Crítica da Razão Pura
Emmanuel Kant
INTRODUÇÃO
I – Da
Distinção Entre o Conhecimento Puro e o Empírico
II –
Achamo-nos de Posse de Certos Conhecimentos “A Priori” e o Próprio Senso Comum
não os Dispensa
III – A
Filosofia Necessita de Uma Ciência que Determine a Possibilidade, os Princípios
e a Extensão de Todos os Conhecimentos “A Priori”
IV –
Diferença Entre o Juízo Analítico e o Sintético
V – Os
Juízos Matemáticos São Todos Sintéticos
VI –
Problema Geral da Razão Pura
VII –
Idéia e Divisão de Uma Ciência Particular sob o Nome de CRÍTICA DA RAZÃO
PURA
PARTE
PRIMEIRA – DA TEORIA ELEMENTAR TRANSCENDENTAL
Estética
Transcendental
Primeira
Seção
Da
Estética Transcendental do Espaço
Exposição
metafísica deste conceito
Exposição
Transcendental do Conceito de Espaço
Consequências
dos conceitos precedentes
Segunda
Seção
Da
Estética Transcendental do Tempo
Exposição
metafísica do conceito de tempo
Exposição
transcendental do conceito de tempo
Corolários
destes conceitos
Explicação
Observações
gerais sobre a Estética transcendental
Conclusão
da Estética transcendental
PARTE
SEGUNDA – DA TEORIA ELEMENTAR TRANSCENDENTAL
LÓGICA
TRANSCENDENTAL
INTRODUÇÃO
Idéia
de Uma Lógica Transcendental
I – Da
Lógica em geral
II –
Da Lógica transcendental
III –
Divisão da Lógica geral em Analítica e Dialética
IV –
Divisão da Lógica transcendental em analítica e Dialética
transcendental
PRIMEIRA
DIVISÃO DA LÓGICA TRANSCENDENTAL – ANALÍTICA TRANSCENDENTAL
LIVRO
PRIMEIRO – DA ANALÍTICA TRANSCENDENTAL
Analítica
dos conceitos
CAPÍTULO
I – Orientação para a descoberta de todos os conceitos puros do
entendimento
Primeira
Seção – Orientação Transcendental Para a Descoberta de Todos os Conceitos do
Entendimento
Do uso
lógico do entendimento em geral
Segunda
Seção – Da função lógica do entendimento no juízo
Terceira
Seção – Dos conceitos puros do entendimento ou categorias
CAPÍTULO
II – Dedução dos Conceitos Puros do Entendimento
Primeira
Seção – Dos princípios de uma dedução transcendental em geral
Passagem
à dedução transcendental das categorias
Dedução
Transcendental dos Conceitos Puros Intelectuais
A
possibilidade de uma síntese em geral
Da
unidade primitivamente sintética da apercepção
O
princípio da unidade sintética da apercepção é o princípio supremo de todo uso
do entendimento
Natureza
da unidade objetiva da própria consciência
A
forma lógica de todos os juízos consiste na unidade objetiva da apercepção dos
conceitos que neles se contêm
Todas
as intuições sensíveis são submetidas às categorias como as únicas condições sob
as quais o que existe nelas de diverso pode reunir-se à consciência
una
A
categoria não tem outro escopo que o conhecimento das coisas na sua aplicação
aos objetivos da experiência
Aplicação
das categorias aos objetos dos sentidos em geral
Dedução
transcendental do uso experimental geralmente possível dos conceitos puros do
entendimento
Resultado
desta dedução dos conceitos do entendimento
Resumo
Desta Dedução
LIVRO
SEGUNDO – ANALÍTICA DOS PRINCÍPIOS
Introdução
– Do juízo transcendental em geral
CAPÍTULO
I – Do esquematismo dos conceitos puros do entendimento
CAPÍTULO
II – Sistema de todos os princípios do entendimento puro
Primeira
Seção – Do princípio supremo de todos os juízos analíticos
Segunda
Seção – Do princípio supremo de todos os juízos sintéticos
Terceira
Seção – Representação sistemática de todos os princípios sintéticos do
entendimento puro
I –
Axiomas da Intuição
II –
Antecipações da Percepção
III –
Analogias da Experiência
IV –
Postulados do Pensamento Empírico em Geral
NOTAS
Emmanuel Kant
INTRODUÇÃO
I – Da
Distinção Entre o Conhecimento Puro e o
Empírico
Não
se pode duvidar de que todos os nossos conhecimentos começam com a experiência,
porque, com efeito, como haveria de exercitar-se a faculdade de se
conhecer, se não fosse pelos objetos que, excitando os nossos sentidos, de uma
parte, produzem por si mesmos representações, e de outra parte, impulsionam
a nossa inteligência a compará-los entre si, a reuni-los ou separá-los, e deste
modo à elaboração da matéria informe das impressões sensíveis para esse
conhecimento das coisas que se denomina
experiência?
No
tempo, pois, nenhum conhecimento precede a experiência, todos começam por
ela.
Mas se é
verdade que os conhecimentos derivam da experiência, alguns há, no entanto,
que não têm essa origem exclusiva, pois poderemos admitir que o nosso
conhecimento empírico seja um composto daquilo que recebemos das impressões
e daquilo que a nossa faculdade cognoscitiva lhe adiciona (estimulada somente
pelas impressões dos sentidos); aditamento que propriamente não
distinguimos senão mediante uma longa prática que nos habilite a separar esses
dois
elementos.
Surge
desse modo uma questão que não se pode resolver à primeira vista: será possível
um conhecimento independente da experiência e das impressões dos
sentidos?
Tais
conhecimentos são denominados “a priori”, e distintos dos empíricos, cuja
origem e a posteriori”, isto é, da
experiência.
Aquela
expressão, no entanto, não abrange todo o significado da questão proposta,
porquanto há conhecimentos que derivam indiretamente da experiência, isto é, de
uma regra geral obtida pela experiência, e que no entanto não podem ser
tachados de conhecimentos “a
priori”.
Assim,
se alguém escava os alicerces de uma casa, “a priori” poderá esperar que ela
desabe, sem precisar observar a experiência da sua queda, pois, praticamente, já
sabe que todo corpo abandonado no ar sem sustentação cai ao impulso da
gravidade. Assim esse conhecimento é nitidamente
empírico.
Consideraremos,
portanto, conhecimento “a priori”, todo aquele que seja adquirido
independentemente de qualquer experiência. A ele se opõem os opostos aos
empíricos, isto é, àqueles que só o são “a posteriori”, quer dizer, por meio da
experiência.
Entenderemos,
pois, daqui por diante, por conhecimento “a priori”, todos aqueles que são
absolutamente independentes da experiência; eles são opostos aos empíricos,
isto é, àqueles que só são possíveis mediante a
experiência.
Os
conhecimentos “a priori” ainda podem dividir-se em puros e impuros. Denomina-se
conhecimento “a priori” puro ao que carece completamente de qualquer
empirismo.
Assim,
p. ex., “toda mudança tem uma causa”, é um princípio “a priori”, mas
impuro, porque o conceito de mudança só pode formar-se extraído da
experiência.
II
– Achamo-nos de Posse de Certos Conhecimentos “A Priori” e o Próprio Senso
Comum não os
Dispensa
Trata-se
agora de descobrir o sinal pelo qual o conhecimento empírico se distingue do
puro. A experiência nos mostra que uma coisa é desta ou daquela maneira,
silenciando sobre a possibilidade de ser
diferente.
Digamos,
pois, primeiro: se encontramos uma proposição que tem que ser pensada com
caráter de necessidade, tal proposição é um juízo “a
priori".
Se,
além disso, não é derivada e só se concebe como valendo por si mesma como
necessária, será então absolutamente “a
priori”.
Segundo:
a experiência não fornece nunca juízos com uma universalidade verdadeira e
rigorosa, mas apenas com uma generalidade suposta e relativa (por indução),
o que. propriamente quer dizer que não se observou até agora uma exceção a
determinadas leis. Um juízo, pois, pensado com rigorosa universalidade, quer
dizer, que não admite exceção alguma, não se deriva da experiência e
sem valor absoluto “a
priori”.
Portanto,
a universalidade empírica nada mais é do que uma extensão arbitrária de
validade, pois se passa de uma validade que corresponde à maior parte dos casos,
ao que corresponde a todos eles, como p. ex. nesta proposição: “Todos os corpos
são
pesados.”
Pelo
contrário, quando uma rigorosa universalidade é essencial em um juízo, esta
universalidade indica uma fonte especial de conhecimento, quer dizer, uma
faculdade de conhecer “a priori”. A necessidade e a precisa universalidade são
os caracteres evidentes de um conhecimento “a priori”, e estão
indissoluvelmente unidos. Mas como na prática é mais fácil mostrar a limitação
empírica de um conhecimento do que a contingência nos juízos, e como também
é mais evidente a universalidade ilimitada do que a necessidade
absoluta, convém servir-se separadamente desses dois critérios, pois cada
um é por si mesmo
infalivel.
Ora, é
fácil demonstrar que no conhecimento humano existem realmente juízos de um valor
necessário, e na mais rigorosa significação universal; por
conseguinte, juízos puros, “a priori”. Se se quer um exemplo da própria ciência,
basta reparar em todas as proposições da Matemática. Se se quer outro tomado do
bom senso, pode bastar a proposição de que cada mudança tem uma
causa.
Neste
último exemplo, o conceito de causa contém de tal modo o de necessidade de
enlace com um efeito e a rigorosa generalidade da lei, que desapareceria por
completo se, como o fez Hume, quiséssemos derivá-lo da freqüente associação
do que segue com o que precede e do hábito (e por isso de uma necessidade
simplesmente subjetiva) de ligar certas representações.
Também se
poderia, sem recorrer a esses exemplos, para provar a existência de princípios
“a priori” em nosso conhecimento, demonstrar que são indispensáveis para a
possibilidade da mesma experiência, sendo portanto uma demonstração “a
priori".
Porque,
onde basearia a experiência a sua certeza se todas as regras que empregasse
fossem sempre empíricas e
contingentes?
Assim,
os que possuem esse caráter dificilmente são aceitos como primeiros
princípios.
Basta-nos
haver manifestado aqui o uso puro de nossa faculdade de conhecer de um modo
efetivo e os caracteres que lhe são
próprios.
Não é
só nos juízos, pois também nos conceitos encontramos uma origem
“apriorística” de
alguns.
Realmente,
subtrai do vosso conceito empírico de um corpo tudo quanto possui de empírico: a
cor, a dureza, a moleza, o peso, e a própria impenetrabilidade, e ficará o
espaço que (ora vazio) ele ocupava e que não pode ser
suprimido.
Quando
separais de alguns conceitos empíricos de um objeto, corpóreo ou não, todas
as propriedades que a experiência ministra, não podeis no entanto privá-lo
daquela, mediante a qual é pensada como substância, ou aderente a uma substância
(se bem que esse conceito de substância contenha mais determinações que o
de um objeto em
geral).
Deveis,
pois, reconhecer que a necessidade com que este conceito se impõe dá-se em
virtude da sua existência, “a priori” na vossa faculdade de
conhecer.
III – A
Filosofia Necessita de Uma Ciência que Determine a Possibilidade, os
Princípios e a Extensão de Todos os Conhecimentos “A
Priori”
Há
uma coisa ainda mais importante que o que precede: certos conhecimentos por meio
de conceitos, cujos objetos correspondentes não podem ser fornecidos pela
experiência, emancipam-se dela e parece que estendem o círculo de nossos juízos
além dos seus
limites.
Precisamente
nesses conhecimentos, que transcendem ao mundo sensível, aos quais a
experiência não pode servir de guia nem de retificação, consistem as
investigações de nossa razão, investigações que por sua importância nos
parecem superiores, e por seu fim muito mais sublimes a tudo quanto a
experiência pode apreender no mundo dos fenômenos; investigações tão importantes
que, abandoná-las por incapacidade, revela pouco apreço ou indiferença, razão
pela qual tudo intentamos para as fazer, ainda que incidindo em
erro.
Esses
inevitáveis temas da razão pura são: Deus, liberdade e imortalidade. A ciência
cujo fim e processos tendem à resolução dessas questões denomina-se Metafísica.
Sua marcha, é, no princípio, dogmática; quer dizer, ela enceta confiadamente o
seu trabalho sem ter provas na potência ou impotência de nossa razão para tão
grande
empresa.
Parecia,
no entanto, natural que, ao abandonar o terreno da experiência, não
construíssem imediatamente um edificio com conhecimentos adquiridos sem saber
como, ou sobre o crédito de princípios cuja origem ignoramos. E sem haver
assegurado, antes de tudo, mediante cuidadosas investigações, acerca da solidez
do seu fundamento. Pelo menos, antes de o construir, deveriam ter
apresentado estas questões: Como pode a inteligência chegar aos
conhecimentos “a priori”? Que extensão, legitimidade e valor podem
ter?
Com efeito,
nada seria mais natural, se esta palavra significa o que conveniente e
racionalmente deve suceder; mas se por ela entendemos o que de ordinário se faz,
nada é mais natural que dar ao olvido essas questões, pois desfrutando de
certeza uma parte de nossos conhecimentos, a Matemática, concebe-se a fagueira
esperança de que os demais cheguem ao mesmo
ponto.
Por outra
parte, abandonando o círculo da experiência, podem estar seguros de não ser
contra-ditados por ela. O desejo de estender os nossos conhecimentos é tão
grande que só detém seus passos quando tropeça em uma contradição
claríssima; mas as ficções do pensamento, se estão arrumadas com certo
cuidado, podem evitar tais tropeços, ainda que nunca deixem de ser
ficções.
As
matemáticas fornecem um brilhante exemplo do que poderíamos fazer
independentemente da experiência, nos conhecimentos “a priori”. É
verdade que não se ocupam senão de objetos e conhecimentos que podem ser
representados pela intuição; mas esta circunstância facilmente se pode reparar,
porque a intuição de que se trata pode dar-se “a priori” por si mesma, e por
conseguinte, é apenas distinguível de um simples conceito
puro.
A propensão
a estender os conhecimentos, imbuida com esta prova do poder da razão, não
vê limites para o seu desenvolvimento. A pomba ligeira agitando o ar com
seu livre vôo, cuja resistência nota, poderia imaginar que o seu vôo seria
mais fácil no
vácuo.
Assim,
Platão, abandonando o mundo sensível que encerra a inteligência em limites tão
estreitos, lançou-se nas asas das idéias pelo espaço vazio do entendimento puro,
sem advertir que com os seus esforços nada adiantava, faltando-lhe ponto de
apoio onde manter-se e segurar-se para aplicar forças na esfera própria da
inteligência.
Mas
tal é geralmente a marcha da razão humana na especulação; termina o mais
breve possível a sua obra, e não procura, até muito tempo depois, indagar o
fundamento em que
repousa.
Uma vez
chegado a esse ponto, encontra toda sorte de pretextos para consolar-se dessa
falta de solidez, ou, em último termo, repele voluntariamente a perigosa e
tardia prova. Mas o que nos livra de todo cuidado e receio durante a
construção de nossa obra, e ainda nos engana por sua aparente solidez, é
que uma grande parte, quiçá a maior, do trabalho de nossa razão, consiste na
análise de conceitos que já temos formados sobre os
objetos.
Isso
nos dá uma infinidade de conhecimentos que, se bem sejam apenas esclarecimentos
e explicações daquilo que foi pensado em nossos conceitos (ainda que
de maneira confusa), estimam-se, todavia, como novas luzes (Einsicheter), pelo
menos, quanto à sua forma, por mais que não aumentem a matéria nem o conteúdo de
nossos conceitos, pois simplesmente os preparam e
ordenam.
Como
esse procedimento dá um conhecimento real “a priori” que segue uma marcha segura
e útil, enganada e iludida a razão, sem o notar, entra em afirmações de uma
natureza completamente distinta e totalmente estranha ao conceito dado “a
priori” e sem que saiba como as conseguiu, nem se lhe ocorra fazer-se
semelhante
pergunta.
Por
isso, pois, tratarei desde o começo da diferença que existe entre essas
duas espécies de conhecimentos.
IV –
Diferença Entre o Juízo Analítico e o
Sintético
Em
todos os juízos em que se concebe a relação de um sujeito com um predicado
(considerando só os juízos afirmativos, pois nos negativos é mais fácil
fazer, depois, a aplicação), esta relação é possível de dois modos: ou o
predicado B pertence ao sujeito A como algo nele contido (de um modo tácito), ou
B é completamente estranho ao conceito A, se bem se ache enlaçado com
ele.
No primeiro
caso chamo ao juízo analítico, no segundo, sintético. Os
juízos analíticos (afirmativos) são, pois, aqueles em que o enlace do sujeito
com o predicado se concebe por identidade; aqueles, ao contrário, cujo
enlace é sem identidade, devem chamar-se juízos sintéticos. Poder-se-ia
também denominar os primeiros de juízos explicativos, e aos segundos, de juízos
extensivos, pelo motivo de que aqueles nada aditam ao sujeito pelo atributo,
apenas decompondo o sujeito em conceitos parciais compreendidos e concebidos
(ainda que tacitamente) no mesmo, enquanto que, pelo contrário, os últimos
acrescentam ao conceito do sujeito um predicado que não era de modo algum
pensado naquele e que não se obteria por nenhuma
decomposição.
Quando
digo p. ex.: “todos os corpos são extensos”, formulo um juízo analítico,
porque não tenho que sair do conceito de corpo para achar unida a ele a
extensão, e só tenho que decompô-lo, quer dizer, só necessito tornar-me cônscio
da diversidade que pensamos sempre em dito conceito para encontrar o
predicado; é portanto um juízo analítico. Pelo contrário, quando digo: “todos os
corpos são pesados”, já o predicado é algo completamente distinto do que em
geral penso no simples conceito de corpo. A adição de tal atributo dá, pois, um
juízo
sintético.
Os
juízos da experiência, como tais, são todos
sintéticos.
Porque
seria absurdo fundar um juízo analítico na experiência, pois para formá-lo
não preciso sair do meu conceito e por conseguinte não me é necessário o
testemunho da experiência. P. ex.: “um corpo é extenso” é uma proposição “a
priori” e não um juízo da experiência porque antes de dirigir-me à experiência,
tenho já em meu conceito todas as condições do juízo; só me resta,
segundo o princípio de contradição, tirar o predicado do sujeito e ao mesmo
tempo chegar a ter consciência da necessidade do juízo, necessidade que
jamais a experiência poderá
subministrar-me.
Pelo
contrário, embora eu não tire do conceito de corpo em geral o predicado
pesado, indica, sem embargo, aquele conceito um objetivo da
experiência, uma parte da experiência total, à qual posso ainda aditar
outra parte da mesma como pertencente a
ela.
Posso
reconhecer antes, analiticamente, o conceito de corpo pelas propriedades da
extensão, impenetrabilidade, forma etc., etc., as quais são todas pensadas neste
conceito. Mas se amplio meu conhecimento e observo a experiência que me
proporcionou o conceito de corpo, encontro enlaçada constantemente com
todas as anteriores propriedades e de gravidade (o peso), que adito
sinteticamente, como predicado, àquele conceito.
V – Os
Juízos Matemáticos São Todos
Sintéticos
Esta
proposição parece ter escapado até hoje às indagações dos que analisam a razão
humana, e quase estão opostas às suas conjeturas, apesar da sua incontrovertível
certeza e da suma importância de suas
conseqüências.
Como
se observa que os raciocínios dos matemáticos procediam todos dos
princípios de contradição (exigido pela natureza de toda certeza
apodítica), acreditava-se também que os princípios tinham sido
reconhecidos em virtude do mesmo processo: no que se enganaram, porque se
indubitavelmente uma proposição sintética pode ser conhecida segundo o
princípio de contradição, isto não é possível dentro de si mesma, senão supondo
outra proposição sintética de que possa ser
deduzida.
Deve
notar-se, antes de tudo, que as proposições propriamente matemáticas são
sempre juízos “a priori” e não juízos empíricos, porque implicam necessidade,
que não se pode obter pela
experiência.
Mas,
se não se quer conceder isto, limito minha proposição às matemáticas puras,
cujo conceito traz consigo o não conter conhecimentos empíricos, mas
tão-somente “a
priori”.
I –
Poder-se-ia em verdade crer, à primeira vista, que a proposição 7 + 5 = 12 é
puramente analítica, resultante, segundo o princípio de contradição, do
conceito de uma soma de sete e cinco. Mas se a considerarmos com mais atenção,
acharemos que o conceito de soma de sete e cinco não contém mais do que a
união dos dois números em um só, o que não faz pensar qual seja esse número
único que compreenda aos outros dois. O conceito de 12 não é de modo algum
percebido só pelo pensamento da união de cinco e sete, e posso decompor todo meu
conceito dessa soma tanto quanto quiser, sem que por isso encontre o número
12.
É preciso,
pois, ultrapassar esse conceito recorrendo-se à intuição correspondente a um dos
dois números, quiçá aos 5 dedos da mão ou a cinco pontos (como faz Segner em sua
Aritmética), e aditar sucessivamente ao conceito sete as cinco unidades
dadas na
intuição.
Com
efeito, tomo primeiramente o número sete, e auxiliando-me de meus dedos
como intuição para o conceito de 5, acrescento sucessivamente ao número 7 as
unidades que tive de reunir para formar o 5, e assim vejo surgir o número
12.
Pela adição
de sete e cinco tenho idéia desta soma 7 + 5, é verdade; mas não que esta seja
igual ao número 12. A proposição aritmética é, pois, sempre sintética: o que se
compreende ainda mais claramente se se tomam números maiores, pois então é
evidente que, por mais que volvamos e coloquemos nosso conceito quanto
quisermos, nunca poderemos achar a soma mediante a simples decomposição de
nossos conceitos e sem o auxilio da
intuição.
Tampouco
é analítico um princípio qualquer de Geometria
pura.
É uma
proposição sintética que a linha reta, entre dois pontos é a mais curta, porque
meu conceito de reta não contém nada que seja quantidade, senão só
qualidade.
O
conceito de mais curta é completamente aditado e não pode provir de modo algum
da decomposição do conceito de linha reta. É preciso, pois, recorrer-se
aqui à intuição, único modo para que seja possível a
síntese.
Algumas
poucas proposições fundamentais, que os geômetras pressupõem, são realmente
analíticas e se apóiam no princípio de contradição; mas também é verdade
que só servem, como proposições idênticas, ao encadeamento do método e não
como princípios, tais como, p. ex., a = a, o todo é igual a si mesmo: ou (a + b)
< “a”, o todo é maior do que a
parte.
E, sem
embargo, estes mesmos axiomas ainda que valham como simples conceitos, são
admitidos nas matemáticas somente porque podem ser representados em
intuição.
A
ambigüidade de expressão é que geralmente nos faz crer que o predicado de tais
juízos apodíticos existe já em nossos conceitos, e que,
conseguintemente, é analítico o
juízo.
A um
conceito dado temos que aditar certo predicado, e esta necessidade pertence já
aos conceitos. Mas a questão não é o que devemos aditar com o pensamento a
um conceito dado, senão o que realmente pensamos nele, ainda que de um modo
obscuro.
Vemos,
pois, que o predicado se une necessariamente ao conceito, não como
concebido nele, senão mediante uma intuição que a ele deve
unir-se.
II – A
ciência da natureza (Física) contém como princípios, juízos sintéticos “a
priori”. Só tomarei como exemplos estas duas proposições: em todas as mudanças
do mundo corpóreo a quanfidade de matéria permanece sempre a mesma, ou, em
todas as comunicações de movimento a ação e reação devem ser sempre
iguais.
Em ambos
vemos, não só a necessidade e, por conseguinte, sua origem “a priori”, senão que
são proposições
sintéticas.
Porque
no conceito de matéria não penso em sua permanência, mas unicamente em sua
presença no espaço que ocupa, e, portanto, vou além do conceito de matéria
para atribuir-lhe algo “a priori” que não havia concebido
nele.
A
proposição não é, pois, concebida analítica, senão sinteticamente ainda que “a
priori”, e assim sucede com as restantes proposições da parte pura da
Física.
III –
Também devem haver conhecimentos sintéticos “a priori” na Metafísica, ainda que
só a consideraremos como uma ciência em ensaio; mas que, não obstante, torna
indispensável a natureza da razão
humana.
A
Metafísica não se ocupa unicamente em analisar os conceitos das coisas que nós
formamos a priori”, e, por conseguinte, em explicações analíticas, senão
que por ela queremos estender nossos conhecimentos “a priori”, e para o
efeito nos valemos de princípios que aos conceitos dados aditam algo que
não estava compreendido neles, e mediante os juízos sintéticos “a priori” nos
afastamos tanto, que a experiência não pode seguir-nos, p. ex., na
proposição: o mundo deve ter um primeiro princípio etc.,
etc.
Assim, pois,
a Metafísica consiste, pelo menos segundo seu fim, em proposições puramente
sintéticas “a priori”.
VI –
Problema Geral da Razão
Pura
Muito
se adiantou com haver podido trazer à forma de um só problema uma infinidade de
questões: Com isso, não só se facilita o próprio trabalho determinando-o
com precisão, como também se facilita o exame para outro que queira verificar se
cumprimos ou não o nosso desígnio. O verdadeiro problema da razão pura contém-se
nesta pergunta: como são possíveis os juízos sintéticos “a priori"? Se
a Metafísica permaneceu até agora em um estado vago de incerteza e contradição,
deve atribuir-se unicamente a que esse problema assim como também a diferença
entre o juízo analítico e o sintético, não se tinham apresentado antes ao
pensamento.
A
vida ou morte da Metafísica depende da solução desse problema, ou da
demonstração de que é impossível resolvê-lo. David Hume é, de todos os
filósofos, o que mais se aproximou desse problema, mas esteve longe de o
determinar suficientemente e não o pensou em toda a sua originalidade;
detendo-se só ante o princípio sintético da relação de causa e efeito
(“principium causalitatis”), acreditou poder deduzir que o tal princípio é
absolutamente impossível “a priori”, e, segundo as suas conclusões, tudo o
que denominamos Metafísica descansaria sobre uma simples opinião de um
pretendido conhecimento racional, que no fato nasce simplesmente da
experiência e que recebe, do hábito, certo aspecto de
necessidade.
Esta
afirmação, destruidora de toda a Filosofia pura, não seria nunca emitida, caso o
seu autor houvesse abordado em toda a sua generalidade esse problema, porque
então teria compreendido que, segundo o seu argumento, tampouco poderiam
existir as matemáticas puras, pois elas contêm certamente princípios
sintéticos “a priori”, e seu bom senso teria retrocedido ante semelhante
asserto.
Na
resolução do precedente problema está também compreendida ao mesmo tempo a
possibilidade do emprego da razão pura na fundação e construção de todas as
ciências que contêm um conhecimento teórico “a priori” dos objetos, quer dizer,
está contida a resposta destas
perguntas:
Como é
possível uma Matemática
pura?
Como é
possível uma Física
pura?
Não se pode
perguntar destas ciências, mais do que como são possíveis porque, ao existirem
como reais, demonstram pois que o
são.
No tocante à
Metafísica, como seus passos têm sido até hoje tão desditosos, tão distantes do
fim essencial da mesma, que pode dizer-se que todos têm sido em vão,
perfeitamente explica-se a dúvida de sua possibilidade e de sua
existência.
Mas,
todavia, esta espécie de conhecimento deve, em certo sentido, considerar-se como
dado; e a Metafísica é real, senão como ciência feita, pelo menos em sua
disposição natural (Metaphisica naturalis), porque a razão humana, sem que
esteja movida por uma vaidade de uma onisciência; senão simplesmente
estimulada por uma necessidade própria, marcha sem descanso algum para
questões que não podem ser resolvidas pelo uso empírico da razão, nem por
princípios que dela emanem. Isso sucede realmente a todos os homens, logo
que a sua razão começa a especular; por isso a Metafísica existiu sempre e
existirá onde esteja o homem. De tal modo a nossa questão é agora: como é
possível a Metafísica como disposição natural? Quer dizer: como nascem da
natureza da razão humana universal essas questões, que a razão pura formula
e que por necessidade própria se sente impulsionada a
resolver?
Mas
como todos os ensaios feitos até hoje para resolver essas questões naturais (por
exemplo: a de saber se o mundo teve princípio, ou se é eterno etc.) têm
encontrado contradições inevitáveis, não podemos contentar-nos com a simples
disposição natural para a Metafísica, quer dizer, com a faculdade da razão
pura, de que procede uma Metafísica, qualquer que seja; senão que deve ser
possível chegar com ela a uma certeza ou ignorância dos objetos e poder
afirmar algo sobre os objetos dessas questões ou sobre a potência da razão, e,
por conseguinte, a estender com confiança seu poder ou colocá-la em limites
seguros e determinados. Esta última questão, que resulta do problema geral
que precede, se expressa nos seguintes termos: de que modo é possível a
Metafísica como
ciência?
A
crítica da razão conduz, por fim, necessariamente, à ciência; o uso
dogmático da razão sem crítica conduz, pelo contrário, a afirmações
infundadas, que sempre podem ser contraditadas por outras não menos
verossímeis, o que conduz ao
ceticismo.
Nem
tampouco pode essa ciência ter uma extensão excessiva, porque não se ocupa
dos objetos da razão, cuja diversidade é infinita, mas simplesmente da
razão mesma, de problemas que nascem exclusivamente do seu seio e que se lhe
apresentam, não pela natureza das coisas que diferem dela, senão pela sua
própria.
Mas uma
vez que conheça perfeitamente a sua própria faculdade em relação com os objetos
que pode fornecer-lhe a experiência, ser-lhe-á fácil determinar com toda
segurança a exatidão a extensão e limites de seu exercício, intentado fora
dos limites da
experiência.
Pode-se
e deve-se, portanto, considerar como ineficaz todo ensaio feito até aqui para
construir uma metafísica dogmática, porque o que neles existe de analítico, a
saber: a simples decomposição dos conceitos que “a priori” se encontram em
nossa razão, não é seu fim total, senão somente um meio preliminar da
Metafísica, cujo objeto é estender nossos conhecimentos científicos “a
priori".
A
análise é incapaz de realizar isto, pois se reduz a mostrar o que se acha
contido em ditos conceitos, e não diz como foi adquirido “a priori”, para
poder depois determinar o seu legítimo emprego nos objetos de todos os
nossos conhecimentos em
geral.
Não se
necessita grande abnegação para renunciar a todas essas pretensões, posto
que as evidentes e inevitáveis contradições da razão consigo mesma no
processo dogmático, causaram por largo tempo o descrédito da
Metafísica.
Por
isso será mister muita firmeza para que a dificuldade intrínseca e a oposição
externa não nos afastem de uma ciência tão indispensável à razão humana, cuja
raiz não poderia estragar-se ainda que se cortassem todos os seus ramos
exteriores, e que, mediante um método diferente e oposto ao que até hoje
tem sido empregado, pode adquirir um útil e fecundo
desenvolvimento.
VII –
Idéia e Divisão de Uma Ciência Particular sob o Nome de CRÍTICA DA RAZÃO
PURA
De
tudo o que precede resulta, pois, a idéia de uma ciência particular que pode
chamar-se “crítica da razão pura”, por ser a razão a faculdade que proporciona
os princípios do conhecimento “a
priori”.
Razão
pura é, por isso, a que contém os princípios para conhecer algo
absolutamente “a priori”. Um orgânon da razão pura seria o conjunto de
princípios mediante os quais todos os conhecimentos “a priori” poderiam ser
adquiridos e realmente estabelecidos. A aplicação extensa de tal orgânon
produzida um sistema da razão pura. Mas como isto seria exigir demasiado e como
fica ainda por saber se a extensão de nossos conhecimentos é possível, e em
que casos, podemos considerar a ciência do simples juízo da razão pura, de
suas partes e limites, como a propedêutica para o sistema de razão
pura.
Uma tal
ciência não deveria denominar-se doutrina, mas somente “crítica da razão pura:
sua utilidade, desde o ponto de vista especulativo, seria puramente negativa e
não servida para ampliar nossa razão, senão para a emancipar de todo erro,
o que já não é
pouco.
Chamo
transcendental todo conhecimento que em geral se ocupe, não dos objetos, mas da
maneira que temos de conhecê-los, tanto quanto possível “a priori”. Um
sistema de tais conceitos se denominada “Filosofia transcendental”. Mas esta
filosofia é demasiada para começar, porque deve conter todo o conhecimento,
tanto o analítico como o sintético “a priori”, e se estenderia muito além do que
corresponde ao nosso
plano.
Devemos
tratar somente da análise quanto seja indispensável e necessária para perceber
em toda a sua extensão os princípios da síntese a priori. Síntese que
constitui o nosso único objeto (assunto). Esta investigação, que não podemos
chamar propriamente doutrina, mas tão-só “crítica transcendental”, pois tem por
fim não o aumento dos nossos conhecimentos, mas a retificação dos mesmos, vem a
ser como a pedra de toque para estimar o valor ou a insignificância de todos os
conhecimentos “a priori”, que é do que nos ocupamos
atualmente.
A
crítica é, portanto, no possível, uma preparação para um orgânon, e se este
não se distingue, será pelo menos um cânon, segundo o qual possa em todo caso
ser exposto analítica e sinteticamente o sistema completo da filosofia da
razão pura, que deve consistir na extensão ou na simples limitação do
conhecimento
racional.
Se se
atende a que dito sistema tem por objeto, não a natureza das coisas, que é
infinita, mas o entendimento que julga sobre a natureza das coisas, e ainda
esse entendimento considerado somente em relação aos seus conhecimentos “a
priori” , podemos presumir que o sistema não é impossível, nem tão
vasto, que se não possa esperar o seu
termo.
Como não
necessitamos procurar esse objeto exteriormente nem pode permanecer oculto para
nós, não parece que tenha de ser tão extenso que não possamos abarcá-lo em seu
justo preço. Menos ainda deve esperar-se que esta obra seja uma crítica dos
livros publicados sobre sistemas da razão pura; aqui só se trata de uma crítica
da faculdade da razão
pura.
Somente
tomando essa crítica como base, se consegue uma segura pedra de toque para
apreciar o valor das obras filosóficas antigas e modernas; sem ela, o
historiador e o juiz condenam incompetentemente as asserções de outros,
tendo-as como infundadas em nome das próprias, que não têm melhor
fundamento.
A
filosofia transcendental é a idéia de uma ciência, cujo plano deve traçar a
crítica da razão pura de uma maneira arquitetônica, quer dizer, por princípios e
com a mais plena segurança da perfeição e validez de todos os princípios da
razão pura.
Se a
crítica não toma o nome de Filosofia transcendental é só porque deveria, para
ser um sistema completo, conter uma análise detalhada de todos os conhecimentos
humanos “a priori”. A crítica deve, sem dúvida alguma, colocar ante nossos olhos
uma perfeita enumeração de todos os conceitos fundamentais que constituem o
conhecimento puro; mas se abstém da detalhada análise deles, em parte,
porque essa decomposição não seria conforme com seu fim, e, ademais, não
apresenta tanta dificuldade como a síntese, que é objeto da crítica e,
em parte, também, porque seria contrário à unidade do plano entreter-se numa
análise e derivação tão acabados, podendo eximir-se de tal
empenho.
Demais,
assim a análise perfeita dos conceitos “a priori”, como a dedução dos que depois
hão de ser derivados, é coisa fácil de suprir sempre que antes tenham sido
expostos detalhadamente como princípios da síntese e nada lhes falta em relação
a esse fim
essencial.
Segundo
isto, tudo o que constitui a Filosofia transcendental pertence à crítica da
razão pura, que é a idéia completa da Filosofia transcendental; mas não
esta ciência mesma, porque na análise só se estende até o que lhe é
indispensável para o perfeito juízo do conhecimento sintético “a
priori”.
O
principal propósito que deve guiar-nos na divisão desta ciência é não introduzir
conceitos que contenham algo de empírico, quer dizer, que o conhecimento “a
priori” seja completamente
puro.
Daqui, que,
ainda que os princípios superiores de Moral e seus conceitos fundamentais sejam
conhecimentos “a priori”, não pertençam sem embargo à Filosofia
transcendental; porque os conceitos de prazer ou dor, de desejo ou
inclinação têm todos uma origem empírica, e ainda que seja certo que não
fundamentam os preceitos morais, devem, sem embargo, formar parte da moralidade
pura, juntamente com o conceito do dever de dominar os obstáculos ou dos
impulsos a que não devemos
entregar-nos.
Donde
se segue que a Filosofia transcendental é a filosofia da razão pura simplesmente
especulativa, porque todo o concernente à prática, que contém móveis,
refere-se aos sentimentos que pertencem às fontes empíricas do
conhecimento.
Se
se quer fazer a divisão dessa ciência desde o ponto de vista geral de um
sistema, deve ela
compreender:
1.º
– uma teoria elementar da razão
pura;
2.° – uma
teoria do método da razão pura.
Cada uma destas
partes principais terá suas sub-divisões cujos fundamentos não poderão ser
facilmente expostos aqui. O que parece necessário recordar na
introdução é que o conhecimento humano tem duas origens e que talvez ambas
procedam de uma comum raiz desconhecida para nós; estas são: a
sensibilidade e o entendimento; pela primeira os objetos nos são dados, e pelo
segundo,
concebidos.
A
sensibilidade pertence à Filosofia transcendental enquanto contém
representações “a priori”, que por seu turno encerram as condições mediante as
quais nos são dados os objetos. A teoria transcendental da sensibilidade
deve pertencer à primeira parte da ciência elementar, pois as
condições sob as quais se dão os objetos ao conhecimento humano
precedem àquelas sob as quais são concebidos esses mesmos
objetos.
1
Qualquer
que seja o modo de como um conhecimento possa relacionar-se com os objetos,
aquele em que essa relação é imediata e que serve de meio a todo pensamento,
chama-se intuição (Ansechauung).(1) Mas esta intuição não tem lugar
senão sob a condição de nos ser dado o objeto, e isto só é possível, para o
homem, modificando o nosso espírito de certa
maneira.
A
capacidade de receber (a receptividade) representações dos objetos segundo
a maneira como eles nos afetam, denomina-se sensibilidade. Os objetos nos
são dados mediante a sensibilidade e somente ela é que nos fornece intuições;
mas é pelo entendimento que elas são pensadas, sendo dele que surgem os
conceitos. Todo pensamento deve em última análise, seja direta ou
indiretamente, mediante certos caracteres, referir-se às intuições, e,
conseguintemente, à sensibilidade, porque de outro modo nenhum objeto nos pode
ser dado.
A
impressão de um objeto sobre esta capacidade de representações, enquanto
somos por ele afetados, é a sensação. Chama-se empírica toda intuição que
relaciona ao objeto, por meio da sensação. O objeto indeterminado de uma
intuição empírica, denomina-se fenômeno. No fenômeno chamo matéria àquilo que
corresponde à sensação; aquilo pelo qual o que ele tem de diverso pode ser
ordenado em determinadas relações, denomino “forma do fenômeno”. Como aquilo
mediante o qual as sensações se ordenam e são suscetíveis de adquirir certa
forma não pode ser a sensação, infere-se que a matéria dos fenômenos só nos pode
ser fornecida “a posteriori”, e que a forma dos mesmos deve achar-se já
preparada “a priori” no espírito para todos em geral, e que por conseguinte pode
ser considerada independentemente da
sensação.
Toda
a representação na qual não há traço daquilo que pertence à sensação chamo pura
(em sentido transcendental). A forma pura das intuições sensíveis em geral,
na qual todo o diverso dos fenômenos é percebido pela intuição sob certas
relações, encontra-se “a priori” no espírito. Esta forma pura da
sensibilidade pode ainda ser designada sob o nome de intuição pura. Assim,
quando na representação de um corpo eu me abstraio daquilo que a
inteligência pensa, como substância, força, divisibilidade etc., bem como
daquilo que pertence à sensação, como a impenetrabiidade, a dureza, a cor etc.,
ainda me resta alguma coisa desta intuição empírica, a saber: a extensão e a
figura. Estas pertencem à intuição pura, que tem lugar “a priori” no espírito,
como uma forma pura da sensibilidade e sem um objeto real do sentido ou
sensação.
Denomino Estética transcendental (2) à ciência de todos os princípios “a priori”
da sensibilidade. É pois esta ciência que deve constituir a primeira parte da
teoria transcendental dos elementos, por oposição àquela que contém os
princípios do pensamento puro e que se denominará Lógica
transcendental.
Na Estética transcendental, nós começaremos por isolar a sensibilidade, fazendo
abstração de tudo quanto o entendimento aí acrescenta e pensa por seus
conceitos, de tal sorte que só fique a intuição empírica. Em segundo lugar,
separaremos, também, da intuição tudo o que pertence à sensação, com o fim
de ficarmos só com a intuição pura e com a forma do fenômeno, que é a única
coisa que a sensibilidade nos pode dar “a priori”. Resultará desta pesquisa
que existem duas formas puras da intuição sensível, como princípios do
conhecimento “a priori”, a saber: o espaço e o tempo, de cujo exame vamos
agora ocupar-nos.
2
Exposição metafísica deste conceito
Por meio
dessa propriedade de nosso espírito que é o sentido externo, nós nos
representamos os objetos como estando fora de nós e colocados todos no espaço. É
lá que sua figura, sua grandeza e suas relações recíprocas são determinadas ou
determináveis. O sentido interno, por meio do qual o espírito se percebe a
si mesmo intuitivamente, ou percebe o seu estado interior, não nos dá, sem
dúvida, nenhuma intuição da alma, ela mesma como objeto; mas há todavia uma
forma determinada pela qual é possível a intuição do seu estado interno, e
segundo a qual tudo que pertence às suas determinações internas é representado
segundo relações de tempo. O tempo não pode ser percebido exteriormente, assim
como o espaço não pode ser considerado como algo interior em nós outros. Que
são, pois, tempo e espaço? São entidades reais ou são somente determinações ou
mesmo simples relações das coisas? E essas relações seriam de tal natureza
que eles não cessariam de subsistir entre as coisas, mesmo quando não fossem
percebidos como objetos de
intuição?
Ou são
tais que só pertencem à forma da intuição, e, por conseguinte, à qualidade
subjetiva de nosso espírito, sem a qual esses predicados jamais poderiam
ser atribuidos a coisa
alguma?
Para
obter uma resposta exporemos primeiramente o conceito de espaço. Entendo
por exposição a clara representação (ainda que não seja extensa) do
que pertence a um conceito; a exposição é metafísica quando contém o que o
conceito apresenta como dado “a
priori”.
1.° – O
espaço não é um conceito empírico, derivado de experiências exteriores. Com
efeito, para que eu possa referir certas sensações a qualquer coisa de
exterior a mim (quer dizer, a qualquer coisa colocada em outro lugar do
espaço diverso do que ocupo), e, para que possa representar as coisas como
de fora e ao lado umas das outras, e por conseguinte como não sendo somente
diferentes, mas colocadas em lugares diferentes, deve existir já em
princípio a representação do espaço. Esta representação não pode, pois, nascer
por experiência das relações dos fenômenos exteriores, sendo que estas só são
possíveis mediante a sua prévia
existência.
2.° –
O espaço é uma representação necessária, “a priori”, que serve de
fundamento a todas as intuições externas. É impossível conceber que não exista
espaço, ainda que se possa pensar que nele não exista nenhum objeto. Ele é
considerado como a condição da possibilidade dos fenômenos, e não como uma
representação deles dependente; e é uma representação “a priori”, que é o
fundamento dos fenômenos
externos.
3.° – O
espaço não é um conceito discursivo, ou, como se diz, universal das relações das
coisas em geral, mas uma instituição pura. Com efeito, não se pode representar
mais que um só espaço, e quando se fala de muitos, entende-se somente que se
refere às partes do mesmo espaço único e universal. Estas partes só se
concebem no espaço uno e onicompreensivo, sem que pudessem precedê-lo como se
fossem seus elementos (cuja composição fora possível em um todo). O espaço é
essencialmente uno; a variedade que nele achamos, e, conseqüentemente, o
conceito universal de espaço em geral, fundam-se unicamente em limitações.
