O monge japonês Ryohan Shingu subiu em lombo de mula a Montanha
da Várzea, em Ibiraçu, vizinho de Aracruz, no Espírito
Santo, em busca de um lugar para fundar o primeiro mosteiro Zen-budista
da América Latina. Segundo os ensinamentos da escola, o local deveria
ser alto, no meio da natureza, ter uma nascente e ser fim de linha, um
objetivo de quem o procurasse, não um ponto de passagem. |
A pequena fazenda semi-arruinada, com 140 hectares, preenchia todos
esses requisitos, apesar da destruição da Mata Atlântica
que a exploração do café havia causado. Foi comprada
em 1974 e, durante 15 anos, a pequena comunidade monástica viveu
voltada para si mesma, plantando mudas de árvores nativas e substituindo
os barracões de madeira pelos elegantes templos que hoje existem.
A luz elétrica substituiu as lamparinas em 1985. Em 1989, o governo
estadual pavimentou a estrada com paralelepípedos, o que permitiu
a integração do mosteiro com as comunidades dos quatro municípios
vizinhos. Também deu acesso aos que, vindos de todos os lugares
do Brasil, se interessam pelo budismo e procuram aprofundar seus conhecimentos. |
As ladeiras continuam abruptas, como as que em Minas chamam de quebra-costas,
mas um carro com um bom motor consegue vencê-las. As margens estão
sombreadas por quaresmeiras e hibiscos, que, nessa época do ano,
florescem esplendorosos. Aliás, todo o terreno nada mais tem a ver
com a terra devastada de há 27 anos. Foram plantadas 200 mil mudas
de árvores nativas; abriram-se três anfiteatros gramados,
para as aulas de ecologia e os encontros comunitários; a grande
horta orgânica abastece não só o mosteiro como produz
excedentes que são doados às escolas e às cadeias. |
O volume de trabalho fornecido pelos monges é quase inacreditável.
Nunca foram mais de quatro e contaram com apenas dois colaboradores remunerados.
São hoje três, mas esperam para breve a volta de uma monja,
que completou três anos de formação no mosteiro Eihei-ji,
fundado no Japão em 1244, por mestre Dogen Zenji, um equivalente
budista de São Francisco de Assis. Este ano reverenciam-se os 750
anos de sua morte, com cerimônias especiais no mosteiro do Morro
da Várzea. |
Cristiano Bitti estudava medicina em Portugal. Aproveitou um fim de
semana prolongado para atravessar o Estreito de Gibraltar e ir conhecer
um pouco do Marrocos. Ao tentar escapar do burburinho de Celta, foi ao
cemitério. Lá encontrou um monge budista em meditação.
A imagem impressionou-o, e ao voltar a Lisboa comprou todos os livros sobre
budismo que encontrou. Ficou tão atraído que foi para um
mosteiro no Japão, onde passou cinco anos. Ao voltar, foi para o
mosteiro da Morro da Várzea, por coincidência junto a Aracruz,
onde nasceu e onde seu pai foi prefeito quatro vezes. |
Cristiano chama-se hoje Daiju, que, em japonês, quer dizer árvore
grande, e é o abade do mosteiro. É um homem alto, atlético,
cabeça raspada, que passa a impressão de serenidade, alegria
e força. Grande adepto da disciplina sem estresse, diz que se orgulha
de nunca ter convertido alguém ao Zen-Budismo, por não ser
esta a sua missão. Aos treinamentos do mosteiro acorrem pessoas
de todas as religiões e, segundo ele, o católico sai mais
católico, o protestante mais protestante, mas ninguém sai
budista. |
Alexandre, o monge escultor, chama-se Kogen e passou três anos
no Japão. Esculpiu uma grande imagem de Kannon, deusa da compaixão,
que está num pequeno templo à entrada da trilha que domina
o anfiteatro gramado onde as crianças se reúnem para as aulas
de ecologia. Modesto, Kogen diz que se limitou a libertar a deusa que estava
escondida no tronco de uma jaqueira. Graças ao apoio financeiro
da Aracruz Celulose e a parcerias com as prefeituras vizinhas, cerca de
20 mil pessoas, crianças e adultos, passam anualmente pelo mosteiro. |
Além das visitas de um só dia, os monges recebem também,
para temporadas mais longas, intelectuais que buscam isolamento para escrever,
compor ou pintar as suas obras. A eles é destinada uma casa, o centro
cultural, numa encosta com vista para as várzeas da região.
É um lugar belíssimo, que os monges por vezes escolhem para
as meditações, duas por dia, de 40 minutos. Sentam-se sobre
uma almofada, pernas cruzadas em posição de flor de lótus,
a coluna ereta, os dedos da mão esquerda pousados na direita, os
polegares se tocando. |
Há ainda seminários e treinamentos para públicos
diversos, como, no ano passado, para soldados da PM, que vão repetir,
pedindo mais uma sessão de meditação por dia. Os monges,
vegetarianos, plantam e cozinham tudo o que comem. Suas receitas são
tão boas que são reproduzidas em revistas de culinária,
como "Sabores" e "Gula". |
O mosteiro foi declarado pólo de educação ambiental
e suas terras receberam da Unesco o título de reserva universal
da biosfera. |
Quase fiquei por lá. |