em função de um resultado, e isto eqüivalha a um ideal muito alto. Não se pode dizer isto, também...O fato é que, se fizermos algo pensando nos frutos das ações, então, de acordo com o resultado, ficaremos tristes ou felizes. Devemos interiorizar este questionamento, que gerará um certo conflito; mas desse conflito obteremos algum crescimento, se pensarmos no aparente paradoxo de agir por agir, sem esperar as recompensas (a gente só espera recompensas, nunca os dissabores...). 

Não-apego não é desinteresse pela vida, mas total liberdade em relação às "dez mil coisas". Não-apego é indicação de uma mente equânime. 

Geralmente temos uma idéia niilista, ou negativa, à respeito de "não-apego". Isto não é a cessação das experiências, mas a plena fruição das coisas. A tentativa intelectual é que é niilista, anuladora, pois não-apego é fruto da vivência daquele que, pelo autoconhecimento, descobriu o seu Caminho do Meio, se afastando de todos os extremos. É um paradoxo: agir no mundo, sem esperar retornos, e aí encontrar a felicidade! A não-ligação e o esquecimento de si mesmo são evidências de não-apego. Devemos saber que o ponto de vista budista nunca advogou a destruição dos desejos, sensações ou das experiências. Não é possível fazê-lo, já que o ego, desejo e corpo são inerentes à manifestação e materialidade. O que o Budismo advoga é a compreensão da natureza dos desejos e, por meio dessa compreensão, naturalmente canalizar as energias desperdiçadas com o saciamento dos sentidos em direção da espiritualidade. 

Desejo é um dispêndio de energia dirigido para fora de nós. São como âncoras jogadas em areia movediça ou num mar tempestuoso, de modo que nunca se estabilizam. Porque o mundo é impermanente, inconstante, em eterna mudança a cada instante; e o desejo gera o apego. O turbilhão do mundo torna-se mais forte, e arrasta nossas âncoras. O apego, por sua vez torna-se mais forte, procurando manter as coisas, que fogem ... Surge o conflito. 

A impermanência ou mutabilidade do mundo não são sozinhas as causadoras do sofrimento. Nós sofremos porque ainda realmente não enxergamos como as coisas no mundo são mutáveis e, na presunção de que tudo aparenta ser eterno, não damos a devida consideração à extensão (conseqüências) de nossos atos. Desse jeito, agimos na ignorância, e desejamos de qualquer maneira a constância e permanência de coisas e pessoas. Como coisas finitas podem ser fonte de perene e eterna felicidade? 

O apego é a mola mestra de todo o sofrimento. A mente atenta, ou alerta, não se apega. Ela vê pensamento como sendo pensamento, sensação como sendo sensação, tendências mentais como sendo tendências mentais, felicidade como sendo felicidade, tristeza como sendo tristeza. Partes de um grande PROCESSO; fenômenos da Natureza, que quando ocorrem no ser humano, deram o complicado nome de "fenômenos psicofísicos", que são um conjunto de sensações, tendências mentais cármicas, volição, e muitos outros fatores. "Mente" é um conjunto de uma série de estados diferentes que, por funcionarem interligados e numa extrema velocidade, geram um padrão repetitivo que dá-nos a idéia enganosa de sermos um ego pensante, ilusoriamente auto-suficientes e independentes do meio que nos cerca. 

Aquele que conhece sua própria mente, sabe como não ser levado pelo apego. Não tendo nada a apegar fora de si, ou em si mesmo, desta pessoa podemos dizer que ela tem sua própria autonomia; nada gruda nela. Tudo passa por ela, menos sua vida, que agora está nas suas mãos. Nós, enquanto nos deixamos tiranizar pelos pensamentos de tristeza, de cobiça, de medo, ou mesmo de raiva, angústia e aversões, é que somos dominados por estas coisas e não temos realmente liberdade... 

O Senhor Buddha por diversas vezes falou-nos de como somos parecidos com robôs, zumbis, com um nível de consciência muito pequeno, padecendo de doença; iludidos. Ele nos fala, em contraste, como Ele havia descoberto aquilo que O acorrentava ao mundo (antes de Sua Iluminação), que é a ilusão do eu, e a quem Ele chamou de "o arquiteto da casa". O eu é aquele que constrói o mundo com seus conceitos e imperfeições, e o Buddha viu o Seu próprio artífice "construindo" a prisão. Parou-o, declarando : "Conheço-te agora, oh artífice, não mais construirás sua casa, quebradas estão as vigas e cumeeira...", conforme se lê nessa passagem do Dhammapada, que narra poeticamente a Visão interior do Buddha

O Buddha é chamado de Jina, o Grande Vitorioso, porque Ele venceu e pôs termo à ilusão, ignorância e apego, e a todos os estados mentais e corporais desequilibrados gerados consequentemente. Ele nos diz: "O maior dos conquistadores não é o que, na batalha, vence milhares de homens, mas o vencedor de si mesmo". 

Espiritualidade não é acender velas, incenso, ou qualquer outra demonstração externa de religiosidade. Espiritualidade não é acreditar em santos, fazer promessas, ou pedir a intervenção divina com orações egoístas. Espiritualidade é cuidar de se conhecer cada vez melhor, extirpando as sementes de egoísmo, raiva, ódio, ilusão e auto-conceito; dedicando esta melhora própria ao bem-estar de todos os seres, sejam humanos ou não, vivos ou não. Não é tarefa fácil, pois o peso de milhares de vidas dedicadas na direção oposta é muito real, mas não há trabalho maior para o ser humano, enquanto ser realmente HUMANO. É possível conseguirmos resultados mesmo nesta vida, e o Buddha é a maior prova de que, Ele, já tendo passado por nossa condição humana, atingiu a Perfeição. 


 "Esses filhos são meus, essas riquezas são minhas. Tais são os pensamentos que atormentam os tolos. Ele não é senhor de si mesmo, muito menos lhe pertencem filhos e riquezas",   disse-o bem o Sublime.  
Hoje em dia, as pessoas anseiam por adquirir novas experiências, e fazer coisas diferentes, tentando evitar fazer a mesma coisa, o que é encarado como sendo o desenvolvimento.
No entanto, para a mentalidade oriental genuína, esse não é o caminho para encontrar a realidade (é um passatempo). Na concepção oriental, para se chegar a esse resultado (o desenvolvimento), é preciso concentrar a mente humana sobre algo repetitivo, a fim de que possa aprofundá-la ainda mais, continuamente, até que essa unidade se transforme num valor interiorizado. As menores e mais simples coisas da vida tem um imenso valor.
Carlos Lessa