NAMO BUDDHAYA - NAMO DHARMAYA - NAMO SANGHAYA !

 OS MONGES VERDES
Márcio Moreira Alves - Jornal O Globo de 23/03/2.001

O monge japonês Ryohan Shingu subiu em lombo de mula a Montanha da Várzea, em Ibiraçu, vizinho de Aracruz, no Espírito Santo, em busca de um lugar para fundar o primeiro mosteiro Zen-budista da América Latina. Segundo os ensinamentos da escola, o local deveria ser alto, no meio da natureza, ter uma nascente e ser fim de linha, um objetivo de quem o procurasse, não um ponto de passagem. 
A pequena fazenda semi-arruinada, com 140 hectares, preenchia todos esses requisitos, apesar da destruição da Mata Atlântica que a exploração do café havia causado. Foi comprada em 1974 e, durante 15 anos, a pequena comunidade monástica viveu voltada para si mesma, plantando mudas de árvores nativas e substituindo os barracões de madeira pelos elegantes templos que hoje existem. A luz elétrica substituiu as lamparinas em 1985. Em 1989, o governo estadual pavimentou a estrada com paralelepípedos, o que permitiu a integração do mosteiro com as comunidades dos quatro municípios vizinhos. Também deu acesso aos que, vindos de todos os lugares do Brasil, se interessam pelo budismo e procuram aprofundar seus conhecimentos. 
As ladeiras continuam abruptas, como as que em Minas chamam de quebra-costas, mas um carro com um bom motor consegue vencê-las. As margens estão sombreadas por quaresmeiras e hibiscos, que, nessa época do ano, florescem esplendorosos. Aliás, todo o terreno nada mais tem a ver com a terra devastada de há 27 anos. Foram plantadas 200 mil mudas de árvores nativas; abriram-se três anfiteatros gramados, para as aulas de ecologia e os encontros comunitários; a grande horta orgânica abastece não só o mosteiro como produz excedentes que são doados às escolas e às cadeias. 
O volume de trabalho fornecido pelos monges é quase inacreditável. Nunca foram mais de quatro e contaram com apenas dois colaboradores remunerados. São hoje três, mas esperam para breve a volta de uma monja, que completou três anos de formação no mosteiro Eihei-ji, fundado no Japão em 1244, por mestre Dogen Zenji, um equivalente budista de São Francisco de Assis. Este ano reverenciam-se os 750 anos de sua morte, com cerimônias especiais no mosteiro do Morro da Várzea. 
Cristiano Bitti estudava medicina em Portugal. Aproveitou um fim de semana prolongado para atravessar o Estreito de Gibraltar e ir conhecer um pouco do Marrocos. Ao tentar escapar do burburinho de Celta, foi ao cemitério. Lá encontrou um monge budista em meditação. A imagem impressionou-o, e ao voltar a Lisboa comprou todos os livros sobre budismo que encontrou. Ficou tão atraído que foi para um mosteiro no Japão, onde passou cinco anos. Ao voltar, foi para o mosteiro da Morro da Várzea, por coincidência junto a Aracruz, onde nasceu e onde seu pai foi prefeito quatro vezes. 
Cristiano chama-se hoje Daiju, que, em japonês, quer dizer árvore grande, e é o abade do mosteiro. É um homem alto, atlético, cabeça raspada, que passa a impressão de serenidade, alegria e força. Grande adepto da disciplina sem estresse, diz que se orgulha de nunca ter convertido alguém ao Zen-Budismo, por não ser esta a sua missão. Aos treinamentos do mosteiro acorrem pessoas de todas as religiões e, segundo ele, o católico sai mais católico, o protestante mais protestante, mas ninguém sai budista. 
Alexandre, o monge escultor, chama-se Kogen e passou três anos no Japão. Esculpiu uma grande imagem de Kannon, deusa da compaixão, que está num pequeno templo à entrada da trilha que domina o anfiteatro gramado onde as crianças se reúnem para as aulas de ecologia. Modesto, Kogen diz que se limitou a libertar a deusa que estava escondida no tronco de uma jaqueira. Graças ao apoio financeiro da Aracruz Celulose e a parcerias com as prefeituras vizinhas, cerca de 20 mil pessoas, crianças e adultos, passam anualmente pelo mosteiro. 
Além das visitas de um só dia, os monges recebem também, para temporadas mais longas, intelectuais que buscam isolamento para escrever, compor ou pintar as suas obras. A eles é destinada uma casa, o centro cultural, numa encosta com vista para as várzeas da região. É um lugar belíssimo, que os monges por vezes escolhem para as meditações, duas por dia, de 40 minutos. Sentam-se sobre uma almofada, pernas cruzadas em posição de flor de lótus, a coluna ereta, os dedos da mão esquerda pousados na direita, os polegares se tocando. 
Há ainda seminários e treinamentos para públicos diversos, como, no ano passado, para soldados da PM, que vão repetir, pedindo mais uma sessão de meditação por dia. Os monges, vegetarianos, plantam e cozinham tudo o que comem. Suas receitas são tão boas que são reproduzidas em revistas de culinária, como "Sabores" e "Gula". 
O mosteiro foi declarado pólo de educação ambiental e suas terras receberam da Unesco o título de reserva universal da biosfera. 
Quase fiquei por lá.