Daqui se segue que o que serve de base a todos os conceitos que temos do
espaço, é uma intuição “a priori” (que não é empírica). O mesmo acontece cóm os
princípios geométricos, como quando dizemos, por exemplo, que a soma de
dois lados de um triángulo é maior do que o terceiro, cuja certeza
apodítica não procede dos conceitos gerais de linha e triângulo, mas de uma
intuição “a
priori”.
4.° – O
espaço é representado como uma grandeza infinita dada. É necessário considerar
todo conceito como uma representação contida em uma multidão infinita de
representações distintas (das quais é expressão comum); mas nenhum conceito como
tal contém em si uma multidão infinita de representações. Sem embargo,
assim concebemos o espaço (pois todas as suas partes coexistem no infinito). A
primitiva representação do espaço é, pois, uma intuição “a priori” e não um
conceito.
3
Entendo
por exposição transcendental a aplicação de um conceito, como princípio que
pode mostrar a possibilidade de outros conhecimentos sintéticos “a priori”. Ora,
isso supôe duas
coisas:
1 – que
realmente emanem do conceito dado tais
conhecimentos;
2
– que esses conhecimentos não sejam possíveis senão sob a suposição de um
modo de explicação dado e tirado desse
conceito.
A
Geometria é uma ciência que determina sinteticamente, e, portanto, “a
priori”, as propriedades do espaço. Que deve ser, pois, a representação do
espaço, para que tal conhecimento seja possível? Deve ser, primeiramente,
uma intuição; porque é impossível tirar de um simples conceito
proposições que o ultrapassem, como se verifica em Geometria (Int.
V).
Mas essa
intuição deve achar-se em nós, “a priori”, quer dizer, anteriormente a toda
percepção de um objeto, e, por conseguinte, ser pura e não
empírica.
Efetivamente,
as proposições geométricas, como esta por exemplo: o espaço não tem mais que
três dimensões, são todas apodíticas, quer dizer que elas implicam a
consciência de sua necessidade; mas tais proposições não podem ser
julgamentos empíricos ou de experiência, nem deles derivar (Introdução,
II).
Como se
encontra, pois, no espírito, uma intuição externa anterior aos mesmos
objetos e na qual o conceito desses objetos pode ser determinado “a
priori”? Isso só pode acontecer sob a condição de que ela tenha sua sede no
sujeito, com a capacidade formal que ele tem de ser afetado por objetos e de
receber assim uma representação imediata, quer dizer, uma intuição, por
conseguinte como forma do sentido exterior em
geral.
Nossa
explicação é a única que torna compreensível a possibilidade da Geometria
como ciência sintética. Toda explicação que não oferece essa vantagem pode ser
por esse sinal distinguida da nossa, por maior semelhança que com ela
apresente.
Consequências dos conceitos precedentes
a) O
espaço não representa nenhuma propriedade das coisas, já consideradas em si
mesmas, ou em suas relações entre si, quer dizer, nenhuma determinação que
dependa dos objetos mesmos e que permaneça neles se se faz abstração de todas as
condições subjetivas da intuição; porque nem as determinações absolutas, nem as
relativas podem ser percebidas antes da existência das coisas a que
pertencem, e por conseguinte “a
priori”.
b) O
espaço não é mais do que a forma dos fenômenos dos sentidos externos, quer
dizer, a única condição subjetiva da sensibilidade, mediante a qual nos é
possível a intuição externa. E como a propriedade do sujeito de ser afetado
pelas coisas precede necessariamente a todas as intuições das mesmas,
compreende-se facilmente que a forma de todos os fenômenos pode achar-se dada no
espírito antes de toda percepção real, e, consequentemente, “a priori”. Mas
como seja uma intuição pura onde todos os objetos devem ser
determinados, ela pode conter anteriormente a toda experiência os
princípios de suas
relações.
Não
podemos, pois, falar de espaço, de seres extensos etc., senão debaixo do ponto
de vista do homem. Nada significa a representação do espaço, se saímos da
condição subjetiva, única sob a qual podemos receber a intuição externa, quer
dizer, ser afetados pelos
objetos.
Este
predicado só convém às coisas, enquanto elas nos aparecem a nós, quer dizer,
enquanto são objetos da sensibilidade. A forma constante desta receptividade,
que denominamos sensibilidade, é a condição necessária de todas as relações, em
que os objetos são intuídos como exteriores a nós outros; e se dita forma
for abstraída dos objetos é então uma intuição pura, que toma o nome de
Espaço.
Como
as condições particulares da sensibilidade não são as condições da
possibilidade das coisas mesmas, senão somente as de seus fenômenos, bem
podemos dizer que o espaço compreende todas as coisas que nos aparecem
exteriormente; mas não todas as coisas em si mesmas, quer sejam ou não
percebidas e qualquer que seja o sujeito que as perceba; porque de modo algum
poderemos julgar as intuições dos outros seres pensantes, nem saber se se acham
sujeitas às mesmas condições que limitam as nossas intuições, e que têm
para nós um valor
universal.
Se
acrescentamos ao conceito do sujeito a limitação de um juízo, então nosso
juízo tem um valor absoluto ou incondicionado. Esta proposição: todas as coisas
estão justapostas no espaço, vale sob esta restrição: desde que tais coisas
sejam tomadas como objetos da nossa intuição sensível; se eu adito a
condição ao conceito e digo: todas as coisas, como fenômenos externos, estão
justapostas no espaço, essa regra valerá universalmente e sem restrição
alguma.
Nosso
exame do espaço mostra-nos a sua realidade, quer dizer, o seu valor
objetivo relativamente a tudo aquilo que se pode apresentar-nos como
objeto; mas ao mesmo tempo, também, a idealidade do espaço relativamente às
coisas consideradas em si mesmas pela razão, quer dizer, sem atender à
natureza de nossa
sensibilidade.
Afirmamos,
pois, a realidade empírica do espaço em relação a toda experiência externa
possível; mas reconhecemos também a idealidade transcendente do mesmo, quer
dizer, a sua não existência, desde o momento em que abandonamos as
condições de possibilidade de toda experiência e cremos seja ele algo que
serve de fundamento às coisas em
si.
Excetuando o
espaço, não existe nenhuma representação subjetiva que se refira a qualquer
coisa de externo, e que possa dizer-se objetiva “a priori”, porque de nenhuma
delas podem derivar-se proposições sintéticas “a priori”, como aquelas que
derivam da intuição no espaço. Para falar exatamente, nenhuma idealidade lhes
corresponde, ainda que tenham em comum com o espaço a sua dependência
unicamente da constituição subjetiva da sensibilidade, por exemplo: da
vista, do ouvido, do tato; mas as sensações de cores, dos sons, do calor, sendo
puras sensações e não intuições, não nos fazem por si mesmas qualquer
objeto, pelo menos “a
priori”.
O fim
desta observação é somente impedir que se explique a idealidade atribuida ao
espaço por exemplos inadequados, como as cores, o sabor etc., que se considera,
com razão, não como propriedade das coisas, mas sim como modificações do
indivíduo, e que podem ser muito diferentes, como o são os
indivíduos.
Neste
último caso, com efeito, aquilo que não é originariamente senão um fenômeno, por
exemplo, uma rosa tem, no sentido empírico, o valor de uma coisa em si, se
bem que, quanto à cor, possa a parecer diferente aos diferentes olhos. Pelo
contrário, o conceito transcendental dos fenômenos no espaço nos sugere
esta observação crítica, de que em geral nada do que é intuído no espaço, é
coisa em si; e, ainda, que o espaço não é uma forma das coisas consideradas em
si mesmas, mas que os objetos não nos são conhecidos em si mesmos e aquilo que
denominamos objetos exteriores consiste em simples representações de nossa
sensibilidade cuja forma é o espaço, mas cujo verdadeiro correlativo, a
coisa em si, permanece desconhecida e incognoscível, jamais sendo indagada
da experiência.
4
Exposição metafísica do conceito de tempo
1.° O
tempo não é um conceito empírico derivado de experiência alguma, porque a
simultaneidade ou a sucessão não seriam percebidas se a representação
“a priori” do tempo não lhes servisse de fundamento. Só sob esta suposição
podemos representar-nos que uma coisa seja ao mesmo tempo que outra
(simultânea), ou em tempo diferente
(sucessiva).
2.°
O tempo é uma representação necessária que serve de base a todas as intuições.
Não se pode suprimir o tempo nos fenômenos em geral, ainda que se possa separar,
muito bem, estes daquele. O tempo, pois, é dado “a priori”. Só nele é
possível toda realidade dos fenômenos. Estes podem todos desaparecer; mas o
tempo mesmo, como condição geral de sua possibilidade, não pode ser
suprimido.
3.°
Nesta necessidade “a priori” se funda também a possibilidade dos princípios
apodíticos, das relações ou axiomas do tempo em geral, tais como o tempo não
mais que uma dimensão; os diferentes tempos não são simultâneos, mas
sucessivos (enquanto que espaços diferentes não são sucessivos mas sim
simultâneos). Estes princípios não são deduzidos da experiência, porque esta não
pode dar uma estrita universalidade nem uma certeza
apodítica.
Poderíamos
dizer: assim o ensina a observação geral; e não: isto deve ser assim. Estes
princípios têm, pois valor como regras, que tornam a experiência possível
em geral, pois são elas que nos proporcionam o conhecimento da
experiência.
4.°
O tempo não é nenhum conceito discursivo ou, como se diz, geral, mas uma
forma pura da intuição sensível. Tempos diferentes não são senão partes de um
mesmo tempo. Ora, uma representação que só pode ser dada por um objeto
único, é uma
intuição.
Assim a
proposição: tempos diferentes não podem ser simultâneos, não se deriva de
um conceito geral. Ela é uma proposição sintética que não pode derivar
somente de conceitos. Acha-se pois contida imediatamente na intuição e
representação do
tempo.
5.° A
natureza infinita do tempo significa que toda quantidade determinada de tempo é
somente possível pelas limitações de um único tempo que lhes serve de
fundamento. Portanto, a representação primitiva do tempo deve ser dada como
ilimitada. Ora, quando as partes mesmas e quantidades todas de um
objeto só podem ser representadas e determinadas por meio de uma limitação,
então a representação toda desse objeto não pode ser dada por conceitos (porque
estes só contém representações parciais) devendo ter como fundamento
uma intuição parcial.
5
Exposição transcendental do conceito de tempo
Para
explicar este ponto, posso reportar-me ao número 3 precedente, onde, para ser
breve, coloquei o que propriamente é transcendental, sob o titulo de
exposição metafísica. Aqui somente acrescento que os conceitos de mudança e de
movimento (como mudança de lugar), só são possíveis por e na
representação do tempo, e que se essa representação não fosse uma intuição
(interna) “a priori”, não houve a possibilidade de uma mudança, quer dizer,
a possibilidade de união de predicados opostos contraditoriamente em um só e
mesmo objeto (por exemplo, que uma mesma coisa esteja e não esteja em um
lugar).
Somente
no tempo podem encontrar-se essas duas determinações contraditoriamente opostas
em uma mesma coisa, quer dizer, só na sucessão. Explica, pois, nosso conceito de
tempo, a possibilidade de tantos conhecimentos sintéticos “a priori”, como
expõe a ciência geral do movimento, que não é pouco fecunda.
6
Corolários destes conceitos
a) O tempo
não subsiste por si mesmo, nem pertence às coisas como determinação objetiva que
permaneça na coisa mesma uma vez abstraídas todas as condições subjetivas
de sua intuição. No primeiro caso, o tempo, sem objeto real, seria sem embargo
algo real; no segundo, sendo uma determinação das coisas mesmas, ou uma ordem
estabelecida, não poderia preceder aos objetos com sua condição, nem ser
conhecido e percebido “a priori” por proposições
sintéticas.
Mas
este último tem lugar se o tempo não é mais flue a condição subjetiva sob a qual
são possíveis em nós as intuições; porque, então, esta forma da intuição
interna pode ser representada anteriormente aos objetos, e por conseguinte “a
priori”.
b) O
tempo é a forma do sentido interno, que quer dizer, da intuição de nós outros
mesmos e de nosso estado interior. O tempo não pode ser determinação alguma
dos fenômenos externos, não pertence nem a uma figura, nem a uma posição, pois
ele determina a relação das representações em nossos estados
internos.
E como
esta intuição interior não forma figura alguma, procuramos suprir esta falta
pela analogia e representamos a sucessão do tempo por uma linha prolongável
até o infinito, cujas diversas partes constituem uma série de uma só dimensão, e
derivamos das propriedades desta linha todas as do tempo, excetuando só uma, a
saber: que as partes das linhas são simultâneas, enquanto que as do tempo
são sempre sucessivas. Donde se deduz também que a representação do tempo é uma
intuição, porque todas as suas relações podem ser expressas por uma
intuição
exterior.
c) O
tempo é a condição formal “a priori” de todos os fenômenos em geral. O espaço,
como forma pura de todas as intuições externas, só serve, como condição “a
priori”, para os fenômenos exteriores. Pelo contrário, como todas as
representações, tenham ou não por objeto coisas exteriores, pertencem, não
obstante, por si mesmas, como esse estado, sob a condição formal da intuição
interna, pertence ao tempo, é o tempo uma condição “a priori” de todos os
fenômenos interiores (de nossa alma) e a condição imediata dos fénômenos
externos.
Se
posso dizer “a priori”: todos os fenômenos exteriores estão no espaço e são
determinados “a priori” segundo as relações do espaço, posso afirmar também
em um sentido geral e partindo do princípio do sentido interno: todos os
fenômenos em geral, quer dizer, todos os objetos dos sentidos estão no tempo, e
estão necessariamente sujeitos às relações do
tempo.
O tempo é
um pensamento vazio (nada) se fazemos abstração de nossa maneira de
intuição interna, do modo como compreendemos todas as intuições
exteriores em nossa faculdade de representar (mediante essa intuição), e
tomamos, por conseguinte, os objetos tais como podem ser em si mesmos. O
tempo tem um valor objetivo somente em relação aos fenômenos porque estes são
coisas que consideramos como objetos de nossos sentidos; mas deixa de ter
esse valor objetivo quando se faz abstração da sensibilidade de nossa intuição
(por conseguinte, desta espécie de representação que nos é própria), quando se
fala de coisas em
geral.
O tempo,
que não é senão uma condição subjetiva de nossa intuição geral (sempre
sensível, quer dizer, só se produz quando somos afetados pelos objetos),
considerado em si mesmo e fora do sujeito, não é nada. É, não obstante,
necessariamente objetivo em relação a todos os fenômenos, e por
conseguinte, também a todas as coisas que a experiência pode oferecer-nos. Não
podemos dizer: todas as coisas existem no tempo, porque, no conceito de
coisas em geral, faz-se abstração de toda maneira de intuição dessas coisas e
sendo esta propriamente a condição pela qual o tempo pertence à
representação dos
objetos.
Mas se
esta condição se acrescenta ao conceito e se diz: todas as coisas, como
fenômenos (objetos da intuição sensível), existem no tempo, então tem esse
princípio o seu exato valor objetivo e a sua universalidade “a
priori”.
As
nossas considerações mostram a realidade empírica do tempo, quer dizer, o seu
valor objetivo relativamente a todos os objetos que possam oferecer-se aos
nossos sentidos. E como a nossa intuição é sempre sensível, não pode nunca
oferecer-se a nós outros um objeto na experiência, que. não seja sujeito às
condições do
tempo.
Contestamos,
portanto, toda pretensão da realidade absoluta do tempo, a saber: a que o
considera, sem atender à forma da nossa intuição sensível, como
absolutamente inerente às coisas, quer dizer, como condição ou propriedade. Tais
propriedades que pertencem às coisas em si, não podem nunca ser dadas pelos
sentidos.
Cumpre
admitir a idealidade transcendental do tempo, no sentido de que se se abstraem
as condições subjetivas da intuição sensível, não é absolutamente nada não
podendo ser atribuida, tampouco, as coisas em si mesmas (independentemente
de toda relação com a nossa
intuição).
Todavia,
esta idealidade, a mesma que a do espaço, não deve ser comparada aos dados
subjetivos das sensações, porque aqui se supõe que o fenômeno mesmo a que
se unem estes atributos tem uma realidade objetiva; a realidade que falta
completamente aqui, a não ser que se considere só empiricamente, quer dizer,
seja a título de substância, seja a título de qualidade. Veja-se sobre isto
a observação da primeira seção.
7
Explicação
Contra
esta teoria, que admite a realidade empírica do tempo, combatendo a sua
realidade absoluta e transcendental, homens doutos formularam-me uma objeção,
que me parece ocorra ao comum dos leitores, pouco familiarizados com estes
assuntos. Tal é a objeção: há mudanças reais (o que é provado pela sucessão
de nossas representações, querendo-se negar os fenômenos externos e suas
mudanças); ora, a mudança das representações não é possível senão no tempo;
logo, o tempo é qualquer coisa de
real.
A resposta
não é difícil: aceito todo o argumento. O tempo, não resta dúvida, é
qualquer coisa de real: é, com efeito, a forma real da intuição interna.
Possui, pois, uma realidade subjetiva em relação à experiência interna: quer
dizer, tenho realmente a representação do tempo e de minhas próprias
determinações
nele.
Conseqüentemente,
o tempo não é real como objeto. Mas, se eu mesmo ou um outro ente me pudesse
perceber sem esta condição da sensibilidade, estas mesmas determinações que
nós nos representamos atualmente como mudanças nos dariam um conhecimento em que
não se encontrará mais a representação do tempo, nem, por conseguinte, a de
mudança, não existiriam. Sua realidade empírica permanece, pois, como
condição de todas as nossas experiências. Mas a realidade absoluta não
se pode, segundo vimos, conceder ao
tempo.
Ele não é
mais do que a forma de nossa intuição interna. Se se tira desta intuição a
condição especial de nossa sensibilidade, desaparece igualmente o conceito de
tempo, porque esta forma não pertence aos objetos mesmos, mas ao sujeito que os
percebe.
Porém a
causa, pela qual tal objeção é formulada tão concordemente, entre os que
nada têm a opor contra a idealidade do espaço, é esta: é que não esperavam poder
demonstrar apoditicamente a realidade absoluta do espaço, inibidos, pelo
idealismo, segundo o qual a realidade dos objetos exteriores não é
suscetível de nenhuma demonstração rigorosa, enquanto que a do objeto do
nosso sentido interno (de mim mesmo e de meu estado) lhes parecia imediatamente
claro pela
consciência.
Aqueles
poderiam ser simples aparência; mas este, a seu juízo, é inegavelmente qualquer
coisa real. Entretanto, os partidários de tal opinião olvidam que essas
duas classes de objetos, sem necessidade de combater sua realidade como
representações, pertencem somente ao fenômeno, que tem sempre dois
aspectos: um, quando o objeto é considerado em si mesmo (prescindindo da
maneira de percebê-lo, cuja natureza permanecerá sendo sempre problemática);
outro, quando se considera a forma da intuição deste objeto, forma que não deve
ser buscada no objeto em si, mas no sujeito, a quem aparece, e que, não
obstante, pertence real e necessariamente ao fenômeno que esse objeto
manifesta. São, pois, tempo e espaço duas fontes de conhecimentos, de que podem
derivar-se “a priori” diferentes conhecimentos sintéticos, como mostra o exemplo
das matemáticas puras, respeito ao conhecimento do espaço e de suas
relações.
Eles
são, ambos, formas puras de toda intuição sensível que tornam possíveis as
proposições sintéticas “a priori”. Mas estas fontes do conhecimento “a
priori”, pela mesma razão de que só são simples condições da sensibilidade,
determinam o seu próprio limite, enquanto se referem aos objetos,
considerados como fenômenos, e não representam coisas em si. O valor “a
priori” de ditas fontes se limita aos fenômenos; não tem aplicação objetiva fora
dos mesmos.
Esta
realidade formal do tempo e do espaço deixa intata a seguridade do conhecimento
experimental, porque estamos igualmente certos desse conhecimento, quer
essas formas sejam necessariamente inerentes às coisas em si, quer somente
à nossa intuição das
coisas.
Pelo
contrário, aqueles que sustentam a realidade absoluta do espaço e do tempo,
quer os tomem como subsistentes por si mesmos, quer como inerentes nos
objetos, acham-se em contradição com os princípios da experiência. Se se decidem
pelo primeiro e tomam espaço e tempo como subsistentes por si mesmos
(partido comumente seguido pelos fisico-matemáticos), têm que admitir
necessariamente duas quimeras (espaço e tempo), eternas e infinitas, que só
existem (sem que seja algo real) para compreender em seu seio tudo quanto é
real.
Aceitando a
segunda opinião seguida por alguns metafísicos da natureza, que consiste em
considerar tempo e espaço como relações de fenômenos (simultâneos no espaço
e sucessivos no tempo), abstraídos da experiência, ainda que confusamente
representados nessa abstração, é preciso negar a validade das teorias
matemáticas “a priori” das coisas reais (p. ex., no espaço); ou pelo menos sua
certeza apoditica, posto que não possa ser esta achada “a
posteriori”.
De
igual modo, os conceitos “a priori” de espaço e tempo, segundo esta
opinião, seriam só criação da fantasia cuja verdadeira fonte deve buscar-se na
experiência, porque de suas relações abstraídas se tem valido fantasia para
formar algo que contenha o que de geral há nela, ainda que sem as restrições que
a natureza lhes tem
posto.
Os
primeiros têm a vantagem de deixar livre o campo dos fenômenos para as
proposições matemáticas; mas essas mesmas condições os embaraçam em
extremo quando o entendimento quer sair deste
campo.
Os
segundos têm neste último ponto a vantagem de que as representações de
espaço e tempo não os detêm, quando quer julgar os objetos, não como fenômenos,
mas em sua relação com o entendimento; mas não podem nem dar um
fundamento das possibilidades dos conhecimentos matemáticos “a
priori”, faltando-lhes uma verdadeira intuição objetiva “a priori”, nem tampouco
conduzir a uma conformidade necessária as leis da experiência e
aquelas
asserções.
Em
nossa teoria da verdadeira natureza destas duas formas primitivas da
sensibilidade ficam resolvidas ambas as dificuldades. Finalmente é
óbvio que a Estética transcendental não pode conter mais do que esses
elementos, a saber: espaço e tempo, posto que todos os outros conceitos, que
pertencem à sensibilidade, mesmo o de movimento que reúne os dois
anteriores, implicam algo empírico, porque o movimento supõe a percepção de algo
movível.
O espaço
considerado em si mesmo não tem nada de movível: o movível deve ser, pois, algo
que somente se encontra pela experiência no espaço, e, conseguintemente, um
dado empírico. A Estética transcendental não pode tampouco contar entre os seus
dados “a priori” o conceito de mudança; porque o tempo mesmo não muda, mas
sim algo que existe no tempo. Necessita-se, pois, para isso, a percepção de uma
certa coisa e da sucessão de suas determinações, por conseguinte, da
experiência.
8
Observações gerais sobre a Estética
transcendental
I – Com o
fim de evitar erros e más interpretações neste assunto, devemos explicar
claramente nossa opinião sobre a natureza fundamental do conhecimento
sensível em
geral.
Temos
querido provar que todas as nossas intuições só são representações de
fenômenos, que não percebemos as coisas como são em si mesmas, nem são as
suas relações tais como se nos apresentam, e que se suprimíssemos nosso sujeito,
ou simplesmente a constituição subjetiva dos nossos sentidos em geral,
desapareceriam também todas as propriedades, todas as relações dos objetos
no espaço e no tempo, e também o espaço e o tempo, porque tudo isto, como
fenômeno, não pode existir em si, mas somente em nós
mesmos.
Para nós
é completamente desconhecida qual possa ser a natureza das coisas em si,
independentes de toda receptividade da nossa sensibilidade. Não conhecemos
delas senão a maneira que temos de percebê-las; maneira que nos é peculiar; mas
que tão pouco deve ser necessariamente a de todo ser, ainda que seja a de todos
os homens.
É a
esta maneira de perceber que nos ateremos,
unicamente.
Tempo
e espaço são as formas puras desta percepção, e a sensação, em geral, a sua
matéria. Só podemos conhecer “a priori” as formas puras do espaço e do tempo,
quer dizer, antes de toda percepção efetiva, e por isso se denomina intuição
pura; a sensação, pelo contrário, é que faz ser o nosso conhecimento “a
posteriori”, quer dizer, intuição empírica. Aquelas formas pertencem
absoluta e necessariamente à nossa sensibilidade, e qualquer espécie que
sejam as nossas sensações; estas podem ser mui
diversas.
Por
mais alto que fosse o grau de clareza que pudéssemos dar à nossa intuição, nunca
nos aproximaríamos da natureza das coisas em si; porque em todo caso só
conheceríamos perfeitamente nossa maneira de intuição, quer dizer, nossa
sensibilidade, e isto sempre sob as condições de tempo e espaço
originariamente inerentes no
sujeito.
O mais
perfeito conhecimento dos fenômenos que é o único que nos é dado atingir, jamais
nos proporcionará o conhecimento dos objetos em si
mesmos.
Desnaturam-se
os conceitos de sensibilidade e de fenômeno inutilizando e destruindo toda a
doutrina do conhecimento, quando se quer que toda a nossa sensibilidade consista
na representação confusa das coisas, representação que conteria
absolutamente tudo o que elas são em si, ainda que sob a forma de um amontoado
de caracteres e representações parciais, que não distinguimos claramente
uns de outros.
A
diferença entre uma representação obscura e outra clara é puramente lógica, e
não se refere ao seu
conteúdo.
Sem
dúvida, o conceito de direito, empregado pela sã inteligência comum, contém tudo
o que a mais sutil especulação pode desenvolver do mesmo, ainda que no uso
prático e comum não se tenha consciência das diversas representações
contidas nesse conceito. Mas não se pode dizer por isto que o conceito
vulgar seja sensível e não designe senão um simples fenômeno; porque o
direito não poderia ser um objeto de percepção, pois o seu conceito existe
no entendimento e representa uma qualidade (a moral) das ações, que elas
possuem em si
mesmas.
Pelo
contrário, a representação de um corpo na intuição não contém absolutamente nada
que propriamente possa pertencer a um objeto em si, mas somente o fenômeno (a
manifestação) de alguma coisa e a maneira de como nos
afeta.
Ora, esta
receptividade de nossa faculdade de conhecer, que se denomina sensibilidade,
permanece sempre profundamente distinta do conhecimento do objeto em
si, ainda que se pudesse penetrar o fenômeno até o seu âmago. A filosofia
leibnitzwolfiana adotou, nas suas indagações sobre a natureza e origem dos
nossos conhecimentos, um ponto de vista errôneo, ao considerar como
exclusivamente lógica a diferença entre a sensibilidade e o
entendimento.
Tal
diferença é claramente transcendental, e não se refere só à clareza ou
obscuridade, mas também à origem e conteúdo de nossos conhecimentos; de tal
sorte que, mediante a sensibilidade, não conhecemos de nenhuma maneira as coisas
em si mesmas. Desde o momento em que fazemos abstração de nossa natureza
subjetiva, o objeto representado e as propriedades que lhe atribuímos mediante a
intuição desaparecem; porque a natureza subjetiva é precisamente quem
determina a forma desse objeto como
fenômeno.
Por
outro lado, sabemos distinguir muito bem nos fenômenos o que pertence
essencialmente à intuição dos mesmos, e vale em geral para todo o sentido
humano, daquilo que só lhe pertence de modo acidental, e que não vale para toda
relação em geral da sensibilidade, mas unicamente para a posição particular ou
organização deste ou daquele sentido. Do primeiro conhecimento se diz que
representa a coisa em si e do segundo que representa meramente o fenômeno.
Porém essa diferença é só empírica. Se se permanece nela (como comumente
acontece) e não se considera novamente aquela intuição empírica (conforme
deverá suceder) como um puro fenômeno, no qual não se encontra nada que pertença
a uma coisa em si, desaparece então a nossa distinção transcendental e cremos
conhecer as coisas em si, ainda que nas mais profundas investigações do mundo
sensível, só possamos ocupar-nos de
fenômenos.
Assim;
por exemplo, se dissermos do arco-iris que ele é um simples fenômeno que se
mostra na chuva iluminada pelo sol, e da chuva que é uma coisa em si, essa
maneira de falar é exata, desde que entendemos a chuva em um sentido físico,
quer dizer, como uma coisa que, na experiência geral, é determinada de tal modo
e não diversamente, quaisquer que sejam as disposições dos
sentidos.
Entretanto,
se tomamos esse fenômeno empírico de uma maneira geral, e sem nos ocuparmos
de seu acordo com todos os sentidos humanos, perguntarmos se ele representa
também um objeto em si (não direi das gotas de chuva, porque são já, como
fenômenos, objetos empíricos), a questão da relação entre a representação e o
objeto vem a ser transcendental. Não somente essas gotas de chuva são simples
fenômenos, mas mesmo a sua forma e até o espaço em que tombam nada são em si;
não passam de modificações ou de disposições de nossa intuição
sensível.
Quanto
ao objeto transcendental, permanece completamente ignorado por
nós.
Outra
importante advertência de nossa Estética transcendental é que não merece
ser recebida somente como uma hipótese verossímil, mas como um valor tão certo e
seguro como pode exigir-se de uma teoria que deve servir de orgânon. E para
tornar completamente evidente esta certeza, escolhamos um caso que mostre
visivelmente o seu valor e possa dar luz ao que já foi dito no número
3.
Suponho que o
espaço e o tempo existem em si objetivamente e como condições da possibilidade
das coisas em si, uma primeira dificuldade se apresenta. Nós tiramos “a priori”
de um e doutro, mas particularmente do espaço, que aqui tomamos, como
principal exemplo, um grande número de proposições apodíticas e
sintéticas.
Posto
que as proposições da Geometria são conhecidas sinteticamente “a priori” e
com uma certeza apodítica, pergunto: de onde tomais semelhantes
proposições e em que se apóia o nosso entendimento para chegar a essas
verdades absolutamente necessárias e universalmente
válidas?
Só
existem dois meios para elas: os conceitos e as intuições. Tais meios nos são
fornecidos “a priori” ou “a
posteriori”.
Os
conceitos empíricos e o seu fundamento, ou seja, a intuição empírica, nunca
podem fornecer-nos outras proposições sintéticas além das empíricas e de
que caracterizam todas as proposições da
Geometria.
O
outro meio restante consistiria em alcançar esses conhecimentos com simples
conceitos ou intuições “a priori”; mas resulta que de simples conceitos não
se pode chegar a nenhum conhecimento sintético, pois só permitem
conhecimentos analíticos. Tomai, por exemplo, a proposição: entre duas
linhas retas não pode encerrar-se um espaço e, por conseguinte, não é
possível figura alguma; procurai deduzi-la dos conceitos de reta e do
número dois. Tomai outro exemplo: uma figura é possível com três linhas retas, e
intentai deduzi-la desses mesmos
conceitos.
Todos
os vossos esforços seriam inúteis, e vos verieis necessitados de recorrer à
intuição, que é o que sempre fez a
Geometria.
Dai-nos
um objeto na intuição; mas de que espécie é essa intuição? É ela pura, “a
priori”, ou empírica? Se fosse esta última, nunca poderia provir dela uma
proposição universal, e menos ainda, uma apodítica porque, mediante a
experiência, não podem ter esta necessidade e esta universalidade que, sob
esse título de proposições experimentais, não se podem jamais conseguir de
semelhante
natureza.
Ver-vos-eis
obrigados a dar “a priori” vosso objeto na intuição e fundar nele vossa
proposição sintética. Se não existisse em vós uma faculdade de intuição “a
priori”, e se esta condição subjetiva, quanto à forma, não fosse ao mesmo
tempo a geral condição “a priori”, única que torna possível o objeto desta
intuição (externa) mesma; se fosse, enfim, o objeto (o triângulo) algo em si
mesmo e alheio a toda relação com vosso sujeito, como podei-íeis dizer que
o que é necessário em vossas condições subjetivas para construir um triângulo
deve também pertencer imprescindivelmente ao triângulo em
si?
Porque vós
não podeis acrescentar aos vossos conceitos (de três linhas) nada de novo (a
figura), que necessariamente deva encontrar-se no objeto porque esse objeto é
dado anteriormente ao nosso conhecimento e não por ele. Se não fosse, pois, o
espaço (e mesmo o tempo) uma forma pura de vossa intuição, que contém as
condições “a priori”, as únicas que podem fazer com que sejam para vós as
coisas objetos exteriores, e que sem esta condição subjetiva não são nada em si,
não poderíeis determinar nada sinteticamente “a priori” dos objetos
externos. É portanto indubitavelmente certo, e não só verossímil ou
possível, que espaço e tempo, como condições necessárias para toda experiência
(interna e externa) não são mais do que condições puramente subjetivas de todas
as nossas intuições, e que a este respeito todos os objetos são somente
fenômenos e não coisas em si dadas desta
maneira.
Destes
pode dizer-se muito “a priori”, referente à forma desses objetos; mas nada
da coisa em si mesma que possa servir de fundamento a esses
fenômenos.
II –
Para confirmar esta teoria da idealidade e do sentido interno e externo e,
conseqüentemente, de todos os objetos do sentido, como puros
fenômenos, pode-se todavia observar que tudo o que pertence à intuição em
nosso conhecimento (excetuando o sentimento de prazer, de dor e a vontade,
que não são conhecimentos) não contém mais que simples relações: relações de
lugar em uma intuição (extensão), de mudança de lugar (movimento) e de leis
que determinam essa mudança (forças
motrizes).
Mas o
que está presente no lugar ou o que atua nas coisas mesmas fora da mudança de
lugar não está dado na intuição. Pois bem; como pelas simples relações não pode
ser conhecida uma coisa em si, é justo julgar que o sentido externo, que só nos
fornece simples representações de relações, não possa compreender em sua
representação mais do que a relação de um objeto com o sujeito, e não
o que é próprio ao objeto e lhe pertence em
si.
O mesmo
sucede com a intuição interna. Não são só as representações dos sentidos
externos que constituem a matéria própria com que enriquecemos nosso
espírito, porque o tempo (no qual colocamos estas representações, e que
precede à consciência das mesmas na experiência, servindo-lhes de
fundamento como condição formal da maneira que temos de dispô-las em nosso
espírito) compreende já relações de sucessão, de simultaneidade, e do que é
simultâneo com o sucessivo
(permanente)
Ora,
tudo o que pode, como representação, preceder a todo ato de pensamento, é a
intuição; e como ela não contém senão relações, a firma da intuição, que não
representa nada até que alguma coisa seja dada no espírito, não pode ser outra
coisa mais do que a maneira segundo a qual o espírito foi afetado por sua
própria atividade, ou por esta posição de sua representação, por
conseguinte, por si mesmo, quer dizer, um sentido interno considerado em
sua forma.
Tudo o
que é representado por um sentido é sempre um fenômeno, e, por conseguinte, ou
não deve reconhecer-se um sentido interno, ou o sujeito que é objeto do
mesmo não pode ser representado por este sentido interno senão como um
fenômeno, e não como ele se julgaria a si mesmo, se sua intuição fosse
simplesmente espontânea, quer dizer: intelectual. Toda a dificuldade consiste em
saber-se como um sujeito pode perceber-se intuitivamente a si mesmo; mas esta
dificuldade é comum a todas as
teorias.
A
consciência de si mesmo (apercepção) é a representação simples do eu; e se tudo
que existe de diverso no sujeito fosse dado espontaneamente nesta representação,
a intuição interna seria ente intelectual. Esta consciência exige no homem uma
percepção interna diversa, previamente dada no sujeito, e o modo segundo o qual
é dada no espírito sem alguma espontaneidade deve, em virtude dessa
diferença, chamar-se
sensibilidade.
Para
que a faculdade de ter consciência de si mesmo possa descobrir (apreender)
aquilo que está no espírito, cumpre que aquele seja afetado: só sob esta
condição podemos ter a intuição de nós mesmos; mas a forma desta intuição,
existindo previamente no espírito, determina na representação do tempo a
maneira de compor a diversidade no espírito; ele se percebe intuitivamente, não
como se representara a si mesmo imediatamente e em virtude de sua
espontaneidade, mas segundo a maneira pela qual ele é intuitivamente afetado, e,
por conseguinte, tal como ele se oferece a si próprio e não como
é.
III – Ao
afirmar que a intuição dos objetos exteriores, e a que o espírito tem de si
mesmo, representam, no espaço e no tempo, cada uma de per si, seu objeto,
tal como este afeta os nossos sentidos, isto é, segundo nos aparecem, não quero
dizer que esses objetos sejam mera aparência. E sustentamos isto, porque, no
fenômeno, os objetos e também as propriedades que lhe atribuímos são sempre
considerados como algo dado realmente; somente, como essas qualidades dependem
unicamente da maneira de intuição, do sujeito em sua relação com o objeto
dado, este objeto, como manifestação de si mesmo, é distinto do que ele é em
si.
Assim, não
digo que os corpos parecem existir simplesmente fora de mim, ou que minha alma
só parece estar dada em minha consciência, quando afirmo que a qualidade do
tempo e do espaço, segundo me represento e onde coloco a condição de sua
existência, existe em meu modo de intuição e não nos objetos em si. Seria culpa
minha se o que deve considerar-se como fenômeno fosse tido como uma pura
aparência.(3)
Mas
isto não se dá com o nosso princípio de idealidade de todas as nossas intuições
sensíveis; concedendo-se, pelo contrário, uma realidade objetiva a essas
formas da representação, tudo inevitavelmente se converte em pura
aparência. Ao considerar tempo e espaço como qualidades que devem encontrar-se
nas coisas em si para sua possibilidade, reflita-se nos absurdos a que
chegam, admitindo duas coisas infinitas sem ser substâncias, nem algo
realmente inerente nelas, mas que devem ser algo existente para condição
necessária de existência para todos os objetos, e que subsistiriam ainda
mesmo que cessassem de existir todas as
coisas.
Não se
deve censurar ao bom Berkeley, por ter reduzido tudo à aparência. Nossa própria
existência, dependente em tal caso da realidade subsistente em si de
uma quimera, tal como o tempo, será como este uma vá aparência: absurdo que até
agora ninguém ousou
sustentar.
IV –
Na Teologia natural, em que se concebe um objeto que não só não pode ser
para nós outros objeto de intuição, nem tampouco o pode ser de nenhuma intuição
sensível, distingue-se cuidadosamente de sua própria intuição as condições
de espaço e tempo (digo de sua intuição, porque todo o seu conhecimento
deve ter este caráter e não o de pensamento, que supõe
limites).
Mas,
com que direito se procede assim, uma vez que se consideram espaço e tempo como
formas dos objetos em si, e formas tais que subsistiriam como
condições “a priori” da existência das coisas, ainda que estas desaparecessem?
Se são condições de toda existência em geral, devem ser também da existência de
Deus.
Se não são,
pois, considerados espaço e tempo como formas objetivas de todas as coisas, é
indispensável tê-los por formas subjetivas de nosso modo de intuição, tanto
interna como externa. E afirmamos de tais intuições a sua qualidade de
sensíveis, porque não são tais que por si sós produzam a existência real do
objeto (cujo modo de intuição cremos que só pode pertencer ao ser supremo),
mas que depende da existência do objeto e só são possíveis sendo afetada a
faculdade representativa do
sujeito.
Tampouco
é necessário que limitemos a maneira de conhecer por intuição pelas quais
representamos as coisas no espaço e no tempo, à sensibilidade humana.
Quiçá todos os seres finitos, pensantes, conformem necessariamente nisto com os
homens (ainda que nada possamos decidir neste particular); mas nem por essa
universalidade deixará a intuição de ser sensibilidade, porque é
derivada (intuitus derivatus) e não primitiva (intuitus
originarius), e, por conseguinte, não é intuição intelectual, como a que
parece pertencer tão-só ao ser supremo pelas razões antes indicadas e não
um ser independente, tanto pela sua existência como pela sua intuição (que
determina a sua existência em relação com os objetos dados). Esta última
observação não deve ser considerada mais do que um esclarecimento e não
como uma prova de nossa teoria estética.
Conclusão da Estética transcendental
Já
possuímos um dos dados requeridos para a solução do problema geral da Filosofia
transcendental: como são possíveis as proposições sintéticas “a
priori”?
Quer
dizer, estas intuições puras “a priori”: espaço e tempo. Quando em nosso juízo
“a priori” queremos sair do conceito dado, encontramos algo que pode ser
descoberto “a priori” na intuição correspondente e não no conceito, e que
pode ser enlaçado sinteticamente a este conceito; mas juízos que, por esta
razão, só alcançam aos objetos dos sentidos e só valem para os da
experiência.
– Introdução –
Idéia de Uma
Lógica Transcendental
I – Da Lógica em
geral
Nosso
conhecimento emana de duas fontes principais do espírito: a primeira consiste na
capacidade de receber as representações (a receptividade das
impressões), e a segunda, na faculdade de conhecer um objeto por meio dessas
representações (a espontaneidade dos conceitos). Pela primeira nos é
dado um objeto, pela segunda é pensado em relação a essa representação
(como pura determinação do
espírito).
Constituem,
pois, os elementos de todo nosso conhecimento, a intuição e os conceitos; de tal
modo, que não existe conhecimento por conceitos sem a correspondente intuição ou
por intuições sem conceitos. Ambos são puros ou empíricos: empíricos se neles se
contém uma sensação (que supôe a presença real do objeto); puro, se na
representação não se mescla sensação alguma. Pode chamar-se à sensação, a
matéria do conhecimento
sensível.
A
intuição pura, portanto, contém unicamente a forma pela qual é percebida alguma
coisa, e o conceito puro a forma do pensamento de um objeto em geral.
Somente as intuições e conceitos puros são possíveis “a priori”; os empíricos só
o são “a
posteriori”.
Se
denominamos sensibilidade à capacidade que tem nosso espírito de receber
representações (receptividade), quando é de qualquer modo afetado, pelo
contrário, chamar-se-á entendimento à faculdade que temos de produzir nós
mesmos representações ou a espontaneidade do
conhecimento.
Pela
índole da nossa natureza a intuição não pode ser senão sensível, de tal sorte,
que só contém a maneira de como somos afetados pelos objetos. O
entendimento, pelo contrário, é a faculdade de pensar o objeto da intuição
sensível. Nenhuma dessas propriedades é preferível à outra. Sem
sensibilidade, não nos seriam dados os objetos, e sem o entendimento,
nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem
certos conceitos, são
cegos.
Assim, é
necessário tornar sensíveis os conceitos (quer dizer, fornecer-lhes o
objeto dado na intuição), bem como tornar inteligíveis as intuições
(submetendo-as a conceitos). Estas duas faculdades ou capacidades não podem
trocar de funções. O entendimento não pode perceber e os sentidos não podem
pensar coisa alguma. Somente quando se unem, resulta o
conhecimento.
Cumpre,
no entanto, não confundir as suas funções, importando separá-las e distingui-las
cuidadosamente. Em semelhante distinção se acha a base para distinguir
também a ciência das regras da sensibilidade em geral, quer dizer, a Estética,
da ciência das leis do entendimento em geral, quer dizer, da
Lógica.
A Lógica,
por sua vez, pode ser considerada sob dois pontos de vista, conforme se examinem
as operações gerais ou as operações particulares do entendimento. A primeira
compreende as regras absolutamente necessárias do pensar, sem as quais não podem
ter lugar as operações intelectuais, e, por conseguinte, ela encara esta
faculdade, independentemente da diversidade dos objetos aos quais pode
aplicar-se. A Lógica das operações particulares contém as regras para pensar
retamente sobre certos objetos
determinados.
