MENTE, LINGUAGEM E SOCIEDADE
Filosofia no mundo real
( John R. Searle )
A essência
da mente:
a
consciência e sua estrutura.
John
R. Searle, inicia o capítulo três advertindo que seria
ingenuamente supor que a consciência é o mais bem compreendido fenômeno de
todos. Pois estamos por demais arraigado com nossa própria consciência durante
nossas vidas, tanto acordados como dormindo, assim
sendo poderia ser mais fácil do que simplesmente descrever nossas próprias
experiências conscientes? Porém, isso se revela mais difícil do que se parece.
Ao tentar descrever sua consciência, verá que grande parte do que faz é
descrever os objetos e eventos que lhe são mais próximos. De inicio descreveria
suas sensações corporais internas, humores, emoções e pensamentos, após
descreveria o conteúdo de sua consciência das coisas que percebe
conscientemente. Mesmo que eu descreva os meus pensamentos conscientemente
embora não estejam presentes os objetos, grande parte daquilo que descrever
sobre o estado consciente, mesmo assim será sobre os objetos ausentes e eventos
passados. Essa dificuldade de ter uma descrição faz por si só, que a
consciência não é um objeto de observação da mesma maneira que outras coisas o
são.
Para
Searle há duas dificuldades para se ter uma explicação da consciência que vem
da relação entre consciência e a observação. A primeira que não podemos
observar a consciência da maneira como observamos montanhas e oceanos, pois o
único candidato à observação é o próprio ato de observar.
A
segunda dificuldade o autor comenta que somos herdeiros de uma longa tradição
filosófica que se recusa a tratar a consciência como parte do mundo normal,
natural, “físico” no qual vivemos. Os dualistas tratam a consciência sendo não
físico. Já os materialistas eles negam sua existência como fenômeno real e
irredutível e sustentam que, na verdade, não existe consciência que esteja
acima ou além dos processos “materiais” ou “físicos” descritos em termos da
terceira pessoa. Para Searle insiste que a consciência é um fenômeno biológico
comum como a digestão ou a fotossíntese e fará sua posição soar como
materialismo. Diante desta colocação o autor foi caracterizado como
materialistas por alguns de seus comentadores e dualistas por outros. Ele vê
que a saída desse conflito de posições-padrão é fazer uma revisão conceitual.
Searle enfatiza que o nosso problema do qual herdamos para descrever os fatos é
o conjunto de categorias. Em um momento temos o modelo do conhecimento
científico, que é o conhecimento do “mundo físico” e somos herdeiros de uma
tradição filosófica que diz que a consciência não faz parte do mundo físico.
Devemos abandonar o conjunto de categorias, abandonar a noção de que “mental” e
“físico” designam categorias mutuamente exclusivas. De um lado a consciência é
“material”, pois ela é um fenômeno biológico como qualquer outro. Por outro
lado a consciência não é redutível a nenhum processo
que consista em fenômenos físicos descritíveis exclusivamente em termos físicos
da terceira pessoa. Vemos que a consciência é ao mesmo tempo completamente
material e irredutivelmente mental.
Três erros
a respeito da consciência.
Neste sub-título
Searle vai mostrar os três erros a respeito da consciência. Ele começa expondo
e corrigindo diversos erros-padrão normalmente cometidos em nossa tradição
filosófica sobre a natureza da consciência.
O
primeiro erro é que poderemos estar errados a respeito de nossos próprios
estados conscientes. O fato de a consciência ter um modo particular de
existência, levou a supor que devemos ter um tipo especial de certeza quando se
trata de conhecer nossos próprios estados conscientes. Descartes
tinha um argumento do qual temos a certeza absoluta a respeito de nossos
estados conscientes. Sob este olhar em que temos a certeza do nosso estado
consciente, as nossas alegações a seu respeito são ditas “incorrigíveis”, o que
significa que não podem ser corrigidas por provas posteriores. Para Searle isso
parece um erro. Porém isso não significa que eu não possa estar errado a
respeito de meus estados conscientes. As pessoas negam estar com ciúmes quando
na verdade estão. Propõem em fazer algo para seu próprio bem quando, mais uma
vez, é óbvio, para qualquer observador externo, que lhes falta vontade para
tal. Há várias dimensões diferentes nas quais podemos cometer um erro assim, e
mencionarei brevemente quatro delas.
