NAMO BUDDHAYA - NAMO DHARMAYA - NAMO SANGHAYA !

UM FRAGMENTO DE UM SERMÃO DE BUDDHA

    E Buddha assim falou, diante do Rei: 
    "Não trateis de medir com palavras o lncomensurável, nem pretendais aprofundar a sonda do pensamento no Impenetrável!... Aquele que interroga se engana, o que responde também se engana. Nada dizei!

    "Os livros ensinam que es trevas existiam antes de todas as coisas e Brahma meditava só, na noite. Não procureis aí Brahma nem a Origem! Nem Ele nem nenhuma luz pode ser vista com olhos mortais, nem conhecida com o auxilio do espírito humano; um depois de outro se levantarão os véus, porém é necessário que haja véus e mais véus atrás dos primeiros. Os astros seguem seu curso e não perguntam.

    "Basta que a vida e a morte, a alegria e a dor permaneçam, assim como a causa e o efeito e o curso do tempo e a maré incessante da existência que, sempre mudando, corre sem interrupção, como um rio, cujas ondas se sucedem lentas ou rápidas, as mesmas, embora diferentes, desde sua longínqua nascente até o mar, onde vertem.

    "O mar, evaporando-se ao sol, restitui ao rio as pequenas ondas perdidas, sob a forma de ligeiras nuvens que gotejarão do alto das montanhas e correrão de novo sem trégua nem repouso. Isto basta para compreender as aparências, os Céus, as Terras, os mundos e as trocas que os modificam; roda poderosa que gira, movida com afinco pela luta e força, sem que ninguém possa detê-la nem ir em sentido inverso do seu movimento. Não supliqueis! Não se iluminarão as trevas. Não peçais nada ao silêncio, porque não poderá falar! Não atormenteis com piedosos sofrimentos vossos espíritos aflitos!

    "Ah! Irmãos, irmãs, não espereis nada dos deuses implacáveis, oferecendo-lhes hinos e dádivas; não pretendais conquistá-los com sacrifícios sangrentos; não os alimenteis com frutos e pastéis; temos que procurar a nossa libertação em nós mesmos. Cada homem cria seu cárcere; cada um têm tanto poder como os mais poderosos; porque para todas as Potências, que estão em cima, ao redor e debaixo de nós; como para as criaturas de carne e tudo o que vive, o ato é que faz a alegria e o sofrimento.

    "O que foi traz o que é e o que será, pior ou melhor, o último para o primeiro e o primeiro para o último; os Devas e os céus bem-aventurados recolhem os frutos do seu passado santo; os demônios nos submundos devem apagar as ações más que em outro tempo cometeram; nada dura; as belas virtudes caem em ruínas com o tempo, assim como os pecados imundos se purificam. Aquele que penou como escravo pode voltar mais tarde como Príncipe, graças às suas virtudes benéficas e aos méritos que adquiriu; quem foi Rei pode vagar sobre a terra esfarrapado, por causa das coisas que fez e das que deixou de fazer. Podeis elevar vosso destino acima do de Indra e fazê-lo descer mais baixo que os vermes da terra ou o átomo; miríades de existências terminam no primeiro resultado e outras no segundo. Mas enquanto gira a roda Invisível, não há paz nem trégua nem parada; aquele que sobe pode cair e o que cai pode subir, pois os raios giram incessantemente.