A
primeira pode chamar-se Lógica elementar; a segunda, é o orgânon desta ou
daquela ciência. Esta última é habitualmente ensinada nas escolas como
propedêutica das ciências, embora no desenvolvimento da razão humana ela
seja o último lugar a ser atingido; pois só ali chegamos quando a ciência se
encontra muito adiantada, e só espera a última palavra para atingir o mais
elevado grau de exatidão e perfeição. Com efeito, é preciso conhecer os
objetos suficientemente, para poder dar as regras segundo as quais pode
formar-se a
ciência.
A
Lógica geral é pura ou aplicada. Na primeira, abstraímos todas as condições
empíricas, sob as quais se exerce o nosso entendimento, p. ex.: a influência dos
sentidos, o jogo da imaginação, as leis da memória, o poder do hábito, a
inclinação etc.; conseguintemente, também as fontes dos prejuízos e, em
geral, todas as causas verdadeiras ou supostas de que podem derivar-se certos
conhecimentos que, por não se referirem só ao entendimento necessitam
da experiência.
A
Lógica geral e pura tem por único objetivo princípios “a priori” e é um cânon do
entendimento e da razão, mas unicamente em relação à parte formal de seu
uso, qualquer que seja o seu conteúdo (empírico ou transcendental). Diz-se que
uma Lógica geral é aplicada, quando se ocupa das regras do uso do entendimento,
sob as condições empíricas e subjetivas que nos ensina a Psicologia. Esta
Lógica tem, pois, também, princípios empíricos, ainda que seja geral enquanto
trata da aplicação do entendimento sem distinção de objetos. Portanto, não
é um cânon do entendimento em geral, nem um orgânon das ciências
particulares, mas unicamente um purificador (4) do entendimento
comum.
Deve ser,
pois, completamente separada na Lógica geral, aquela parte que constitui a
teoria pura da razão, da outra que forma a Lógica aplicada (por mais que
esta seja também
geral).
Só a
primeira é propriamente uma ciência, certa e árida, como o exige um tratado
escolástico da doutrina elementar do entendimento. Nesta parte os lógicos devem
ter sempre presentes, duas
regras:
1) Como
Lógica geral, abstrai a matéria do conhecimento intelectual e toda a diversidade
de seus objetos, e só se ocupa da forma do
pensamento.
2)
Como Lógica pura, não tem nenhum princípio empírico e, por conseguinte, não
empresta nada (como frequentemente se persuade) da Psicologia, que não
exerce influência alguma sobre o cânon do entendimento. É uma doutrina
demonstrada, e tudo deve ser nela amplamente “a
priori”.
Quanto à
Lógica que denomino aplicada (contra a significação comum desta palavra,
que designa certos exercícios e cuja regra a Lógica pura fornece) é que
representa o entendimento e as regras de seu uso necessário considerado “in
concreto”, quer dizer, enquanto se acha submetido às condições contingentes
do sujeito que poderão ser-lhe opostas ou favoráveis, não sendo jamais dadas “a
priori”. Essa Lógica trata da atenção, de seus obstáculos e efeitos, da origem
dos erros, do estado da dúvida, do escrúpulo, da persuasão,
etc.
Possui com a
Lógica geral e pura a mesma relação que existe entre a moral pura, que
contém unicamente as leis morais necessárias de uma vontade livre em geral, e a
ética propriamente dita (teoria das virtudes) que examina essas leis em
relação aos obstáculos com que tropeçam nos sentimentos, inclinações e
paixões a que muito ou pouco estão sujeitos os homens. Esta nunca seria uma
ciência demonstrada, porque do mesmo modo que a Lógica aplicada, ela tem
necessidade de princípios empíricos e psicológicos.
II
– Da Lógica transcendental
Já temos
dito que a Lógica geral faz abstração de todo conteúdo do conhecimento, quer
dizer, de toda relação entre o conhecimento e o objeto, e que só compreende a
forma lógica dos conhecimentos em todas as suas respectivas relações: em
uma palavra, a forma do pensamento em geral. Mas assim como há intuições
puras tanto quanto intuições empíricas (que a Estética transcendental
prova), poderia muito bem achar-se uma diferença entre um pensamento puro e um
empírico dos
objetos.
Sendo
assim, haveria uma Lógica em que se não faria abstração de todo o conteúdo do
conhecimento, porque a que só contivesse as regras do pensamento puro de um
objeto, excluiria todos esses conhecimentos cujo conteúdo fosse empírico.
Esta Lógica investigaria também a origem do nosso conhecimento de objetos,
enquanto tal origem não possa ser atribuida aos objetos; a Lógica geral,
pelo contrário, não se ocupa com essa origem do conhecimento, e só se
limita a examinar as nossas representações sob o ponto de vista das leis com que
o entendimento a emprega e reúne entre si, quando pensa. Pouco lhe interessa que
essas representações tenham sua origem “a priori” em nós outros ou que tenham
sido dadas empiricamente; unicamente se ocupa da forma que o
entendimento pode dar-lhes, quaisquer que sejam as suas fontes de
proveniência. Devo fazer aqui uma observação que tem muita importância para o
que se segue e que é preciso não olvidar um só
instante.
A
palavra transcendente não convém a todo conhecimento “a priori”, mas só àquele
mediante o qual conhecemos que certas representações (intuições ou
conceitos) não são aplicadas ou possíveis senão “a priori” e como o são
(pois esta palavra designa a possibilidade do conhecimento ou de seu uso “a
priori”). Desta sorte, não são representações transcendentais o espaço nem
qualquer determinação geométrica “a priori” do espaço, e só pode ter o nome
de transcendental o conhecimento da origem não empírica dessas representações e
da maneira com que podem referir-se “a priori” a objetos da
experiência.
Assim,
também, será transcendental a aplicação do espaço aos objetos em geral, e
empírica, quando se limitar unicamente a objetos dos sentidos. A diferença
do transcendental e do empírico pertence, pois, tão-só à crítica dos
conhecimentos e em nada respeita à relação desses conhecimentos com seus
objetos.
Na
presunção de que há conceitos que se podem relacionar “a priori” aos
objetos, não como intuições puras ou sensíveis, mas somente como atos de
pensamento puro, e que por conseguinte são conceitos, mas conceitos cuja origem
não é empírica nem estética, nós concebemos previamente a idéia de uma ciência
do entendimento puro e do conhecimento racional pela qual nós pensamos os
objetos completamente “a priori”. Semelhante ciência que determinasse a origem,
a extensão e o valor objetivo desses conhecimentos, se deveria chamar Lógica
transcendental, porque ao mesmo tempo em que se ocupasse com as leis da
entendimento e da razão, por outro lado, só teria que ver com objetos “a
priori” e não, como a Lógica geral, com conhecimentos empíricos ou puros
sem distinção alguma.
III
– Divisão da Lógica geral em Analítica e Dialética
Que é a
verdade? Com esta antiga quão célebre pergunta acreditava-se colocar em
dificuldade os lógicos, obrigando-os a incidir na logomaquia mais lamentável, ou
a confessarem a sua ignorância e, por conseguinte, toda a fatuidade de sua
arte. A definição do vocábulo verdade, como sendo a conformidade do
conhecimento ao objeto, já está admitida e suposta nesta obra; mas o que se
deseja conhecer é o critério geral e certo de todo
conhecimento.
Saber
aquilo que racionalmente se deve indagar, já por si prova exuberância de
entendimento e sabedoria; porque se a pergunta é absurda em si e requer
respostas ociosas, não só desonra a quem a formula, como produz o inconveniente
de precipitar no absurdo ao que sem pensar responde e dá deste modo o
triste espetáculo de duas pessoas que, como dizem os antigos, um ordenha
enquanto o outro segura a
vasilha.
Se a
verdade consiste na conformidade de um conhecimento com seu objeto, este objeto
deve, por isso mesmo, ser distinguido de todos os outros; pois um conhecimento é
falso se não concorda com o objeto a que se relaciona, por mais que de outro
modo contenha algo que possa servir para outros objetos. Assim, um critério
geral da verdade valeria, sem distinção de seus objetos, para todos os
conhecimentos.
Mas
como então se faria a abstração de todo conteúdo do conhecimento (de sua relação
com o objeto), e a verdade precisamente se refere a tal conteúdo, é claro ser de
todo impossível e absurdo salientar uma característica suficiente e universal da
verdade.
E, como
já antes chamamos ao conteúdo do conhecimento de sua matéria, é lógico dizer que
encerra uma contradição querer-se buscar um critério universal para a
verdade do conhecimento quanto à matéria, por ser contraditório em si. No que se
refere ao conhecimento considerado simplesmente na forma (abstração feita
de todo conteúdo), é claro que uma lógica, expondo as regras universais e
necessárias do entendimento, fornece nessas mesmas critérios da
verdade.
Tudo
quanto contradite a essas leis é falso, porque o entendimento se põe em
contradição com as regras gerais de seu pensamento, quer dizer: consigo mesmo.
Mas esses critérios só respeitam à forma da verdade, quer dizer, ao pensar em
geral, e se já estes conceitos são exatos, não são suficientes, porque
ainda que um conhecimento concorde completamente com a forma lógica (quer
dizer, que não esteja em contradição consigo mesmo), pode muito bem suceder
que contradiga ao
objeto.
O
critério simplesmente lógico da verdade, a saber: a concordância de um
conhecimento com as leis universais e formais do entendimento e da razão, será
pois a condição “sine qua non”, quer dizer, negativa, de toda verdade; mais
longe não pode ir a Lógica, faltando-lhe uma pedra de toque, pela qual possa
descobrir o erro, que alcance ao conteúdo e não à
forma.
A Lógica
geral decompõe, pois, em seus elementos toda a obra formal do entendimento
e da razão, e os apresenta como princípios de toda apreciação lógica do nosso
conhecimento. A esta parte da Lógica pode dar-se o nome de analítica, e e desta
sorte a pedra de toque da verdade, ainda que negativa, porque cumpre controlar e
julgar segundo as suas regras a forma de todo conhecimento, antes de lhe
examinar o conteúdo, para ver se em relação ao objeto contém alguma verdade
positiva. Mas como não basta de modo algum para decidir sobre a verdade material
(objetiva) do conhecimento, a forma pura do mesmo, por muito que concorde
com as leis lógicas, ninguém pode aventurar-se apenas com a Lógica a julgar
objetos, nem a afirmar nada, sem ter antes achado, e independentemente
dela, manifestações fundadas, salvo pedir em seguida às leis lógicas em uso e
encadeamento em um todo sistemático, ou melhor ainda, submetê-los simplesmente a
essas leis. Todavia, há alguma coisa de sedutor na posse desta arte precisa
que consiste em dar a todos os nossos conhecimentos a forma do entendimento, por
vazio e pobre que possa ser o seu conteúdo, que esta Lógica geral que só é
um cânon do juízo, converter-se em certo modo em orgânon que utiliza para
tirar afirmações objetivas, pelo menos aparentemente, cometendo assim um
verdadeiro abuso. Tomada a Lógica geral por orgânon, tem o nome de
Dialética.
Por
diferente que seja a significação dada pelos antigos a essa palavra da
nossa, pode-se, sem embargo, deduzir do uso que realmente faziam, que a
Dialética para eles era só a Lógica da aparênçia; quer dizer, uma arte
sofistica, própria para dar à sua ignorância e aos seus artificios
preconcebidos o verniz da verdade, tratando de imitar o método fundamental
que prescreve a Lógica em geral e auxiliados pela Tópica para dar curso às mais
vãs alegações. Mas convém repetir, e é uma advertência que tanto tem de segura
quanto de útil, que a Lógica geral, considerada como orgânon, é sempre uma
Lógica de aparência, quer dizer,
Dialética.
Porque
como nos não ensina nada sobre o conteúdo do conhecimento, e só se limita a
expor as condições formais da concordância do conhecimento com o
entendimento, condições que, por outro lado, são por completo indiferentes
aos objetos, resulta que a pretensão de servir-se desta Lógica como de
instrumento (orgânon) para estender e aumentar os seus conhecimentos só pode
conduzir a uma pura parolagem, pela qual se afirma ou se nega aquilo que se
deseja com a mesma aparência de razão. Tal ensinamento está totalmente em
oposição à dignidade da Filosofia. Por isso, é justo aplicar o nome de Dialética
à aparência dialética. Neste sentido é que aqui a
compreendemos.
IV
– Divisão da Lógica transcendental em analítica e Dialética transcendental
Na Lógica
transcendental, nós isolamos o entendimento (como na Estética
transcendental isolamos a sensibilidade), e só tomamos do nosso
conhecimento a parte do pensamento que só tem sua origem no entendimento.
Mas há antes, no uso deste conhecimento puro, uma condição que se supõe a saber:
que os objetos a que possa aplicar-se nos tenham sido dados na intuição,
porque sem intuições carece de objetos todo o nosso conhecimento e está
inteiramente
vazio.
A parte da
Lógica transcendental que expõe os elementos do conhecimento puro do
entendimento e os princípios sem os quais nenhum objeto em geral pode ser
pensado, é a Analítica transcendental. Ela é ao mesmo tempo uma Lógica da
verdade.
Com
efeito, nenhum conhecimento pode estar em contradição com esta Lógica sem logo
perder todo o seu conteúdo, quer dizer, toda relação com – algum objeto, por
conseguinte, toda
verdade.
Mas como
é muito atraente, muito sedutor servir-se desses conhecimentos e princípios
puros do entendimento sem consideração à experiência, ou mesmo saindo dos
limites da experiência, única que nos pode fornecer a matéria à qual se aplicam
estes conceitos puros, o entendimento corre o risco de fazer, por meio de
raciocínios vãos, um uso material dos princípios simplesmente formais do
entendimento puro, e de pronunciar indistintamente sobre objetos que nos
não são dados e que talvez não o possam ser de nenhuma
maneira.
Se a
Lógica, pois, não deve ser mais do que um campo que só serve para julgar o uso
empírico dos conceitos do entendimento, é um verdadeiro abuso querer fazê-la
passar por um orgânon com uso universal e ilimitado e aventurar-se, com
apenas o entendimento puro, a emitir julgamentos sintéticos sobre os
objetos em geral e decidir dizer algo sobre eles. É neste caso que o uso do
entendimento puro é
dialético.
A
segunda parte da Lógica transcendental deve, pois, ser uma crítica desta
aparência dialética; e se porta o título de Dialética transcendental, não é como
arte de suscitar dogmaticamente essa aparência (arte, por infelicidade,
muito difundida da fantasmagoria filosófica), mas como crítica do
entendimento e da razão em seu uso hiperfísico, crítica tendo por fim
descobrir a falsa aparência que cobre suas vãs pretensões, e de limitar esta
ambição que se vangloria de achar e estender o conhecimento unicamente
por meio de leis transcendentais, e julgar e controlar somente o
entendimento puro e a premuni-lo contra as ilusões sofisticas.
Esta
analítica é a decomposição de todo nosso conhecimento “a priori" nos elementos
do conhecimento puro do entendimento. É preciso levar em conta os seguintes
pontos: 1.° que os conceitos sejam puros e não empíricos; 2.° que os mesmos não
pertençam à intuição e à sensibilidade, mas ao pensamento e ao entendimento; 3.°
que sejam conceitos elementares diferentes dos derivados ou dos que são
compostos; 4.° que seu quadro seja completo e abarque todo o campo do
entendimento
puro.
Esta
perfeição de uma ciência não pode ser admitida com toda confiança, se ela não
for mais do que um agregado formado por simples tentativas: ela só é
possível por meio de uma idéia do todo do conhecimento “a priori” devida ao
entendimento, e, pela divisão, precisa por isso mesmo dos conceitos que a
constituem, em uma palavra, por meio de sua ligação em um sistema. O
entendimento puro não se distingue somente de todo elemento empírico, mas
ainda de toda sensibilidade. Ele forma uma unidade que existe por si
mesma, que subsiste em si mesma, e que não pode ser acrescida por qualquer
adição de elemento
estranho.
O
conjunto de seu conhecimento formará, pois, um sistema compreensível e
determinável, sob uma só idéia e cuja totalidade e organização servem para
provar a legitimidade e valor de todos os elementos constitutivos do
conhecimento. Mas esta parte da Lógica transcendental se divide em dois livros,
compreendendo um os conceitos e outro, os princípios do entendimento
puro.
Analítica dos conceitos
Entendo
por analítica dos conceitos, não a análise dos mesmos ou o método, geralmente
seguido nas indagações filosóficas, consistente em decompor os conceitos
que se apresentam para dar clareza ao seu conteúdo, mas a decomposição, ainda
pouco intentada, da faculdade mesma do entendimento, para examinar a
possibilidade dos conceitos “a priori” que buscamos somente no
entendimento, como no seu lugar de origem, e considerar, em geral, a
aplicação pura desta faculdade. Tal é o objeto da Filosofia transcendental; o
restante é o estudo lógico dos conceitos, tal como se usa na
Filosofia.
Seguiremos
os conceitos puros até as suas raízes ou seus primeiros rudimentos, no
entendimento humano, onde existiam precedentemente, à espera da experiência
para o seu desenvolvimento e que, livres por esse mesmo entendimento das
condições empíricas que lhes são inerentes, cheguem a ser expostos em toda
a sua pureza.
Orientação para a descoberta de todos os conceitos puros do
entendimento
Ao
exercitar a faculdade de conhecer em determinadas circunstâncias,
apresentam-se diferentes conceitos que mostram a existência desta
faculdade, e que podem ser expostas em uma lista mais ou menos extensa, segundo
seja a sua observação mais detida e profunda. Não se pode assinalar,
com segurança, o termo desta indagação, cujo procedimento é, para dizer assim,
mecânico.
Existem
também conceitos, que se descobrem só ocasionalmente, e que não estão em uma
ordem dada nem em uma unidade sistemática. A ordenação destes conceitos só
pode fazer-se mediante certas analogias e a importância de seu conteúdo, indo do
simples ao composto; tal série nada possui de sistemático ainda que tenha sido
realizada
metodicamente.
A
Filosofia transcendental tem a vantagem, e por seu turno a missão, de investigar
estes conceitos, segundo um princípio porque procedem do entendimento puro
e sem mescla alguma, como de uma unidade absoluta, e devem, por conseguinte,
compor-se entre si sob um conceito ou idéia. Mas tal composição proporciona uma
regra, segundo a qual o lugar de cada conceito puro do entendimento, e a
integridade de seu conjunto, podem ser determinados “a priori”, pois
dependeriam do capricho ou do azar, em caso contrário.
Primeira Seção
Orientação Transcendental Para a Descoberta
de Todos os Conceitos do Entendimento
Do uso lógico do entendimento em geral
O
entendimento foi definido, antes, de uma maneira puramente negativa: uma
faculdade de conhecer não sensível. Pois bem; como não podemos ter nenhuma
intuição independente da sensibilidade, não é portanto o entendimento uma
faculdade intuitiva. Mas fora da intuição, não há outra maneira de conhecer
senão por conceitos. É, por conseguinte, o conhecimento do entendimento, pelo
menos o do homem, um conhecimento por conceitos, quer dizer, não intuitivo, mas
discursivo.
Todas as
intuições enquanto sensíveis apóiam-se nas afeições, mas os conceitos supõem
funções. Entendo por função a unidade de ação para ordenar diferentes
representações sob uma comum a todas elas. Fundam-se, pois, os conceitos na
espontaneidade do pensamento, do mesmo modo que as intuições sensíveis na
receptividade das impressões. O entendimento não pode fazer destes conceitos
outro uso senão julgar por seu
intermédio.
Como
nenhuma representação se refere imediatamente ao objeto, a não ser a
intuição, nunca um conceito se referirá imediatamente a um objeto senão a
qualquer outra representação desse objeto (seja intuição, seja conceito). O
juízo é, pois, o conhecimento mediato de um objeto, por conseguinte, a
representação de uma representação do objeto. Em todo juízo há um conceito
aplicável a muitas coisas e que sob esta pluralidade compreende também uma
representação dada, a qual se refere imediatamente ao objeto. Assim, por
exemplo, no juízo: todos os corpos são divisíveis, o conceito de divisibilidade
se refere também a outros, entre os quais se faz aqui uma relação
especial ao conceito de corpo, referido por seu turno a certos fenômenos
que se oferecem à nossa vista. Assim, pois, estes objetos são representados pelo
conceito de
divisibilidade.
Todos
os juízos são função da unidade entre as nossas representações, que, em lugar de
uma representação imediata, substitui outra mais elevada que
compreende em seu seio a esta e outras muitas e que serve para o conhecimento do
objeto reunindo deste modo muitos conhecimentos possíveis em um só. Mas
podemos reduzir todas as operações do entendimento a juízos; de modo que o
entendimento em geral pode ser representado como a faculdade de julgar. Porque,
segundo o que precede, é uma faculdade de
pensar.
O
pensamento é o conhecimento por conceitos. Mas os conceitos se relacionam como
predicados de juízos possíveis com uma representação qualquer de um objeto
ainda indeterminado. Assim, o conceito de corpo significa algo, por exemplo, um
metal que pode ser conhecido mediante aquele conceito. É, pois, somente,
conceito conquanto diante as quais pode referir-se a objetos. É, pois, o
predicado de um juízo possível, por exemplo, deste: todo metal é um corpo.
As funções do entendimento podem ser achadas se se expõem com certeza
as funções de unidade no juízo. A seção que segue mostrará que isto pode ser
feito perfeitamente.
Segunda Seção
9
Da função lógica do entendimento no juízo
Se
abstraímos todo o conteúdo de um juízo em geral e somente atendemos à pura forma
do entendimento, acharemos que a função do pensamento no juízo pode
compreender-se sob quatro títulos que contêm, respectivamente, cada um,
três momentos. Podem ser facilmente representados no seguinte
quadro:
Tábua das Categorias
Como esta
divisão parece diferir em alguns pontos, ainda que não essenciais, da técnica
usada pelos lógicos, serão úteis as seguintes observações, para evitar uma má
interpretação.
1.°
Os lógicos dizem, com razão, que no uso que se faz dos juízos nos raciocínios
pode-se tratar do mesmo modo os juízos singulares e os gerais. Porque,
precisamente, eles não têm extensão, seu predicado não pode ser referido
simplesmente a uma parte do que contém o conceito do sujeito e ser excluído do
restante. Ele se aplica, pois, a todo esse conceito sem exceção, como se se
tratasse de um conceito geral, a cuja extensão conviria o predicado. Mas se
comparamos um julgamento singular com um julgamento geral, a título
simplesmente de conhecimento e sob o ponto de vista da quantidade, veremos
que o primeiro está para o segundo assim como a unidade está para o
infinito, e que, por conseguinte, é em si essencialmente
distinto.
Se
examinarmos um juízo singular “judicium singulare”, não somente quanto ao seu
valor intrínseco, como também como conhecimento em geral, segundo a
quantidade que tem em comparação com outros conhecimentos, é,
indubitavelmente, distinto dos juízos gerais “judicia communia”, e
merece um lugar particular em uma tábua perfeita dos momentos do pensamento em
geral (ainda que seguramente não em uma lógica limitada puramente ao uso
dos juízos em
si).
2.° De igual
modo, em uma lógica transcendental, os juízos indefinidos devem ser
distinguidos dos julgamentos afirmativos, ainda que na lógica geral
estejam incluídos na mesma posição e não formem subdivisão à parte. Esta última
(lógica) faz abstração de toda a matéria do predicado (mesmo quando for
negativo) e considera somente se esse atributo pertence ao sujeito ou lhe é
oposto.
A
primeira, pelo contrário, considera também o juízo quanto à matéria ou conteúdo
desta afirmação lógica, feita mediante um atributo puramente negativo,
e indaga o que esta afirmação representa para o conhecimento em geral. Se
digo da alma: ela não é mortal, livro-me, mediante um juízo negativo, pelo menos
de um erro. Pela proposição: a alma não é mortal, afirmei segundo a forma
lógica, colocando a alma na ílimitada circunscrição dos seres imortais.
Porque constituindo o mortal uma parte de toda a extensão dos seres possíveis, e
o imortal a outra parte, por minha proposição não se disse outra coisa senão que
a alma é uma dentre as muitas coisas que permanecem quando se tirou delas
tudo quanto é
mortal.
Mas a
esfera indefinida de tudo o que é possível foi somente limitada enquanto se
separou dela tudo quanto é mortal, e colocou-se a alma na parte restante. Porém
este espaço permanece sempre indefinido e muitas partes poderiam suprimir-se sem
que por este conceito de alma aumentasse num mínimo e pudesse ser determinado
afirmativamente. Estes juízos indefinidos, em relação à circunscrição
lógica, são realmente limitativos em relação à matéria do conhecimento em geral,
e por isto não devem omitir-se na tábua transcendental de todos os momentos do
pensamento nos juízos, porque a função exercida aqui pelo entendimento quiçá
possa ser importante no campo de seu conhecimento puro “a
priori”.
3.°
Todas as relações do pensamento são: a) do predicado ao sujeito; b) do princípio
à conseqüência; c) do conhecimento dividido e de todos os membros da divisão
entre si.
Na
primeira espécie de juízo só se consideram os conceitos, na segunda os juízos,
na terceira muitos juízos relacionados uns com os outros. Esta proposição
hipotética: se há uma justiça perfeita o delinqüente será punido, contém
propriamente a relação de duas proposições que são: “há uma justiça
perfeita” e “o delinquente será castigado”. Fica aqui sem solução a verdade
peculiar de cada uma destas proposições, pensando-se nesse juízo somente na
consequência.
Finalmente,
o juízo disjuntivo contém uma relação de duas ou mais proposições entre si;
não de conseqüência mas de oposição lógica, no sentido de que a esfera de uma
exclui a esfera de outra. Contém ainda uma relação de comunidade enquanto
juntas ambas as esferas completam a do conhecimento próprio. Contém pois uma
relação das partes da esfera de um conhecimento, posto que a esfera de cada uma
dessas partes é a parte complementar da outra relativamente ao conjunto do
conhecimento próprio, por exemplo: “O mundo existe ou por uma causa acidental,
ou por uma necessidade interna, ou por uma causa
externa.”
Cada
uma destas quatro proposições compreende uma parte da esfera do
conhecimento possível da existência do mundo em geral; todas juntas compõem
a esfera total. Excluir o conhecimento de uma dessas esferas é colocá-lo em uma
das outras; pelo contrário, colocá-lo em uma delas é excluí-lo das
restantes. Há, pois, em um juízo disjuntivo uma certa comunidade de
conhecimentos que, excluindo-se reciprocamente uns e outros, determinam não
obstante no todo o verdadeiro conhecimento, posto que tomando-os em
conjunto, constituam o objeto total de um conhecimento particular dado. Creio
ser suficiente o que fica dito, para a compreensão do que
segue.
4.° A
modalidade dos juízos é uma função completamente particular dos mesmos, cujo
caráter proeminente é o fato de não entrarem no conteúdo dos juízos
(conteúdo esse formado pela quantidade, pela qualidade e pela relação), mas sim
referir-se unicamente ao valor da cópula em relação com o pensamento em geral.
Juízos problemáticos são aqueles em que se aceita a sua afirmação ou sua
negação, somente como possíveis (voluntárias); assertóricos são aqueles que
são considerados como reais (verdadeiros); apoditicos, aqueles cuja
afirmação ou negação são necessárias. Assim, os dois juízos cuja relação
constitui o juízo hipotético, (“antecedens et conseqüens”), e os que por
sua reciprocidade formam o disjuntivo (membros da divisão), são ambos
somente
problemáticos.
No
exemplo precedente, o juízo “se há uma justiça perfeita” não está posto
assertoricamente, mas somente pensado como um juízo arbitrário, que pode ser
admitido por qualquer um, não havendo senão a conseqüência como
assertórica. Donde se segue que tais juízos podem ser manifestamente falsos
e, não obstante, tomados problematicamente, servir de condições ao
conhecimento da verdade. Assim este juízo: “o mundo é o efeito de um cego azar”,
não tem, no julgamento disjuntivo, senão uma significação problemática,
isto é, qualquer um poderia admiti-lo por um momento; e, portanto (como
indicação de uma falsa rota no número de todas aquelas que se pode seguir),
serve para achar o verdadeiro
caminho.
A
proposição problemática é aquela que não exprime senão uma possibilidade lógica
(que não é objetiva), quer dizer, uma Livre escolha que se poderia fazer
como valível, ou um ato puramente arbitrário em virtude do qual se
admitiria no entendimento; a proposição assertórica anuncia uma realidade
ou verdade, quase o mesmo que em um raciocínio hipotético no qual o antecedente
é problemático na maior, assertórico na menor e mostra que a
proposição se acha ligada com o entendimento segundo as leis que a
regem.
A
proposição apodítica concebe a proposição assertórica como determinada por estas
leis mesmas do entendimento e, afirmando, por conseguinte, “a priori”,
manifesta em certa maneira uma necessidade lógica. Estas três funções de
modalidade podem ser designadas “como momentos do pensamento em geral”,
porque tudo se une aqui gradualmente ao entendimento, de tal sorte, que o que
antes se julgava como problemático, toma-se depois assertoricamente como
verdadeiro, para concluir, por fim, por uni-lo inseparavelmente com o
entendimento, quer dizer, por afirmá-lo como necessário e como
apodítico.
Terceira Seção
10
Dos conceitos puros do entendimento ou
categorias
A Lógica
geral abstrai, como já dissemos, toda a matéria do conhecimento e espera que lhe
sejam dadas representações de outra parte, de onde quer que seja, para
convertê-las em conceitos mediante a análise. A Lógica transcendental, pelo
contrário, tem por objeto uma diversidade de elementos sensíveis “a
priori”, que lhes oferece a Estética transcendental para servir de matéria
aos conceitos puros do entendimento, e sem o qual careceria a Lógica
de objeto, sendo por conseguinte completamente
vazia.
O espaço e
o tempo contêm, certamente, uma diversidade de elementos da intuição pura “a
priori”; mas, sem embargo, pertencem à condicionalidade receptiva do
nosso espírito, sob a qual unicamente podem receber-se as representações
dos objetos e por conseguinte afeta sempre também ao seu conceito. Mas a
espontaneidade de nosso pensamento exige para fazer desta diversidade um
conhecimento, que primeiramente tenha sido percorrida, recebida e enlaçada
de certa maneira. Esta operação denomina-a
síntese.
Entendo
por síntese, em sua mais alta significação, a operação de reunir as
representações umas com as outras e resumir toda a sua diversidade em um só
conhecimento. Esta síntese é pura, quando a diversidade não é empírica, mas dada
“a priori” (como a do espaço e do tempo). As representações devem ser
anteriores a toda análise, e não há conceitos cuja matéria possa ser explicada
analiticamente.
Mas
a síntese de uma diversidade (seja dada a priori" ou “a posteriori”) produz
desde logo um conhecimento que em seu princípio pode ser informe e confuso
e que, por isso mesmo, necessite de análise; mas a síntese é, não obstante, a
que propriamente junta os elementos para o conhecimento e os reúne de certa
maneira para dar-lhes conteúdo; é, pois, o primeiro a que devemos dedicar nossa
atenção quando queremos julgar a origem de nossos
conhecimentos.
É
a síntese em geral, como proximamente veremos, a simples obra da
imaginação, quer dizer, uma função cega, ainda que indispensável, da alma,
sem a qual não teríamos conhecimento de nada, função de que raras vezes temos
consciência. Mas é uma função que pertence ao entendimento, e que é a
única que nos procura o conhecimento propriamente dito, o reduzir esta
síntese a
conceitos.
A
síntese pura, representada geralmente, nos dá o conceito intelectual. Mas
entendo por síntese pura, a que se funda em um princípio da unidade sintética “a
priori”. Assim nossa numeração (o que se nota melhor ainda nos números elevados)
é uma síntese segundo conceitos, porque tem lugar segundo um princípio comum de
unidade (p. ex.: o decimal). Sob esse conceito é necessária a unidade na
síntese da diversidade. Podem submeter-se, mediante a análise, diferentes
representações a um só conceito, assunto de que se ocupa a Lógica geral. A
Lógica transcendental, pelo contrário, ensina a submissão aos conceitos,
não das representações, mas da síntese pura das
representações.
O
que primeiramente nos deve ser dada “a priori”, para facilidade do conhecimento
de todos os objetos, é a diversidade de elementos da intuição pura; a
síntese desta diversidade pela imaginação é o segundo, ainda que, todavia,
não dê conhecimento nenhum. Os conceitos que dão unidade a esta
síntese pura, e que consistem unicamente na representação desta unidade
sintética necessária, são a terceira condição para o conhecimento de um
objeto qualquer e assentam no
endendimento.
A
mesma função que dá unidade às diferentes representações, em um só juízo, é a
que dá também unidade à simples síntese de diferentes representações
em uma só intuição, que, em sentido geral, denomina-se conceito puro do
entendimento. Exercendo precisamente o entendimento às mesmas operações, em
virtude das quais dá aos conceitos a forma lógica de um juízo, mediante a
unidade analítica, introduz também uma matéria transcendental em suas
representações mediante a unidade sintética dos elementos diversos na
intuição em geral. Por esta razão, se chamam conceitos puros
intelectuais que se referem “a priori”, aos objetos, o que não pode fazer a
Lógica geral. De modo que há tantos conceitos puros de entendimento, que se
referem “a priori” aos objetos da intuição em geral como funções lógicas segundo
a precedente tabela em todos os juízos possíveis. Porque o entendimento se acha
completamente esgotado e toda a sua faculdade perfeitamente reconhecida e
medida nessas funções. Denominaremos a esses conceitos categoriais,
seguindo a Aristóteles, pois igual é o nosso fim, embora haja muita diferença na
execução.
Tábua das Categorias
Esta é,
pois, a classificação de todos os conceitos originalmente puros da síntese,
que o entendimento contém em si “a priori” e pelos quais é um entendimento
puro somente: só por eles pode compreender algo na diversidade da intuição, quer
dizer, pode pensar o objeto. Esta divisão é sistematicamente deduzida de um
princípio comum, a saber: da faculdade de julgar, que é o mesmo que a faculdade
de pensar. Não é, pois, esta divisão uma rapsódia procedente de uma indagação
fortuita e sem ordem dos conceitos puros de cuja perfeição não se pode
estar certo, por haver sido formada por indução, sem pensar que obrando
deste modo não se sabe nunca por que estes conceitos, e não outros, são
inerentes ao entendimento
puro.
O propósito
de Aristóteles, ao buscar estes conceitos fundamentais, era digno de um homem
tão elevado. Mas como ele não tinha um princípio, recolhia-os conforme se
apresentavam e reuniu primeiramente dez, a que chamou categorias
(predicamentos). Depois acreditou encontrar todavia outros cinco e os
aditou aos precedentes com o nome de pós-predicamentos. Mas sua tábua
continuou sendo
imperfeita.
Ademais,
entre as suas categorias há alguns modos da sensibilidade pura (quando, “ubi,
situs”, o mesmo que “prius, simil”) e também um modo empírico (“motus”) que não
pertence de modo algum a esta tábua genealógica do entendimento.
Contava também entre os conceitos primeiros os derivados (“actio, passio”),
faltando por outro lado alguns dos conceitos
primeiros.
É
preciso notar quanto aos conceitos primitivos que as categorias, como
conceitos verdadeiramente fundamentais do entendimento puro, possuem
também os seus derivados não menos puros e que não podem de modo algum omitir-se
em um sistema completo de Filosofia transcendental mas limito-me a mencioná-los
neste ensaio puramente
crítico.
Seja-me
permitido chamar a esses conceitos puros do entendimento, mas derivados, os
predicáveis do entendimento puro (por oposição aos predicamentos). Uma vez
de posse dos conceitos primitivos e originais é fácil obter os derivados e
subalternos, e fica então a árvore genealógica do entendimento puro
completamente traçada. Não me proponho aqui tratar da totalidade de um
sistema mas unicamente de seus princípios, reservo-me este complemento para
outro
trabalho.
Mas
isto pode facilmente conseguir-se tomando manuais ontológicos e aditando,
por exemplo: à categoria de causalidade, os predicados de força, de ação,
de paixão; à de comunidade, os predicáveis de presença, de oposição; à de
modalidade, os predicáveis de nascimento, morte, de mudança, e assim
sucessivamente. Ao combinar as categorias entre si ou com os modos da pura
sensibilidade, resultam grande número de conceitos derivados “a priori”.
Ainda que sua enumeração fosse uma obra útil e agradável, podemos
escusar-nos desse
trabalho.
Omito
intencionalmente a definição destas categorias neste tratado, ainda que bem
o pudesse fazer. Analisarei estes conceitos mais adiante tão fundamentalmente
como exige a metodologia que me ocupa. Em um sistema da razão pura, seriam
exigíveis essas definições com o pleno direito; mas aqui não fariam mais que
fazer perder a atenção para o ponto capital da indagação, porque
produziriam dúvidas e objeções que sem faltar ao nosso objeto essencial
podemos relegar para outro
trabalho.
Resulta
claramente do pouco que temos dito que é possível e fácil formar um vocabulário
completo dos conceitos puros contendo todas as explicações
necessárias. Disposta a fôrma, só resta enchê-la: e uma Tópica sistemática como
a atual indica facilmente o lugar que propriamente pertence a cada conceito
e faz ao mesmo tempo notar os que ainda estão vazios.
* * *
11
Podem
fazer-se sobre esta tábua das categorias considerações mui curiosas,
suscetíveis de proporcionar-nos talvez conseqüências mui importantes para a
forma científica de todos os conhecimentos racionais. Com efeito, é fácil
compreender que esta tábua serve extraordinariamente para a parte teórica
da Filosofia e é indispensável para o plano completo de uma ciência, enquanto
tal ciência se baseie em princípios “a priori” e para dividi-la matematicamente
segundo princípios
determinados.
Basta
para convencer-se disto pensar que esta tábua contém completamente todos os
conceitos elementares do entendimento e também a forma do sistema dos mesmos na
inteligência humana, e que, por conseguinte, nos indica todos os momentos
de uma ciência especulativa projetada assim como também sua ordenação, como já
provei em outra parte. Eis aqui algumas dessas
observações.
Primeira
observação: Esta tábua de categorias, que compreende quatro classes de
conceitos, divide-se primeiramente em duas partes, das quais a primeira se
refere aos objetos da intuição (pura ou empírica) e a segunda à existência
destes objetos (seja em relação entre si ou com o
entendimento).
Denominaria
à primeira classe destes conceitos categorias matemáticas e, à segunda,
categorias dinâmicas. Só a segunda classe possui correlativos,
enquanto que a primeira carece dos mesmos. Esta diferença deve, sem
embargo, ter uma razão na natureza do
entendimento.
Segunda
observação: Em cada classe é o mesmo número das categorias, a saber, três: o
que não pode menos atrair a atenção, pois que toda outra divisão por
conceitos “a priori” deve ser uma dicotomia. Ainda pode aditar-se a isto, que a
terceira categoria resulta sempre da união da primeira com a segunda
de sua
classe.
Assim, a
totalidade é a pluralidade considerada como unidade; a limitação, a
realidade em união com a negação; a comunidade, a causalidade de uma
substância determinada por outra que ela por seu turno determina, e, finalmente,
a necessidade, a existência dada pela mesma possibilidade. Mas não se pense
por isto que a terceira categoria é um conceito simplesmente derivado do
entendimento puro e que não seja um conceito primitivo do mesmo. Porque a união
da primeira e da segunda categorias para produzir a terceira exige um ato
especial do entendimento que é distinto dos que têm lugar na primeira e na
segunda.
Assim, o
conceito de um número (que pertence à categoria de totalidade) não é sempre
possível ali donde se encontrem os conceitos de pluralidade e de unidade (por
exemplo, na representação do infinito); nem porque eu una o conceito de causa e
de substância se entende imediatamente a influência, quer dizer, como uma
substância pode ser causa de algo em outra substância. Claramente se vê que
para isto é necessário um ato especial do entendimento; e assim sucede com
todas as
restantes.
Terceira
observação: Tão-só em uma categoria de comunidade, compreendida no
título III, não é tão evidente como nas demais sua conformidade com a forma
do juízo disjuntivo que lhe corresponde na tábua das funções
lógicas.
Para
certificar-se desta conformidade, é preciso notar que em todos os juízos
disjuntivos sua esfera (o conjunto de tudo o que é compreendido em um destes
juízos) é representada como um todo dividido em partes (os conceitos
subordinados); mas como nenhuma destas partes se acha contida nas outras,
devem ser concebidas como coordenadas e não como subordinadas, de tal modo que
se determinem entre si, não sucessiva e parcialmente como em uma série, mas
mutuamente como em um agregado, de modo que, afirmado que seja um
membro da divisão, exclua aos restantes, e assim
respectivamente.
Concebendo-se,
pois, semelhante enlace em um todo de coisas, uma dessas coisas não está, com
efeito, subordinada à outra como causa de sua existência, mas ambas estão
coordenadas ao mesmo tempo e reciprocamente como causas uma da outra com
referência a sua determinação (p. ex.: em um corpo cujas partes se atraem e
repelem mutuamente). Tal enlace é diferente do que se acha na simples
relação de causa e efeito (de. fundamento e conseqüência) no qual a conseqüência
não determina por sua vez reciprocamente o princípio, e por essa razão não
forma um todo com ele (como o Criador com o
Mundo).
O
processo do entendimento quando se representa a esfera de um conceito
dividido, é o mesmo que segue quando pensa uma coisa como divisível: e do
mesmo modo que no primeiro caso os membros da divisão se excluem uns aos outros,
ainda que estejam, todavia, reunidos em uma esfera, se representam as partes de
uma coisa divisível, como tendo cada uma (como substância) uma existência
independente das outras, e reunidas, não obstante, em um
todo.
* * *
12
Encontra-se
também na Filosofia transcendental dos antigos um capitulo que contém
conceitos puros do entendimento, que, embora não fossem incluídos entre as
categorias, eram tidos como devendo ter o valor de conceitos “a priori” de
objetos. Mas se isso fosse assim, seria aumentado o número das categorias,
o que não pode ser. Esses conceitos são expressos por esta proposição tão
célebre entre os escolásticos: “quod libet ens est unum, verum,
bonum”.
Embora no
uso este princípio tenha levado a singulares conseqüências (quer dizer, a
proposições evidentemente tautológicas), se bem que em nossos dias somente
por conveniência se faz menção do mesmo na Metafísica; todavia um
pensamento que resistiu por tão longo tempo, por vazio que pareça, merece
sempre uma pesquisa de sua origem, e justifica a suposição que tenha o seu
próprio fundamento em alguma regra do entendimento que, como sucede com
freqüência, teria sido somente mal interpretada. Esses pretendidos predicados
transcendentais das coisas não são nada mais que exigências lógicas e critérios
de todo conhecimento das coisas em geral, à qual dão por fundamento as
categorias da quantidade, quer dizer, da unidade, da pluralidade e da
totalidade.
Estas
categorias, que devem ser consideradas com um valor material como condições para
a possibilidade das coisas, eram usadas exclusivamente pelos antigos em sentido
formal como exigências lógicas de todo conhecimento e por sua vez
convertidos estes critérios do pensamento, de uma maneira inconseqüente, em
propriedades das coisas
mesmas.
Em todo
conhecimento de um objeto existe propriamente a unidade do conceito que pode
chamar-se unidade qualitativa Considerando somente sob ela o conjunto dos
elementos diversos do conhecimento, como, por exemplo, a unidade do tema em um
drama, em um discurso ou em uma fábula. Em segundo lugar, há que considerar a
verdade em relação às conseqüencias. Quantas mais conseqüencias resultarem de um
conceito dado, tantos mais caracteres há de sua realidade objetiva. Isto poderia
chamar-se a pluralidade qualitativa dos signos que pertencem a um conceito
comum (sem que sejam pensados como
quantidades).
Finalmente,
em terceiro lugar, é preciso ter em conta a perfeição, que consiste em que a
pluralidade por sua vez se refira à unidade do conceito e que concorde
completa e unicamente com este, o que se pode chamar integridade qualitativa
(totalidade). Donde resulta que estes três critérios lógicos da
possibilidade dos conhecimentos em geral transformam aqui por meio da qualidade
de um conhecimento tomada como princípio, às três categorias do quantum,
deve tomar-se como constantemente homogênea e somente com o fim de enlaçar
na consciência elementos heterogêneos de
conhecimento.
