Trem
que liga Belo Horizonte à Vitória corre cheio de histórias
Segurança,
belas paisagens e bate-papo unem pessoas de diferentes grupos sociais na longa
viagem sobre trilhos
O apito da locomotiva anuncia a continuação
da viagem. De chapéu na cabeça e cigarro de palha no canto da
boca, Aílton Gonçalves Rosa, de 68 anos, observa a paisagem da
janela. O dia está ensolarado e a brisa levanta o pó de minério
de ferro espalhado ao longo da estrada de fero. O trem vai, margeia
montanhas, passa por campos de fazendas de gado e desce ao encontro
do rio Doce. Seu Aílton, homem do interior de Minas, pensa no filho
que acabou de visitar em Tumiritinga, a 363 quilômetros de Belo
Horizonte, de onde voltava, com a mulher, Eleni Castellani, de 64,
para sua casa, na vizinha Resplendor. "Às vezes, fico pensando
que, com minha família toda criada os quatro filhos casados , não
tenho mais preocupação. Quero logo é chegar em casa",
deabafa Aílton, no ritmo do trem da ferrovia Vitória-Minas,
mantida pela Companhia Vale do Rio Doce.
Há 100 anos, iniciou-se a construção da ferrovia, liga Minas
Gerais ao litoral do Espírito Santo. A viagem se iniciava em Belo
Horizonte, com destino a Vitória (ES), mas o ponto de partida foi
transferido para Itabira, a 111 quilômetros da capital. Já a
partir de 1992, o trem voltou a sair da capital rumo as praias
capixabas. A reportagem do ESTADO DE MINAS embarcou no único trem
de passageiros ainda com viagens diárias no Brasil. São 13 horas
sobre os trilhos, num percurso de 664 quilômetros e 28 paradas em
26 cidades.
Na metade do percurso, em Governador Valadares, Leste do Estado, há
a troca da tripulação. Entre as muitas paradas, descem dos vagões
Joões, Franciscos, Marias e sobem Josés, Terezas, Joaquins. Gente
simples da terra. As paradas são de apenas alguns minutos e é
preciso agilidade. Os filhos vão no colo, enquanto as mãos ficam
ocupadas com malas, pacotes de biscoitos e sacos de frutas. Muitos
preferem a bela paisagem e a calmaria da viagem aos solavancos e ao
risco de acidentes nas rodovias. Alguns reclamam dos atrasos de até
quase cinco horas nas viagens, quase sempre por problemas técnicos
na locomotiva ou em vagões. Mas é preciso não ter pressa.
A cabeleireira Maria Celeste de Oliveira, de 51, de Belo Horizonte,
não via a hora de chegar a Vitória para pegar uma corzinha. Foi ao
Espírito Santo para o aniversário de 99 anos do pai, junto com a
cunhada e o sobrinho, que curtiam a viagem na classe econômica,
regada a refrigerantes, frutas e sanduíches. Fumante, não esconde
a preferência pelo trem. "Fico muito à vontade, pois, apesar
de ser mais tempo não é tão cansativo. Você transita por todos
os vagões e pode fumar nas varandas", opina.
Natural de Governador Valadares, a advogada Juliana Knaip Delogo, de
24, pega o trem de dois em dois meses para rever os pais. Há um ano
ela mora com a irmã em Belo Horizonte, onde estuda para prestar
concurso público. O clima agradável e o serviço de qualidade são,
para ela, requisitos decisivos para a escolha do transporte. Além
da paisagem maravilhosa, o mais é puxar um papo e conhecer as
pessoas. "O serviço de atendimento é muito bom, já que se
você quiser um pão de queijo, a ferromoça traz para você na
poltrona", ressalta.