A
primeira maneira pela qual podemos estar errados a respeito de nossos próprios
estados conscientes é o auto-engano. Por ser doloroso ao
enfrentarmos nossos ciúmes, hostilidade, fraquezas, nós enganamos a nós
mesmos. Recusamo-nos a admitir, inclusive para nós mesmos, nossos sentimentos e
atitudes mais vergonhosas. Pode-se acreditar conscientemente e alegar
sinceramente que se pretende parar de fumar, quando na verdade se sabe interiormente
que não se tem tal intenção. É essa a natureza do auto-engano.
Uma segunda causa de erros sobre nossos próprios estados
conscientes, relacionados ao auto-engano, é a má interpretação. Por exemplo, em
um momento de grande emoção você pode pensar sinceramente que está apaixonado,
porém mais tarde percebe que interrompeu mal seus sentimentos e que a emoção
era apenas um envolvimento passageiro.
Uma
terceira causa de erro sobre nossos próprios estados mentais, que acredito ser
a mais comum, está relacionada à segunda. Muitos de nossos estados mentais
estão conceitualmente ligados a nosso comportamento segundo certas descrições.
Assim, se eu disser que tenho a intenção firme e incondicional de fazer algo,
então, a não ser que eu demonstre ao menos alguma disposição para fazer aquilo
que tenciono fazer, podemos razoavelmente duvidar de que fui correto ao
atribuir a mim mesmo determinada intenção. Em resumo, é errado supor que há uma
distinção clara entre as categorias verbais que se aplicam à consciência e
aquelas que se aplicam ao comportamento subseqüente. Pensamos, por exemplo, que
estamos realmente decididos a parar de fumar, perder peso, trabalhar mais ou
escrever um livro, mas nosso comportamento subseqüente mostra
que estávamos errados.
Um
quarto tipo de erro sobre nossos próprios estados conscientes é a desatenção –
simplesmente não prestamos atenção suficiente às maneiras como nossa
consciência está se comportando. Pensamos que estamos comprometidos com tal
idéia, mas vemos que ao passar algum tempo nós mudamos por completo.
Portanto,
é um erro supor que nosso conhecimento de nossos próprios estados conscientes é
certo e incorrigível.
Segundo Searle, o segundo erro sobre a consciência está
relacionado ao erro da incorrigibilidade, é o ponto de vista segundo o qual
nossos estados conscientes são conhecidos por uma faculdade especial – chamada
“introspecção”. Pensamos conhecer nossos estados conscientes por meio de um
olho interior especial. O modelo da visão requer uma distinção entre o ato de perceber
e o objeto percebido. Por exemplo, se percebo minha dor, não sou capaz de
distinguir entre a dor e a percepção da dor. Em outras palavras, não sou capaz
de fazer a distinção que faria funcionar o modelo da visão, à distinção entre a
experiência de percepção e o objeto percebido.
O terceiro erro comum em nossa tradição filosófica sobre
a consciência, e talvez o mais sutil de todos, é a doutrina de que todos os
nossos estados de consciência envolvem a autoconsciência. Há duas maneiras de
interpretar, porém parecem falsas para o autor. A primeira interpretação é que,
quando estou consciente de alguma coisa, estou consciente de estar consciente
daquilo. Muitas vezes, ao pensar em alguma coisa, estou simplesmente pensando a
respeito, e não pensando que estou pensando a respeito. Uma interpretação
diferente, e realmente bem distinta, da doutrina da autoconsciência é que todos
os estados conscientes têm a si mesmos como objetos intencionais. A teoria é
que, por exemplo, quando olho pela janela e vejo o oceano Pacífico, devo ter,
como parte da minha percepção, a própria percepção. Devo ter uma percepção de
segunda ordem da percepção, além da minha consciência dos objetos percebidos.
Para Searle isso também parece um erro.
Aspectos
estruturais da consciência
Até
o presente momento o autor expunha o que a consciência não era. A partir daqui
ele vai dizer o que a consciência é. Para fazer isso, Searle enumera os
aspectos mais importantes da consciência. Para ser breve ele se limita aos dez
mais relevantes.
Primeiro: subjetividade ontológica. É o aspecto
mais importante da nossa consciência neste aspecto fica comprovado que todos os
nossos estados conscientes só existem se experimentado por alguém.