O
critério da possibilidade de um conceito (não do objeto mesmo) é a definição, da
qual a unidade do conceito, a verdade de tudo aquilo que pode ser derivado
imediatamente dele, e finalmente a integridade do mesmo resulta, são
indispensáveis para a formação do conceito total. Assim, também, o critério de
uma hipótese consiste na inteligibilidade do princípio de explicação
admitido ou em sua unidade (sem hipótese mediadora); na verdade das
conseqüencias derivadas, concordâncias destas com a experiência, e finalmente na
integridade do princípio de explicação com respeito a essas conseqüencias
que deixam no mesmo estado o que se tomou como hipótese, e para o que se
pensou sinteticamente “a priori” o procuram de novo analiticamente, “a
posteriori”, conformando-se ademais com
eles.
Os
conceitos de unidade, verdade e perfeição, não completam de modo algum a lista
transcendental das categorias como se fosse defeituosa, mas a relação
desses conceitos a objetos, sendo posta de lado, o uso que faz dela o espírito
entra nas regras lógicas gerais do acordo do conhecimento consigo
mesmo.
Primeira Seção
13
Dos princípios de uma dedução transcendental em
geral
Quando os
jurisconsultos falam de direito e de usurpações, distinguem no caso a questão do
direito “quid juris”, da questão de fato “quid facti”; e, como exigem uma
prova de cada uma delas, denominam dedução à primeira, que é aquela que deve
demonstrar o direito ou a legitimidade da pretensão
(dedução).
Servimo-nos
de um grande número de conceitos empíricos sem achar oposição alguma; e nos
cremos autorizados também sem dedução para atribuir-lhes um sentido imaginado,
porque sempre temos à mão a experiência como para demonstrar a sua
realidade
objetiva.
Por
outro lado existem conceitos usurpados como os de destino, etc., que circulam
com uma aquiescência quase geral, contra os quais ocorre às vezes perguntar:
“quid juris?”, não sendo então pequeno o obstáculo que oferece ao deduzi-los,
visto como não se pode alegar nenhum princípio claro de direito, seja da
experiência, seja da razão, que justifique o seu uso.
Mas entre os
numerosos conceitos que formam o complicadíssimo tecido do conhecimento humano,
alguns há destinados a um uso puro “a priori” (completamente independentes de
toda experiência) e cujo direito necessita sempre uma dedução porque os
quadros tomados da experiência não bastam para estabelecer a legitimidade de um
tal uso, sendo, não obstante, preciso saber como esses conceitos podem
referir-se a objetos que não procedem de experiência
alguma.
Denomino
dedução transcendental à explicação do modo como se referem a
objetos-conceitos “a priori”, e a distingo da dedução empírica que indica a
maneira como um conceito foi adquirido por meio da experiência e de sua
reflexão, e que, portanto, não concerne à sua legitimidade, mas ao fato mesmo de
que resulta a aquisição deste conceito. Temos já duas espécies bem
distintas de conceitos, mas que têm de comum o referir-se completamente “a
priori” a objetos, a saber: os conceitos de espaço e de tempo, como formas da
sensibilidade, e as categorias como conceitos do
entendimento.
Querer
buscar neles uma dedução empírica, fora vão intento, porque o distintivo que os
caracteriza se refere aos seus objetos sem haver tomado da experiência
qualquer elemento para a sua representação. Se pois uma dedução desses
conceitos é necessária cumpre que ela sempre seja transcendental.
Entretanto, desses conceitos, como de todo conhecimento, pode-se procurar
experiência, na falta do princípio da sua possibilidade, as causas
ocasionais de sua produção; com efeito, as impressões dos sentidos nos oferecem
primeiro motivo para desenvolver toda nossa faculdade de conhecer e para
constituir as
experiências.
Contém,
pois, a experiência dois elementos bem distintos, a saber: uma matéria para o
conhecimento, que oferecem os sentidos, e certa forma ordenadora desta matéria,
procedente da fonte interna da intuição e do pensamento puro, que,
unicamente motivada pela primeira, produz os conceitos. É sumamente
útil indagar os primeiros esforços da nossa faculdade de conhecer para
elevar-nos das percepções particulares a conceitos
gerais.
O célebre
Locke foi quem primeiro devassou esse caminho. Mas é impossível conseguir por
esse meio uma dedução de conceitos puros “a priori”, pois não está de modo algum
dentro desse caminho, porque relativamente ao seu uso futuro, que deve ser
totalmente independente da experiência, necessitam mostrar um outro ato de
nascimento que o faz derivar da experiência. Essa tentativa de derivação
fisiológica, que não é, propriamente falando, uma dedução, porque diz respeito a
uma questão de fato, eu a denominei explicação da posse de um conhecimento puro.
É claro, portanto, que só pode haver desses conceitos senão por uma dedução
transcendental, e de nenhum modo uma dedução empírica, e que esta não é,
relativamente aos conceitos puros “a priori”, senão uma vã tentativa, de
que se pode ocupar aquele que não compreendeu a natureza própria desta espécie
de
conhecimento.
Mas,
ainda que não haja mais do que uma maneira possível de dedução do conhecimento
puro “a priori”, a saber: a que se segue por via transcendental, disto não
resulta que ela seja absolutamente necessária. Anteriormente seguimos os
conceitos de espaço e tempo até as suas fontes, mediante uma dedução
transcendental, e determinamos e explicamos “a priori” seu valor
objetivo; não obstante, a Geometria segue os seus passos seguros por
conhecimentos puramente “a priori", sem necessidade de pedir um certificado
à Filosofia para a pura e legítima origem de seu conceito fundamental
de
espaço.
Entretanto,
nesta ciência o uso do conceito alcança somente ao mundo exterior sensível
de que espaço é a forma pura de sua intuição. Tem, por conseguinte, todo
conhecimento geométrico, uma existência imediata, porque ela se funda sobre uma
intuição “a priori” e que os objetos são dados a priori” (quanto à forma) na
intuição pelo conhecimento
mesmo.
Os
conceitos puros do entendimento, pelo contrário, fazem nascer em nós uma
indispensável necessidade de procurar não somente sua dedução transcendental,
mas também aquela do espaço. Com efeito, como os predicados que se atribuem aqui
aos objetos não são aqueles da intuição e da sensibilidade, mas se relacionam a
objetos em geral, independentemente de todas as condições da sensibilidade;
e como eles não são fundados sobre a experiência, não podem mostrar na intuição
“a priori” nenhum objeto sobre o qual se funde a sua síntese anteriormente a
toda
experiência.
Daqui
resulta que não somente fazem suspeitar com respeito ao seu valor objetivo
e aos limites de sua aplicação, como também convertem em duvidoso o conceito de
espaço pela inclinação que tem em usá-lo além das condições da intuição
sensível. É, portanto, necessária a presente dedução transcendental do dito
conceito, O leitor deve estar convencido da indispensável necessidade de
semelhante dedução transcendental antes de dar um só passo no campo da razão
pura; porque, de outro modo, procederia cegamente e, depois de haver vagado de
um ponto para outro, voltaria à ignorância de onde partira. Mas é também preciso
que antes dê conta das suas naturais dificuldades, para que se não queixe depois
da obscuridade em que o assunto mesmo está envolvido, e para que não desfaleça
muito cedo ante os obstáculos a transpor, porque se trata de renunciar
completamente a toda pretensão com respeito à razão pura, em seu campo mais
atraente, a saber: além dos limites de toda experiência possível,
encaminhando esta indagação crítica à sua completa
perfeição.
Não
nos foi difícil fazer compreender como os conceitos do espaço e do tempo, ainda
que conhecimentos “a priori”, devem, necessariamente, referir-se a objetos,
e como possibilitam um conhecimento sintético dos mesmos,
independentemente de toda experiência. Efetivamente, como somente mediante
essas formas puras da sensibilidade pode oferecer-se-nos um objeto (quer
dizer, ser objeto da intuição empírica), resulta que o espaço e o tempo são
intuições puras que contêm “a priori” as condições de possibilidade dos objetos
como fenômenos, e tem a síntese nas mesmas um valor
objetivo.
Não
representam, pelo contrário, as categorias do entendimento, as condições sob as
quais os objetos se dão na intuição, e, por conseguinte, podem
aparecer como tais objetos sem que necessariamente tenham que relacionar-se
com as funções do entendimento e sem que este contenha as condições “a
priori” dos mesmos. Daqui resulta uma dificuldade, que não achamos no campo da
sensibilidade, a de saber como as condições subjetivas do pensar devem ter
um valor objetivo, quer dizer, dar as condições de possibilidade de todo
conhecimento de objetos, porque, indubitavelmente, podem oferecer-se
fenômenos na intuição sem as funções do
entendimento.
Tomo
por exemplo o conceito de causa, que significa uma maneira especial de síntese,
na qual se une algo A, segundo uma regra, a B, que lhe é totalmente diferente.
Não se vê claramente “a priori” porque os fenômenos devam conter antes algo
semelhante (porque as experiências não o provariam, posto que o valor objetivo
deste conceito deve poder-sé demonstrar “a priori”), se o referido
conceito de causa é completamente vazio, e em parte alguma pode achar-se objeto
entre os fenômenos. É evidente que os objetos da intuição sensível devem
conformar-se com as condições formais da sensibilidade, existentes “a priori” em
nosso espírito, pois que de outra maneira não seriam objetos para nós
outros; mas é dificil conceber porque esses objetos devem além disso estar
de acordo com as condições que o entendimento necessita para a compreensão
sintética do
pensar.
Bem
pudera ser que os fenômenos fossem de tal natureza que o entendimento não os
achasse de modo algum conforme com as condições de sua unidade, e que tudo
estivesse em tal confusão que, por exemplo, na sucessão dos fenômenos não
existisse nada capaz de fornecer uma regra de síntese, correspondente ao
conceito de causa e efeito, e que fosse portanto dito conceito completamente
vão, nulo e sem
significação.
Não
ofereceriam, por isto, os fenômenos meros objetos para a intuição, porque
não necessito de maneira alguma das funções de
pensar.
Pretendendo
evitar o trabalho destas investigações dizendo-se que a experiência
apresenta sem cessar exemplos desta espécie de regularidade nos fenômenos,
que nos fornecem suficientemente a ocasião de tirar delas o conceito de
causa e confirma ao mesmo tempo o valor objetivo do mesmo conceito, olvida-se
que o conceito de causa não pode produzir-se de modo algum desta maneira e que,
ou deve achar-se fundado completamente “a priori" no entendimento, ou
abandonar-se totalmente como uma pura quimera. Porque o tal conceito exige
necessariamente que A seja de tal espécie, que o B siga mediante uma regra
absolutamente
geral.
Os
fenômenos apresentam casos de que se pode tirar uma regra segundo a qual
acontece algo comumente, mas jamais se deduzirá daqui que a conseqüência seja
necessária. Na síntese de causa e efeito há também uma dignidade que é
impossível exprimir empiricamente, a saber: que o efeito não se adita
simplesmente à causa, mas, por esta mesma, se vê posto e
produzido.
A
estrita universalidade da regra não é tampouco uma propriedade das regras
empíricas, porque não pode receber na indução mais do que uma generalidade
comparativa, quer dizer, uma extensa aplicação. O uso dos conceitos puros do
entendimento variaria totalmente se tão-só se quisesse empregá-los como
produtos empíricos.
* * *
14
Passagem à dedução transcendental das categorias
Somente há
dois casos em que a representação sintética e seus objetos podem coincidir,
relacionar-se necessariamente, e, por assim dizer, encontrar-se. Ou o
objeto torna possível a representação, ou a representação torna possível o
objeto. No primeiro caso, a relação é somente empírica e a representação é
impossível “a priori”; tal é o caso dos fenômenos relativamente àqueles dos seus
elementos pertencentes à sensação. No segundo caso, como a representação
não dá por si mesma a existência ao seu objeto (porque não se fala aqui da
causalidade que pode ter mediante a vontade, ela determina, no entretanto, o
objeto “a priori”, neste sentido de que ela só pode permitir conhecer qualquer
coisa como
objeto.
Ora, há
duas condições para a possibilidade do conhecimento dos objetos: primeira,
intuição, pela qual o objeto é dado como fenômeno; a seguir o conceito, pelo
qual se pensa um objeto que corresponde a essa intuição. Mas é claro,
segundo o que se disse, que a primeira condição, aquela sob a qual não podemos
perceber por intuição os objetos, serve em realidade “a priori” no espírito de
fundamento aos objetos, quanto à sua forma. Com esta condição formal da
sensibilidade, concordam, pois, necessariamente, todos os fenômenos, posto que
só possam oferecer mediante ela, quer dizer, perceber-se e dar-se
empiricamente.
Agora
se trata de saber se os conceitos “a priori” precedem também como condições
para perceber ou pensar algo como objeto, do que se deduzirá que todo
conhecimento empírico de objetos está de acordo necessariamente com esses
conceitos, porque sem a suposição destes nada é possível como objeto da
experiência. Ora, toda experiência contém além da intuição dos sentidos, pela
qualquer coisa é dada, um conceito de um objeto dado na intuição ou nos
aparecendo. Há pois conceitos de objetos em geral que servem, como
condições “a priori”, de fundamento a todo conhecimento
experimental.
Conseguintemente,
o valor objetivo das categorias como conceitos “a priori”, apóia-se em que
só elas tornam possível a experiência (quanto o foram do pensamento).
Referem-se, pois, necessariamente, “a priori”, aos objetos da experiência,
posto que somente mediante elas em geral é que se pode pensar algo
empírico.
Tem,
pois, a dedução transcendental de todos os conceitos “a priori” um princípio com
o qual deve dirigir-se toda investigação, a saber: que esses conceitos
devem reconhecer-se como condições “a priori” da possibilidade da experiência
(seja da intuição, ou do pensamento, que se ache nela). Os conceitos que
fornecem o fundamento objetivo da possibilidade da experiência são por isso
mesmo
necessários.
O
desenvolvimento da experiência onde eles se acham não é a sua dedução (mas sim
seu conhecimento) pois de outro modo só seriam acidentais. Sem esta
primitiva relação com uma experiência possível na qual se apresentam todos os
objetos de conhecimento, não poderia compreender-se a relação desses
conceitos com um objeto
qualquer.
Por não
haver feito esta observação, o célebre Locke encontrou na experiência conceitos
puros do entendimento, que fez derivar da própria experiência, e foi,
portanto, tão inconseqüente, que procurou conhecimentos que ultrapassam os
limites da
experiência.
David
Hume reconhece que, para poder conseguir este último, era preciso que esses
conceitos tivessem uma origem “a priori”. Mas não pôde explicar como é
possível que a inteligência conceba como necessariamente ligados no objeto
conceitos que o não são em si, no entendimento, e não lhe ocorreu no espírito
que talvez o entendimento fosse, por estes conceitos mesmos, o autor da
experiência que lhe fornece os seus objetos, acontece que os deduziu,
premido pela necessidade, da experiência (quer dizer, dessa necessidade
subjetiva que resulta de qualquer associação freqüentemente repetida na
experiência, e que se acaba por ter erradamente como objetiva, em uma palavra,
do hábito).
Mas a
seguir se revelou conseqüente, considerando ser impossível sair dos limites
da experiência com conceitos dessa natureza ou com os princípios a que
dão lugar. Infelizmente esta origem empírica, a que Locke e Hume recorreram,
está refutada pelo fato de não poder conciliar-se com a realidade dos
conhecimentos científicos “a priori”, que possuímos, como p. ex.: os das
matemáticas puras e da Física
geral.
O primeiro
destes dois homens ilustres abriu todas as portas ao exagero, porque a razão,
quando uma vez ela pensa ter de seu lado o direito, não se inibe mais por
vagos conselhos de moderação; o segundo mergulhou completamente no
ceticismo quando creu ter demonstrado que aquilo que se toma pela razão não é
mais que uma ilusão geral de nossa faculdade de conhecer. Chegamos, assim, ao
ponto de ver se podemos ensaiar a condução da razão humana por entre esses
dois escolhos e intentar se podemos demonstrar seus determinados
limites, conservando, todavia, aberto todo o campo de sua legítima atividade.
Antes desejo recordar somente a definição das
categorias.
As
categorias são conceitos de um objeto em geral, por meio dos quais a intuição
desse objeto é considerada como determinada relativamente a uma das funções
lógicas do julgamento. Assim, função de julgamento categórico é aquela de
relação do sujeito com o predicado, como quando digo: todas as coisas são
divisíveis. Mas, do ponto de vista do uso puramente lógico do entendimento, não
se determina a qual dos dois conceitos quer-se atribuir a função de sujeito, e
ao qual a de
predicado.
Com
efeito, pode-se dizer também: algo divisível é um corpo. Pelo contrário,
quando faço entrar na categoria de substância o conceito de um corpo,
determina-se por isso que a intuição empírica desse corpo na experiência não
pode jamais ser considerada como sujeito e nunca como predicado, e assim o mesmo
para as restantes categorias.
Segunda Seção
Dedução Transcendental dos Conceitos Puros
Intelectuais
A possibilidade de uma síntese em geral
A
diversidade das representações pode dar-se em uma intuição que é puramente
sensível, quer dizer, que não é mais do que uma receptividade e a forma desta
não pode ser fornecida pelos sentidos, e, consequentemente tampouco pode
encerrar-se na forma pura da intuição sensível, porque é um ato espontâneo
da faculdade representativa Como se deve chamar esta faculdade de
entendimento, para distingui-la da sensibilidade resulta sempre que é um
ato intelectual toda ligação, consciente ou inconsciente, quer abranja
intuições ou conceitos diversos, quer sejam ou não sensíveis essas
intuições.
Designaremos
este ato sob o nome comum de síntese para fazer notar com isto que não podemos
representarnos nada ligado a um objeto sem tê-lo ligado antes no entendimento, e
que, de todas as representações, a ligação é a única que não nos pode ser
fornecida por objetos, mas somente pelo sujeito mesmo, porque ela é um ato da
sua espontaneidade. É fácil notar aqui que este ato deve ser
originariamente um e aplicar-se igualmente a toda ligação, e que a decomposição,
a análise, que parece ser o seu contrário, a supõe sempre; porque onde o
entendimento nada ligou, ele não saberá desligar, Porque é só por seu intermédio
que pôde dar-se como ligado aquilo que foi dado como tal à faculdade
representativa.
Mas
o conceito de ligação comporta, além daquele da diversidade e da síntese
dessa diversidade, aquele da unidade dessa diversidade. A ligação é a
representação da unidade sintética da diversidade. A representação dessa
unidade não pode, pois, resultar dessa ligação; porquanto ao unir-se à
representação da diversidade, torna possível o conceito de ligação. Esta unidade
que precede “a priori” a todos os conceitos de ligação, não é de modo algum a
categoria de unidade (§ 10); Porque todas as categorias se fundam sobre funções
lógicas dos nossos julgamento, e nesses julgamentos já está pensada uma
ligação, conseguintemente, uma unidade de conceitos
dados.
A
categoria pressupõe, portanto, a ligação. Cumpre procurar essa unidade (como
qualitativa, mais alta ainda), isto é, naquilo que contém o princípio mesmo da
unidade de diferentes conceitos no bojo dos julgamentos, e, por conseguinte, da
possibilidade do entendimento, mesmo sob o ponto de vista de seu uso
lógico.
16
Da unidade primitivamente sintética da
apercepção
O eu
penso deve acompanhar todas as minhas representações; pois se fosse de outro
modo haveria em mim algo representado que não podia pensar-se e que
equivaleria a dizer: que a representação é impossível ou que pelo menos é
para mim igual a nada. A representação que pode dar-se antes de todo pensamento
chama-se intuição. Toda diversidade da intuição tem, pois, relação necessária
com o eu penso no mesmo sujeito em quem se encontra esta diversidade. Mas
esta representação é um ato da espontaneidade, quer dizer, que não se
pode considerá-la como pertencente à
sensibilidade.
Denomino-a
apercepção pura para diferenciá-la da empírica, ou ainda também apercepção
primitiva por ser a consciência de si mesmo, que produzindo a representação
eu penso, que deve acompanhar todas as demais representações, e que em
toda consciência é sempre una e a mesma, não outra maior que por seu turno possa
acompanhar a
este.
Denomino
também à unidade desta representação, unidade transcendental da
consciência, para indicar a possibilidade do conhecimento “a priori” que dali
resulta. Porque as diversas representações, dadas em certa intuição, não
seriam todas juntas a minha representação, se todas também não pertencessem a
uma mesma consciência; quer dizer, que como representações minhas
(ainda que não tenha consciência delas como minhas) devem conformar-se
necessariamente com a condição, mediante a qual só podem coexistir em uma
consciência geral, pois de outro modo não poderiam pertencer-me. Desta primitiva
ligação resultam muitas
consequências.
Esta
identidade permanente da apercepção de uma diversidade na intuição contém uma
síntese de representações, e só é possível mediante a consciência desta síntese;
a consciência empírica que acompanha diferentes representações está por si mesma
disseminada e não tem relações com a identidade do sujeito. Esta relação não se
verifica só porque cada representação é acompanhada da consciência; é preciso
para aquilo que eu una uma à outra e que eu tenha consciência dessa
síntese.
Não é
portanto senão sob a condição de poder ligar em uma consciência uma diversidade
de representações dadas que me é possível representar-me a identidade
da consciência nessas representações mesmas, quer dizer, que a unidade analítica
da apercepção não é possível senão na suposição de qualquer unidade
sintética.(5)
Este
pensamento de que “estas representações dadas na intuição me pertencem todas”, é
o mesmo que se dissesse: eu as reúno em uma consciência única, ou pelo menos
posso reuni-las; e ainda que esse pensamento não seja ainda a consciência das
sínteses das representações, pressupõe, não obstante, a sua possibilidade,
quer dizer, que somente porque posso compreender a diversidade das
representações em uma consciência única, denomino a todas minhas; pois se assim
não fosse, seria meu eu tão diverso e extravagante como as representações cuja
consciência
tenho.
É, pois, o
princípio da identidade da apercepção mesma a unidade sintética da
diversidade das intuições dadas “a priori”. Dita apercepção precede “a
priori” a todos os meus pensamentos determinados. A ligação existe, pois,
nos objetos e não pode tampouco derivar-se destes por percepção alguma, e
receber-se depois no entendimento; mas ela é unicamente uma operação do
entendimento, que não é ele mesmo outra coisa que a faculdade de
formar ligações “a priori”, e de conduzir a diversidade das representações
dadas à unidade da apercepção. Esse é o princípio mais elevado de todo
o conhecimento
humano.
Este
princípio da unidade necessária da apercepção é idêntico, e, por
conseguinte, uma proposição analítica; mas, não obstante, demonstra a
necessidade de uma síntese da diversidade dada em uma intuição, sem a qual a
identidade permanente da consciência não pode
perceber.
Porque,
pelo eu, como representação simples, não se dá diversidade alguma; o diverso só
pode dar-se na intuição, que é diferente dessa representação, não pode
pensar-se senão ligado com a consciência una. Um entendimento no qual toda
diversidade se desse ao mesmo tempo pela própria consciência, seria intuitivo; o
nosso pode somente pensar e dele buscar a intuição nos sentidos. Eu tenho pois
consciência de um eu idêntico, relativamente à diversidade das
representações que me são dadas na intuição, porque as denomino todas, minhas
representações, e elas não constituem senão uma
só.
Ora, isso
equivale a dizer: eu tenho consciência de uma síntese necessária “a priori”
dessas representações, a que denomino unidade sintética primitiva da
apercepção, sob a qual estão todas as representações que se me dão, mas à qual
devem também reunir-se por meio de uma síntese.
17
O princípio da unidade sintética da apercepção é o princípio
supremo de todo uso do entendimento
O
princípio supremo da possibilidade de toda intuição com relação à sensibilidade
era segundo a Estética transcendental, o de que toda diversidade da intuição
está submetida às condições formais de espaço e tempo. O princípio supremo desta
mesma possibilidade relativamente ao entendimento é o de que toda a
diversidade da intuição se acha submetida às condições da unidade
originariamente sintética da
apercepção.(6)
Obedecendo
ao primeiro destes princípios estão todas as diversas representações das
intuições enquanto nos são dadas, e enquanto podem ser ligadas em uma só
consciência. Sem isto nada se pode pensar nem conhecer porque as
representações dadas, se não têm por comum a todos o ato da apercepção
eu penso, não poderão reunir-se em uma mesma consciência. O entendimento,
para falar geralmente, é a faculdade de conhecimentos. Estes conhecimentos
consistem na determinada relação de representações dadas com um objeto. Um
objeto é aquele em cujo conceito se reúne a diversidade de uma intuição dada.
Ora, toda reunião de representações exige a unidade da consciência na
síntese dessas
representações.
A
unidade da consciência é pois aquilo que só constitui a relação das
representações a um objeto, quer dizer, seu valor objetivo; esta é a que
forma conhecimentos dessas representações, e nela descansa, e portanto é a
possibilidade mesma do
entendimento.
É,
pois, o princípio da unidade sintética originária da apercepção o primeiro
conhecimento puro do entendimento, no qual se funda toda a aplicação
ulterior deste, sendo a um tempo independente de todas as condições da intuição
sensível. Assim, a simples forma das intuições exteriores, o espaço, não chega a
ser um conhecimento; só da diversidade da intuição “a priori” para um
conhecimento
possível.
Mas
para conhecer qualquer coisa no espaço, por exemplo, uma linha, é preciso que eu
a trace, e, portanto, efetue sinteticamente uma ligação determinada da
diversidade, de tal modo, que a unidade desta ação seja ao mesmo tempo a
unidade da consciência (no conceito de uma linha) e que por isso conheça um
objeto (um espaço
determinado).
A
unidade sintética da consciência é, pois, uma condição objetiva de todo
conhecimento de um objeto, como também sob ela deve estar toda intuição para que
possa ser esta fora de mim um objeto; porque, de outro modo, sem esta síntese, o
diverso não se reuniria em uma mesma
consciência.
Esta
última proposição é, como se disse, analítica, ainda que faça da unidade
sintética a condição de todo pensamento; com efeito, expressa que todas as
minhas representações, dada uma intuição qualquer, devem sujeitar-se à
condição pela qual somente posso atribuí-las a um eu idêntico e, daqui, uni-las
sinteticamente em uma só apercepção e compreendê-las na expressão geral
eu
penso.
Mas
este princípio não o é, todavia, para todo entendimento possível em geral, senão
exclusivamente para aquele por cuja apercepção pura não se deu ainda nada de
diverso na representação: eu sou. Um entendimento cuja consciência lhe desse ao
mesmo tempo a diversidade da intuição, cuja representação fizera existir os
objetos destas representações, não necessitaria um ato particular da
síntese da diversidade para obter a unidade da consciência como o que exige o
entendimento humano, o qual pensa simplesmente, mas carece de poder
intuitivo. Porém para o entendimento humano é indispensável o primeiro
princípio, de tal sorte que não pode formar-se a mesma idéia de outro
entendimento que se funde em intuição sensível; mas que é, não obstante, de
outra espécie que o que tem seu princípio no tempo e no
espaço.
18
Natureza da unidade objetiva da própria
consciência
A unidade
transcendental da apercepção é aquela por meio da qual o diverso dado em uma
intuição se reúne em um conceito do objeto. Por isto se chama objetiva e deve
distinguir-se da unidade subjetiva da consciência, que é uma
determinação do sentido interno, mediante a qual o diverso da intuição
se dá empiricamente para reunir-se deste modo. Que eu possa ser consciente,
empiricamente desses elementos diversos como simultâneos ou como sucessivos,
depende de circunstâncias ou condições
empíricas.
A
unidade empírica da consciência, pela associação das representações,
reporta-se a um fenômeno e é contingente. Pelo contrário, a forma pura da
intuição no tempo, como intuição em geral contendo diversos elementos
dados, é unicamente pela relação necessária da diversidade da intuição a um
só eu penso; e, por conseguinte, pela síntese pura do entendimento que
serve de fundamento “a priori” à síntese
empírica.
Essa
unidade só tem valor objetivo e a unidade empírica da apercepção, que não
examinamos aqui, não é mais do que uma derivação feita da primeira sob
condições dadas em conceito e só têm um valor subjetivo. Usam uns a
representação de certa palavra com uma coisa, outros com outra, e a unidade
da consciência no que é empírico, e em relação ao que é dado, não possui um
valor universal e necessário.
19
A forma lógica de todos os juízos consiste na unidade objetiva da
apercepção dos conceitos que neles se contêm
Jamais me
satisfez a definição que os lógicos dão do juízo em geral como a representação
de uma relação entre dois conceitos. Sem discutir aqui com eles o imperfeito
daquela definição, somente aplicável em todo caso aos juízos
categóricos e não aos hipotéticos e disjuntivos (não contendo estes
últimos relação entre conceitos, mas sim entre os juízos mesmos), farei notar
somente (sem atender às conseqüências inconvenientes que este erro causou à
lógica) (7) que sua definição não determina em que consiste essa
relação.
Procurando
determinar mais exatamente a relação dos conhecimentos dados em cada
julgamento, e distinguindo essa relação, própria do entendimento,
daquele que se faz segundo a lei da imaginação reprodutora (que só tem valor
subjetivo), acho que um julgamento não é mais do que uma maneira de
conduzir conhecimentos dados à unidade objetiva da apercepção. A função que
preenche nesses julgamentos a cúpula é de distinguir a unidade objetiva das
representações dadas de sua unidade
subjetiva.
Com
efeito, ela designa a relação dessas representações com a apercepção
originária e sua unidade necessária, ainda que o julgamento em si mesmo seja
empírico e, por conseguinte, contingente, como este exemplo: os corpos são
pesados.
Não
quero dizer com isso que essas representações se relacionam necessariamente
umas com as outras na intuição empírica, mas que se relacionam mutuamente
na síntese da intuição, por meio da unidade necessária da apercepção, quer
dizer, segundo os princípios da determinação objetiva de todas as
representações, pela qual podem resultar conhecimentos e princípios que todos se
derivam da unidade transcendental da
apercepção.
Assim
é, como desta relação pode nascer um juízo, quer dizer, uma relação que tem um
valor objetivo, e que se distingue suficientemente da relação dessas mesmas
representações, cujo valor é puramente subjetivo, p. ex.: conforme as leis da
associação. Segundo estas últimas, só poderia dizer: quando eu tenho um
corpo, sinto a impressão de seu peso; mas não poderia dizer: o corpo é
pesado; o que aqui equivaleria a exprimir que essas duas representações
estão ligadas com o objeto, ou o que é o mesmo, que são independentes do estado
dos sujeitos e não estão simplesmente associadas na apercepção (por mais
freqüentemente que se repita).
20
Todas as intuições sensíveis são submetidas às categorias como as
únicas condições sob as quais o que existe nelas de diverso pode reunir-se à
consciência una
A
diversidade dada numa intuição sensível está sujeita necessariamente à unidade
primitiva da apercepção, pois só por esta é possível a unidade da intuição
(§ 17). Mas o ato do entendimento pelo qual a diversidade das
representações dadas (sejam intuições ou conceitos) se submete a uma apercepção
em geral, é a função lógica dos juízos (§
19).
Conseguintemente,
toda diversidade, enquanto se verifica em uma só intuição empírica, é
determinada com relação a uma das funções lógicas do juízo, por meio da
qual se leva esta diversidade à consciência una. Mas as categorias são essas
mesmas funções do juízo, enquanto a diversidade de uma intuição dada é
determinada por relação a essas
funções.
A
diversidade de uma intuição dada se acha, pois, sujeita, também, às categorias
necessariamente.
21
Observação
Uma
diversidade contida em uma intuição que denomino minha, representa-se pela
síntese do entendimento como pertinente à unidade necessária da consciência
própria, e isto acontece por meio da categoria.
(8)
Esta
demonstra, pois, que a consciência empírica da diversidade dada em uma
intuição se acha sujeita a uma consciência pura “a priori”, do mesmo modo que
uma intuição sensível pura, que igualmente tem lugar “a priori”. Na proposição
precedente se começou uma dedução dos conceitos puros do entendimento; e como as
categorias não se produzem senão no entendimento, independentemente da
sensibilidade, devo fazer abstração da maneira segundo a qual se deu o diverso
em uma intuição empírica, para considerar só a unidade que o entendimento, por
meio das categorias, põe na
intuição.
Ulteriormente
(§ 20) se demonstrará a maneira segundo a qual se dá intuição empírica na
sensibilidade, posto que a unidade desta intuição é a que a categoria prescreve,
segundo o precedente § 20, para a diversidade de uma intuição dada em geral, e,
portanto, o fim da dedução não está completamente atingido até que o valor
“a priori” destas categorias se defina em relação com todos os objetos de
nosso sentido. Mas há uma coisa de que não poderia abstrair na demonstração
precedente: é que os elementos diversos da intuição devem ser dados
anteriormente à síntese do entendimento e independentemente desta síntese,
embora o porquê fique aqui
indeterminado.
Efetivamente,
se em conseqüência supusesse em mim um entendimento que fosse ele mesmo
intuitivo (uma espécie de entendimento divino, que não se representaria por
objetos dados, mas em que a representação desse ou produzisse os próprios
objetos), relativamente a um conhecimento desse gênero, as categorias não
teriam mais sentido. Elas não são mais do que regras para um entendimento cujo
poder consiste no pensamento, quer dizer no ato de reduzir à unidade da
apercepção a síntese da diversidade
dada.
Não
conhece, conseguintemente, nada por si mesmo este entendimento, somente unindo e
ordenando a matéria do conhecimento, a intuição que lhe deve ser dada pelo
objeto. Pretender demonstrar porque nosso entendimento não alcança a
unidade da apercepção, senão mediante as categorias, segundo seu número
preciso, é tão difícil como explicar por que temos estas funções do juízo e não
outras, ou por que o espaço e o tempo são as únicas formas de todas as nossas
possíveis intuições.
22
A categoria não tem outro escopo que o conhecimento das coisas na
sua aplicação aos objetivos da experiência
Pensar e
conhecer um objeto não é o mesmo. Ao conhecimento pertencem duas partes:
primeiramente, o conceito pelo qual em geral se pensa um objeto (a
categoria); e, depois, a intuição pela qual ele é dado; porque não pudesse
dar-se ao conceito uma intuição correspondente, o conceito seria um pensamento
quanto à forma, mas sem objeto algum, e nenhum conhecimento seria possível
mediante ele, pois não teria nem haveria coisa alguma, que eu saiba, a que
pudesse aplicar-se meu pensamento.
23
É de suma
importância a proposição precedente, porque determina os limites do uso dos
conceitos puros do entendimento em relação com os objetos, do mesmo
modo que a Estética transcendental determinou os limites do uso da forma
pura de nossa intuição sensível. O espaço e o tempo, como condições de
possibilidade para que os objetos nos sejam dados, só têm valor quando postos em
relação com os objetos dos sentidos, é unicamente para a experiência. Além
desses limites não representam absolutamente nada; porque só estão nos
sentidos, e fora deles não têm realidade
alguma.
Os
conceitos puros do entendimento estão livres desta limitação e se estendem
aos objetos da intuição em geral, seja ou não semelhante à nossa contanto que
seja sensível e não intelectual. Porém essa extensão dos conceitos além da
nossa intuição sensível não nos serve para nada. Em tal caso são conceitos
vãos de objetos, ineficazes até para julgar se tais são possíveis ou
impossíveis. Limitam-se, pois, a ser simples formas do pensamento sem
realidade objetiva, embora não tenhamos intuição alguma a que possa
aplicar-se a unidade sintética da apercepção, que unicamente contém os
conceitos, e que é desta maneira que eles podem determinar um objeto. Nossa
intuição sensível e empírica é pois só capaz de dar-lhes um sentido e um
valor.
Se, pois,
se supõe como dado o objeto de uma intuição sensível, pode representar-se, sem
dúvida alguma, por todos os predicados que existem já na suposição de que não
existe nele nada daquilo que pertence à intuição sensível; por conseguinte, que
não tem extensão o que não está no espaço, que a duração do mesmo não tem tempo,
que não há nele mudança alguma (conseqüência das determinações no tempo) e
assim sucessivamente. Mas não constitui, propriamente, um conhecimento dizer o
que não é a intuição de um objeto, omitindo o que
contém.
É que,
neste caso, eu não me representei a possibilidade de um objeto para meu conceito
puro do entendimento, por não ter podido dar-lhe a intuição que lhe
correspondia, pois me limitei a dizer que a nossa não lhe convém. Mas o
principal aqui é que as categorias não possam aplicar-se a semelhantes coisas,
quer dizer, ao conceito de substância, que só existe como sujeito, nunca se
concebe como simples predicado. A razão disso é óbvia, porque ignoro se posso
chamar uma coisa que corresponda a esta determinação de pensar, enquanto a
intuição empírica não me ofereça ocasião para sua aplicação. Ainda nos
ocuparemos deste assunto.
24
Aplicação das categorias aos objetos dos sentidos em
geral
Os
conceitos puros intelectuais se relacionam simplesmente mediante o entendimento
com os objetos da intuição em geral, sem distinguir se esta é nossa ou alheia,
contanto que seja sensível, e precisamente por isso são simples formas do
pensamento, mediante as quais não conhecemos ainda nenhum outro objeto
determinado. A síntese ou ligação da diversidade nestes conceitos se
relaciona unicamente com a unidade da apercepção e é, deste modo, o
princípio da possibilidade do conhecimento “a priori”, enquanto ele repousa
sobre o entendimento, e, por conseguinte, não é somente transcendental mas
também puramente
intelectual.
Mas
como há em nós “a priori” uma certa forma da intuição sensível que assenta sobre
a receptividade de nossa capacidade representativa (da sensibilidade), o
entendimento pode então, como uma espontaneidade, determinar o sentido interno,
de acordo com a unidade sintética da apercepção pela diversidade das
representações dadas, e conceber “a priori” a unidade sintética da apercepção do
que há de diverso na intuição sensível, como condição à qual
necessariamente devem sujeitar-se todos os objetos de nossa (humana)
intuição.
Deste
modo, pois, as categorias, como simples formas do pensamento, recebem uma
realidade objetiva, quer dizer, uma aplicação aos objetos que nos podem ser
dadas na intuição, mas só como fenômenos; porque unicamente com relação a eles,
podemos ter intuição “a
priori”.
Esta
síntese da diversidade da intuição sensível que é possível e necessária “a
priori”, pode chamar-se figurada (“synthesis speciosa”), para distingui-la
daquela outra que se conceberia pela relação da diversidade de uma intuição em
geral com as simples categorias e que se denomina síntese intelectual
(“synthesis intellectualis”); ambas são transcendentais porque procedem “a
priori” e fundam a possibilidade de outros conhecimentos “a
priori”.
Entretanto,
quando a síntese figurada se refere unicamente à unidade sintética
primitiva da apercepção, quer dizer, a esta unidade transcendental que se
concebe nas categorias, deve chamar-se, para sua distinção da síntese
puramente intelectual, síntese transcendental da imaginação. A imaginação é
a faculdade de representar na intuição um objeto embora não esteja
presente. Mas como toda intuição nossa é sensível, a imaginação pertence à
sensibilidade em virtude desta condição subjetiva que só lhe permite dar a um
conceito do entendimento uma intuição correspondente. Porém enquanto a sua
síntese é uma função da espontaneidade, a qual é determinante e não somente,
como os sentidos, determinável, e que, por conseguinte, ela pode determinar “a
priori” a forma do sentido conforme a unidade da apercepção, a imaginação é sob
esse titulo um poder de determinar “a priori” a sensibilidade; e a síntese
a que ela submete as suas intuições, de acordo com as categorias, é a síntese
transcendental da
imaginação.
É
esta síntese um efeito do entendimento sobre a sensibilidade e a primeira
aplicação do mesmo (aplicação que é a um tempo o princípio de todas as outras) a
objetos de uma intuição possível para
nos.
Como síntese
figurada, ela se distingue da síntese intelectual, que é operada só pelo
entendimento, sem o concurso da imaginação. Dou à imaginação, enquanto ela
é espontânea, o nome da imaginação produtora, cuja síntese é submetida
simplesmente a leis empíricas, quer dizer, às leis da associação, e que, por
conseguinte, não concorre em nada para a explicação da possibilidade do
conhecimento “a priori”. Por tal razão não pertence à Filosofia transcendental,
mas à
Psicologia.
Este
é o lugar de explicar o paradoxo que toda gente deve ter notado na exposição da
forma do sentido
interno.(9)
Este
paradoxo consiste em dizer que o sentido interno não nos apresenta, à nossa
consciência, não como somos em nós mesmos, mas como nos aparecemos, porque nos
percebemos conforme temos sido interiormente afetados, o que parece ser
contraditório, porque devíamos considerar-nos como passivos para nós mesmos. Daí
o fato de, nos sistemas de Psicologia, identificar-se o sentido interno e a
faculdade da apercepção (que distinguimos
cuidadosamente).
O
que determina o sentido interno é o entendimento e sua faculdade originária
de enlaçar os elementos diversos da intuição, quer dizer, de compô-los sob uma
apercepção (como o lugar mesmo no qual assenta a sua possibilidade). Mas, como o
entendimento humano é uma faculdade de intuição (a sensibilidade não poderia,
não obstante, apropriar-se dela para reunir a diversidade da sua própria
intuição), sua síntese, considerada em si mesma, é só a unidade do ato do qual
tem consciência como tal, até sem o auxílio da sensibilidade, mas pelo
qual pode determinar interiormente a sensibilidade em relação à diversidade que
possa oferecer-lhe na forma de sua
intuição.
Exerce,
pois, o entendimento no sujeito passivo (ao qual é uma faculdade) sob o
nome de síntese transcendental da imaginação, um ato em virtude do qual
dizemos que o sentido interno foi afetado. São tão diferentes a apercepção e a
sua unidade sintética com o sentido interior, que a primeira como fonte de todo
enlace se refere, sob o nome de categorias, à diversidade das intuições em
geral, antes que a toda intuição sensível dos objetos; enquanto que, pelo
contrário, os sentidos internos só contêm a simples forma da intuição e não têm
ligação alguma da diversidade que há nela e que, por conseguinte, não contém
nenhuma intuição
determinada.
Esta
só é possível mediante a consciência da determinação deste sentido pelo ato
transcendental da imaginação (a influência sintética do entendimento
sobre o sentido interno) que chamei síntese figurada. Isto é o que sempre
observamos em nós mesmos. Não podemos conceber uma linha sem traçá-la no
pensamento, nenhum círculo sem descrevê-lo, nem representar-nos as três
dimensões do espaço sem tirar de um ponto três linhas perpendiculares
entre
si.
Tampouco
poderíamos representar-nos o tempo sem tirar uma linha reta (que deve ser a
representação exterior figurada do tempo) e atender o ato da síntese do
diverso pelo qual determinamos sucessivamente ao sentido interno e
mediante esta a sucessão desta determinação que nele tem
lugar.
O que
produz desde logo o conceito de sucessão é o movimento como ato do sujeito
(não como determinação de um objeto) e, por conseguinte, a síntese da
diversidade no espaço, quando fazemos abstração deste para não atender senão ao
ato pelo qual determinamos ao sentido interno segundo sua
forma.
Não
encontra, pois, o entendimento, semelhante ligação do diverso no sentido
interno, senão que ao ser afetado por este o produz. De que maneira o eu
penso pode distinguir-se do eu que se percebe (podendo ainda representar-me
intuições de outra espécie, ao menos como possíveis) sem deixar de ser com este
um só e mesmo sujeito? Como posso dizer que eu, como inteligência e sujeito
pensante, me conheço enquanto objeto pensado, oferecendo-me à intuição como
os demais fenômenos, quer dizer, não tal como sou ante o entendimento, mas tal
como me
apareço?