    "Se estivésseis sujeitos à roda da transformação sem que houvesse meio de romperdes as vossas cadeias, o Coração do Ser Infinito seria uma maldição, e a Alma das Coisas uma dor cruel. Porém não estais irremediavelmente ligados à cadeia das metamorfoses! A Alma das Coisas é suave; o Coração do Ser possui uma paz celeste; a vontade é mais forte que a dor; o que era bom se torna melhor e depois excelente. Eu, Buddha, que chorei com todas as lágrimas dos meus irmãos, eu, cujo coração se partiu de dor pelos sofrimentos do mundo inteiro, rio agora e sou feliz porque aqui está a Liberdade ! Oh! Vós que sofreis, sabei que sofreis por vossa própria culpa. Nenhum outro vos incita ou vos retém para fazer-vos viver e morrer, fazendo-vos girar na roda da vida e abraçar e beijar seus raios de agonia, seu aro de lágrimas e seu cubo de nada ! Escutai ! Eu vos mostro a Verdade! Mais baixo que o Inferno e mais alto que o Céu, mais distante que as estrelas mais longínquas, além da morada de Brahma, há um Poder estável e divino que existiu, antes do começo e não terá fim, eterno como espaço e seguro como a certeza, que se move para o bem e que só está sujeito às suas próprias leis. É Ele(*) que faz florescer os rosais, é Ele que fabrica as folhas dos lótus; debaixo do solo obscuro e nas sementes silenciosas é Ele quem tece a roupagem da Primavera; eis aqui seu colorido nas nuvens gloriosas e suas esmeraldas na cauda do pavão real; os astros são suas moradas; a luz, o vento e a chuva seus escravos; ele faz sair das trevas o coração humano e do ovo misterioso o faisão de colo glacial; faz amável aquilo que era somente cólera e destruição.

    "Os ovos cinzentos no ninho do colibri dourado são seus tesouros; as celas hexagonais das abelhas são suas vasilhas de mel; a formiga segue seus preceitos e a pomba branca os conhece perfeitamente. Abre as asas da águia que levanta sua presa a seu arbítrio; faz regressar a loba para perto dos seus lobinhos; encontra alimento e amigos para os seres que ninguém ama.

    "Nada lha repugna nem o detém; ama tudo; faz brotar o doce leite do seio das mães; faz fluir também as gotas mortíferas que distilam os dentes das serpentes. Regula a harmonia dos globos em marcha para a abóbada infinita do céu; oculta nos abismos da terra o ouro, as sardônicas , as safiras e os lápis-lazulis. Elaborando sem cessar seus mistérios, se oculta nos verdes claros das selvas e alimenta plantas estranhas aos pés dos cedros, separando folhas, flores e fibras de ervas; mata e salva sem outro fim que realizar o Karma; a Morte e a Dor são as lançadeiras do seu tear e o Amor e a Vida os fios. Faz e desfaz corrigindo tudo; o que executou agora é melhor que o que existia antes; a obra mestra que projetou se aperfeiçoa lentamente sob suas mãos hábeis.

    "Tal é a sua ação sobre as coisas que vedes; porém, as coisas invisíveis têm mais importância; os corações e os espíritos dos homens, os pensamentos dos povos, seus caminhos e suas vontades também estão submetidos à grande Lei. Invisível, vos socorre com suas mãos benéficas; não é ouvido e, entretanto, fala mais forte que a tempestade. A piedade e o amor são a herança do homem, porque um longo esforço modelou a massa cega, dando-lhe forma. Ninguém pode menosprezá-Lo; quem Lhe desobedece perde e quem o serve ganha; retribui o bem oculto pela paz e a felicidade e o mal disfarçado pelos sofrimentos. Vê em todos os lugares e tudo percebe; sede justos e Ele vos recompensará, porém, se fordes injustos Ele vos dará o salário merecido, mesmo que o Dharma ( a Lei ) demore a manifestar-se. Não conhece nem a cólera nem o perdão; suas medidas são de uma precisão absoluta e sua balança infalível; o tempo não existe para Ele, julgará amanhã ou muito tempo depois. Graças a Ele, o assassino se fere com sua própria arma; o juiz injusto perde seu defensor, a língua falaz condena sua mentira; o ladrão furtivo e o espoliador roubam para entregar o produto das suas rapinas. Tal é a Lei que se move para a Justiça, que ninguém pode evitar ou deter; seu coração é o Amor e seu fim a Paz e a Perfeição última! Obedecei!" 


(*) "Ele" refere-se à Energia da Origem de Todas as Coisas, e não a uma Divindade com forma, antropomórfica.