Segundo: consciência unificada. A consciência
chega até nós de forma unificada, ou seja, experiência unificada. Assim eu
posso sentir a pressão dos sapatos em meus pés, o pensamento, o som do
transito, etc. “Agora estou pensando em problemas filosóficos e
simultaneamente, sentindo uma leve dor no dedo do pé”. (
SEARLE, 2000. Pg. 74).
Pensar
e sentir são dois estados conscientes diferentes, mas fazem parte de um único
campo da consciência, que é o unificado. Os pacientes com cérebro dividido são
os melhores exemplos da consciência unificada.
A
unidade da consciência vem em duas formas: vertical e horizontal. Na unidade vertical
todos os nossos estados conscientes são unificados. Mas, segundo Searle, para
isso é necessário memória, sem ela não há consciência organizada. Já a unidade
horizontal é apenas uma oposição a unidade vertical.
Para
Searle a melhor maneira de estudar a nossa consciência é através de seus
colapsos e patologias. Os colapsos cerebrais tanto podem ser encontrados em
dimensão horizontal, como na vertical. Lembrando apenas, que os pacientes com
cérebros divididos apresentam na vertical e os pacientes que tem apenas
defeitos de memória, o colapso é na unidade horizontal.
Terceiro: intencionalidade. É um aspecto muito essencial para a
nossa sobrevivência. Searle mostra neste
aspecto que um estado consciente só é mental em virtude de sua capacidade.
Quarto: humor. Todos os nosso estados conscientes nos vem quando estamos
com um determinado tipo de humor. O nome que se dá a esse estado de humor não
importa. Pode ser “exaltação” ou “depressão”. Neste aspecto Searle chama humor
de sabor.
Quinto: estrutura. Estes aspectos estão estruturados em suas formas
não-patológicas. Os exemplos que Searle nos dá neste aspecto,
são os psicólogos de Gestalt. Esses psicólogos
tentam mostrar que o
cérebro é uma estrutura coerente.
Sexto: atenção. A nossa consciência tem graus
variados de atenção. Neste aspecto, Searle divide a nossa consciência em centro e periferia. Prestar a atenção
na tela do computador e ao mesmo tempo ignorar a pressão do meu corpo sobre a
cadeira, é um exemplo de periferia. Deslocar a minha atenção da tela do
computador para a pressão que meu corpo faz sobre a cadeira é trazer para o
centro aquilo que estava na periferia.
Sétimo: condições fronteiriças da consciência. É um aspectos de nossos estados conscientes, relacionado ao
centro e a periferia mais não são idênticos.
Oitavo: familiaridade. O exemplo
que Searle nos dá é o nosso quarto (local onde dormimos), nele os objetos são
todos familiares. Neste aspecto o autor ressalta também as dificuldades que
temos de romper com laços de familiaridades. Isso se deve a representação
mental.
Nono: transbordamento. É uma
característica de nossas experiências conscientes, que elas sempre
façam referencias a coisas que estão alem delas.
Décimo: prazer. os nossos estados conscientes são
sempre prazerosos ou desprazerosos em algum grau. Segundo Searle, para uma
experiência consciente sempre vai existir uma pergunta: você gostou? Foi
divertido? Você ficou feliz? Etc.
O campo da
consciência e o problema da conexão
“nada seria consciente se não fosse
parte de consciência unificada”. (SEALE, 2000. Pg. 81).
Searle
ressalta a falácia do homúnculo. Esta falácia supõe que todas as minhas
experiências são vividas por uma pessoa em miniatura dentro da minha cabeça.
Essa
maneira de pensar, na qual consideramos que a totalidade é composta de vários
elementos é tão útil e natural para nós ao lidar com outros problemas que não
temos noção de como ela pode ser pouco apropriada, em se tratando de
consciência.
No
entanto, nas discussões
atuais sobre o problema da conexão talvez estejamos pensando na
consciência de forma errada.
Ainda
temos o problema da conexão para modalidades de percepção especificas. Podemos
compreender esse ponto melhor ainda se voltarmos nos pacientes com cérebro
dividido
Para
finalizar este capitulo, Searle nos fala de consciência e valor. Em certo
sentido, a consciência
é o aspecto mais importante, porque todas as outras coisas só tem valor,
importância ou mérito graças a sua existência.
Referencias
bibliográfica
SEARLE, John R. Mente, linguagem e sociedade. Rocco, Rio de Janeiro, 2000.