Tal
questão oferece a mesma dificuldade que a de averiguar como posso eu ser para
mim mesmo um objeto e também um objeto de intuição e de percepções internas. É
fácil provar que isto deve ser realmente assim, se se reconhece que o espaço é
uma forma pura dos fenômenos dos sentidos externos, e que o tempo, que não
é um objeto da intuição externa, só é representável sob a forma de uma linha que
traçamos, sem cujo esquema não podemos conhecer a unidade de sua medida. De
igual modo temos que tomar sempre para a determinação de um período ou para a de
todas as percepções internas o que nos oferecem de mutável as coisas exteriores;
por conseguinte, as determinações do sentido interno devem ordenar-se
precisamente enquanto fenômenos no tempo, da mesma maneira que ordenamos no
espaço as determinações dos sentidos
externos.
Se se
reconhece, pois, que estes últimos não dão conhecimento de objetos só enquanto
somos afetados exteriormente, é preciso também admitir com respeito ao sentido
interno que só nos percebemos interiormente mediante esse sentido,
conforme formos afetados por nós outros mesmos, quer dizer, que pelo que
concerne à intuição interna, não conhecemos nosso próprio sujeito mais do
que como fenômeno, não como coisa em si.(10)
* * *
25
Ao
contrário, tenho consciência de mim mesmo na síntese transcendental da
diversidade das representações em geral, por conseqüência da unidade sintética
primitiva da percepção, não como me apareço, nem tampouco como sou em mim mesmo,
mas só tenho consciência do que eu sou. Esta representação é um pensamento, não
uma intuição. Mas como para o conhecimento de nós mesmos se exige, além do ato
de pensar que compõe a diversidade de toda intuição possível na unidade da
apercepção, uma espécie determinada de intuição que dá esta diversidade, minha
própria existência não é em verdade um fenômeno (muito menos ainda uma simples
aparência).
Pois
bem: a determinação de minha existência (11) só pode ter lugar segundo a
forma do sentido interior, e segundo a maneira particular em que o diverso
que eu enlaço está dado na intuição interna e, por conseguinte, não me conheço
como sou, mas simplesmente como ante mim apareço.
26
Dedução transcendental do uso experimental geralmente possível dos
conceitos puros do entendimento
Na dedução
metafísica temos provado a origem das categorias “a priori” em geral, por
sua perfeita conformidade com as funções lógicas gerais do pensar; na
dedução transcendental, fizemos ver a possibilidade dessas categorias como
conhecimentos “a priori” de objetos de uma intuição em geral (§§ 20 e 21).
Devemos agora explicar a possibilidade de conhecer “a priori”, mediante essas
categorias, objetos que não podem oferecer-se mais que a nossos sentidos e
conhecê-los, não em verdade na forma de sua intuição, mas nas leis de sua
ligação, e como por conseqüência se podem prescrever leis à natureza e em certo
modo torná-las possíveis, porque sem esta explicação não se compreende como o
que pode oferecer-nos a nossos sentidos, deve submeter-se a leis que brotam
“a priori” só do entendimento. Notarei em primeiro lugar que entendo por síntese
da apreensão a composição da diversidade em uma intuição empírica, pela
qual a percepção, quer dizer, a consciência empírica desta intuição (como
fenômeno) é
possível.
Temos
nas representações de espaço e tempo formas “a priori” da intuição externa e
interna. Com elas deve sempre concordar a síntese da apreensão da diversidade do
fenômeno, porque só pode efetuar-se de acordo com estas formas. Mas o espaço e o
tempo não representados simplesmente como formas da intuição sensível, mas como
intuições (que contêm uma diversidade); por conseguinte, com a
determinação da unidade desta diversidade neles “a priori” (V. neste livro
Estêtica
Transcendental).(12)
Com
(não em) essas intuições estão já dadas “a priori” como condição da
síntese de toda apreensão, a unidade mesma da síntese da diversidade que se
encontra em nós outros ou fora de nós, e por conseguinte também uma união
(Veirbindung), com a qual deve conformar tudo o que há de ser
representado determinadamente no espaço e no tempo. Esta unidade sintética não
pode ser outra que a da união em uma consciência primitiva da diversidade
de uma intuição dada em geral; mas aplicada, segundo as categorias, só à
nossa intuição sensível. Por conseqüência, toda síntese, pela qual a percepção
mesma é possível, está sujeita às categorias, e como a experiência é um
conhecimento por percepções entrelaçadas, as categorias são as condições da
possibilidade da experiência, e valem por conseguinte “a priori” para todos os
objetos empíricos. Quando faço, pois, por exemplo, a intuição empírica de uma
casa, uma percepção da apercepção das diversas partes da mesma, a unidade
necessária do espaço e da intuição sensível exterior em geral me serve de
fundamento, e desenho, por assim dizer, a forma dessa casa de acordo com a
unidade sintética das diversas partes do espaço. Mas esta mesma unidade
sintética, se faço abstração da forma do espaço, tem seu lugar no
entendimento e é a categoria da síntese do homogêneo de quantidade, com a
qual deve, por conseguinte, conformar a síntese da apreensão, isto é, a
percepção.(13)
Quando
(formulando outro exemplo) observo a congelação da água, conheço dois estados
(liquido e sólido) que estão como tais, respectivamente, em uma relação
temporal. Mas no tempo que eu, como intuição interna, coloco por fundamento ao
fenômeno, me represento necessariamente a unidade sintética da diversidade,
e sem a qual esta relação não poderá ser dada determinadamente em uma intuição
(com respeito à
sucessão).
Esta
unidade sintética (como condição “a priori” sob a qual reúno o diverso de uma
intuição em geral, e faço abstração da forma constante de minha intuição
interna, do tempo) é a categoria de causa mediante a qual determino, aplicando-a
à sensibilidade, tudo o que sucede conforme sua relação em geral como o
tempo.
Portanto,
a apreensão em tal acontecimento, por conseguinte, o acontecimento mesmo,
acham-se relativamente à possível percepção, sujeitos ao conceito da relação de
causa e efeito. É o mesmo nos outros casos. As categorias são conceitos que
prescrevem “a priori” leis aos fenômenos, por conseguinte à natureza,
considerada como conjunto de todos os fenômenos (“natura materialiter
spectata”). Agora se trata de saber como não sendo essas categorias
derivadas da natureza e não se regulando como se fossem seu modelo (porque
de outro modo seriam simplesmente empíricas), pode compreender-se que a natureza
seja quem rege por elas, quer dizer: como podem determinar “a priori” a união da
diversidade da natureza sem tomá-la da própria
natureza?
Eis
aqui a solução deste
enigma.
Existe
semelhança entre a conformidade das leis dos fenômenos na natureza com o
entendimento e com sua forma “a priori” (quer dizer, com sua faculdade de
unir a diversidade em geral) e a que os fenômenos mesmos têm com a forma “a
priori” da intuição sensível. Assim como as leis existem relativamente no
individuo (de quem dependem os fenômenos), enquanto têm entendimento,
os fenômenos não são coisas em si, existem só no mesmo sujeito, enquanto
possui
sentidos.
As
coisas em si estariam também necessariamente sujeitas às leis ainda que não
houvesse um entendimento que as conhecera. Mas os fenômenos são unicamente
representações de coisas que são desconhecidas no que em si podem ser. Como
simples representações, não estão sujeitas a nenhuma outra lei de união que
a prescrita pela faculdade de
unir.
A
imaginação é a faculdade que enlaça os elementos diversos da intuição sensível,
que depende do entendimento pela unidade de sua síntese intelectual, e
da sensibilidade pela diversidade da apreensão. Mas como toda percepção
possível depende da síntese da apreensão, e esta síntese empírica da
síntese transcendental, e por conseguinte, das categorias, todas as percepçôes
são possíveis. E também tudo o que pode chegar à consciência empírica, quer
dizer, todos os fenômenos da natureza se acham, quanto a sua união,
sujeitos às categorias das quais depende a natureza (simplesmente
considerada como natureza em geral) como da razão primitiva de sua
legitimidade necessária (como “natura formaliter
spectata”).
Mas
a faculdade do entendimento puro não pode prescrever “a priori” outras leis aos
fenômenos por simples categorias que servem de fundamento a uma
natureza em geral, como legitimidade dos fenômenos em tempo e espaço.
Referindo-se empiricamente a fenômenos determinados, não podem as leis
particulares proceder somente das categorias do entendimento, não obstante
todas se acharem submetidas a
estas.
É, pois,
necessário que a experiência intervenha para conhecer estas últimas leis;
mas só as primeiras nos dão “a priori” ensinamentos da experiência em geral
e do que pode ser conhecido como objeto da mesma.
27
Resultado desta dedução dos conceitos do
entendimento
Não
podemos pensar um objeto sem as categorias, não podemos conhecer um objeto
pensado sem as intuições correspondentes a esses conceitos. Mas todas as
nossas intuições são sensíveis, e o conhecimento, enquanto o objeto está dado, é
empírico.
Mas o
conhecimento empírico é experiência. Por conseguinte, não é possível nenhum
conhecimento “a priori” a não ser o de um objeto de uma experiência
possível.(14)
Limitado
simplesmente aos objetos empíricos, este conhecimento não procede todo ele da
experiência, pois tanto as intuições puras como os conceitos puros do
entendimento são elementos do conhecimento que se encontram em nós outros “a
priori”. Para conceber a conformidade necessária da experiência com os conceitos
de seus objetos: ou é a experiência que possibilita os conceitos, ou são os
conceitos que possibilitam a
experiência
A
primeira explicação não pode convir às categorias (nem mesmo à intuição
sensível pura), porque as categorias são conceitos “a priori”, e que por
conseguinte elas são independentes da experiência (atribuir-lhes uma origem
empírica seria admitir uma espécie de “generatio
aequivoca”).
Resta
pois a segunda explicação (que é como sistema da epigênese da razão pura), a
saber que as categorias contêm do lado do entendimento, os princípios da
possibilidade de toda experiência em geral. Elas, porém, tornam possível a
experiência. E quais princípios da possibilidade da experiência fornecem elas em
sua aplicação aos
fenômenos?
É o
que mostrará o capítulo seguinte, sobre o uso transcendental do
julgamento.
Uma
hipótese fácil de refutar é a que se forma aceitando uma via intermediária entre
as duas que assinalamos, e dizendo que as categorias não são nem primeiros
princípios “a priori” de nosso conhecimento, espontaneamente concebidos, nem
tampouco produzidas pela experiência a que e que o autor de nosso ser regulou de
tal sorte, que seu uso concorda exatamente com as leis da Natureza, segundo
as quais se forma a experiência (que seria como uma espécie de sistema de
pré-formação da razão
pura).
Além de,
em tal hipótese, não se ver termo à suposição de disposições predeterminadas
para os juízos ulteriores, existe contra esse novo meio imaginado um argumento
decisivo, e é que em semelhante caso as categorias careceriam da
necessidade, que é essencialmente inerente aos seus
conceitos.
Porque
o conceito de causa, por exemplo, que manifesta a necessidade de consequência,
sob uma condição suposta, seria falso, se somente se fundasse em uma necessidade
subjetiva, arbitrária, inata em nós outros, de unir certas
representações empíricas segundo uma regra de
relação.
Eu não
poderia dizer: o efeito está unido com a causa no objeto (quer dizer,
necessariamente) mas: eu sou de tal natureza que não posso conceber esta
representação mais do que ligada com outra; isto precisamente é o que quer o
cético, porque então todo nosso saber pelo pretendido valor objetivo de
nossos juízos não seria mais do que pura experiência e não faltaria
tampouco quem negasse esta necessidade subjetiva (que deve ser
sentida).
Pelo
menos não se poderia discutir com ninguém uma coisa que dependia unicamente
da organização de seu sujeito.
Resumo Desta Dedução
É a
exposição dos conceitos puros do entendimento (e com eles de todo
conhecimento teórico “a priori”) como princípios da possibilidade da
experiência; mas tendo a esta como a determinação dos fenômenos em tempo e
espaço em geral e tirando-a enfim do princípio da unidade sintética primitiva da
apercepção, como da forma do entendimento em relação com o espaço e tempo,
como formas primitivas da sensibilidade. (15)
O plano
pelo qual está construída a Lógica geral corresponde, exatamente, à divisão
das faculdades superiores do conhecimento, a saber: entendimento,
juízo e razão. Trata, pois, essa ciência, em sua analítica, de conceitos, juízos
e raciocínios, segundo as funções e ordem dessas faculdades do
espírito, que se compreende em geral sob a ampla denominação de
Entendimento.
Como
a Lógica puramente formal de que falamos aqui faz abstração de todo
conteúdo do conhecimento (da questão de saber se ele é puro ou empírico), e
não se ocupa senão da forma do pensamento em geral (do conhecimento
discursivo), ela pode encerrar, também, em sua parte analítica um cânon para a
Razão, pois se pode aperceber “a priori”, decompondo os atos da Razão em seus
momentos, sem que haja necessidade de fixar-se na natureza especial do
conhecimento que aí é
empregado.
Já a
Lógica transcendental sendo restringida a um conteúdo determinado, quer dizer,
unicamente ao conhecimento puro “a priori”, não poderia acompanhar a primeira em
sua divisão. Vê-se, efetivamente, que o uso transcendental da razão não tem
valor objetivo, e, por conseguinte, não pertence à Lógica da
verdade, quer dizer à analítica, mas que, como Lógica da aparência,
exige, sob o nome de Dialética transcendental, um lugar especial no
edifício
escolástico.
O
entendimento e o juízo acham na lógica transcendental o cânon de seu emprego
objetivamente válido, isto é, de seu uso verdadeiro, sendo por isso que
pertencem à parte analítica desta
ciência.
Quando a
razão, porém, intenta decidir “a priori” algo referente a certos objetos, e
estender o conhecimento além dos limites da experiência possível, ela então é
dialética, e suas asserções ilusórias não concordam com um cânon como o que deve
conter a
analítica.
A
analítica dos princípios será, pois, um cânon para o julgamento; ela lhe ensina
a aplicar aos fenômenos, aos conceitos do entendimento, que contêm a
condição das regras “a priori” do entendimento; eu me servirei da doutrina
do julgamento, que designa mais exatamente este trabalho.
Introdução
Do juízo transcendental em geral
Definindo-se
o entendimento em geral como a faculdade das regras, o juízo será a faculdade de
subsumar sob regras, quer dizer, de determinar se uma coisa entra ou não sob uma
regra dada (“casus datae legis”). A Lógica geral não contém preceitos
para o juízo nem pode contê-los, porque, como faz abstração de todo conteúdo do
conhecimento, só lhe incumbe expor separadamente e por via de análise
simples forma do conhecimento em conceitos, juízos e raciocínios, com o que
estabelece as regras formais de todo uso do
entendimento.
E
se quisesse mostrar, de um modo geral, como se subsumam estas regras, quer
dizer, decidir se algo entra ou não, achar-se-ia que ela, por seu turno, só
poderia atingi-la por meio de uma regra. Mas como esta regra, na qualidade de
regra, exigiria uma nova instrução por parte do juízo, adverte-se que
o entendimento pode instruir-se e formar-se por regras, enquanto que o juízo é
um dom particular que se exerce mas que não pode
apreender-se.
Desse
modo o julgamento é o caráter distintivo daquilo que se denomina bom senso, cuja
falta nenhuma escola pode suprir. A um entendimento limitado pode-se procurar um
número de regras e inculcar-lhe certos conhecimentos, mas é mister que o
individuo por si mesmo tenha a faculdade de servir-se exatamente; e na ausência
desse dom da natureza, não há regra que seja capaz de premuni-lo contra o abuso
que faça.(16)
Um
médico, um juiz, ou um publicista podem ter em sua mente magníficas regras
patológicas, jurídicas ou políticas, ao ponto de parecerem ter uma ciência
profunda, e, no entretanto, falharem com a maior facilidade na aplicação dessas
regras; ou porque lhes falte o julgamento natural, sem faltar-lhes por isso
o entendimento, e que, se eles vêem bem o geral “in-abstracto”, são
incapazes de decidir se um caso está aí contido “in concreto”, seja
porque não estão exercitados nesta espécie de julgamentos por exemplos e
negócios
reais.
A
grande utilidade dos exemplos, a única que se quer, é exercer o juízo, porque no
tocante a exatidão e à precisão dos conhecimentos do entendimento eles são,
sobretudo, funestos; é raro, com efeito, que preencham de um modo adequado a
condição da regra (como “casus in terminis”); além disso, debilitam geralmente
essa tensão necessária ao entendimento para aperceber as regras em toda a
sua generalidade e independentemente das circunstâncias particulares da
experiência, até o ponto que se acaba por tomar o costume de empregá-los antes
como fórmulas do que como
princípios.
Vêm a
ser os exemplos para o juízo como a muleta para o inválido, de que não pode
prescindir aquele que não tenha essa faculdade natural. Mas com a Lógica
transcendental não sucede que não possa dar preceitos ao juízo como a Lógica
geral; pelo contrário, parece que sua própria função é corrigir e assegurar o
juízo mediante regras determinadas no uso do entendimento puro. E,
realmente, se for dar extensão ao entendimento no campo do conhecimento
puro “a priori” parece que não só é inútil volver à Filosofia, mas perigoso,
porque apesar de tantas tentativas feitas se avançou pouquíssimo no terreno
ou quase nada; já a Filosofia terá o seu valor quando a tomamos, não como
doutrina, mas como crítica, que sirva para prevenir os passos falsos do juízo
(“Lapsus judicil”), no uso do pouco número de conceitos puros intelectuais
que
possuímos.
Neste
caso, ainda que sua utilidade seja negativa, a Filosofia se apresenta com
toda sua penetração e habilidade de exame. A Filosofia transcendental
tem a particularidade de, ao mesmo tempo que a regra (ou melhor dito, a condição
geral das regras) que está dada no conceito puro do entendimento, poder
também indicar “a priori” o caso em que a regra deve
aplicar-se.
A
superioridade que tem por isto sobre todas as demais ciências instrutivas
(exceto as matemáticas) estriba em tratar de conceitos que devem referir-se
“a priori” aos seus objetos, e cujo valor objetivo, conseguintemente, não pode
demonstrar-se “a posteriori”. Mas ao mesmo tempo necessita ela expor
por meio de signos gerais e suficientes as condições sob as quais possam dar-se
objetos em harmonia com esses conceitos; os quais, de outro modo, não teriam
conteúdo algum, e seriam, por conseguinte, puras formas lógicas e não conceitos
puros do
entendimento.
Esta
doutrina transcendental do juízo conterá, pois, dois capítulos: o primeiro
tratará da condição sensível com a qual é unicamente possível empregar os
conceitos puros do entendimento, quer dizer, do esquematismo do entendimento
puro; e o segundo, dos juízos sintéticos que saem “a priori” sob estas
condições dos conceitos puros do entendimento e servem de fundamento a todos os
demais conhecimentos “a priori”, quer dizer, de princípios do entendimento
puro.
Em toda
subsunção de um objeto só num conceito, a representação do primeiro deve
ser homogênea àquela do segundo, quer dizer, que o conceito deve
encerrar aquilo que é contido no objeto que motivou a subsunção. Em verdade é
isso o que se entende quando se diz que um objeto está contido em um
conceito.
Assim,
por exemplo, o conceito empírico de um prato tem qualquer coisa semelhante com o
conceito puramente geométrico de um círculo, posto que a forma redonda que no
primeiro se pensa, se concebe no segundo. Mas os conceitos puros do entendimento
comparados com as intuições empíricas (ou sensíveis em geral) são por
completo heterogêneas, dessemelhantes, e não se encontram jamais em intuição
alguma.
Como,
pois, é possível a subsumação dessas intuições sob esses conceitos, e, por
conseguinte, a aplicação das categorias aos fenômenos, posto que ninguém pode
dizer de tal categoria, por exemplo:~a causalidade se percebe pelos sentidos e
que está contida no
fenômeno?
E esta
pergunta, é tão natural e tão importante, que faz com que uma doutrina
transcendental do julgamento seja necessária para explicar como os conceitos
puros do entendimento podem aplicar-se aos fenômenos em geral. Em todas as
outras ciências, onde os conceitos pelos quais o objeto é pensado de um
modo geral não são essencialmente distintos dos que representam este
objeto “in concreto”, tal como é dado, não é necessário dar qualquer
explicação para a aplicação do conceito ao
objeto.
É, pois,
evidente que deve existir um terceiro termo que seja semelhante por uma parte à
categoria e por outra ao fenômeno, e que torne possível a aplicação da
categoria ao fenômeno. Esta representação intermediária deve ser pura (sem
nenhum elemento empírico) e, portanto, é preciso que ela seja de um lado
intelectual, e do outro,
sensível.
Tal é o
esquema
transcendental.
O
conceito do entendimento contém a unidade sintética pura da diversidade em
geral. O tempo, como condição formal das representações diversas dos sentidos
internos, e, por conseguinte, de sua ligação, contém uma diversidade “a priori”
na intuição pura. Ora, uma determinação transcendental do tempo é
homogênea, semelhante à categoria (que faz a unidade) enquanto é universal e
assenta sobre uma regra “a
priori”.
Mas, por
outro lado, é homogênea ao fenômeno enquanto também o tempo está contido em
todas as representações empíricas da diversidade. Será, pois, possível a
aplicação da categoria aos fenômenos mediante a determinação transcendental
do tempo; e esta determinação, por seu turno, torna possível a subsumação dos
fenômenos à categoria como esquema dos conceitos do
entendimento.
Espero
que ninguém duvidará já, depois do que ficou estabelecido na dedução das
categorias, sobre a questão de saber se o uso destes conceitos puros do
entendimento é simplesmente empírico ou se ele é transcendental, quer dizer, se
eles não se relacionam “a priori” senão como fenômenos, como condição de uma
experiência possível, ou se eles podem estender-se, como condição da
possibilidade das coisas em geral, aos objetos em si (em ser restritos à
nossa
sensibilidade).
Temos
visto, com efeito, que os conceitos são impossíveis ou que carecem de sentido se
um objeto não é dado, seja a esses conceitos mesmos, seja pelo menos aos
elementos de que eles se compõem, e que, por conseguinte, eles não podem
aplicar-se a coisas em si (sem considerar-se como elas podem nos ser dadas).
Vimos que o único modo que existe para que os objetos nos sejam dados é por uma
modificação de nossa sensibilidade. E, por último, temos visto também que
os conceitos puros “a priori” devem conter “a priori”, além da função do
entendimento na categoria, certas condições formais da sensibilidade (em
especial do sentido interno), condições estas as únicas que permitem a
aplicação das categorias a um objeto
qualquer.
Chamaremos
a esta condição formal e pura da sensibilidade, que limita em seu uso ao
conceito do entendimento, o esquema desse conceito, e esquemas, o
esquematismo do entendimento
puro.
Por si
mesmo, o esquema não é sempre mais do que um produto da imaginação; mas como a
síntese desta não tem por fim nenhuma intuição particular, senão, unicamente, a
unidade na determinação da sensibilidade, é preciso não confundir o
esquema com a imagem. Quando eu coloco cinco pontos seguidos, faço uma
imagem do número cinco. Pelo contrário, quando penso um número em geral, seja
cinco ou cem, este pensamento é antes a representação de um método que
serve para representar em uma imagem uma quantidade (p. ex.: mil), de acordo com
certo conceito que não é esta mesma imagem, o que, aliás, não seria muito
difícil de fazer se quiserem percorrê-las com os olhos e compará-las com meu
conceito.
Pois
bem, o que eu denomino esquema de um conceito é a representação de um processo
geral da imaginação que serve para dar sua imagem a esse
conceito.
E, com
efeito, nossos conceitos sensíveis puros não têm por fundamento imagens de
objetos, mas esquemas. Não há imagem alguma de um triângulo que possa ser
jamais adequada ao conceito de um triângulo em geral. Com efeito, nenhuma
poderia atingir a generalidade do conceito, fazer com que aquele se aplique
igualmente a todos os triângulos, retângulos, ângulos e poligonos etc., mas
ela é sempre restrita a uma parte desta esfera. O esquema do triângulo não pode
existir mais do que no pensamento, e significa uma regra da síntese da
imaginação relativamente a certas figuras puras (concebidas pelo pensamento
puro) no
espaço.
Um objeto
da experiência ou uma imagem deste objeto atinge bem menos ainda o conceito
empírico, mas aquele se relaciona sempre imediatamente ao esquema da
imaginação como a uma regra que serve para determinar nossa intuição de acordo
com um conceito geral. O conceito de cor, p. ex., designa uma regra segundo a
qual minha imaginação pode representar-se de um modo geral a figura de um
quadrúpede, sem limitar-se a uma figura particular da experiência, nem a
qualquer imagem possível que “in concreto” possa
representar-me.
Este
esquematismo do entendimento, relativo aos fenômenos e à sua simples forma, é
uma arte oculta nas profundidades da alma humana, bem difícil de conhecer em sua
natureza e em seu segredo. Não podemos dizer mais que a imagem é um produto
da faculdade empírica da imaginação criadora, e que o esquema dos conceitos
sensíveis (como de figuras no espaço) é um produto e de certo modo um monograma
da imaginação pura “a priori”, mediante o que e pela qual são só possíveis
as imagens, e que essas imagens não se podem enlaçar ao conceito senão por
meio do esquema que designam, se não estão nelas mesmas perfeitamente
adequadas.
O
esquema de um conceito puro do entendimento é, pelo contrário, algo que não
pode reduzir-se a nenhuma imagem; não há mais do que a síntese pura operada
conforme uma regra de unidade, de acordo com os conceitos em geral e expressa
pela categoria. É um produto transcendental na imaginação, que consiste em
determinar o sentido interno em geral, segundo as condições de sua forma (do
tempo), em relação a todas as representações, enquanto devem unir-se “a priori”
em um conceito de acordo com a unidade da
percepção.
Sem
nos determos em uma seca e fastidiosa análise, daquelas que exigem em geral os
esquemas transcendentais dos conceitos puros do entendimento, nós os
exporemos muito melhor segundo a ordem das categorias e em relação com
elas.
A imagem
pura de todas as quantidades (“quantorum”) para o sentido externo é o espaço, e
a todos os objetos dos sentidos em geral, o tempo. Mas o esquema puro da
quantidade (“quantitatis”) como conceito do entendimento, é o número, que é uma
representação que compreende a adição sucessiva de um a um (homogêneos em
si). O número não é, pois, mais do que a unidade de síntese do diverso de uma
intuição homogênea em geral, ao introduzir eu o tempo mesmo na apreensão da
intuição.
No
conceito puro do entendimento, uma realidade é o que corresponde a uma
sensação em geral; por conseguinte, os objetos como fenômenos, o que neles
corresponde à sensação é a matéria transcendental de todos os objetos como
coisas em si (a realidade). Mas toda sensação tem um grau ou uma quantidade com
que pode encher mais ou menos o tempo, quer dizer, o sentido interno, com a
mesma representação de um objeto até que se reduz a zero (= “o
negatio”).
Existe,
pois, uma relação e um encadeamento, ou melhor, uma ponte da realidade à
negação, o que torna representável esta realidade como quantidade. E o
esquema desta realidade, como quantidade de algo que enche o tempo, é
precisamente esta contínua e uniforme produção da realidade no tempo, quando se
desce cronologicamente da sensação, que tem um certo grau, até sua inteira
desaparição, ou quando se sobe sucessivamente da negação da sensação até
sua quantidade.
O
esquema da substância é a permanência do real no tempo; quer dizer, que se
representa o real como um substrato da determinação empírica do tempo, em geral;
substrato que permanece, enquanto que tudo o mais varia. Nele não escoa o
tempo, mas a existência do mutável. Ao tempo, pois, que em si fixo e imutável,
corresponde no fenômeno o imutável na existência; quer dizer, a substância.
Somente nesta podem determinar-se a sucessão e a simultaneidade dos fenômenos em
relação ao
tempo.
O esquema
da causa e da causalidade de uma coisa em geral é o real; que, uma vez posto,
necessariamente está sempre seguido de alguma outra coisa. Consiste,
pois, na sucessão da diversidade enquanto sujeito a uma
regra.
O esquema
da reciprocidade, ou da mútua causalidade de substância em relação com seus
acidentes, é a simultaneidade das determinações de uma com as de outras,
conforme uma regra geral. O esquema da possibilidade é a conformidade da síntese
de diferentes representaçôes com as condições do tempo em geral; por exemplo: o
contrário não pode existir ao mesmo tempo em uma coisa, mas sim
sucessivamente. Por conseguinte, a determinação da representação de uma coisa em
um tempo dado.
O
esquema da realidade é a existência em um tempo
determinado.
O
esquema da necessidade é a existência de um objeto em todo
tempo.
Em tudo
isto se vê, pois, o que contém e representa o esquema de cada categoria: o
da quantidade, a produção (a síntese) do tempo mesmo na apreensão
sucessiva de um objeto; o da qualidade, a síntese da sensação (da
percepção com a representação do tempo ou ocupação do tempo); o de
relação, o enlace que une as percepçôes em todo tempo (quer dizer,
conforme, uma regra de determinação do tempo); por último, o esquema da
modalidade e de sua categoria, o tempo mesmo, para ver como e se este
objeto pertence ao
tempo.
Os
esquemas não são, pois, mais do que determinações “a priori” do tempo
feitas regras, e que, segundo a ordem das categorias, têm por objeto a
série do tempo, o intervalo do tempo, e, por fim, o conjunto do tempo em relação
a todas as coisas
possíveis.
De
tudo isto resulta que o esquematismo do entendimento, pela síntese
transcendental da imaginação, tende unicamente à unidade dos elementos
diversos da intuição no sentido interno, e assim mesmo, ainda que indiretamente,
à unidade da percepção, por ser função que corresponde ao sentido interno (a sua
receptividade). Os esquemas dos conceitos puros do entendimento são, pois,
as únicas e verdadeiras condições pelas quais podem estes conceitos pôr-se em
relação com objetos e dar-lhes, por conseguinte, uma
significação.
De
sorte que se vê que, em definitivo, as categorias só têm possível um uso
empírico, porque unicamente servem para submeter os fenômenos às regras gerais
da síntese por meio de princípios de uma unidade necessária “a priori” (por
causa da união necessária de toda consciência em uma só apercepção primitiva), e
tomar desse modo os fenômenos suscetíveis de uma ligação universal em uma
experiência. Mas todos os nossos conhecimentos radicam neste conjunto de
toda experiência possível e a verdade transcendental que precede à
empírica, e a possibilita na relação geral do espírito com essa
experiência.
Ao
mesmo tempo é evidente que, se os esquemas da sensibilidade realizam em
primeiro lugar as categorias, também as limitam, isto é, reduzem-nas em estado
tal que ficam fora do Entendimento (quer dizer, da sensibilidade). Assim, o
esquema é apenas o fenômeno no conceito sensível de um objeto de
conformidade com a sua
categoria.
NUMERUS
est quantitas phoenomenon, SENSATIO, realitas phoenomenon,
CONSTANS et perdurabile rerum substantia phoenomenon, AETERNITAS,
NECESSITAS, phoenomena etc., etc. Se tirarmos uma condição restritiva,
estendemos, segundo parece, o conceito anteriormente
limitado.
Consideradas
as categorias em seu sentido puro e independente das condições da
sensibilidade, valerão, neste caso, para os objetos em geral tal como eles
são, enquanto que os seus esquemas somente os representam como eles nos
aparecem, tendo, assim, as categorias um valor independente de todo esquema e de
grande
extensão.
É
verdade, entretanto, que os conceitos puros do Entendimento conservam sempre um
certo sentido, mesmo depois de ter sido feita a extração de toda condição
sensível, porém é um sentido meramente lógico; quer dizer, o da simples
unidade das representações, embora estas sem um fim determinado, razão pela
qual esses conceitos carecem de significação, posto que não têm um
objetivo a que
referir.
A
substância, p. ex., separada da determinação sensível da permanência,
significa apenas que uma coisa pode conceber-se como sendo sujeito (embora não
seja o predicado de outra coisa). Mas nada podemos fazer com essa representação,
uma vez que não conhecemos as determinações que deve possuir a coisa para
atingir o titulo do primeiro sujeito. Desta forma, as categorias sem
esquemas são apenas funções do Entendimento relativas aos conceitos
sem que representem qualquer objeto. Sua significação provém da sensibilidade
que realiza o Entendimento a par de limitá-lo.
Examinamos
no capítulo precedente a faculdade transcendental de julgarmos somente sob
o ponto de vista das condições gerais necessárias para aplicação dos conceitos
puros do Entendimento aos juízos sintéticos. Exporemos, agora, em ordem
sistemática os julgamentos que o Entendimento forma “a priori” sob esta
reserva crítica. Nossa tabela de categorias dar-nos-á infalivelmente para
isto um guia natural e
seguro.
Justamente
a relação dessas categorias com a experiência possível é a que deve constituir
“a priori” todos os conceitos puros do Entendimento e, por conseguinte, a sua
relação com a sensibilidade geral é que nos fará conhecer integralmente e
sob a forma de um sistema, todos os princípios transcendentais do uso do
Entendimento.
Os
princípios “a priori” levam esse nome, não somente porque servem de fundamento
ao dos juízos, mas também porque, por sua vez, estão baseados em
conhecimentos mais elevados e gerais. Mas essa propriedade não os dispensa,
sempre, sem embargo, de uma
prova.
Embora
esta prova não possa ser estabelecida mais objetivamente e sirva antes de
fundamento a todo conhecimento do seu objetivo, não impede que seja impossível e
até necessário tirá-la das fontes subjetivas que possibilitam o conhecimento de
um objeto em geral. De não ser assim, fica o princípio exposto à grave suspeita
de ser mera e subreptícia
afirmativa.
Limitar-nos-emos
simplesmente aos princípios que se referem às categorias. Vamos prescindir
assim, no campo das nossas investigações, dos princípios da Estética
transcendental, segundo os quais, Tempo e Espaço são as condições da
possibilidade das coisas como fenômenos e também, da restrição desses
princípios, de que não podem aplicar-se às coisas em si mesmas. Tampouco
fazem parte desse sistema os princípios matemáticos, porque procedem
da intuição e não dos conceitos puros do
Entendimento.
Sendo
juízo sintético “a priori” terá aqui sua possibilidade necessariamente de um
lugar, mas não apenas para demonstrar sua exatidão nem a certeza apodítica, o
que é desnecessário, senão unicamente para poder compreender e deduzir a
possibilidade desta espécie de conhecimentos evidentes “a
priori”.
Falaremos
também do princípio dos juízos analíticos em oposição aos juízos sintéticos, que
são dos que necessariamente temos que nos ocupar, porque opondo-os uns aos
outros nos livraremos dos equívocos na teoria dos últimos e tornaremos
mais visível sua própria natureza.
Primeira Seção
Do princípio supremo de todos os juízos
analíticos
A condição
universal, embora puramente negativa, de todos os nossos juízos em geral,
seja qual for o conteúdo do nosso conhecimento e a maneira que estiver em
relação com o objeto, é a de não se contradizerem a si mesmos, e se assim não
for são de per si nulos (mesmo independentemente do objeto). Pode acontecer
também que mesmo nosso juízo não contendo qualquer contradição, que junte
os conceitos de maneira contrária ao objeto e que não se baseiam em fundamentos
“a priori” e “a posteriori” e por isso que seja falso ou mal fundamentado, sem
conter, sem embargo uma contradição
interior.
Este
conceito, pelo qual um predicado está em contradição com uma coisa que não lhe
convém, chama-se o “princípio de contradição”. É este um critério universal da
verdade, embora meramente negativo, pelo que pertence exclusivamente à
Lógica em virtude de se aplicar aos conhecimentos considerados apenas como
conhecimentos em geral e independentemente do seu conteúdo, limitando-se a
declarar que a contradição o destrói
completamente.
Pode-se
fazer dele, entretanto, um uso positivo; isto é, não somente para rechaçar
o erro (embora se baseie em uma contradição), senão também para conhecer a
verdade. Porque se o juízo é analítico, quer seja afirmativo ou
negativo, sempre poderemos conhecer perfeitamente a verdade por meio do
princípio de contradição. De fato, o contrário do que já está contido como
conceito ou do que é concebido no conhecimento do objeto, será negado sempre com
razão, e necessariamente afirma-se esse conceito porque o contrário a este
conceito estaria em contradição com o
objeto.
Devemos,
pois, dar valor ao princípio de contradição, um princípio universal e
suficiente para todo conhecimento analitico, porém, até aí somente chega a
ser usado como critério suficiente da verdade. Este princípio é a condição “sine
qua non” de nossos conhecimentos, porque nenhum deles pode ser contrário sem
destruir-se por si mesmo, embora não possa ser destruido o princípio
determinante da verdade do nosso
conhecimento.
Agora
temos apenas que ocupar-nos da parte sintética do nosso conhecimento e
cuidaremos de não ir contra esse inviolável princípio, embora nada possamos
esperar dele que nos sirva de luz para a verdade nesta espécie de
conhecimentos.
Existe
uma fórmula deste célebre princípio, embora puramente formal, que contém uma
síntese que indevida e desnecessariamente passou com o próprio princípio. A
fórmula é esta: é impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo.
Além de aplicar aqui a certeza apodítica (pela palavra “impossível”) de um modo
supérfluo, porque ela mesma se subentende pela proposição, fica esta afetada
pela condição do
Tempo.
Diz isto:
uma coisa = A, que é algo = B, não pode ao mesmo tempo ser não B. Porém,
isto não impede que sucessivamente possam ser ambas as coisas (B igual a
não B). Por exemplo, o homem que é moço não pode ser ao mesmo tempo
velho, porém, esse mesmo homem pode ser jovem num tempo e em outro não
jovem, isto é,
velho.
Mas, o
princípio da contradição, como princípio puramente lógico, não deve limitar
suas afirmativas às relações de tempo, pelo que essa fórmula é
completamente contrária ao seu fim. A confusão provém de que após termos
separado um predicado de uma coisa, do conceito desta, une-se a seguir a esse
predicado seu contrário, o que jamais dá uma contradição com sujeito mas
apenas com o predicado que lhe foi anexado sinteticamente, e contradição
que somente se apresenta quando se põe o primeiro e o segundo predicados num
mesmo tempo.
Se
eu disser: um homem que é ignorante não é instruído, tenho que acrescentar a
condição: ao mesmo tempo, mesmo porque o ignorante numa época pode ser
instruído em outra, mas se eu afirmar: nenhum homem ignorante é instruído, a
proposição então é analítica, porque o caráter da ignorância constitui aqui o
conceito do sujeito, resultando imediatamente esta proposição negativa do
princípio de contradição, sem ser necessário acrescentar a condição ao mesmo
tempo.
É esta
a razão porque anteriormente troquei a fórmula desse princípio, de sorte que o
caráter analítico de proposição está claramente exposto.
Segunda Seção
Do princípio supremo de todos os juízos
sintéticos
A
explicação da possibilidade dos juízos sintéticos, em geral, é um problema
que nada tem que ver com a Lógica geral, nem precisa sequer conhecer-lhe o nome.
Não é assim na Lógica transcendental, onde o seu assunto mais importante e
até podemos dizer o único, consiste na investigação da possibilidade dos
juízos “a priori” suas condições e extensão de seu valor; porque somente depois
de haver preenchido este cometimento é quando está em condições de cumprir
sua finalidade, consistente em determinar a extensão e os limites do
Entendimento.
Nos
juízos analíticos não preciso sair do conceito dado para dizer algo sobre
esse conceito. Se o juízo for afirmativo, apenas acrescento ao conceito o que
nele estava já pensado; se for negativo excluirei do conceito seu
contrário.
Nos
juízos sintéticos é preciso que eu saia do conceito dado a fim de considerar sua
relação com outra coisa do que nele se pensava; por conseguinte, essa
relação não é nunca uma relação de identidade nem de contradição e, por
isso mesmo, não pode o juízo apresentar nem erros nem
verdades.
Admitindo,
pois, que é necessário sair de um conceito dado para compará-lo sinteticamente
com outro, devemos também admitir um terceiro termo no qual possa ter lugar a
síntese dos dois
conceitos.
Qual
será, então, esse terceiro termo, que é como o meio de todos os juízos
sintéticos?
Somente
poderá ser um conjunto no qual estejam compreendidas todas as nossas
representações; isto é, o sentido interno e a sua forma “a priori”, ou
Tempo. A síntese da representação radica na imaginação, porém, sua unidade
sintética (que o juízo exige) está baseada na unidade da
apercepção.
Agora
é mister buscar a possibilidade dos juízos sintéticos e como também esses
três termos possuem fontes de representações “a priori”, a possibilidade dos
juízos sintéticos “a priori”; e serão também necessários pôr esses
princípios quando precisarmos um conhecimento dos objetivos que se baseiam
exclusivamente na síntese das
representações.
A
fim de que um conhecimento possa ter uma realidade objetiva, isto é, referir-se
a um objeto, encontrando seu valor e sua significação, é necessário que o
objeto possa ser dado de alguma forma. Sem isto, os conceitos são vãos e
qualquer coisa que assim for concebida será como se nada tivesse sido feito: é
apenas brincar com representações. Dar um objeto se neste, ao mesmo tempo,
não se pensar imediatamente, se não representar imediatamente na intuição, é
apenas relacionar sua representação com a experiência (real ou
possível).
Espaço
e Tempo são seguramente conceitos puros de todo elemento em perigo e, por
conseguinte, representados “a priori” em nosso espírito; mas, mesmo assim,
careceriam de todo valor objetivo e significação se a sua aplicação não
fosse necessária nos objetivos da
experiência.
A
própria representação é apenas um esquema que sempre se refere à imaginação
produtiva, aquela que provoca os objetivos da experiência, sem os quais não
teriam nenhuma significação e, mesmo assim, com todos os conceitos, sem
distinção.
É,
pois, a “possibilidade de experiência” o que dá realidade objetiva a todos os
nossos conhecimentos “a priori”. A experiência, porém, baseia-se na unidade
sintética dos fenômenos, isto é, na síntese do objeto dos fenômenos em
geral, e segundo conceitos, síntese sem a qual a experiência nem os
conhecimentos seriam senão como uma rapsódia de percepçôes sem qualquer
seqüência entre si, segundo as regras de uma consciência única (possível),
e não serviriam assim à unidade transcendental necessária da
apercepção.
Desta
forma, a experiência fundamenta-se em princípios que determinam sua forma “a
priori”, isto é, regras gerais que constituem a unidade na síntese dos
fenômenos, regras que podem sempre demonstrar sua realidade objetiva e
possibilidade na experiência, como condições necessárias. Fora isto, são
absolutamente impossíveis as proposições sintéticas “a priori”, porque lhes
falta um terceiro termo, isto é, um objetivo puro no qual a unidade sintética
dos seus conceitos possa estabelecer a sua realidade
objetiva.
Mesmo
que do Espaço em geral e das figuras que nele a imaginação produtiva descreve
conhecemos “a priori” muitas coisas por meio de juízos sintéticos, sem
necessitarmos para isso da experiência, este conhecimento seria apenas uma
vã quimera se o Espaço não fosse aceito como condição de fenômenos que
constituem a matéria da experiência
externa.
Os
juízos sintéticos puros referem-se, pois, embora de um modo mediato, à
experiência possível, ou melhor ainda, à sua própria possibilidade e nisso,
unicamente, fundamentam o valor objetivo da sua
síntese.
Sendo,
pois, a experiência, como síntese empírica em sua possibilidade, o único
modo de conhecimento que dá realidade a toda outra síntese, esta, como
de conhecimento “a priori”, não é verdadeira (em desconformidade com o
objeto), senão enquanto não contém mais que o que é necessário à unidade
sintética da experiência em
geral.
O
princípio supremo de todos os juízos sintéticos é, pois, que todo objeto
está submetido às condições necessárias à unidade sintética da
diversidade da intuição numa experiência
possível.
Assim,
são possíveis os julgamentos sintéticos “a priori” quando referimos condições
formais da intuição “a priori”, a síntese da imaginação e sua unidade necessária
numa apercepção transcendental, a um conhecimento experimental possível em
geral e que podemos dizer: as condições da possibilidade da experiência” em
geral são ao mesmo tempo as da “possibilidade dos objetivos da experiência”, e é
por isso que têm um valor objetivo num juízo sintético “a
priori”.
Terceira Seção
Representação sistemática de todos os princípios
sintéticos do entendimento puro
Se existem
em geral princípios é, unicamente, por obra do entendimento puro, o que não é só
a faculdade de conceber regras em relação com o que sucede, mas também a fonte
mesma dos princípios pelos quais tudo (o que só se pode apresentar-nos como
objeto) é submetido a regras, porque sem elas não poderíamos jamais aplicar aos
fenômenos os conhecimentos de seu objeto correspondente. Quando se consideram as
mesmas leis da natureza como princípios do uso empírico do entendimento,
implicam então um caráter de necessidade, e, por conseguinte, a presunção pelo
menos de que estão determinadas por princípios que valem “a priori”, e
anteriores a toda experiência. Mas todas as leis da natureza, sem
distinção, estão sujeitas a princípios superiores do entendimento, posto
que não são mais que suas aplicações a casos particulares do
fenômeno.
Estes
princípios, por conseqüência, são os únicos que dão a regra e em certo modo
o expoente de uma regra em geral; ao mesmo tempo que a experiência, o caso
que se deve submeter à
regra.
Não se
deve temer aqui se tomarmos princípios simplesmente empíricos por
princípios do Entendimento puro, ou vice-versa; porque a necessidade
intelectual ontológica que caracteriza os princípios do entendimento puro e cuja
ausência é fácil de constatar em todos os princípios empíricos, por gerais
que sejam, podem sempre evitar essa confusão. Há, no entanto, princípios puros
“a priori”, que propriamente não posso atribuir ao Entendimento puro, porque não
procedem de conceitos puros (ainda que por mediação do entendimento),
quando o entendimento é faculdade de
conceitos.
Neste
caso se encontram os princípios das matemáticas; sua aplicação, no entanto,
à experiência, e, por conseguinte, seu valor objetivo e até a possibilidade
mesma do conhecimento sintético “a priori” desses princípios (sua dedução),
assentam sempre no Entendimento puro. Não colocarei, pois, entre meus princípios
os das matemáticas, mas somente aqueles em que se funda sua possibilidade e
seu valor objetivo “a priori”, e que, por conseguinte, devem ser considerados
como os princípios desses princípios, porque procedem dos conceitos à intuição e
não da intuição aos
conceitos.
Na
aplicação dos conceitos puros do entendimento à experiência possível, tem
sua síntese um uso matemático ou dinâmico, porque se refere, simplesmente, em
parte à intuição e em parte à existência de um fenômeno em geral. Mas as
condições “a priori” da intuição são absolutamente necessárias em relação a
uma experiência possível, enquanto que as da existência de objetos de uma
intuição empírica possível são por si mesmas contingentes. Os princípios do uso
matemático serão, pois, absolutamente necessários; quer dizer, apodíticos,
enquanto que os de uso dinâmico só terão o caráter de necessidade “a
priori”, sob a condição de um pensamento empírico na experiência, por
conseguinte, nada mais do que de um modo mediato e
indireto.
Não
terão, pois, estes, a evidência imediata que é peculiar aos primeiros (sem
prejuízo, não obstante, de sua certeza em relação com a experiência em
geral). Tudo isto há de ser compreendido muito melhor no final deste
sistema de
princípios.
A
tábua de categorias nos dá, naturalmente, o plano dos princípios, pois estes não
são mais que as regras de uso objetivo das categorias. Todos os princípios do
entendimento são, pois:
Adrede
escolhi estas denominações para que sobressaiam as diferenças que têm sob o
ponto de vista da experiência e da prática. Depois se advertirá que quanto
à evidência e à determinação “a priori” dos fenômenos, segundo as categorias da
quantidade e qualidade (atendendo só à forma desses fenômenos), que os
princípios destas categorias diferem consideravelmente dos das outras duas;
pois as primeiras têm só uma certeza intuitiva e as segundas, simplesmente
discursiva, por mais que uns e outros tenham uma certeza perfeita. Por isto
chamo aos primeiros princípios matemáticos e aos segundos,
dinâmicos.(17)
Tenho
de advertir que não atendo aqui mais aos princípios matemáticos em um caso que
aos da dinâmica geral (Física) em outro, mas única e exclusivamente aos do
entendimento puro em sua relação com o sentido interno (sem distinção das
representações que nele se dão). Ao denominá-las assim, faço-o mais em virtude
de sua aplicação do que no do seu conteúdo, e empreendo agora seu exame segundo
a ordem em que são apresentados.
I –
Axiomas da Intuição
Princípio: Todas as intuições são quantidades
extensivas
PROVA
Todos
os fenômenos compreendem, quanto à forma, uma intuição no espaço e no tempo que
lhes serve de fundamento “a priori”. Eles não podem ser apreendidos, isto
é, recebidos na consciência empírica, senão por meio desta síntese do
diverso, pela qual são produzidas as representações de um espaço ou de um
tempo determinados; quer dizer, pela composição de seus elementos homogêneos e
pela consciência da unidade sintética destes elementos diversos
(homogêneos). Mas a consciência da diversidade homogênea na intuição em
geral, enquanto que a representação de um objeto só assim é possível, consiste
no conceito de uma quantidade
(“quanti”).
Conseguintemente,
a mesma percepção de um objeto, como fenômeno, não é possível senão por meio
dessa mesma unidade sintética do diverso na intuição sensível, unidade pela qual
a da decomposição do homogêneo diverso se concebe no conceito de uma
quantidade; quer dizer, que os fenômenos são todos quantidades, e melhor,
quantidades extensivas, porque são representados necessariamente como
intuições no espaço ou no tempo, mediante esta mesma síntese pela qual se
determinam em geral espaço e
tempo.
Denomino
quantidade extensiva aquela em que a representação das partes torna possível a
do todo (a que necessariamente precede). Não posso representar-me uma linha, por
pequena que seja, sem traçá-la no pensamento; quer dizer, sem reproduzir
sucessivamente todas as partes de um ponto a outro, e sem fazer com esta
plástica a intuição. O mesmo sucede com qualquer parte do tempo, por
pequena que seja. Eu não posso concebê-la senão por meio de uma progressão
sucessiva que vai de um momento a outro; e da adição de todas estas
partes do tempo resultará logo uma quantidade de tempo
determinada.
Como
a intuição pura em todos os fenômenos é o espaço ou tempo, todo fenômeno,
enquanto intuição, é uma quantidade extensiva, porque não pode conhecer-se
senão por meio de uma síntese sucessiva (de parte a outra) que a apreensão
verifica. Todos os fenômenos, pois são primeiramente percebidos como
agregados (como multidão de partes dadas já antes), o que não sucede sempre em
todas as classes de quantidades, mas somente nas que representamos e aprendemos
como
extensivas.
Aqui,
nesta síntese sucessiva da imaginação produtiva na criação de figuras, é que se
fundam as matemáticas da extensão (Geometria) com seus axiomas, que exprimem as
condições da intuição sensível “a priori”, que são as únicas que
possibilitam o esquema de um conceito puro da intuição externa, como por
exemplo, que entre dois pontos não cabe mais que uma só linha reta possível, ou
que duas linhas retas não contêm um espaço, etc. São estes axiomas que não se
referem propriamente senão a “quanta”, como
tais.
Relativamente
à quantidade (“quantitas”), quer dizer, à questão de saber qual é o tamanho de
uma coisa, sobre isto não há axiomas no verdadeiro sentido da palavra, por
mais que muitas destas proposições sejam sintéticas e imediatamente certas
(“indemonstrabilia”). Porque, que o par aditado ao par ou tirado do par dê
o par, são estas proposições analíticas, posto que tenho consciência
imediatamente da identidade da produção de uma quantidade com a outra. Os
axiomas, pelo contrário, devem ser princípios sintéticos “a
priori".
As
proposições evidentes que exprimam as relações numéricas são seguramente
sintéticas, pelo que não merecem o nome de axiomas senão só o de fórmulas
numéricas. A proposição de 7 + 5 = 12 não é de modo algum analítica. Com efeito,
eu não penso o número 12 nem na representação de 7, nem na de 5, mas
naquela da união desses dois números (que eu concebo necessariamente na
adição dos dois, embora aqui não seja essa questão apropriada, porque em uma
proposição analítica não se trata de saber se eu concebo realmente o
predicado na apresentação do
sujeito).
Mas
ainda que sintética, esta proposição é particular. Enquanto aqui só
consideramos a síntese das quantidades homogêneas (das unidades), esta só de uma
maneira pode realizar-se, por mais que depois seja o uso destes números
geral.
Quando
digo: um triângulo se constrói com três linhas, em que duas juntas podem ser
maiores que a terceira, não há nisso mais do que pura função da imaginação
produtiva, que pode traçar linhas mais ou menos grandes e fazer com que formem
toda classe de
ângulos.
O número
7, pelo contrário, não é possível senão por uma só maneira, e assim também
o 12, produzido pela síntese do primeiro com o 5. Tais proposições, pois, não
podem chamar-se axiomas (pois do contrário haveria um número infinito), mas
fórmulas
numéricas.
Esse
princípio transcendente da ciência matemática dos fenômenos estende
consideravelmente nosso conhecimento “a priori”, porque só por ele podem as
matemáticas puras aplicar-se com toda a sua precisão aos objetos da
experiência, e sem ele não só não seria evidente por si mesma sua
aplicação, como também daria margem a certas contradições. Os fenômenos não
são coisas em si. A intuição empírica é possível só pela intuição pura (de tempo
e espaço).
Desde
então não se poderia pretextar que os objetos dos sentidos não devem
conformar-se as leis da construção no espaço (p. ex.: com a infinita
divisibilidade das linhas ou dos ângulos); porque assim se negaria ao mesmo
tempo todo valor objetivo ao espaço e com ele a todas as matemáticas, e não
se saberia já por que nem até que ponto são estas aplicáveis aos
fenômenos.
A
síntese de espaços e tempos é o que possibilita, como formas essenciais de
toda intuição, a apreensão do fenômeno, e, por conseguinte, toda experiência
externa, e também todo o conhecimento de objetos da experiência. E tudo quanto
provém da Matemática em sua aplicação pura a esta síntese vale também,
necessariamente, para a
experiência.
Todas
as objeções feitas contra não passam de argúcias de uma razão pouco ilustrada
que erroneamente crê que pode libertar aos objetos dos sentidos da condição
formal de nossa sensibilidade e que os representa como objetos em si dados ao
entendimento, ainda que não sejam mais do que fenômenos. Se assim fosse, nada
deles poderia seguramente ser conhecido “a priori"; e, por
conseguinte, mediante os conceitos puros do espaço e a ciência que os
determina, a Geometria seria impossível.
II
– Antecipações da Percepção
Princípio: Em todos os fenômenos, o real, que é um objeto da
sensação, tem uma qualidade intensiva, quer dizer, um grau
PROVA
A
percepção é a consciência empírica, isto é, a consciência acompanhada de
sensação. Os fenômenos como objetos da apercepção não são intuições
puras (puramente formais) como o espaço e o tempo (que não podem ser percebidos
em si mesmos). Eles contêm, pois, além da intuição, a matéria de
qualquer objeto em geral (pelo qual é apresentada qualquer coisa de
existente no espaço ou no tempo), quer dizer o real da sensação,
considerado como uma representação puramente subjetiva de que se não
pode ter consciência senão enquanto o sujeito é afetado, e que relaciona
este com um objeto
qualquer.
Mas
pode ter lugar uma transformação gradual da consciência empírica em pura,
em que o real da primeira desapareça por completo e que não reste mais do que
uma consciência puramente formal “a priori” da diversidade contida no espaço e
no tempo; por conseguinte, pode haver também uma síntese da produção da
quantidade de uma sensação depois de seu começo: a intuição pura – 0, até uma
grandeza qualquer. E como a sensação não é por si mesma uma representação
objetiva, não havendo nela nem intuição do espaço nem do tempo, ela não tem
grandeza extensiva, ainda que tenha uma quantidade (por meio da sua
apreensão, onde a consciência empírica pode crescer em um certo tempo
depois do nada até um grau dado), e por conseguinte ela tem uma grandeza
intensiva, à qual deve corresponder também em todos os objetos da
percepção enquanto esta contém uma sensação, quer dizer, um grau de influência
nos
sentidos.
Pode
chamar-se antecipação a todo conhecimento pelo qual posso conhecer e
determinar “a priori” o que pertence ao conhecimento empírico, e essa é
seguramente a significação que dava Epicuro. Mas como existe nos fenômenos
algo que jamais é conhecido “a priori”, e que constitui desse modo a diferença
verdadeira entre o empirismo e o conhecimento “a priori”, e que esse algo é
a sensação (como material da percepção) segue-se que o que propriamente não pode
ser antecipado é a sensação. Poderemos, pelo contrário, denominar às
determinações puras no espaço e no tempo, já com relação à figura, já pela
quantidade, antecipações de fenômenos porque representam “a priori” o
que sempre pode dar-se “a posteriori” na
experiência.
Suponhamos,
porém, que exista algo que possa conhecer-se “a priori” em cada sensação,
considerada como uma sensação geral (sem que uma sensação particular se tenha
dado); esse algo mereceria também chamar-se antecipação, ainda que em sentido
excepcional. Digo excepcional, porque é bem estranho, certamente, antecipar
sobre a experiência naquilo mesmo que constitui a sua matéria e que só dela
pode tomar-se. Isto é, entretanto, o que aqui
sucede.
A
apreensão não enche, só com a sensação, senão um instante (não se fala aqui da
sucessão de várias sensações). Enquanto ela é no fenômeno alguma coisa cuja
apreensão não é uma síntese sucessiva que precede indo das partes à
representação total, esta apreensão, por conseguinte, carece de quantidade
extensiva; a ausência de sensação no mesmo instante representaria este
instante como vazio, como igual a zero. O que corresponde à sensação na
intuição empírica é, pois, realidade (“realiter phaenomenon”); e o que
corresponde à ausência da sensação é a negação. Ademais, toda sensação é
suscetível de diminuição, de tal sorte que ela pode decrescer e desaparecer
insensivelmente.
Há,
pois, entre a realidade no fenômeno e a negação, uma cadeia contínua de
sensações intermediárias possíveis, entre as quais há sempre menos
diferença que entre a sensação dada e o zero ou a inteira negação. Isto é o
mesmo que dizer que o real em um fenômeno tem sempre uma quantidade, mas
que esta quantidade não se acha na apreensão, posto que esta se verifica no
instante por meio da simples sensação e não por uma síntese sucessiva de
muitas sensações, não procedendo, por conseguinte, das partes ao todo. Tem,
pois, uma quantidade, mas que não é
exterior.
Agora,
a esta quantidade, que só como unidade se apreende, e em que a pluralidade
não pode ser representada mais do que por aproximação à negação, denomino-a
quantidade intensiva. Toda realidade no fenômeno tem, pois, uma quantidade
intensiva, quer dizer, um grau. Quando se considera esta realidade como causa
(seja da sensação ou de outra realidade no fenômeno, por exemplo, de uma
mudança), denominamo-la um momento, p. ex.: o momento da gravidade, e isto
porque o grau não designa senão a quantidade cuja apreensão não é sucessiva, mas
momentânea. Toco neste ponto, de passagem, pois ainda não vou tratar da
causalidade.
Toda
sensação, e por conseguinte também toda realidade no fenômeno, por pequena que
seja, tem um grau; quer dizer, uma quantidade intensiva que todavia pode
ser diminuída, havendo entre a realidade e a negação uma série contínua de
realidades e de percepções possíveis, cada vez menores. Uma cor qualquer,
p. ex.:, a vermelha, possui um grau que, por pequeno que seja, nunca é o último
menor possível; ocorre o mesmo com o calor, com o momento da gravidade,
etc.
A
propriedade das quantidades que faz com que nenhuma de suas partes seja a menor
possível nelas (nenhuma parte é simples) é o que se chama sua continuidade.
Espaço e tempo são quantidades contínuas (“quanta” contínua), porque nenhuma de
suas partes pode dar-se sem estar contida em limites (pontos e instantes), e de
tal sorte que essa mesma parte não seja por sua vez um espaço ou um tempo. O
espaço, pois, não se compõe senão de espaços, e o tempo, de
tempos.
Os
instantes e os pontos não são limites do tempo e do espaço; quer dizer,
simplesmente os lugares de sua circunscrição. E estes lugares supõem sempre
intuições que os limitam ou determinam, e nem tempo nem espaço podem
conceber-se como compostos de simples lugares de partes integrantes que se
supõem dadas anteriormente. Pode chamar-se a esta classe de
quantidades fluentes, porque a síntese (da imaginação criadora) as produz
por uma progressão no tempo, cuja continuidade se designa geralmente com a
palavra
fluxão.
Todos os
fenômenos em geral são, pois, quantidades contínuas, tanto por sua
intuição, ao ser quantidades extensivas, como também por sua simples percepção
(sensação e, por conseguinte, realidade) como quantidades intensivas. Quando se
interrompe a síntese da diversidade dos fenômenos, essa diversidade não é
então um fenômeno como “quantum”, mas simplesmente um agregado de vários
fenômenos, produto da repetição de uma síntese sempre interrompida, em vez de
ser pela simples progressão da síntese geradora de uma espécie dada. Quando digo
que 13 thalers representam certa quantidade de dinheiro, sirvo-me de uma
expressão exata se com isso entendo um marco de prata
fina.
Esse marco
de prata é seguramente uma quantidade contínua na qual não há parte alguma que
seja a menor possível, e onde cada parte podia formar uma moeda que por sua vez
conteria sempre matéria para outras menores. Mas se entendo por aquela
expressão 13 thalers redondos, quer dizer, 13 moedas (qualquer que seja o
seu valor), será impróprio que a isso denomine eu uma quantidade de
thalers; é mister chamá-lo um agregado, quer dizer, um número de moedas. E como
em todo número é necessária uma unidade que sirva de fundamento ao fenômeno,
como unidade, é um “quantum”, e como tal sempre um
contínuo.
Como
todos os fenômenos, considerados bem como extensivos ou como intensivos, são
quantidades contínuas, a proposição de que toda mudança (passagem do
estado de uma coisa para outra) é contínua, poder-se-ia demonstrar aqui
facilmente e com evidência matemática se a causalidade de uma mudança
em geral não estivesse por completo fora dos limites da Filosofia
transcendental e não supusesse princípios empíricos. Por que possa existir
uma causa que mude o estado das coisas, quer dizer, que as determine em um
sentido contrário a certo estado dado, sobre isso o entendimento nada nos diz “a
priori”, e não só porque não veja a possibilidade (o que nos falta na maior
parte dos conhecimentos “a priori”), mas também porque a mutabilidade atinge
tão-só a certas determinações dos fenômenos que só a experiência pode
demonstrar-nos, enquanto que a causa permanece no
imutável.
Mas,
como aqui só dispomos dos conceitos puros, fundamentais de toda experiência
possível, e nos quais nada de empírico deve haver, não podemos, sem quebrar
a unidade do sistema, antecipar nada da Física geral, fundados sobre certos
princípios da
experiência.
Não
carecemos, não obstante, de provas que demonstrem a grande influência de nosso
princípio na antecipação das percepções, e até suprindo-as também, de sorte
que evita as falsas consequências que poderiam
tirar-se.
Se toda
realidade na percepção tem um grau, entre esse grau e a negação há uma série
infinita de graus sempre menores, e, não obstante, cada sentido deve ter um grau
determinado de receptividade para as sensações. Não existe, pois,
percepção, e por conseguinte experiência, que prove, quer imediata, quer
mediatamente (qualquer caminho que se escolha para chegar a essa
conclusão), a ausência absoluta de toda realidade no fenômeno; que da
experiência não se pode tirar a prova de um espaço ou de um tempo
vazios.
Primeiramente,
a ausência absoluta de realidade na intuição sensível não pode nem ser
percebida; depois, tampouco, pode deduzir-se a de nenhum fenômeno
particular, nem da diferença de seus graus de realidade, e não se pode admitir
nunca para explicar esta realidade. Efetivamente, ainda que toda intuição de um
espaço e de um tempo determinado seja inteiramente real, quer dizer, que nenhuma
parte desse espaço ou tempo esteja vazio, não obstante, como toda realidade
possui o seu grau, que pode decrescer segundo uma infinidade de graus inferiores
até o nada, sem que a grandeza extensiva do fenômeno cesse de ser a mesma, deve
haver uma infinidade de graus diferentes enchendo o espaço e o tempo, e a
grandeza intensiva nos diversos fenômenos deve poder ser menor ou maior, ainda
que a grandeza extensiva da intuição permaneça a mesma. Daremos um
exemplo.
Os
fisicos, ao notarem uma grande diferença na quantidade de matéria contida em um
mesmo volume em corpos de diversas espécies (pelo peso ou pela resistência
oposta a outras matérias em movimento), pensaram que esse volume
(quantidade extensiva do fenômeno) deveria conter o vazio em todas as
matérias, ainda que em proporções distintas. Quem havia de pensar que esses
naturalistas, em sua maioria matemáticos e mecânicos, fundavam sua
conclusão em uma simples hipótese metafísica, que tanto pretenderam
evitar?
É
isso o que fazem, no entanto, ao admitirem que o real no espaço (não digo aqui
impenetrabilidade ou peso, porque são conceitos empíricos) é em todas as
partes idêntico, e que não pode distinguir-se mais do que pela quantidade
extensiva; quer dizer, pela pluralidade. A esta suposição, que não tem
nenhum fundamento na experiência e que é puramente metafísica, eu oponho uma
prova transcendental, que na verdade não explica a diferença na maneira como o
espaço se ocupa, mas que suprime por completo a suposta necessidade de
supor que esta diferença só pode explicar-se admitindo os espaços vazios, e que,
pelo menos, tem a vantagem de permitir ao espírito que a conceba de
qualquer outra maneira, se a explicação física exige aqui qualquer
hipótese.
E, em
verdade, vemos que se espaços iguais podem perfeitamente ser ocupados por
matérias distintas, de tal sorte que em nenhum deles haja um ponto em que a
matéria não esteja presente, todavia, todo real da mesma quantidade tem seu grau
(de resistência ou gravidade) que pode ir diminuindo, sem que a quantidade
extensiva ou a pluralidade diminuam ou desapareçam no vazio. Assim, uma
dilatação que ocupa um espaço, por exemplo, o calor ou qualquer outra realidade
(fenomenal), pode ir minguando por graus até o infinito, sem deixar
por isso vazia a menor parte do espaço, enchendo então o espaço com esses graus
inferiores, o mesmo que encheria com outro fenômeno, com outros mais
elevados.
Não
pretendo afirmar aqui que seja esta a razão da diferença das matérias
quanto ao seu peso específico, mas só demonstrar por um princípio do
entendimento puro que a natureza de nossas percepções possibilita essa
explicação, e que é um erro considerar ao real do fenômeno como sendo igual
quanto ao grau, e que não difere senão por sua agregação e sua quantidade
extensiva, e também crer que afirmo isso “a priori” por um princípio
do
entendimento.
Para
um investigador afeito às considerações transcendentais, e, por conseguinte,
circunspecto, esta antecipação de percepção é algo chocante, e não pode deixar
de arquitetar alguma dúvida sobre a faculdade do entendimento de antecipar
uma proposição sintética, como a de grau de toda realidade nos fenômenos, e, por
conseguinte, a possibilidade da diferença intríseca da sensação mesma, abstração
feita de sua qualidade empírica. É pois, uma questão muito importante,
saber como o entendimento pode aqui decidir “a priori” e sinteticamente sobre
fenômenos, e antecipá-los no que é própria e simplesmente empírico; quer dizer,
no que tange à
sensação.
A
qualidade da sensação é sempre puramente empírica, e não pode representar-se “a
priori” (p. ex.: a cor, o gosto, etc). Mas o real que corresponde às
sensações em geral, por oposição à negação, representa só algo cujo
conceito contém em si uma existência e não significa mais do que a síntese em
uma consciência empírica em geral. Com efeito, no sentido interno, a consciência
empírica pode elevar-se do nada até um grau superior qualquer, de sorte que
a mesma quantidade extensiva da intuição (como uma superfície iluminada) pode
excitar uma sensação tão grande como outras muitas reunidas (superfícies menos
iluminadas).
Pode-se,
pois, fazer completa abstração da quantidade extensiva do fenômeno e
representar-se, não obstante, em um momento só na sensação, uma síntese da
graduação uniforme que se eleva desde nada até uma consciência empírica dada.
Todas as sensações estão, pois, como tais, dadas somente “a posteriori”, mas a
propriedade que possuem de ter um grau pode ser conhecida “a
priori".
Assim é
de notar que não podemos conhecer “a priori” nas quantidades em geral mais que
uma só qualidade, a saber, a continuidade, e em toda qualidade (no real do
fenômeno) sua quantidade intensiva, quer dizer, a propriedade que ela tem de ter
um grau; o restante pertence à experiência.
III
– Analogias da Experiência
Princípio: A experiência só é possível pela representação de uma
ligação necessária das percepções
PROVA
A
experiência é um conhecimento empírico; quero dizer, um conhecimento que
determina seu objeto por percepções. É, pois, uma síntese de percepções que
não está contida, nessas percepções, mas encerra a unidade sintética de sua
diversidade no seio de uma consciência, unidade que constitui o essencial
de um conhecimento dos objetos dos sentidos, quer dizer, da experiência (e
não somente da intuição ou da sensação dos sentidos). Na experiência, as
percepções não se relacionam umas com as outras senão de um modo acidental,
de tal sorte que das percepções mesmas não resulta nem pode resultar entre elas
qualquer ligação necessária; a apreensão, com efeito, não é senão uma composição
do diverso da intuição empírica, e não se dá nela nenhuma representação da
necessidade da união de fenômenos que em espaço e tempo ela
forma.
Mas, como
a experiência é um conhecimento de objetos por meio de percepções, e que por
conseguinte a relação na existência do diverso deve representar-se na
experiência, não como esse diverso está composto no tempo, mas tal como é
objetivamente o tempo; e como, de outra parte o tempo mesmo não pode ser
percebido, segue-se que não se pode determinar a existência de objetos no tempo,
senão tal como objetivamente é o tempo; e como, de outra parte, o tempo
mesmo não pode ser percebido, segue-se que não se pode determinar a
existência de objetos no tempo pela sua união no tempo em geral, quer dizer, por
meio de conceitos que os unam “a
priori”.
Entretanto,
como esses conceitos vão sempre acompanhados da necessidade, a experiência não é
possível senão por meio de uma representação da ligação necessária das
percepções.
Os
três modos do Tempo são a permanência, a sucessão e a simultaneidade. Daí três
leis que regulam todas as relações cronológicas dos fenômenos, e
segundo as quais a existência de cada um deles pode ser determinada em relação à
unidade de todo o tempo, e essas leis são anteriores a toda experiência, que
elas tornam possível. O princípio geral destas três analogias assenta sobre a
unidade necessária da apercepção, relativamente a toda consciência empírica
possível (da percepção) em cada tempo, e por conseguinte porque essa unidade é
um fundamento “a priori”, sobre a unidade sintética de todos os fenômenos
sob o ponto de vista de sua relação no
tempo.
Efetivamente
a percepção originária se relaciona com o senso íntimo (ao conjunto de
todas as representações) e “a priori” com a sua forma, quer dizer, com a relação
dos elementos diversos da consciência empírica no tempo. Ora, todos esses
elementos diversos devem ser ligados, conforme suas relações de tempo, na
percepção originária, porque é isso o que exprime a unidade sob a qual entra
tudo quanto deve fazer parte de meu conhecimento (quer dizer, de meu
próprio conhecimento), e, por conseguinte, tudo quanto pode ser um objeto
para mim.
Esta
unidade sintética na relação cronológica de todas as percepções que é
determinada “a priori”, é pois a lei que faz com que todas as
determinações empíricas do tempo estejam submetidas às regras da
determinação geral do tempo, e que as analogias da experiência, de que vamos
ocupar-nos, estejam também no mesmo caso. Estes princípios oferecem a
particularidade de não se ocuparem de fenômenos nem da síntese de sua
intenção empírica, mas tão-somente de sua existência e de sua relação entre si
com relação a essa existência. Mas a maneira de como algo é apreendido no
fenômeno, pode determinar-se “a priori” de tal sorte que a regra de sua
síntese possa subministrar esta intuição “a priori” em cada caso empírico dado;
quer dizer, realizá-la por meio destas mesmas
sínteses.
A
existência dos fenômenos, porém, não pode ser conhecida “a priori”, e ainda que
avancemos por esse caminho a dizer algo sobre alguma existência, nós não a
conheceríamos de uma maneira determinada, quer dizer, que não poderíamos
antecipar que sua intuição empírica não se distingue de outra qualquer. Os
dois princípios precedentes, que denominei matemáticos, porque nos
autorizam a aplicação das matemáticas aos fenômenos, referiam-se a
fenômenos sob o aspecto de sua simples possibilidade e nos ensinavam como esses
fenômenos podem ser produzidos conforme as regras de uma síntese
matemática, não só quanto à sua intuição como quanto ao real em sua
percepção. Por essa razão podem empregar-se em um e outro caso as
quantidades numéricas, e com elas, conseguintemente, determinar o fenômeno
como quantidade. Assim, por exemplo, eu posso determinar “a priori” e
construir o grau de sensação da luz solar acrescentando aproximadamente 200.000
vezes a da
Lua.
Podemos,
pois, designar esses princípios com o nome de constitutivos. Bem
diferente há de ser com os princípios que submeter a existência dos fenômenos a
regras “a priori”. Porque, como esta não pode constituir-se, resulta que esses
princípios não alcançam mais que uma relação de existência, e só podem ser
princípios reguladores. Não se pode, pois, buscar aqui nem axiomas nem
antecipações; trata-se, unicamente, de saber-se quando uma percepção nos é
dada em uma relação de tempo com outra (ainda que indeterminada), na qual é essa
outra percepção e qual a sua quantidade, senão como está enlaçada
necessariamente com a primeira, quanto à existência nesse modo do
tempo.
As
analogias têm na Filosofia um sentido muito diferente daquele que oferecem na
Matemática. Nesta, são fórmulas que exprimem a igualdade de duas
relações de quantidade e são sempre constitutivas, e de tal modo que, quando
dois membros da proposição estão dados, por si mesmo se dá o terceiro; quer
dizer,
constrói-se.
Na
Filosofia, pelo contrário, a analogia não é a igualdade de duas relações de
quantidade, mas de duas relações de qualidade, pelo que, dados três membros, não
posso conhecer e determinar “a priori” mais do que sua relação com um quarto;
mas não esse mesmo quarto membro. Tenho somente uma regra para buscá-lo na
experiência e um signo para o
encontrar.
A
analogia da experiência não é, pois, mais do que uma regra segundo a qual a
unidade da experiência (não a percepção mesma como intuição empírica em
geral) deve resultar de percepções e se aplica aos objetos (fenômenos)
simplesmente como princípio constitutivo. Assim sucede com os postulados do
pensamento empírico em geral, que se referem ao mesmo tempo à síntese da simples
intuição (da forma de fenômeno), à da percepção (da matéria do fenômeno) e à da
experiência (da relação dessas
percepçôes).
Não
têm outro valor que o de princípios reguladores, e se distinguem dos
princípios matemáticos, que são constitutivos, não precisamente pela
certeza, que é solidamente estabelecida “a priori” nuns e noutro, mas pela
natureza da evidência, quer dizer, pelo seu lado intuitivo (e, por
conseguinte, também, pela
demonstração).
Mas
o que se tem advertido em todos os princípios sintéticos, e que aqui
deve-se agora denotar particularmente, é que essas analogias têm seu valor e
significação como princípios do uso empírico do entendimento e não como o
uso transcendental, e que por conseguinte só sob esse titulo podem ser
demonstrados. Por conseqüência, os fenômenos não podem subsumar-se às
categorias, mas aos esquemas somente. Porque, se os objetos a que devem
referir-se esses princípios fossem coisas em si, seria absolutamente
impossível ter deles “a priori” algum conhecimento sintético. Mas não são
senão fenômenos, e a experiência possível, o conhecimento perfeito desses
fenômenos, na qual terminam definitivamente todos os princípios “a
priori”.
Estes
princípios não podem, pois, ter por objeto senão as condições da unidade do
conhecimento empírico na síntese dos fenômenos. Entrementes, esta
unidade só se concebe no esquema do conceito puro do entendimento, posto que,
como síntese em geral, acha na categoria uma função que não limita nenhuma
condição
sensível.
Estamos,
assim, autorizados por estes princípios a compor os fenômenos só na
analogia com a unidade lógica e geral dos conceitos; e, por conseguinte, se
no princípio mesmo nos servimos da categoria, na execução (aplicação dos
fenômenos) substituiremos o princípio com o esquema da categoria, como
sendo a chave de seu uso; ou, melhor ainda, colocaremos a seu lado esse
esquema como condição restritiva, com o nome de fórmula do
princípio.
PRIMEIRA ANALOGIA
Princípio da Permanência da Substância
A substância é permanente em todas as mudanças dos fenômenos e sua
quantidade nem aumenta nem diminui na natureza
PROVA
Todos
os fenômenos estão no tempo, e só nele podem ser representadas a
simultaneidade e a sucessão como substratum (ou forma
permanente da intuição interna). O tempo, pois, onde deve ser pensada toda
mudança de fenômenos, permanece e não muda; e a sucessão ou a simultaneidade não
podem ser representadas senão nele e com suas determinações. Ora, o tempo não
pode ser percebido em si mesmo. É, pois, nos objetos da percepção,
quer dizer, dos fenômenos, que cumpre procurar o substratum que
representa o tempo em geral, e onde pode ser percebido na apreensão, por meio da
relação dos fenômenos com ele, toda mudança ou toda
sucessão.
Mas o
substrato de tudo o que é real, isto é, de tudo que pertence à existência não
pode ser pensado senão como determinação. Por conseguinte, essa qualquer
coisa de permanente, relativamente à qual todas as relações dos fenômenos
no tempo são necessariamente determinadas, é a substância do fenômeno, isto é,
aquilo que existe nele de real, e aquilo que permanece sempre o mesmo, como
“substratum” de toda mudança. E como esta substância não pode mudar em sua
existência, sua quantidade na natureza não pode nem aumentar nem
diminuir.
Nossa
apreensão dos elementos diversos do fenômeno é sempre sucessiva, e, por
conseguinte, sempre mutável. É, pois, impossível que possamos jamais determinar
por meio deste único meio se esta diversidade, como objeto da experiência, é
simultânea ou sucessiva, a menos que não tenha por fundamento algo que sempre
esteja, algo durável, permanente, de que toda mudança e toda simultaneidade
não sejam mais que outros tantos modos de ser (“modi”). Por conseguinte, só no
permanente são possíveis as relações do tempo (porque a simultaneidade e a
sucessão são meras relações de tempo); quer dizer, que o permanente, para a
representação empírica do tempo mesmo, e o “substratum” que torna só possível
toda determinação do
tempo.
A
permanência expressa em geral, o tempo como o correlativo constante de toda
existência de fenômenos, de toda mudança e de toda simultaneidade. Com
efeito, a mudança não se refere ao tempo em si, mas só aos fenômenos no tempo,
da mesma maneira que a simultaneidade não é um modo do tempo mesmo, no qual não
existem partes simultâneas mas só
sucessivas.
Se se
atribuísse ao tempo uma sucessão, seria preciso conceber de novo outro tempo, em
que fosse possível essa sucessão. Só pelo permanente recebe a existência, nas
diferentes partes da série sucessiva do tempo, uma quantidade que se
denomina duração. Por que na simples sucessão, a existência aparece e
desaparece sem cessar, não tendo nunca a menor quantidade. Mas, como o tempo não
pode ser percebido em si mesmo, segue-se que esse permanente nos fenômenos é o
“substratum” de toda determinação do tempo, e também, por conseguinte, a
condição da possibilidade de toda unidade sintética das percepções, quer
dizer, da experiência. E toda existência, toda mudança no tempo, não deve
considerar-se mais do que um modo do que dura e não
muda.
O
permanente, pois, nos fenômenos é o objeto mesmo, quer dizer, a substância
(“phaenomenon”); mas o que muda ou pode mudar é só o modo de existência
desta substância, ou melhor dito, suas determinações. Eu vejo que em todo tempo,
não só os filósofos, como também o vulgo, consideram esta permanência como um
“substratum” de toda mudança de fenômenos e seguirão sempre supondo-o como
coisa
indubitável.
O
que fazem os filósofos é expressá-lo com um pouco mais de precisão, ao dizerem:
em meio a todas as mudanças que ocorrem no Mundo, a substância permanece; só o
acidente muda. Mas não acho em parte alguma a menor tentativa de demonstrar esta
proposição sintética, e até só raramente a vejo figurar em seu lugar, nas
obras, à frente dessas leis puras e inteiramente “a priori” da Natureza. Na
verdade, dizer que a substância é permanente, é uma expressão tautológica.
Porque esta permanência é a única razão pela qual aplicamos aos fenômenos a
categoria de substância, e seria mister provar que em todos os
fenômenos existe algo permanente, cuja existência é determinada pelo
mutável.
Tal
prova, porém, não pode ser fornecida dogmaticamente, quer dizer, por meio de
conceitos, pois ela se refere à proposição sintética “a priori" e como
ninguém pensou jamais que semelhantes proposições não têm valor senão em
relação com a experiência possível, e por conseguinte não podem ser
provadas senão por meio de uma dedução da possibilidade da experiência, não tem
nada de particular que, ainda colocando esta proposição sintética como
fundamento de toda experiência (por que é indispensável no conhecimento
empírico), nunca tenha sido
demonstrada.
Perguntou-se
a um filósofo qual era o peso do fumo, ele respondeu: “Tirai do peso da Lenha
queimada o da cinza e tereis o peso do fumo.” Ele supunha, pois, como
coisa inegável, que a matéria (a substância) nem mesmo no fogo perdia nada, e
que só a sua forma mudava. Também a proposição nada não sai do nada, não é
senão outra consequência do princípio da permanência, ou melhor dito, da
existência sempre subsistente do sujeito próprio dos fenômenos. Porque, se o que
se denomina substância no fenômeno há de ser propriamente o
“substratum” de toda determinação de tempo, é necessário que toda existência,
tanto passada como futura, esteja única e exclusivamente determinada
nele.
Damos,
pois, a um fenômeno o nome de substância, porque supomos sua existência em
todo tempo, e isto não exprime bem o termo permanência, que mais parece
referir-se ao
futuro.
Todavia,
como a necessidade interna, de ser permanente, é inseparável de tê-lo sido
sempre pode seguir-se conservando essa expressão. Gigni de nihilo nihil, in
nihilum nil posse reverti, eram duas proposições que os antigos uniam
intimamente e que hoje indevidamente se separam algumas vezes, supondo que
se aplicam a coisas em si, e que a primeira é contrária à idéia de que o Mundo
depende de uma causa suprema (ainda que quanto à sua substância). Mas esse tema
é infundado, porque aqui só se trata de fenômenos no campo da experiência,
cuja unidade nunca seria possível se admitíssemos que ocorrem coisas novas
(quanto à substância). Neste caso, com efeito, desapareceria o que só pode
representar a unidade do tempo, quer dizer, a identidade do “substratum”,
no qual unicamente acha toda mudança a sua completa unidade. Esta permanência,
não obstante, não é mais do que a maneira de como nos representamos a existência
das coisas (no
fenômeno).
As
determinações de uma substância, as que são modos de sua existência, chamam-se
acidentes. Sempre são elas reais, porque concernem também à existência da
substância (as negações só são determinações que exprimem a não existência
de alguma coisa na substância). Quando se atribui uma existência particular a
essas determinações reais na substância (p. ex., ao movimento considerado
como um acidente da matéria), chama-se então a essas existências inerência, para
distingui-la da substância que se denomina subsistência. Como disto resultam
muitas confusões errôneas, se falaria com maior exatidão e precisão,
designando unicamente por acidente a maneira como a existência de uma substância
foi positivamente
determinada.
Em
vista, todavia, das condições a que está sujeito o uso lógico de nosso
entendimento, é impossível isolar, em certo modo, o que pode mudar na
existência de uma substância, enquanto que a substância permanece e de
considerá-lo em sua relação com o que é propriamente permanente e
radical. Por isto se encontra esta categoria sob o titulo de relações;
mais como condição dessas relações do que como contendo em si uma relação.
Nesta permanência se funda também a legitimidade do conceito de mudança. O
nascimento e a morte não são mudanças do que nasce e morre. A mudança é um modo
de existência que sucede a outro modo de existência do mesmo objeto. Tudo o que
muda é, pois, permanente, e só o seu estado é que varia. E como esta mudança não
é mais que das determinações que podem acabar ou começar, pode dizer-se, ainda
que pareça paradoxo, que só o permanente (a substância) muda, e que o mutável
não sofre alteração alguma, mas só uma vicissitude, posto que certas
determinações cessam e outras
começam.
A
mudança, pois, não pode ser percebida senão nas substâncias, e não há
percepção possível do nascer e do morrer, senão enquanto são simples
determinações do permanente, porque precisamente é esse permanente que
possibilita a representação da passagem de um estado a outro, e do não ser
ao ser, e empiricamente só podem conhecer-se como determinações mutáveis do que
é
permanente.
Para
supor que uma coisa começa a ser absoluta, é necessário admitir um momento
em que não existia. Mas, em que ligar esse momento, senão com o que já
existiu? Porque um tempo vazio anterior não pode ser objeto de percepção.
Mas, se se enlaça esse nascimento com coisas que já antes existiram e que
permaneceram até este instante, este nascimento não foi mais do que uma
modificação do que já existia, quer dizer, do permanente. E assim mesmo com
o perecimento de uma coisa: isto pressupõe a representação empírica de um
tempo onde um fenômeno cessa de
ser.
As
substâncias (nos fenômenos) são os “substratuns” de todas as determinações
de tempo. O nascimento de uns e o término de outros suprimiriam até a única
condição da unidade empírica do tempo, e os fenômenos se relacionariam, então,
como duas classes de tempo cuja existência correria simultaneamente, o que
é um
absurdo.
Porque
não existe mais que um tempo em que todos os demais tempos não estão
simultaneamente, mas necessariamente. A permanência é, pois, uma condição
necessária, pela qual unicamente podem determinar-se os fenômenos como coisas ou
objetos em uma experiência possível. Mas no que segue buscaremos qual o critério
empírico desta permanência necessária, e também qual o da substanciabilidade dos
fenômenos.
SEGUNDA ANALOGIA
Princípio da Sucessão no Tempo, Segundo a Lei da
Causalidade
Todas as mudanças acontecem conforme a lei do enlace de causas e
efeitos
PROVA
(O
princípio precedente demonstrou que todos os fenômenos da sucessão no tempo não
são mais do que mudanças, quer dizer, uma existência e não existências
sucessivas de determinações da substância permanente, e que, por consequência,
não é admissível que uma existência da mesma substância siga a sua não
existência ou uma não existência a sua existência; ou, por outros termos, um
começo ou um fim da substância mesma. Poderia formular-se este princípio
dizendo: toda sucessão de fenômenos não é mais do que mudança; porque o
começo ou fim da substância não são mudanças dessa substância, posto que o
conceito de mudança supõe o mesmo sujeito existente com duas determinações
opostas, por conseguinte, permanente. Feita esta advertência, passemos a
prova.)
Observo,
eu, que os fenômenos se sucedem uns aos outros, quer dizer, que certo estado de
coisas se dá em um momento, enquanto que o contrário existia no estado
interior. Eu reúno, pois, propriamente falando, duas percepções no tempo. Mas
esta ligação não é obra só do sentido nem da intuição, mas produto de uma
faculdade sintética da imaginação que determina o sentido interno
relativamente às relações de
tempo.
É esta
faculdade que une entre si os dois estados, de tal sorte que um ou outro
precedeu no tempo, porque o tempo em si não pode ser percebido, e só por
relação com ele se pode determinar no objeto o que precede e o que segue, e isto
empiricamente. Tenho, pois, consciência somente de que minha imaginação põe
a um antes e a outro depois, e não de que no objeto um estado precede ao outro.
Em outros termos, a simples percepção deixa sem determinar a relação objetiva
dos fenômenos que se
sucedem.
Para que
isto possa ser conhecido de um modo determinado, é mister que a relação entre os
dois estados seja de tal sorte concebida que a ordem na qual devem ser postas se
encontre determinada como necessária, esteja antes, o outro depois, e não
inversamente. Mas o conceito que porta consigo a necessidade da unidade
sintética não pode ser senão um conceito puro do entendimento, o qual não pode
encontrar-se na percepção. Esse conceito é aqui de relação, de causa e efeito,
isto é, de uma relação cujo primeiro termo determina ao segundo como sua
conseqüência, e não tão-só como algo que poderia preceder na imaginação (ou não
ser percebido de nenhuma
maneira).
Só,
pois, porque submetemos a sucessão de fenômenos, por conseguinte, toda mudança à
lei de causalidade, é possível a experiência mesma, quer dizer, o conhecimetno
empírico de seus fenômenos. Por conseqüência, só em virtude desta lei são
estes possíveis como objetos da
experiência.
A
apreensão da diversidade do fenômeno é sempre sucessiva. As representações dos
fatos se sucedem umas a outras. Enquanto a saber se também nos objetos se
sucedem, é este já um segundo ponto de exame que não está contido no
primeiro. Em verdade, pode-se muito bem denominar objeto a toda coisa e até
a toda representação, de que tenhamos consciência; mas se se pergunta
que significa esta palavra em relação aos fenômenos, considerados não como
objetos (representações) mas como somente designando um objeto,
questão é já esta de maior profundidade. Enquanto são simplesmente como
representações, objetos de consciência, não se distingue da apreensão, quer
dizer, do ato que consiste em admiti-las na síntese da imaginação, e, por
conseguinte, pode dizer-se que o que há de diverso nos fenômenos foi sempre
produzido no
espírito.
Se os
fenômenos fossem coisas em si, ninguém poderia explicar, pela sucessão das
representações do que têm de diverso como esta diversidade está
enlaçada no objeto. Porque nós outros só temos que ver com as nossas
representações; e está fora por completo da esfera de nossos conhecimentos
o saber o que podem ser as coisas em si (independentemente consideradas das
representações com que nos afetam). Mas, ainda que os fenômenos não
sejam coisa em si e sejam, não obstante, a única coisa de que possamos ter
conhecimento, devo, todavia, mostrar a ligação que convém no tempo à
diversidade dos fenômenos mesmos, ainda quanto a representação desta
diversidade seja sempre sucessiva na
apreensão.
Assim,
por exemplo, a apreensão do que há de diverso no fenômeno de uma coisa, posta
diante de mim, é sucessiva. Mas, se se pergunta se as diversas partes dessa
coisa são também sucessivas em si, ninguém seguramente responderá que sim. Mas,
elevando meus conceitos, de um objeto até um ponto de vista transcendental, vejo
que a coisa não é um objeto em si, mas só um fenômeno, quer dizer, uma
representação, cujo objeto transcendental é desconhecido; que é, pois,
então, o que eu entendo por esta questão, a saber, como o que há de diverso no
fenômeno mesmo (que, sem embargo, não é nada em si) pode ser ligado? Aqui
se considera o que se acha na apreensão sucessiva como representação; mas o
fenômeno que me é dado, ainda que seja só um conjunto de representações,
considera-se como objeto dessas mesmas representações, como um objeto com o qual
deve concordar o conceito que tirei das representações da
apreensão.
Imediatamente
se adverte que, como a concordância do conhecimento com o objeto é a
verdade, não se pode buscar aqui senão as condições formais da verdade
empírica, e que o fenômeno por oposição às representações da apreensão, só pode
ser representado como objeto distinto dessas representações, enquanto que a
apreensão está sujeita a uma regra que a distingue de toda outra, e que
torna necessária uma espécie de ligação, de síntese, de sua diversidade. O
objeto é quem contém no fenômeno a condição desta regra necessária da
apreensão.
Dirijamo-nos
agora ao nosso próprio assunto. Que uma coisa suceda, quer dizer, que uma coisa
ou um estado, que antes não existiam, atualmente existam, não se poderia
perceber empiricamente, se precedentemente não houvesse um fenômeno que
contivesse esse estado; porque, uma realidade que sucede a um tempo vazio, por
conseguinte, um começo que não precede a um estado de coisas, não pode para
nós outros ser melhor apreendido que o tempo mesmo
vazio.
Toda
apreensão de um evento é, pois, uma percepção que sucede a outra. Mas como em
toda síntese da apreensão se dá o que antes fiz ver com a apreensão de uma
coisa, por isso não se distingue ainda das outras. Além disso, notarei
também que, se em um fenômeno contendo um acontecimento, denomino A ao
estado anterior da percepção, e B ao seguinte, B, não pode seguir A na
apreensão, e, na percepção, A não pode seguir B, mas somente precedê-la. Vejo,
por exemplo, um navio descer o curso de um rio. Minha percepção do lugar que
ocupo mais abaixo segue ou sucede a do que mais acima tinha, e é assim mesmo
impossível que na apreensão desse fenômeno possa ser percebido o barco primeiro
mais abaixo e depois mais acima. A ordem sucessiva das percepções na apreensão
está, pois, aqui determinada e dele mesmo é que
depende.
No
exemplo precedente da apreensão de uma casa, podem minhas percepções começar
pelo teto da casa e concluir pelos alicerces, ou começar por baixo e acabar por
cima, e podia também começar a apreender pela direita ou pela esquerda os
elementos diversos da intuição empírica. Na série dessas percepções, não
havia, pois, uma ordem determinada que forçasse a começar por este ou
outro ponto para unir empiricamente os elementos diversos de minha
apreensão.
Por
esta regra deve sempre achar-se na percepção do que acontece e tomar
necessária a ordem das percepçôes sucessivas (na apreensão desse fenômeno).
Derivarei, pois, no caso que nos ocupa, a sucessão subjetiva da apreensão, da
sucessão objetiva dos fenômenos, posto que a primeira sem a segunda
estaria absolutamente indeterminada e não distinguiria um fenômeno de
outro. Ela, por si só, nada nos prova no tocante à ligação do diverso
no objeto, porque é completamente
arbitrária.
A
segunda consistirá, pois, na ordem da diversidade do fenômeno, na qual a
apreensão de um (que acontece) segue, segundo uma regra, à de outro (que
precede). Somente assim é que posso dizer do fenômeno mesmo, e não somente
de minha apreensão, que existe neles sucessão; o que significa que não
posso estabelecer a apreensão senão nesta
sucessão.
Segundo
este princípio, é, pois, no que precede em geral a um evento que se acha a
condição da regra pela qual este evento continua sempre e sucessivamente;
mas eu não posso inverter a ordem partindo do evento e determinar (pela
apreensão) o que precede. Porque nenhum fenômeno volve do momento seguinte ao
que o precede (por mais que todo fenômeno se refira sempre a algum momento
anterior) mas ao contrário, a um tempo dado, segue sucessivamente outro
tempo determinado. E, posto que existe algo que segue, é de todo ponto
necessário que eu o refira a algo que preceda e a quem siga, segundo uma regra,
quer dizer, necessariamente; de tal sorte que o evento, como
condicionado, nos conduz seguramente a uma condição que o
determina.
Suponhamos
que um evento não esteja precedido de nada, e que deva seguir segundo uma
regra; toda sucessão, então, na percepção, não existiria senão na
apreensão, quer dizer, que o que propriamente precederia e que o que seguiria
nas percepções seria só como condicionado, nos conduz seguramente a um modo
objetivamente.
Desta
sorte, só teríamos um jogo de representações, que não se refeririam a
nenhum objeto, quer dizer, que, por nossa percepção, um fenômeno em nada
seria distinto de outro, sob a relação de tempo, porque a sucessão no ato
de apreensão é sempre idêntica, e por conseguinte não há nada no fenômeno
que a determine de tal maneira que torne necessária determinada sucessão. Não
direi, pois, então, que dois estados se seguem no fenômeno, mas somente que uma
apreensão segue a outra, o que é puramente subjetivo e não determina nenhum
objeto, e não pode por conseguinte equivaler ao conhecimento de um objeto (nem
ainda no
fenômeno).
Quando
vemos que algo sucede, sempre supomos que alguma outra coisa a precedeu, a
que segundo uma regra seguiu. De outro modo eu não poderia dizer do objeto que
segue, posto que a simples sucessão em minha apreensão, se não está determinada
por uma regra, representa a algo que precedeu, não prova uma sucessão no
objeto.
É pois,
sempre relativamente a uma regra segundo a qual são os fenômenos
determinados em sua sucessão, quer dizer, tal como se dão, pelo estado
precedente, que dou à minha síntese subjetiva (da apreensão) um valor
objetivo; e só sob esta suposição é possível a mesma experiência de algo que
sucede. Isto certamente parece contradizer todas as observações que sempre
se fizeram sobre a marcha do nosso entendimento. Segundo aquelas observações, só
pela percepção e comparação de muitos eventos que se verificam
sucessivamente de um modo uniforme, com fenômenos antecedentes, nos permite
descobrir uma regra, pela qual certos eventos seguem sempre a certos fenômenos e
de fazer-nos formar o conceito de
causa.
Nesse
sentido, esse conceito seria puramente empírico e a regra que dá, a saber, que
tudo que sucede tem uma causa, seria tão contingente como a própria experiência;
sua universalidade e sua necessidade seriam, pois, meramente fictícias, sem
nenhum verdadeiro valor, porque não se fundam “a priori”, mas na ilusão.
Dá-se aqui o mesmo que com outras representações puras “a priori” (p. ex.,
espaço e tempo) que podemos extrair da experiência em estado de conceitos
claros, porque os colocamos nela nós mesmos e a realizamos por seu
intermédio.
Mas
se esta representação de uma regra que determina a série de eventos não pode
obter a claridade lógica de um conceito de causa, senão quando a empregamos
na experiência, o conhecimento desta regra, como condição da unidade
sintética dos fenômenos no tempo, é o fundamento da própria experiência e
por conseguinte a precede “a
priori".
É
preciso mostrar, por exemplo, que na experiência mesma nunca atribuímos ao
objeto a sucessão (que nós representamos em um evento quando algo acontece
que antes não existia) e que a distinguimos de nossa apreensão subjetiva, como
se uma regra feita a princípio nos obrigue a observar esta ordem de percepção de
preferência a outra, até o ponto que é propriamente essa necessidade que
possibilita a representação de uma sensação no
objeto.
Temos em
nós mesmos representações das quais podemos também ter consciência. Mas por
extensa, exata e precisa que essa consciência possa ser, essas não são mais do
que representações, quer dizer, determinações interiores de nosso espírito,
nesta ou noutra relação de tempo. Como, pois, é, que as supomos um objeto ou
lhes atribuímos, além da realidade subjetiva que como modificações possuem,
não sei que espécie de realidade objetiva? O valor objetivo não pode
consistir na relação com outra representação (como aquela do que se
atribuiria ao objeto) porque, se não, apresenta-se outra vez a questão de saber
como sai esta representação de si mesma, além do subjetivo que lhe é próprio
como determinação do estado de
espírito.
Se
encontramos que uma qualidade adita a relação com um objeto a nossas
representações, e que é a importância que tiram, achamos que só serve para tomar
necessário o enlace das representações em certo sentido e submetê-la a uma
regra, e que reciprocamente adquirem um valor objetivo só por ser necessária
certa ordem entre elas sob a relação de
tempo.
Na síntese
dos fenômenos, o diverso das representações é sempre sucessivo. Nenhum
objeto se representa com isso; porque por esta sucessão que é comum a todas as
apreensões não se distingue nada de nada. Mas desde que percebo ou
suponho nesta sucessão uma relação com um estado precedente, de que resulta
a representação conforme uma regra, não me apresento então algo como
acontecimento ou como o que sucede; quer dizer, que conheço um objeto que devo
colocar no tempo em certo ponto determinado, o qual, dado o estado anterior, não
pode ser mais do que
esse.
Quando
percebo, pois, que algo sucede, esta representação implica, primeiro, que algo
há precedido, porque precisamente é por relação a este algo anterior que o
fenômeno entra no tempo, quer dizer, que é representado como existindo depois de
um tempo anterior no qual não existia. Mas nesta relação não recebe seu lugar de
tempo determinado senão supondo em um estado quando algo a quem segue
sempre, quer dizer, de acordo com uma regra. Donde resulta um primeiro termo,
que não pode inverter a série colocando o que sucede antes do que precede; e, em
segundo lugar, que, dado o estado precedente, o evento determinado tem lugar
necessária e infalivelmente. Segue-se dai que há certa ordem em nossas
representações, segundo o que o presente (como sucedido) indica um estado
precedente como correlativo, ainda que indeterminado, do evento dado, unido a
este como a sua conseqüência e necessariamente ligado na série do
tempo.
Se é,
pois, uma lei necessária de nossa sensibilidade, e por conseguinte uma
condição formal de todas as percepções, que o tempo que precede determina
necessariamente o que segue (porque não posso chegar a este senão passando por
aquele), é por seu turno também uma lei essencial da representação
empírica, da sucessão no tempo, que os fenômenos do tempo quando determinem
todas as existências do tempo que segue e que estas não tenham lugar como
eventos, senão enquanto os primeiros determinam sua existência no tempo, quer
dizer, as fixam, segundo uma regra. Porque não podemos conhecer empiricamente
esta continuidade no encadeamento do tempo senão nos fenômenos. Toda
experiência supõe o entendimento, e este constitui sua possibilidade e o
primeiro que para isto faz não é achar a representação de um objeto, senão
possibilitar a representação de um objeto em
geral.
Não se
pode, porém, chegar a isto senão transportando a ordem do tempo aos fenômenos e
a sua existência, quer dizer, dando a cada um, considerado como consequência, um
lugar determinado no tempo, em relação aos fenômenos precedentes,
lugar sem o qual não concordaria com o tempo mesmo, o qual determina “a priori”
o lugar de todas as suas partes. Mas estas determinações dos lugares não podem
proceder da relação dos fenômenos com um tempo absoluto (porque não é um
objeto de percepção); é mister, pelo contrário, que os fenômenos se determinem
reciprocamente uns aos outros seus lugares no tempo e os tomem necessários na
ordem do tempo, quer dizer, que o que segue ou sucede deva seguir, segundo uma
lei geral, ao que estava contido no estado
precedente.
Daí
uma série de fenômenos que por meio do entendimento produz e torna necessários
precisamente a mesma ordem, o mesmo encadeamento contínuo na série de
percepções possíveis, que o que se encontra “a priori” na forma da intuição
interna (no tempo), onde devem ter seu posto todas as
percepções.
O
evento de algo é, pois, uma percepção que pertence a uma experiência possível e
que é real, desde que percebo o fenômeno como determinado no tempo, quanto ao
seu lugar, e por conseguinte como um objeto que pode sempre ser achado
segundo uma regra no encadeamento das percepções. Mas esta regra, que
serve para determinar algo na série do tempo, consiste em que a condição
que faz com que o evento siga sempre (quer dizer, de um modo necessário) se
encontre no que precede. O princípio de razão suficiente é, pois, o princípio de
toda experiência possível, quer dizer, do conhecimento objetivo dos fenômenos,
sob o aspecto de sua relação na sucessão do
tempo.
Mas a
prova desta proposição está somente nas considerações que seguem. Todo
conhecimento empírico supõe a síntese do diverso operada pela imaginação, o
que é sempre sucessiva, quer dizer, que nela (a imaginação) estão sempre as
representações umas depois das outras. Mas a ordem de sucessão (o que
deve preceder e o que deve seguir) não está de modo algum determinado na
imaginação, e a série das representações que se seguem pode tornar-se a mesma do
que segue ao que precede que do que precede ao que segue. Mas se esta síntese é
uma síntese da apreensão (da diversidade de um fenômeno dado), a ordem, então,
está determinada no objeto, ou, para falar mais propriamente, há na síntese
sucessiva que determina um objeto, uma ordem, segundo a qual um algo tem
necessariamente que preceder, e uma vez esse algo posto, outro algo segue-o
indispensavelmente. Para que minha percepção contenha o conhecimento
de um evento ou de algo que acontece realmente, é, pois, mister, que seja um
juízo empírico, donde eu conceba que a sucessão está determinada; quer dizer,
que este evento supõe no tempo outro fenômeno, a que segue
necessariamente, conforme uma
regra.
De outro
modo, se dado o antecedente, o evento não o seguisse necessariamente, ser-me-ia
preciso considerá-lo como um jogo meramente subjetivo de minha imaginação e ter
como um sonho o pudera supor como objetivo. A relação em virtude da qual
nos fenômenos (considerados como percepções possíveis) a existência do que segue
(que sucede) está necessariamente, e segundo uma regra, determinado no tempo por
algo que precede; em uma palavra, a relação de causa e efeito, é a condição do
valor objetivo de nossos juízos empíricos relativamente à série de
percepções, por conseguinte, de sua verdade empírica, e portanto da
experiência.
O
princípio da relação de causalidade na série de fenômenos tem, pois, também um
valor anterior a todos os objetos da experiência (sujeitos às condições da
sucessão), posto que ele mesmo é o princípio que possibilita esta
experiência.
Mas
aqui se oferece uma dificuldade que urge resolver. O princípio da ligação causal
entre os fenômenos está limitado, em nossa fórmula, à sucessão se vê que
também se aplica a sua simultaneidade, e que causa e efeito podem ser ao
mesmo tempo. P. ex., faz em um quarto calor que não existe ao ar livre. Busco a
causa e acho uma lareira acesa. Logo, esta lareira é, como causa, ao mesmo
tempo que seu efeito, quer dizer, o calor do quarto; não existe aqui sucessão no
tempo entre a causa e o efeito, pois são simultâneos; e, não obstante, não
deixa por isso de ser menos aplicável a lei. A maior parte das causas eficientes
da Natureza existe ao mesmo tempo que os seus efeitos, e a sucessão destes
consiste unicamente em que a causa não pode produzir todo o seu efeito num
instante.
Porém,
no instante em que o efeito se produz é sempre coetâneo da causalidade da sua
causa; porque se esta causa tivesse desaparecido instantes antes o efeito
não se teria produzido. É necessário advertirmos que aqui estamos tratando
somente da ordem do Tempo e não do seu curso; a relação, pois, fica, embora
não tenha transcorrido tempo
nenhum.
O Tempo
entre a causalidade da causa e seu efeito imediato pode desaparecer (e por
conseguinte serem ambos simultâneos); mas a relação de um para o outro
continua sendo sempre determinável no Tempo. Se, por exemplo, uma bola
posta sob uma almofada fofa produz uma ligeira depressão, esta bola, considerada
como causa, está ao mesmo tempo que seu efeito. Entretanto, distingo-os um do
outro pela relação de Tempo que existe na sua união
dinâmica.
De
fato, quando eu ponho a bola sob a almofada, a depressão desta sucede à
forma lisa que tinha na sua superficie, mas se a almofada já tinha outra
depressão (causada não importa por que), então não produz o efeito anteriormente
mencionado.
A
sucessão é, pois, absolutamente o único critério empírico do efeito na sua
relação com a causalidade da causa que precede. O copo é a causa da
elevação da água sobre sua superficie horizontal, apesar de ambos os
fenômenos se verificarem ao mesmo tempo. Realmente, quando eu tirar água com um
copo de uma vasilha maior, acontece o seguinte: a mudança da posição
horizontal existente na vasilha maior pela mesma posição que toma dentro do
copo.
Esta
causalidade conduz ao conceito de ação, este ao conceito de força e por este ao
de substância. Como não desejo misturar no meu trabalho crítico (que
unicamente é dirigido às fontes do conhecimento sintético “a priori”) a
análise de conceitos que apenas tem por objetivo a sua explicação (e não a
sua extensão), deixo o exame detalhado para um futuro sistema da Razão
pura; por outro lado, esta análise é encontrada em grande parte nas obras
clássicas que tratam dessas matérias. Entretanto, não posso deixar de falar
do critério empírico de uma substância, enquanto que esta se manifesta, não
pela permanência do fenômeno, mas melhor e mais facilmente pela
ação.
Onde existe
a ação, e por conseguinte a atividade e a força, está também a substância e
apenas nesta é que devemos buscar o assunto daquela, que são as fontes
fecundas dos fenômenos. Ora, muito bem; mas se for necessário explicar o que se
entende por substância e não cairmos num círculo vicioso, a resposta, agora, já
não é tão
fácil.
Como
deduzirmos imediatamente da ação, a permanência do agente, o que é,
entretanto, um critério essencial próprio da substância (“phaenomenon”)?
Porém depois do que verificamos, a questão nada tem de complicado, embora seja
insolúvel, se for apresentada de maneira comum (o de tratar analiticamente
nossos conceitos). A ação indica-nos a relação do sujeito da causalidade com o
efeito.
E como
todo efeito é resultante de algo que sucedeu e, por conseguinte, em algo
transformável, que o Tempo caracteriza pela sucessão, o último sujeito
deste efeito é, pois, o permanente, considerado como “substratum” de toda
transformação, quer dizer, a
substância.
Porque
segundo o princípio da causalidade, as ações são sempre o primeiro fundamento
ocasional dos fenômenos, por conseguinte, não podem estes encontrar-se num
sujeito que mude por si mesmo, porque então teríamos que admitir outras ações e
outro sujeito que determinassem essa
mudança.
Por este
princípio a ação é um critério empírico bastante para provar a
substancialidade, sem ser preciso procurar a permanência do sujeito pela
comparação de percepções, o que não poderia ser feito por este caminho com o
cuidado que requerem a grande importância e absoluta universalidade do
conceito.
De
fato, que o primeiro sujeito da causalidade do que nasce e morre não pode ele
mesmo nascer nem morrer (no campo dos fenômenos), é essa uma conclusão exata que
nos conduz à necessidade empírica e à permanência na existência e, por
conseguinte, ao conceito de uma substância como
fenômeno.
Quando
algo sucede, o próprio acontecimento, abstração feita da sua natureza, é por si
mesmo um objeto de investigação. A passagem da não-existência de um estado para
o estado atual, embora este não contenha nenhuma qualidade fenomenal,
é por si mesma coisa que se deve
investigar.
Este
acontecimento como já foi demonstrado no inciso A, não se refere à substância
(pois esta não nasce), senão ao estado da substância. Não é, pois, mais do que
uma simples mudança e não origem de algo que proceda do
nada.
Quando esta
origem é considerada como efeito de uma causa estranha, é chamada criação. Uma
criação não pode ser considerada como sucesso porque esta possibilidade
quebraria a unidade da
experiência.
Entretanto,
considerando todas as coisas, não como fenômenos senão como coisas em si e como
objetos somente do Entendimento, podem então ser estimadas, embora substância,
como dependendo quanto à sua existência, de uma coisa estranha. Mas,
tudo isso supõe outra significação nas palavras e não se aplica aos fenômenos
como objeto possível da
experiência.
Como,
então, algo pode mudar e como um estado que ocorre num momento dado pode
acontecer em outro a outro estado oposto? Não temos disto a melhor noção “a
priori”. Para isto, necessitamos conhecer as forças reais, por exemplo, das
forças motrizes, ou o que é o mesmo, de certos fenômenos menos sucessivos
(como movimento) que revelem essas forças, o que somente empiricamente pode
acontecer.
Mas a
forma de toda mudança, condição sem a qual não pode efetuar-se, como sucesso
resultante de outro estado (seja qual for sua matéria, isto é, seja qual
for o estado mudado), e, por conseguinte, a sucessão dos mesmos estados (a
coisa que sucede), pode, entretanto, ser considerada “a priori” segundo a lei da
causalidade e as condições do Tempo. Quando uma substância passa de um estado
“a” a outro “b”, o momento do segundo é diferente do momento do primeiro e o
segue. Mesmo assim, o segundo estado, como realidade (no fenômeno) é diferente
do primeiro, onde esta realidade não existia, como “b” de “zero”, quer dizer,
que se o estado “b” se diferencia do estado “a” apenas pela quantidade, então a
mudança é o acontecimento “b-a”, que não se encontravam no estado
precedente e em relação ao qual esse estado é
O.
Trata-se,
pois, de ver como é possível que uma coisa possa passar de um estado = “a” a
outro estado = “b”. Entre dois momentos há sempre um Tempo, e entre dois
estados nesses momentos há sempre uma diferença que possui uma quantidade
(porque todas as partes dos fenômenos são, ao mesmo tempo, quantidades). Toda
passagem de um estado ao outro, pois, ocorre sempre num espaço de tempo
entre dois momentos, donde o primeiro determina o estado que a coisa
deixou, e o segundo no que ela se
transforma.
Assim,
ambos são os limites do Tempo de uma mudança e, por conseguinte, de um estado
intermediário entre dois estados, pertencendo como tais à mudança integral.
Porém, toda mudança tem uma origem que revela a sua causalidade durante o tempo
em que se
verifica.
Esta
causa não produz repentinamente a sua mudança (num instante indivisível) mas,
sim, num Tempo, de tal modo, que assim como o Tempo cresce desde o primeiro
instante “a” até a sua integridade “b”, assim também a quantidade da realidade
(“b-a”) se produz por todos os graus inferiores compreendidos entre o primeiro e
o segundo
momentos.
Toda
mudança é, pois, possível somente por uma ação contínua da causalidade, que, por
ser uniforme, chama-se um momento. A mudança não se compõe desses momentos, se
não que é o resultado do seu efeito. Tal é a lei da continuidade de toda
mudança. O princípio desta lei é o seguinte: “Nem o Tempo nem o fenômeno em
Tempo, se compõe de partes que sejam as menores possíveis”, e, sem embargo, a
coisa em sua mudança não chega ao seu segundo estado senão passando por todas
essas fases como por outros tantos elementos. Não existe nenhuma diferença
no real do fenômeno como na quantidade de tempos que seja a menor
possível.
E o
novo estado da realidade passa, saindo do primeiro onde não existia por todos os
graus infinitos desta mesma realidade, entre os quais as diferenças
são todas menores que a que existe entre o "0" e
"a".
Não
precisamos aqui pesquisar a utilidade que pode prestar este princípio na
investigação da Natureza. Porém, desperta nosso interesse examinar como
esse princípio, que tanto parece dilatar os nossos conhecimentos, seja possível
“a priori” por completo, apesar de verificarmos imediatamente que é real e
legítimo, e que, por conseguinte, é desnecessário explicar como é
possível.
Mas
como quase sempre precisam de fundamento as pretensões de estender os
nossos conhecimentos pela Razão pura, convém, como medida, ser nisto muito
desconfiado; não acreditar em nada nem aceitar nada, mesmo com os
argumentos dogmáticos mais claros, sem os documentos que nos proporcionem
uma dedução positiva e
firme.
Todo
aumento do conhecimento, todo progresso da percepção, é apenas uma extensão
da determinação do sentido interno; quer dizer, uma progressão no Tempo sejam
quais forem entretanto os objetivos, fenômenos ou intuições puras. Esta
progressão no Tempo determina tudo e em si permanece indeterminada, isto é, que
as partes estão necessariamente no Tempo e que sondadas pela síntese do
Tempo, porém não antes
dela.
Por isso,
toda passagem da percepção é algo que continua, é uma determinação do Tempo
efetuada pela produção dessa percepção, e como esta determinação é sempre e
em todas as suas partes uma quantidade, representa ele a produção que passa,
como quantidade, com todos os graus em que nenhum deles é o menor, desde zero
até o seu grau
determinado.
É,
pois, evidente que com isso podemos conhecer “a priori” a lei das mutações
enquanto à sua forma. Nós somente antecipamos nossa propria apreensão, cuja
condição essencial deve necessariamente poder ser conhecida “a priori”,
posto que reside em nós, anteriormente a todo
fenômeno.
Do
mesmo modo que o Tempo contém a condição sensível “a priori” da
possibilidade de uma progressão contínua do que existe ao que deve seguir,
da mesma maneira, também, o Entendimento, por meio da unidade da
apercepção, contém a condição “a priori” da possibilidade da determinação
de todos os instantes dos fenômenos no Tempo, mediante a série de causas e
efeitos, onde as primeiras conduzem necessariamente à existência dos segundos,
dando, assim, valor em cada Tempo (no geral), por conseguinte, objetivamente, o
conhecimento empírico das relações de Tempo.
TERCEIRA ANALOGIA
Princípio da Simultaneidade, Segundo a Lei da Ação e da Relação ou
da Reciprocidade
Todas as substâncias, enquanto possam ser percebidas no Espaço,
estão numa ação recíproca geral
PROVA
As
coisas são simultâneas quando a intuição empírica da percepção de uma e a da
outra podem seguir reciprocamente (o que não pode acontecer com os fenômenos
como verificamos no segundo princípio). Assim, posso começar pela percepção da
Lua e passar à da Terra, ou, reciprocamente, começar pela da Terra e passar para
a da Lua; e, justamente, porque as percepções desses objetos podem seguir-se
reciprocamente, por isso, podemos dizer que existem
simultaneamente.
A
simultaneidade é, pois, a existência de coisas diferentes no mesmo Tempo.
Porém, não pode perceber-se o Tempo em si mesmo para deduzir que as coisas estão
num mesmo Tempo e que as percepções possam seguir
reciprocamente.
A
síntese da imaginação na apreensão indicaria apenas que cada uma dessas
representações está no sujeito quando a outra não está nele e,
reciprocamente; porém, não que os objetos estejam ao mesmo tempo; quer
dizer que quando um existe o outro também existe no mesmo Tempo e que isso é
necessário a fim de que possam as percepções seguirem-se
reciprocamente.
É,
pois, necessário um conceito intelectual da sucessão recíproca das determinações
destas coisas que existem, simultaneamente, umas fora das outras, para
poder dizer que a sucessão recíproca das percepções tem seu fundamento no objeto
e para representar-se também a simultaneidade como
objetiva.
A
relação das substâncias, porém, na qual uma contém determinações cuja causa, por
sua vez, se contém na outra, essa relação, repetimos, é a relação de influência,
e quando reciprocamente a segunda contém a causa das determinações da primeira,
é quando se verifica a relação de reciprocidade ou da ação
recíproca.
A
simultaneidade das substâncias no Espaço não pode ser conhecida na experiência
senão supondo sua ação recíproca e esta suposição é, ao mesmo tempo, por
conseguinte, a condição da possibilidade das próprias coisas como objetivo da
experiência.
As
coisas são simultâneas enquanto existem num mesmo e só Tempo. Porém, como
conhecer que estão num mesmo e só Tempo, quando a ordem na síntese da
apreensão disto é indiferente, isto é, quando pode igualmente ir de A a E por B,
C, D, que reciprocamente de E a
A?
De fato, se
houvesse sucessão no Tempo (na ordem que começa por A e termina por E), seria
impossível começar por E a apreensão na percepção e retroceder até A, posto
que A pertenceria ao Tempo passado e não poderia, assim, ser um objetivo de
apreensão.
Se
admitirmos que numa variedade de substâncias consideradas como fenômeno
estiver cada uma perfeitamente isolada, isto é, que nenhuma aja sobre a outra e
receba reciprocamente a sua influência, diremos então que “a sua
simultaneidade” não pode ser objeto de nenhuma percepção possível e que a
existência de uma não poderia levar por meio nenhum da síntese empírica, à
da outra.
De
fato, se imaginarmos que estão separadas por um Espaço inteiramente vazio, a
percepção que vai de uma a outra no Tempo, determinaria realmente a existência
desta última por meio de uma percepção ulterior, mas não poderíamos
verificar se o fenômeno segue a primeira objetivamente ou se é
simultâneo.
Deve,
pois, haver, além da simples existência, algo pelo que A determine a B o seu
lugar no Tempo e, reciprocamente, também, B o seu lugar a A; pois, somente
reconhecendo a substância sob esta condição podem ser representadas
empiricamente como “existindo simultaneamente”. Mas somente aquilo que é a
causa de uma coisa, ou das suas determinações, pode determinar o seu lugar no
Tempo.
Por
conseguinte, toda substância (posto que não pode ser consequência somente pela
relação às suas determinações) deve conter em si a causalidade de certas
determinações nas demais substâncias, e ao mesmo tempo os efeitos da
causalidade das outras substâncias, quer dizer, que todas devem estar
imediata ou mediatamente em comunidade dinâmica para que seja possível
conhecer na experiência a
simultaneidade.
Porém,
tudo isso, sem o que a própria experiência dos objetos em estudo seria
impossível, é necessário, entretanto, para estes mesmos objetivos. É, pois,
mister a todas as substâncias, quando consideradas como fenômenos, enquanto que
foram simultâneas, estarem em comunidade “Gemeinschaft” geral de ação
recíproca.
Em
alemão, a palavra “gemeinschaft” tem dupla significação e tanto equivale a
“communio” (comunidade) em latim, que a “commercium” (comércio). Nós a
empregamos aqui como designando uma comunidade dinâmica, sem a qual a
comunidade local “communio spatii”, em si, não poderia ser reconhecida
empiricamente.
É
fácil notar em nossas experiências que as influências continuas em todas as
partes do Espaço podem por si conduzir nosso sentido de um objetivo a
outro; que a luz que brilha em nossos olhos e nos corpos celestes produz um
comércio mediato entre nós e esses corpos, o que demonstra assim a sua
simultaneidade que não podemos mudar empiricamente de Lugar (perceber essas
mudanças), sem que de todas as formas da matéria nos torne possível a
percepção dos lugares que ocupamos e que é exclusivamente por meio da sua
influência recíproca que se pode comprovar sua simultaneidade, e, daí (embora só
mediatamente), a coexistência dos objetos desde os mais distantes até os mais
próximos.
Sem
comunidade, toda percepção (do fenômeno no Espaço) está isolada das outras
e a corrente de representações empíricas, isto é, a experiência,
começaria novamente em cada objeto sem que a precedente estivesse relacionada no
mais mínimo ou pudesse estar com ela numa relação de
Tempo.
Não cogito
com isso refutar a idéia de um Espaço vazio; porque pode sempre estar ali
onde não há percepções e onde, portanto, não existe o conhecimento empírico
da simultaneidade; porém, neste caso, não poderia ser um objeto para nossa
possível
experiência.
Acrescento
o que segue para maior
clareza.
Todos os
fenômenos, enquanto estão contidos numa experiência possível, estão em espírito
na comunidade (“communio”) de apercepção; e para que os objetos possam ser
representados como entrosados, necessário será que determinem
reciprocamente os seus lugares no Tempo e que formem assim um todo. Mas
para que esta comunidade subjetiva possa basear-se num princípio objetivo ou ser
relacionada com fenômenos como substâncias, é preciso que a percepção de
um, como princípio, possibilite a do outro, e reciprocamente, a fim de que
a sucessão, que está sempre nas percepções, como apreensões, não seja
atribuida aos objetos, senão que possam estes representar como
coexistentes.
Mas
isto é uma influência recíproca, quer dizer, um comércio real de
substâncias, sem o qual a relação empírica da simultaneidade não poderia ser
encontrada. Por meio deste comércio, os fenômenos, embora externos uns aos
outros, e assim mesmo entrosados, formam um composto “compositum reale”, do
qual podem existir numerosas espécies. As três relações dinâmicas de que
resultam todas as demais são, pois, de influência, de consequência e de
composição.
* * *
Tais são
as três analogias da experiência. São apenas princípios que servem para
determinar a existência dos fenômenos no Tempo, segundo seus três “modos”, isto
é, segundo a relação com o Tempo mesmo, como quantidade (quantidade, existência
ou duração), segundo a relação no Tempo como série (sucessão), e segundo o Tempo
como conjunto de todas as existências
(simultaneidade).
Esta
unidade da determinação do Tempo é completamente dinâmica; isto é, que o Tempo
não pode ser considerado como aquilo em que a experiência determina
imediatamente a cada instante seu lugar, o que é impossível porque no Tempo
absoluto não é um objeto de percepção onde os fenômenos se pudessem unir
entre si; porém, a regra do Entendimento, única que pode dar à
existência dos fenômenos uma unidade sintética fundada nas relações de
Tempo, determina a cada um deles o seu lugar no Tempo, e, por conseguinte, a
determina “a priori” e com valor para todos os Tempos e para cada
Tempo.
Entendemos
por Natureza (no sentido empírico) o encadeamento de fenômenos entrosados
no que diz respeito à sua existência, por regras necessárias, isto é, por
leis. São, pois, certas leis e leis “a priori” que antes de tudo possibilitam
uma Natureza; as leis empíricas não podem ocorrer nem serem descobertas a não
ser por meio da experiência, mas de conformidade com essas leis primitivas,
sem as quais a experiência seria em si
impossível.
Nossas
analogias apresentam, pois, propriamente a unidade da Natureza no seu
entrosamento de todos os fenômenos sob certos “expoentes”, que somente
exprimem a relação do Tempo (enquanto abarcar toda a existência) com a
unidade da apercepção, unidade esta que somente pode existir numa síntese
baseada em
regras.
Assim, as
três possuem esta significação: todos os fenômenos residem numa Natureza, e
assim deve ser, porque sem esta unidade “a priori”, toda a unidade da
experiência, por conseguinte, toda determinação de objetivos na experiência
seriam
impossíveis.
Mas,
devemos fazer uma advertência a respeito da prova que demos dessas leis
transcendentais da Natureza e sob o caráter particular desta prova tendo
também esta observação extraordinária importância ao mesmo tempo, como
regra para qualquer outro intento de provar “a priori” proposições
intelectuais que são ao mesmo tempo
sintéticas.
Se
quiséssemos demonstrar dogmaticamente, isto é, por conceitos, essas analogias,
como seja: que tudo quanto existe somente se encontra em algo permanente e que
todo acontecimento supõe algo num estado precedente, a quem segue uma regra, e,
finalmente, que na diversidade das coisas simultâneas os estados estão
simultaneamente relacionados uns com os outros, segundo uma regra (em
comércio recíproco), então nosso labor teria sido um trabalho perdido. Porque
não podemos ir de um objetivo e da sua existência à existência de outro ou à sua
maneira de existir, por simples conceitos dessas coisas seja qual for o modo
pelo qual forem analisados, O que nos restaria
depois?
A
possibilidade da experiência, como conhecimento no qual em último termo
podem ser-nos dados todos os objetivos, tem na sua representação para nós uma
realidade objetiva. Porém, nesta situação intermediária, cuja forma
essencial consiste na “unidade” sintética da apercepção de todos os
fenômenos, achamos condições “a priori” da determinação cronológica, necessária
e permanente de toda existência no fenômeno, sem as quais a determinação
empírica é em si impossível, tendo desta forma descoberto as regras da unidade
sintética “a priori”, por meio das quais podemos antecipar a
experiência.
Na
falta deste método e na falsa persuasão das proposições sintéticas que o uso
experimental do Entendimento recomendava como princípios, sucedeu que sempre foi
procurada, embora em vão, uma prova do princípio, da razão suficiente. Ninguém
pensou nas outras duas analogias, embora se servissem sempre delas sem
notá-lo. E, porque não pensaram nisto, aconteceu que lhes faltava o fio condutor
das categorias, aquele que pode descobrir e tomar sensíveis todas as lacunas do
Entendimento, quer nos conceitos, quer nos princípios.
IV
– Postulados do Pensamento Empírico em Geral
1.° –
Aquilo que condiz com as condições formais da experiência (com referência à
intuição e aos conceitos) é
“possível”.
2.° –
Aquilo que condiz com as condições materiais da experiência (da sensação) é
“real”.
3.° –
Aquilo que, na conformidade com o real, está determinado segundo as
condições gerais da experiência, é “necessário” (existe
necessariamente).
Explicação
As
categorias da modalidade têm de particular que não aumentam em nada, como
determinação do objetivo, o conceito a que se unem como predicado senão que
apenas exprimem a relação com a faculdade de
conhecer.
Quando
o conceito de uma coisa é já perfeito, posso ainda perguntar se esta coisa é
simplesmente possível ou se é real, e, neste último caso, se além disso é
também necessária. Não pensamos com isso nenhuma determinação com
referência ao próprio objeto, pois somente tratamos de saber qual é a
relação deste objeto (e de todas as suas determinações) com o Entendimento e o
seu uso empírico, com o juízo empírico e com a razão (na sua aplicação à
experiência).
Precisamente,
por este motivo, os princípios da modalidade são apenas explicações da
possibilidade, da realidade e da necessidade em seu uso empírico, e, ao
mesmo tempo, a restrição das categorias somente ao uso empírico, sem
permiti-las nem admiti-las pelo uso
transcencental.
Realmente,
se possuem apenas um valor lógico e limitam-se a exprimir analiticamente a
forma do “pensamento”, senão que se referem a “coisas" a sua possibilidade,
realidade ou necessidade, é mister que se apliquem à experiência
possível é à sua unidade sintética, na qual somente entram os objetivos do
conhecimento.
O
postulado da possibilidade das coisas exige que o seu conceito esteja de acordo
com as condições formais da experiência em geral; mas esta, isto é, a forma
objetiva da experiência em geral, contém toda a síntese desejada para o
conhecimento de
objetivos.
Um
conceito que encerrar uma síntese deve ser considerado vazio e é como se não
referindo a nenhum objetivo, se esta síntese não pertencer à experiência, quer
extraída dela, e neste caso seu conceito se denomina conceito empírico, quer
como condição “a priori" da experiência em geral (como sua forma), quando então
é um conceito puro, o qual pertence à experiência, porque somente nesta
pode ser encontrado o seu
objetivo.
De
fato, de onde tirar o caráter da possibilidade de um objetivo idealizado
por um conceito sintético “a priori”, senão da síntese que constitui a forma do
conhecimento empírico dos
objetivos?
É
também uma condição lógica absolutamente necessária que nesse conceito não deve
existir nenhuma contradição. Porém, isto está muito longe de ser o bastante
para constituir a realidade objetiva do conceito, quer dizer, a
possibilidade de um objetivo tal como é idealizado pelo
conceito.
Deste
modo, não existe contradição alguma no conceito de uma figura contida entre duas
linhas retas, porque o conceito de duas linhas retas e do seu encontro não
contém a negação de nenhuma figura. A impossibilidade não está, pois, no próprio
conceito, senão na sua construção no Espaço, isto é, nas condições do Espaço e
de suas determinações, condições estas que, por sua vez, têm realidade
objetiva, quer dizer, relacionam-se com coisas possíveis, posto que contêm “a
priori” a forma da experiência em
geral.
Apresentemos,
agora, toda a utilidade e toda a influência desse postulado da possibilidade.
Quando eu represento uma coisa que é permanente, de maneira que quando há
nela uma transformação pertence, somente, ao seu estado, não posso apenas
por esse conceito conhecer se essa coisa é
possível.
Igualmente,
quando imagino alguma coisa que é de tal natureza, que uma vez colocada
nalgum lugar, outra segue-a imediatamente, posso considerá-la sem
contradição, mas não poderia por isso julgar se uma propriedade dessa espécie
(como causalidade) se encontra em algum objeto
possível.
Finalmente,
posso imaginar coisas (substâncias) diversas, de tal maneira constituídas,
que o estado de uma produza uma conseqüência no de outra, e reciprocamente;
porém, segundo essas conclusões que apenas se baseiam numa síntese arbitrária,
não posso deduzir se uma relação dessa espécie pode pertencer também às coisas.
Somente enquanto esses conceitos exprimem "a priori” as relações das percepções
em cada experiência é como se conhecêssemos a sua realidade objetiva,
isto é, a sua verdade transcendental, e isto, em verdade, independentemente
da experiência, embora sem ter relação com a forma de uma experiência em
geral e com a unidade sintética na qual somente podemos conhecer
empiricamente os
objetos.
Mas, se
quisermos formular novos conceitos de substâncias, de forças, de ações
recíprocas, com a matéria que a percepção nos oferece sem tirar da referida
experiência o exemplo da sua relação, cairíamos então puramente em quimeras
e não poderíamos reconhecer a possibilidade dessas fantásticas concepções por
meio de um critério, porque não foi tomada como guia a experiência nem foram
derivados
dela.
Tais
conceitos inventados não podem receber “a priori”, como as categorias, o caráter
da sua possibilidade, como condições de que toda experiência depende, senão
somente “a posteriori”, como dados pela própria experiência. Assim sendo, sua
possibilidade deve ser conhecida “a posteriori” e empiricamente, ou então não
pode sê-lo.
Uma
substância que estiver constantemente no Espaço, porém sem enchê-lo (como esse
intermediário que alguns quiseram introduzir entre a matéria e o ser
pensante), ou uma faculdade particular que tivesse nosso espírito de
“prever” o porvir (sem deduzi-lo), ou, finalmente, a faculdade que teria este
espírito de estar em comunhão de pensamento com outros homens por muito
distantes que se encontrem, são todos eles conceitos, cuja possibilidade
carece por completo de fundamento porque não se apóia na experiência nem
nas suas leis já conhecidas, sem o que são apenas um conjunto arbitrário de
pensamentos, e embora sem nenhuma contradição, de modo algum podem pretender a
uma realidade objetiva, nem por conseguinte à possibilidade de objetivos
tais como nesse caso foram
concebidos.
No
que se refere à realidade, desnecessário será dizer que não pode ser concebida
como tal “in concreto”, sem recorrermos à experiência, em virtude que
somente pode ser posta em relação com a sensação como matéria da experiência e
não com a forma da relação, com a qual poderia melhor o espírito argúir suas
ficções.
Deixo,
porém, de lado aquilo cuja possibilidade só pode ser deduzida da realidade
na experiência para referir-me aqui à possibilidade de coisas baseadas
em conceitos “a priori”. Insisto em sustentar que desses conceitos apenas, não
se pode tirar nunca as próprias coisas, senão somente enquanto forem condições
formais e objetivas de uma experiência em
geral.
Parece, de
fato, que a possibilidade de um triângulo poderia ser conhecida em si mesma pelo
seu conceito, que em realidade é independente da experiência; porque, de fato,
podemos dar-lhe um objetivo completamente “a priori”, quer dizer,
construí-lo.
Mas,
como esta construção é a forma apenas de um objeto, o triângulo seria apenas um
produto da imaginação, cujo objetivo teria somente uma possibilidade duvidosa,
porque faltar-lhe-ia para ser de outro modo, alguma coisa a mais, isto e: que
esta figura fosse concebida somente sob as condições em que descansam todos os
objetos da
experiência.
Porém,
a única coisa que acrescenta a esse conceito a representação da possibilidade de
tal objeto, é que o Espaço é uma condição formal “a priori” de experiências
externas, e que esta mesma síntese figurativa, pela qual construímos um
triângulo na imaginação, é idêntica em absoluto à que produzimos na
apreensão de um fenômeno para formarmos dele um conceito
experimental.
Desta
forma, a possibilidade das quantidades contínuas e até a das quantidades em
geral, pois, seus conceitos são todos sintéticos, não é o resultado desses
conceitos por si mesmos, senão enquanto forem considerados como condições
formais da determinação de objetivos na experiência em
geral.
Onde,
pois, encontrar os objetivos que correspondem aos conceitos, senão na
experiência, pela qual unicamente recebemos os objetos? Podemos, é verdade, sem
experiência prévia, conhecer e caracterizar a possibilidade das coisas;
porém, somente em relação às condições sob as quais alguma coisa em
geral é determinada na experiência como objetivo; sendo-o por conseguinte,
“a priori”, porém sempre em relação à experiência e nos seus
limites.
O
postulado para o conhecimento da “realidade” das coisas exige uma
“percepção”; isto é, uma sensação acompanhada de consciência (embora não
imediata) do próprio objeto cuja existência devemos conhecer; mas também é
preciso que este objetivo esteja de acordo com alguma percepção real
segundo as analogias da experiência, as que patenteiam o entrosamento real na
experiência
possível.
Nenhuma
característica da existência de uma coisa pode, de qualquer forma, ser
encontrada em seu simples “conceito”. Porque mesmo que esse conceito seja tão
completo que nele nada falte para imaginar uma coisa com as suas
determinações internas, a existência, sem embargo, nada tem de comum com
todas essas determinações; a questão fica reduzida apenas a sabermos se uma
coisa nos é dada de maneira que a sua percepção possa preceder sempre ao
conceito.
O
conceito, precedendo a percepção, significa a simples possibilidade da coisa; a
percepção que dá ao conceito a matéria é unicamente o caráter da realidade.
Porém, podemos também conhecer a existência de uma coisa antes de percebê-la,
por conseguinte, relativamente “a priori”, desde que esteja unida a determinadas
percepções, segundo os princípios do seu enlace empírico (as
analogias).
Então,
de fato, a existência da coisa está ligada com as nossas percepções numa
possível experiência, e podemos, seguindo o fio dessas analogias,
passar da nossa percepção real à coisa na série de possíveis
percepções.
É
assim que conhecemos pela percepção da agulha de ferro imantada a existência de
uma matéria magnética nos corpos, apesar de ser-nos impossível a
percepção imediata desta matéria pela natureza dos nossos órgáos; porque pelas
leis da sensibilidade e “contextus” de nossas percepções chegaríamos numa
experiência a ter a intuição imediata desta matéria se os nossos sentidos
fossem mais delicados, porém, o limite desses sentidos nada faz à
forma da experiência possível em
geral.
Até onde
chega a percepção e o que dela depende, segundo leis empíricas, até ali
também chega o nosso conhecimento da existência das coisas; se não
começarmos pela experiência ou se não procedermos seguindo as leis do
encadeamento empírico dos fenômenos, em vão pretenderemos adivinhar ou
conhecer a existência das
coisas.
O
idealismo faz graves objeções contra essas regras da demonstração mediata da
existência, e por isso é esta a ocasião de refutá-lo.
Refutação
do Idealismo
O
idealismo (quero dizer, o material) é a teoria que declara a existência de
objetos exteriores no espaço como duvidosa e indemonstrável, como falsa e
impossível. A primeira doutrina é o idealismo “problemático” de Descartes,
que admite somente como irrefutável esta asserção empírica: “eu sou”; a segunda
é o idealismo “dogmático” de Berkeley, que considera o Espaço com todas as
coisas das quais é inseparável como algo impossível em si, e, por
conseguinte, como vãs quimeras as coisas que nele se
produzem.
O
idealismo dogmático é inevitável quando se faz do espaço uma propriedade
pertinente às coisas em si: porque então ele bem como tudo o que o
condiciona é um
nada.
Entretanto,
na estética transcendental destruímos todos os princípios deste idealismo. O
idealismo problemático, que nada afirma neste particular, mas que
sustenta apenas nossa impotência para demonstrar pela experiência imediata uma
existência diferente à nossa, é racional e demonstra uma investigação
filosófica e fundamental, que não consente em formular um juízo decisivo senão
após ter achado uma prova
suficiente.
Trata-se,
pois, de demonstrar, que não somente nós “imaginamos” as coisas externas,
mas que temos também a “experiência”, o que somente podemos obter
demonstrando . que nossa experiência interna, indubitável para Descartes, é
possível somente sob a suposição da experiência externa.
Teorema
– A simples consciência da minha própria existência, embora empiricamente
determinada, demonstra a existência de objetos fora de mim no
Espaço
PROVA
Eu
tenho consciência da minha existência como determinada no Tempo. Toda
determinação supõe algo “permanente” na percepção. Mas esse permanente não pode
ser algo em mim, justamente pela razão que a minha existência não pode ser
determinada no tempo senão pelo permanente. A percepção deste permanente só é
possível por meio de uma “coisa” que exista fora de mim e não simplesmente pela
representação de uma coisa externa a
mim.
Por
conseguinte, a determinação da minha existência no Tempo só é possível pela
existência de coisas reais que percebo fora de mim. Mas como esta consciência no
Tempo está necessariamente ligada à consciência da possibilidade desta
determinação do Tempo, segue-se daí que também está necessariamente ligada com a
existência das coisas fora de mim, como à condição da determinação do
Tempo; quer dizer, que a consciência da minha própria existência é ao mesmo
tempo uma consciência imediata da existência de outras coisas
externas.
Primeira
Observação – Notar-se-á na prova precedente que rebatemos o jogo do
Idealismo com as suas próprias armas e que nos deu um resultado
contraproducente para ele. Este admitia que a única experiência imediata era a
interna e que daí somente se deduzia a existência das coisas externas;
porém, isto sem certeza, como sempre que se deduz de efeitos dados causas
“determinadas”, e porque a causa das representações pode-se encontrar
também em nós, podendo acontecer atribuí-las falsamente a coisas
externas.
Demonstramos,
porém, que a experiência externa é propriamente imediata e que somente por
meio desta, não a consciência da nossa própria existência, porém, sim, a
determinação desta existência no Tempo, quer dizer, a experiência
interna.
Está
claro, que a representação “eu sou”, que exprime a consciência que pode
acompanhar todo pensamento é o que encerra imediatamente em si a existência de
um sujeito, porém, nenhum “conhecimento”, por conseguinte, nenhum
conhecimento empírico, quer dizer, nenhuma
experiência.
É
mister para isto, além do pensamento de algo existente, a intuição, e aqui, a
intuição interna, em cuja relação, isto é, ao Tempo, deve o sujeito
ser determinado o que somente por meio de objetos externos pode realizar-se, de
tal maneira, que a própria experiência não é possível senão mediatamente e por
meio da experiência
externa.
Segunda
Observação – O que acabamos de dizer está perfeitamente de acordo com todo
uso experimental da nossa faculdade de conhecer na determinação do Tempo. Não
somente não podemos perceber nenhuma determinação do tempo a não ser pela
mudança nas relações exteriores (o movimento) relativo ao permanente do Espaço
(por exemplo, o movimento do Sol relativamente aos objetos da Terra), senão que
nada temos permanente que possamos submeter como intuição ao conceito de uma
substância, a não ser a
“matéria”.
E
note-se que esta permanência não foi tirada de modo algum da experiência
externa, senão suposta “a priori”, como condição necessária de toda
determinação de Tempo e, por conseguinte, também, como determinação do
sentido interno relativamente à nossa própria existência pela existência
das coisas
externas.
A
consciência de mim mesmo na representação “eu”, não é de modo algum uma
intuição, é uma representação puramente intelectual da espontaneidade de um
sujeito pensante. Esse não contém, pois, o menor predicado da intuição que, como
permanente, possa servir de correlativo à determinação do Tempo no sentido
interno, como, por exemplo, a impenetrabilidade da matéria, como intuição
empírica.
Terceira
Observação – Pelo fato da existência de objetos exteriores ser
necessária para possibilidade da consciência determinada de nós
mesmos, não significa que toda representação intuitiva de coisas
externas contenha ao mesmo tempo a sua existência, pois esta representação pode
muito bem ser consequência da imaginação (como acontece nos sonhos e na
loucura); porém, ela, entretanto, somente se manifesta pela reprodução de
antigas percepções, a que, como já demonstramos, somente são possíveis pela
“realidade” de objetos
“externos”.
Foi,
pois, suficiente demonstrar que a experiência interna em geral somente é
possível pela experiência externa em geral. Para certificarmo-nos de que
tal ou qual pretendida experiência não é um simples brinquedo da nossa
imaginação, consegue-se por meio das suas determinações particulares e dos
critérios de toda experiência
real.
Finalmente,
o terceiro postulado se refere à necessidade material na existência e não à
puramente formal e lógica no entrosamento de conceitos. Mas, como
nenhuma existência de objetivos dos sentidos pode ser conhecida completamente “a
priori”, senão relativamente, isto é, pela relação a outro objeto já conhecido,
que nunca poderá referir-se mais que a uma existência compreendida de
alguma forma no conjunto da experiência, da qual a percepção dada forma parte; a
necessidade da existência nunca pode ser conhecida por conceitos senão pelo
entrosamento que a une no que é perceptível segundo as leis gerais da
experiência.
Por
outro lado, como a só existência que se pode reconhecer como necessária sob a
condição de outro fenômeno é a dos efeitos resultantes de causas dadas pela lei
de causalidade, não é da existência de coisas (substâncias) senão somente da de
seus estados que poderemos conhecer a necessidade, e isto, em virtude das
leis empíricas da causalidade, por meio de outros estados conhecidos na
percepção.
Segue-se,
daí que o critério da necessidade reside apenas nesta lei da experiência
possível, a saber: que tudo o que sucede está determinado “a priori” no fenômeno
por sua
causa.
Conhecemos
apenas a necessidade de “efeitos” naturais, cujas causas nos foram dadas; o
caráter da necessidade na existência não se estende além do terreno da
experiência possível e todavia nesse terreno não se aplica a existência de
coisas como substâncias, posto que estas não podem nunca ser consideradas como
efeitos empíricos ou como algo que é e que não
nasce.
A
necessidade, pois, refere-se somente às relações de fenômenos segundo a lei
dinâmica da causalidade e à possibilidade, por nós fundamentada, de deduzir
“a priori” de uma existência dada (uma causa) outra existência (o
efeito).
Tudo o
que acontece é hipoteticamente necessário; é este um princípio que submete
a mudança no mundo a uma lei, isto é, a uma regra da existência necessária,
sem a qual a própria Natureza não poderia
existir.
Por este
motivo, o princípio: nada acontece por acaso “in mundo non datur casus”, é uma
lei “a priori” da Natureza, O mesmo acontece com este outro: não há na Natureza
uma necessidade cega, senão condicional, e, por conseguinte, inteligente “non
datur fatum”. Estes dois princípios são leis que submetem o jogo de mudanças a
uma “natureza de coisas (como fenômenos), ou seja, à unidade intelectual, na
qual somente pode pertencer à experiência considerada como unidade sintética de
fenômenos. Ambos são
dinâmicos.
O
primeiro é propriamente uma conseqüência do princípio de causalidade (sob as
analogias da experiência). O segundo pertence aos princípios da modalidade, que
acrescenta à determinação causal, o conceito de necessidade, porém,
necessidade sujeita, sem embargo, a uma regra do
entendimento.
O
princípio da continuidade impossibilita qualquer salto “in mundo non datur
saltus” na série de fenômenos (das mudanças) e ao mesmo tempo toda lacuna
ou vazio entre dois fenômenos no conjunto de todas as intuições no espaço (“non
datur
hiatus”).
Este
princípio pode enunciar-se assim: nada existe na experiência que prove um
“vacuum” nem que apenas o permita como uma parte da síntese empírica.
Porque este vazio, que pode ser concebido fora do campo da experiência possível
(do mundo), não está dentro da jurisdição do Entendimento somente, o qual
unicamente se refere às questões relativas ao uso dos fenômenos dados em relação
ao conhecimento empírico, sendo além disso um problema para a razão idealista,
que foge da esfera de uma experiência possível para julgar o que circunda e
Limita esta mesma
esfera.
Esta é,
portanto, uma questão que deve ser examinada na dialética
transcendental.
Poderíamos
com facilidade representar esses quatro princípios “in mundo non datur hiatus,
non datur saltus, non datur casus, non datur fatum” como todos os demais
princípios de origem transcendental, na sua ordem, conformando-nos o seu
lugar, mas o leitor experimentado fá-lo-á por si mesmo ou encontrará com
facilidade o caminho condutor para
isso.
Esses
princípios confirmam todos em que não permitem nada na síntese empírica que
possa alcançar o entendimento e ao encadeamento contínuo de todos os
fenômenos; quer dizer, à unidade de seus conceitos. Porque o Entendimento é
aquele em que é possível a unidade da experiência onde todas as percepções devem
encontrar o seu
lugar.
É maior o
campo da possibilidade e o da realidade, e o desta que o da necessidade?
Questões são estas interessantes ao extremo e que exigem uma solução sintética,
porém que entram nos foros da razão, porque equivalem quase a perguntar se
todas as coisas como fenômenos pertencem ao conjunto e ao todo de uma só
experiência, da qual toda percepção indicada é somente uma parte, e por
conseguinte não poderia ligar-se a outros fenômenos, ou se as minhas
percepções podem pertencer (no seu encadeamento geral) a algo mais que a
uma única experiência
possível.
Em
geral o Entendimento não nos dá “a priori” a experiência mas, apenas, a
regra, segundo condições subjetivas e absolutas da sensibilidade e da
apercepção, as úmcas que possibilitam essa experiência. Entrementes, foram
possíveis outras formas da intuição (Espaço e Tempo), ou outras formas do
Entendimento (a forma discursiva do pensamento ou a do conhecimento pelos
conceitos), não poderíamos, de forma alguma, concebê-las nem
compreendê-las e, se isso fosse possível, não pertenceria sempre à experiência
como único conhecimento no qual os objetivos nos foram
dados.
Porque
devem existir mais percepções que as que em geral constituem o todo da nossa
experiência possível, e pode, por conseguinte, existir outro campo
diferente da matéria? A respeito disto nada pode dizer o Entendimento, que
apenas se ocupa da síntese do que está
dado.
Além disso,
a pobreza dos nossos raciocínios comuns com os quais criamos o grande império da
possibilidade, do qual toda coisa real (todo objetivo de experiência) é somente
uma mínima parte, e tão patente que salta à
vista.
Tudo o que
é real é possível; resultando dai, naturalmente, segundo as leis lógicas da
inversão, esta proposição particular: algumas coisas possiveis são reais. O
que também significa: existem muitas coisas possíveis que não são
reais.
Parece, é
certo, que pode ser posto o número do possível muito por cima do real, porque é
preciso acrescentar algo àquele para que resulte isto. Mas desconheço esta
adição ao possível, porque o que seria preciso acrescentar seria impossível. A
única coisa que no meu entendimento poderia acrescentar-se à conformidade com as
condições normais da experiência é o entrosamento com alguma percepção, e o
que está entrosado com uma percepção, segundo as leis empíricas, é real,
embora não seja imediatamente
percebido.
Mas
não podemos deduzir pelo que é dado, e menos ainda se nada nos foi dado (porque
nada, absolutamente nada, pode ser pensado sem matéria), que no
entrosamento universal, com aquilo que nos é dado na percepção, possa existir
outra série de fenômenos, e por conseguinte seja possível mais de uma
experiência, a única que tudo
compreende.
Porém,
o que é possível apenas sob as próprias condições, simplesmente possíveis, não o
é sob “todas as relações”. E sem embargo, a questão deve ser considerada sob
este ponto de vista geral quando se trata de sabermos se há possibilidade das
coisas se estender além da
experiência.
Mencionei
estas questões apenas para não deixar qualquer lacuna no que pertence, segundo a
opinião geral, aos conceitos do Entendimento. Porém, na realidade, a
possibilidade absoluta (que é a que vale sob todos os conceitos) não é um
simples conceito do Entendimento e não pode ter nenhum uso empírico;
pertence exclusivamente à Razão, que sobrepuja todo uso empírico possível do
Entendimento.
Foi
por isso que nos contentamos com uma ligeira observação crítica, deixando
as coisas no mesmo estado em que estavam até que mais tarde façamos das mesmas
um estudo meticuloso. Antes de terminarmos este quarto número e com ele o
sistema de todos os princípios do Entendimento puro, devo explicar por que
chamei de postulados aos princípios da
modalidade.
Não
considero aqui essa palavra no sentido que lhe deram alguns filósofos modernos
contra a teoria dos matemáticos, aos quais propriamente pertencem; quero dizer,
como significando uma proposição que foi dada como imediatamente certa,
porém sem justificá-la nem
demonstrá-la.
Porque
se admitirmos que deve conceder-se um assentimento absoluto logo à primeira
vista e sem dedução das proposições sintéticas por evidentes que estas
sejam, destrói-se com isso toda crítica do Entendimento. Como não faltam
pretensões absurdas às quais nem a fé comum é recusada (sem ser uma
autoridade), nosso Entendimento ficaria aberto a todas as opiniões sem que
fosse possível negar sua aceitação a proposições que, mesmo ilegítimas,
exigiriam serem aceitas como verdadeiros
axiomas.
Assim,
pois, quando uma determinação “a priori” é acrescida sinteticamente ao conceito
de uma coisa, é preciso unir necessariamente a uma proposição dessa espécie,
senão uma prova, pelo menos uma dedução da legitimidade desta
asserção.
Mas,
os princípios da modalidade não são objetivamente sintéticos, porque os
predicados da possibilidade, da realidade e da necessidade, não estendem sequer
o conceito a que se aplicam, quando acrescentam algo à representação do
objetivo. E, embora sejam sempre sintéticos, não o são, entretanto, senão
subjetivamente; isto é, que aplicam ao conceito de uma coisa (do real), do qual
nada mais dizem, a faculdade de conhecer onde tem sua origem e
base.
Se esse
conceito é idêntico no Entendimento com as condições formais da experiência,
chama-se então como possível ao seu objetivo; mas, se estiver encadeado com
a percepção (com a sensação como matéria dos sentidos) e determinado por ela
mediante o Entendimento, chama-se real ao seu objeto, e se, finalmente, está
determinado pelo entrosamento das percepções segundo conceitos, então
o seu objetivo é
necessário.
Os
princípios da modalidade não exprimem, pois, com referência a um conceito,
apenas que o ato da faculdade de conhecer que o produz. Entretanto,
denominam-se postulados em Matemática à proposição prática que somente contém a
síntese pela qual obtemos um objeto e produzimos o conceito; com uma linha
dada descrever de um ponto determinado um círculo numa
superfície.
Semelhante
proposição não pode ser demonstrada porque o procedimento exigido é
justamente aquele que produzimos primeiramente, o conceito dessa
figura.
Podemos,
portanto, da mesma forma, postular os princípios da modalidade, posto que não
estende seu conceito das coisas (18) senão que se limitam a mostrar a
maneira como esse conceito em geral está ligado à faculdade de
conhecer.
Observação
Geral Sobre o Sistema dos Princípios
Uma coisa
mui digna de nota que nós não podemos perceber pela categoria só a possibilidade
de alguma coisa, mas que tenhamos sempre necessidade de uma intuição para
descobrir a realidade objetiva do conceito do
entendimento.
Tomemos,
por exemplo, as categorias de
relação.
Como
primeiro, qualquer coisa pode existir como sujeito e não como simples
determinação de outra coisa; quer dizer, como pode ser substância; ou, segundo,
porque um algo é, outro também deve ser; por conseguinte, como algo em geral
pode ser causa; ou, terceiro, como quando muitas coisas são, porque uma existe,
algo nas outras a segue, e reciprocamente, e como um comércio de substâncias
pode assim
estabelecer-se.
Simples
conceitos não podem indicar-nos
isso.
E assim se
dá com todas as outras categorias. P. ex.: como uma coisa pode ser idêntica a
muitas, quer dizer, como pode ser uma quantidade etc.. Assim, enquanto a
intuição falta não se sabe pelas categorias, se pensa um objeto, nem se em geral
pode convir-lhe um objeto; por onde se vê que por si mesmos não são
conhecimentos, mas simples formas de pensar, que servem para transformar em
conhecimentos as intuições dadas. Resulta também que nenhuma proposição
sintética podemos tirar somente das
categorias.
Quando
digo, por exemplo, que em toda existência há uma substância, quer dizer,
algo que só como sujeito pode existir e não como simples predicado, ou que
uma coisa é um “quantum”, em tudo isso nada há que nos sirva para sair de
um conceito dado a uni-lo a outro. Assim, pois, nunca se pôde provar por
simples conceitos puros do entendimento uma proposição sintética; esta, por
exemplo: tudo que existe acidentalmente tem uma causa. Quanto nisto se
tem feito é demonstrar que, sem esta relação, não compreenderíamos a existência
acidental; quer dizer, que não podemos conhecer “a priori", pelo
entendimento, a existência de tal
coisa.
Mas não se
segue disto que esta relação seja a condição da possibilidade da coisa mesma. Se
recordamos nossa prova do princípio de causalidade, que tudo que ocorre
(todo evento) supõe uma causa, se advertirá que não podemos realizá-la mais
do que em relação aos objetos da experiência, por conseguinte como princípio do
conhecimento de um objeto dado na intuição empírica e não só por
conceitos.
Não se
pode, porém, negar que esta proposição: todo evento tem uma causa, não seja
evidente para todos por simples conceitos; mas então o conceito de acidente
está já entendido de tal maneira que contém, não a categoria de modalidade
(como algo cuja não existência pode conceber-se) mas a de relação (como algo que
só pode existir como conseqüencia de outra coisa); e, neste caso, a proposição é
por completo idêntica a esta outra; tudo o que não pode existir, senão como
conseqüência, tem sua causa. Com efeito, quando queremos dar exemplos de
existência acidental, recorremos sempre a mudanças e não à simples
possibilidade de conceber o
contrário.(19)
Mudança,
porém, é sucessão, e, como tal, não é possível mais senão por uma causa, e cuja
não-existência, por conseguinte, em si é possível. Reconhece-se desse modo a
contingência em que não pode existir senão como efeito de uma causa. Quando se
admite, pois, uma coisa como contingente, é uma proposição analítica dizer
que tem uma
causa.
Todavia, é
mais notável que para compreender a possibilidade de coisas pelas categorias, e,
por conseguinte, para demonstrar a realidade objetiva destas últimas, tenhamos
sempre necessidade, não só de intuição, como também de intuições
exteriores. Tomemos, por exemplo, os conceitos puros de relação e
achamos:
1.° Para
dar ao conceito de substância na intuição algo de fixo que corresponda
(provando com isto a realidade objetiva desse conceito), temos necessidade de
uma intuição no espaço (da intuição da matéria), porque só o espaço
determina constantemente, enquanto que o tempo, e por conseguinte, quando
se encontra no sentido interior, transcorre sem
cessar.
2.° Para
apresentar a mudança como intuição correspondente ao conceito de causalidade,
somos obrigados a tomar como exemplo o movimento, como mudança no espaço; e
somente assim podemos fazer-nos perceptíveis mudanças cuja
possibilidade não pode compreender nenhum entendimento
puro.
Mudança é
união de determinações contraditoriamente opostas entre si na existência de
uma só e mesma coisa. Mas, como agora é possível que de um estado dado siga, na
mesma coisa, outro estado que lhe seja oposto? Coisa é esta que não pode
compreender nenhuma razão sem exemplos, não podendo ser inteligível sem uma
intuição. Esta intuição é a do movimento de um ponto no espaço, cuja existência
em diferentes lugares (como conseqüência de determinações contrárias) nos faz
perceber a mudança; porque, ainda para que possamos conceber mudanças internas,
é mister que nos representemos o tempo de uma maneira figurada, como
forma do sentido traçado desta linha (pelo movimento), e, por conseguinte, nossa
existência sucessiva em diferentes estados por uma intuição
exterior.
A razão
consiste em toda mudança como algo fixo na intuição, ainda que para poder ser
percebido supõe como mudança e que não se encontre no sentido interno
nenhuma intuição
fixa.
3.° Enfim,
a categoria de reciprocidade não pode ser compreendida, quanto a sua
possibilidade, só pela razão; e, por conseguinte, a realidade objetiva
desse conceito não pode ser apercebida sem intuição, e intuição exterior no
espaço. Com efeito, como conceber a possibilidade de que, existindo muitas
substâncias, da existência de uma resulta algo (com efeito) na da outra, e
reciprocamente; e que, por conseguinte, pela razão que existe algo na
primeira que só pela existência da segunda pode compreender-se, deva suceder
outro tanto com a segunda com respeito à
primeira?
Porque
isto é necessário para que exista reciprocidade; mas que não pode
compreender-se de coisas que subsistem umas de outras por sua substância,
completamente isoladas. Assim, Leibnitz, ainda, atribuindo uma reciprocidade às
substâncias do mundo, mas às substâncias tais como as concebe só o
entendimento, teve necessidade de recorrer à intervenção da divindade; porque
viu com razão que esse comércio de substâncias era incompreensível só por sua
existência.
Mas
nós outros podemos fazer-nos admissível a possibilidade desta reciprocidade de
substâncias como fenômenos, representando-as no espaço, por conseguinte, na
intuição exterior; porque o espaço contém “a priori” relações formais exteriores
como condições da possibilidade de relações reais em si na ação e na reação, por
conseguinte, na reciprocidade. Assim mesmo é fácil provar que a
possibilidade de coisas como quantidades, e, por conseguinte, a realidade
objetiva da categoria de quantidade, não podem ser expostas senão na
intuição exterior, nem aplicadas depois ao sentido interno senão por meio dessa
intuição. Para não ser prolixo deixo os exemplos ao cuidado do
leitor.
Toda esta
observação é de grande importância, não só para confirmar nossa precedente
refutação do idealismo, como também ainda para, quando se falar do
conhecimento em si a simples consciência interna, e a determinação de nossa
natureza sem o auxílio de intuições empíricas, fazer-nos ver os estreitos
limites da possibilidade de semelhante
conhecimento.
Esta
já é a última conseqüência de toda esta seção. Todos os princípios do
entendimento puro não são mais do que princípios “a priori” da
possibilidade da experiência; com esta unicamente se relacionam todos os
princípios sintéticos “a priori”, e sua mesma possibilidade radica por
completo nesta relação.
* * *
(1) Intuição, como Kant aqui a define, é a representação imediata
que faço de um objeto. O conhecimento de um objeto não tem que ser sempre
imediato, pois sem necessidade de contempla-lo imediatamente posso obter o seu
conhecimento. Com efeito: seja um objeto qualquer, o Pacaembu, por exemplo.
Posso conhecê-lo, representando-o em todos os seus elementos, e pelas
explicações fornecidas ter do mesmo um conhecimento mais ou menos perfeito. Tal
conhecimento será sempre imediato, porque nele intervieram uma série
de representações, que as informações daquele que nos descreveu o Pacaembu, foi
despertando em
mim.
Mas este,
que é um meio de conhecer, não é o único. Eu posso, sem intermediários, ir ver o
Pacaembu. Neste caso não tenho uma representação de representações como
antes, mas sim uma representação imediata, quer dizer, uma representação do
objeto. Intuição é, pois, uma representação imediatamente relacionada com o
objeto. É um modo de conhecimento imediato; assim como o primeiro é imediato:
por conceitos e imagens. A intuição, por conseguinte, é um elemento muito
importante de nosso conhecimento. É a primeira relação e a mais imediata
que com o objeto pode manter. De sorte que um conceito que careça de intuição
que lhe corresponda, não pode fornecer nenhum conhecimento imediato. Deve-se ter
desde já na lembrança esta observação, para acompanhar Kant no desenvolvimento
dos seus primeiros princípios. Náo se esqueça, tampouco, que todo pensamento se
propõe como meio de intuições, e que quando um pensamento carece de intuição, é
porque não tem objeto a que referir-se imediatamente, é portanto vão, e os
conceitos que produz, vazios, sem conteúdo algum, pois este só pode ser
dado pela intuição. Terá, é verdade, um objeto o conceito desta classe, mas sera
um outro conceito, e estaremos no mesmo caso se carece de intuição, ou uma
imagem da fantasia, quer dizer, uma intuição da imaginação e nada mais,
conceitos assim, sendo objeto, são conceitos vazios, são simples negações,
como dizia Kant: nihil privativum; de nenhuma maneira, conceitos
reais; dizem o que uma coisa não é, e não o que ela é, pois só o conceito que
possui um objeto é um ens reale. Disto resultará, depois, com todo rigor,
que não podemos conhecer a Deus, porque este objeto, Deus, nunca se nos
apresenta intuitivamente. Teremos, certamente, o seu conceito, mas não o
seu conhecimento imediato, pois não é Deus um objeto sensível, um fenômeno, cuja
intuição nos seja acessível. Tudo quanto se afirma de Deus no conhecimento, será
negação, e ao dizer que é infinito, entender-se-á que não é finito, etc. O
importante, pois, é não tirar da idéia que não existem conhecimentos
propriamente ditos sem intuições, e intuições sem objetos, objetos sem
fenômenos. (Nota do Tradutor)
(2) Os alemães são os
únicos que empregam hoje a palavra Estética para designar o que outros chamam
“crítica do gosto”. Esta denominação se deve à fracassada esperança do
notabilissimo crítico Baurngarten, que acreditou poder reproduzir a princípios
racionais o juízo crítico do belo, e elevar as suas regras à categoria de
ciência. Mas esse esforço é vão. Efetivamente essas regras ou critérios são
empíricas em suas principais fontes, e por conseguinte não poderiam jamais
servir de leis “a priori” próprias a regular o gosto em seus julgamentos, pois é
este que serve de pedra de toque para a retificação dos princípios. É, pois,
prudente o abandono dessa denominação, e reservá-la para aquela doutrina
que é verdadeira ciência, ou bem empregá-la em comum com a Filosofia
especulativa, e entender a palavra Estética ora em sentido transcendental,
ora em sentido psicológico.
(3) Os predicados do
fenômeno podem ser atribuídos ao objeto mesmo em relação com nosso sentido, por
exemplo: a rosa, a cor vermelha e o odor; mas a aparência não pode jamais,
como predicado, ser atribuída ao objeto, porque precisamente atribui ao objeto
em si o que não lhe pertence mais do que pela relação com os sentidos, ou em
geral com o sujeito, como, por exemplo, os dois anéis atribuídos primitivamente
a Saturno.
O
fenômeno é qualquer coisa que não se pode achar no objeto mesmo, mas sempre
na relação do objeto para com o sujeito, e que é inseparável da
representação que temos; assim é que, com razão, os predicados do espaço e
do tempo são atribuídos aos objetos do sentido como tais, e nisto não existe
nenhuma
aparência.
Já,
pelo contrário, se atribuo a cor vermelha à rosa em si, e os anéis a Saturno, ou
a todos os objetos exteriores a extensão em si, sem atender á determinada
relação desses objetos com o sujeito, nem limitar meu juízo por conseguinte,
então surge a aparência.
(4) Aliem
Weissenchaft. A tradução literal seria Catártico.
(5) A unidade analítica da consciência tem a sua origem em todos
os conceitos comuns considerados como tais. Quando, por exemplo, concebo o
vermelho em geral, represento-me por isso uma qualidade que (como caráter) pode
ser achada em qualquer parte ou ser ligada a outras representaçôes; não é, pois,
senão sob a condição de conceber de antemão uma unidade sintética possível
que podemos conceber a unidade analítica. Para imaginarmos uma representação
comum a coisas diferentes, devemos considerá-la como dependente a essas
coisas e, que, além da sua analogia, possuem alguma coisa diferente entre elas
das restantes, pelo que se deduz que devemos concebê-las como formando uma
unidade sintética com outras representações (embora sejam apenas
possibilidades), muito antes que eu possa conceber nelas a unidade
analítica da consciência que a transforma num “conceptus communis”. A
unidade sintética da nossa percepção é, pois, o ponto mais elevado ao qual
podemos aplicar nosso entendimento, bem como toda a lógica e, por seu
intermédio, a Filosofia transcendental; mais ainda, esta faculdade é o
próprio entendimento.
(6) O tempo e o espaço
e todas as suas partes são intuições, por conseguinte, representações
particulares como a diversidade que elas em si contêm (V. a Estética
transcendental). Não são, pois, simples conceitos por meio dos quais esteja a
consciência deles como que contida em muitas representações, sendo ao
contrário estas as que se contêm em uma consciência só, estando, por
conseguinte, como compostas nelas; donde se segue que a unidade da consciência
se nos apresenta como sintêtica, e não obstante como primitiva. Esta
particularidade dos mesmos é importante na aplicação (V. §
25).
(7) A extensa teoria das quatro figuras
subjetivas não conceme senão aos raciocínios categóricos, e ainda que, em
verdade, não seja mais do que uma arte de surpreender, ocultando as
conseqüências imediatas (“consequentiae imediatae") sob as premissas de um
raciocínio puro, a aparência de muitas espécies de conseqüências, que não há na
primeira figura, não teria ganho, sem embargo, muito se não tivesse conseguido
apresentar exclusivamente os juízos categóricos como aqueles a quem todos os
outros devem referir-se, e que, segundo o § 9, é falso.
(8) A prova se funda na unidade representada da intuição pela
qual um objeto se dá a que sempre encerra em si mesma síntese da
diversidade dada em uma intuição e contém já a relação desta diversidade
com a unidade da apercepção.
(9) O movimento de
objeto no espaço não pertence a uma ciência pura e tampouco pertence à
Geometria; porque não sabemos “a priori”, senão pela experiência, que algo seja
movível. Mas o movimento como descrição de um espaço é um ato puro da síntese
sucessiva da diversidade na intuição externa em geral, pela imaginação
produtiva e pertence, não só à Geometria, como também à Filosofia
transcendental.
(10) Não compreendo a dificuldade
de admitir que o sentido interno é afetado por nós mesmos. Todo ato da atenção
pode proporcionar-nos um exemplo. Nesta, o entendimento determina sempre ao
sentido interior conforme o enlace que ele concebe para formar uma intuição
interna, que corresponde à diversidade contida na síntese do entendimento.
Cada um pode observar em si mesmo como o espírito é freqüentemente desta
maneira.
(11) O eu penso expressa o ato
pelo qual determino minha existência. A existência está portanto já dada
nele; mas a maneira como devo determinar esta existência, quer dizer, pelos
elementos diversos que lhe pertencem, para isto é preciso uma intuição de si
mesmo que tem por fundamento uma fórmula “a priori”, quer dizer, o tempo que é
sensível e pertence à receptividade do
determinável.
Se
não tenho, pois, outra intuição de mim mesmo que do que há em mim de
determinante, de cuja espontaneidade somente estou cônscio e que dei antes do
ato da determinação da mesma maneira que o tempo dá o determinável, não posso
então determinar minha existência como a de um ser espontâneo, mas somente me
represento a espontaneidade de meu
pensar.
Quer
dizer, meu ato de determinação e minha existência não são nunca determináveis
senão sensivelmente, ou seja como existência de um fenômeno. Todavia, esta
espontaneidade faz com que eu a chame
inteligência.
Ainda
que todas as categorias constituam o pensamento de um objeto geral pela
união da diversidade em uma apercepção, a consciência própria não é conhecimento
de si mesmo. Assim como para o conhecimento de um objeto diferente de mim
necessito, além do pensamento de um objeto geral (na categoria), uma intuição
pela qual determino esse conceito geral, assim também para o conhecimento de mim
mesmo necessito, além da consciência de que eu penso, uma intuição da
diversidade que em mim existe, mediante a qual determino esse
pensamento.
Eu
existo, pois, como inteligência que tem consciência unicamente de sua faculdade
sintética, mas que, em relação ao diverso que deve sintetizar, se acha sujeita a
uma condição restritiva chamada sentido mesmo e que não pode tomar perceptível
esse enlace senão segundo as relaçôes do tempo, as quais são totalmente
estranhas aos conceitos próprios do entendimento. Donde se segue que esta
inteligência não pode conhecer-se a si mesma senão como se aparece em uma
intuição particular (a qual não pode ser intelectual e dada pelo
entendimento mesmo) e não como se conheceria se sua intuição fosse
intelectual.
(12) O espaço apresentado como objeto
(como realmente é preciso em Geometria) contém, além da simples forma da
intuição, a composição da diversidade dada em uma representação intuitiva,
segundo a forma da sensibilidade, de tal sorte que a forma da intuição dá
unicamente a diversidade e a intuição formal à unidade da
representação.
Eu
apreciei na Estética esta unidade, como pertencendo simplesmente à
sensibilidade, somente para indicar que precede a todo conceito, ainda que
em verdade pressuponha uma síntese que não pertence dos sentidos, mas que
possibilita todo conceito de espaço e de tempo. Como por esta síntese
(determinando o entendimento a sensibilidade) são dados o espaço e o tempo
primeiramente como intuições, a unidade desta intuição “a priori” pertence ao
espaço e ao tempo e não ao conceito do entendimento (§ 24).
(13) Desta maneira se prova que a síntese da apreensão, que é
empírica, deve concordar necessariamente com a síntese da apercepção, que é
intelectual e contida totalmente “a priori” na categoria. A união da diversidade
da intuição é produzida por uma só e mesma espontaneidade, chamada ali
imaginação e aqui entendimento.
(14) A fim de não
se alarmarem precipitadamente com as perigosas conseqüências desta proposição,
advertirei que as categorias no pensar não estão limitadas pelas condições de
nossa intuição sensível, mas têm um campo ilimitado, e que o conhecimento do que
pensamos ou a determinação do objeto tem necessidade da intuição; mas que
faltando esta, o pensamento do objeto pode ainda ter suas conseqüências
verdadeiras e úteis relativamente ao uso que o indivíduo faz da razão, mas
como não se trata aqui da determinação do objeto, e por conseguinte do
conhecimento, senão também da do sujeito e de sua vontade, não chegou ainda
o momento para falar disto.
(15) Até aqui
acreditei necessária a divisão em parágrafos, porque nos ocupamos de conceitos
elementares, mas, agora, queremos mostrar o uso dos mesmos, e a exposição poderá
prosseguir em uma continua compenetração sem necessidade dos
mesmos.
(16) A falta de juízo é o que propriamente
se denomina estupidez, defeito para o qual não há remédio. Uma cabeça obtusa ou
limitada, que só carece de grau conveniente de inteligência e de conceitos
próprios, é suscetível de instrução e mesmo de erudição. Mas como quase
sempre nestes casos acompanha a falta de juízo (segundo Petri), não é raro
encontrar homens muito instruídos que deixam freqüentemente transparecer essa
falta grave em seus trabalhos.
(17) Toda união
(“conjunctio”) ou é uma composição (“compositio”), ou uma conexão (“nexus”). O
primeiro é uma síntese de elementos diversos que não se pertencem
necessariamente uns aos outros, como por exemplo: os dois triângulos em que um
quadrado se decompõe cortado por uma diagonal não se pertencem necessariamente
um ao outro. Assim é a síntese do homogêneo em tudo o que pode ser examinado
matematicamente (síntese que por seu turno pode dividir-se em síntese de
agregação e síntese de coalisão, conforme se refira a quantidades
extensivas ou a
intensivas).
A
segunda união (“nexus”) é a síntese de elementos diversos que necessariamente se
pertencem uns aos outros, como, por exemplo, o acidente em relação com a
substância, ou o efeito e a causa, e que, por conseguinte, ainda que
heterogêneos, se representam como unidos “a priori”. E denomino a esta união
dinâmica, porque não arbitrária, ainda que se refira à união da existência da
diversidade, união esta que pode por sua vez dividir-se em união fisica de
fenômenos entre si e em uma união metafísica, cujas sínteses se representam na
faculdade de conhecer “a priori”.
(18) A
“realidade” de uma coisa diz com mais segurança de uma coisa que a sua
possibilidade, porém não mais “na coisa” ; porque a coisa não pode conter nunca
na realidade mais do que estava contido na sua possibilidade completa. Mas como
a possibilidade era apenas uma “posição” da coisa em relação ao Entendimento (no
seu uso empírico), a realidade é, ao mesmo tempo, o encadeamento da coisa com a
percepção.
(19) Pode-se facilmente conceber a
não existência da matéria, e, não obstante, os antigos não a tiveram por
contingente. Mas a vicissitude mesma do ser e do não ser de um estado dado de
uma coisa, em que toda mudança consiste, em nada prova a contingência deste
estado de uma maneira indireta ou pela realidade de seu contrário; p. ex.: o
repouso de um corpo que sucede ao movimento desse corpo, porque o
repouso seja o contrário do
movimento.
Porque
esse contrário não está aqui oposto ao outro senão logicamente e não
realmente. Para provar a contingência do movimento, seria preciso provar que, em
lugar de estar em movimento no instante precedente, haveria sido possível
que o corpo estivesse então em repouso: não basta que o tivesse sido em seguida,
porque então os dois contrários podem coexistir
perfeitamente.