Que dia é hoje? Domingo, 17 de junho de 2001. Pedido do Editor: chame seus amigos e inimigos para assinar o Tresler. Peça para eles enviarem e-mail para tresler-subscribe@yahoogroups.com. Nosso e-zine tem como objetivo ser um e-zine distribuído por e-mail, então nos ajude a aumentar mais ainda nossa lista de leitores. Fale da gente, bem ou mal, mas fale! Olá! Está é a edição número 9 do nosso fanzine eletrônico. Espero que você goste (ou não). Olha o que temos no menu de hoje: 1. Editorial (Daniel Wildt) 2. De volta à Europa (Ariadne Amantino - CARPE DIEM) 3. Sou uma águia! Egotrip não faz mal para ninguém (Daniel Wildt - BORN TO BE WILDT) 4. Já Faz Tempo (Eduardo Seganfredo - DE NOVO, PÔ!) 5. Infected (Vincent Kellers - LINHAS DE PENSAMENTO CAÓTICO & PARALELO) 6. Não me diga não (Gilberto Freitas - O PLUS A MAIS DE HOJE) 7. CRÉDITOS FINAIS =========================================================================== ======================== EDITORIAL (Daniel Wildt) ========================= =========================================================================== Oi! Tudo bem? Espero que tirando tudo de ruim que está acontecendo com você, o resto esteja legal. Estou com frio. Minha meia está bem longe, e eu estou com preguiça. Muita preguiça. Meu quarto está desarrumado, desde janeiro a coisa vem piorando. É uma bagunça bem arrumada, afinal eu encontro qualquer coisa por aqui. O problema é que minha mãe não entende isso. Queria estar assistindo TV, tapado por cobertores bem quentinhos, sorvendo uma caneca com café ou chá, sei lá, na companhia da menina que arruma problemas sem pensar duas vezes (yes, my girlfriend). Enfim, estou aqui, sozinho ouvindo Beck e Candysuck, mas o domingo ainda não acabou. Despite all my rage i'm still just a rat in the cage! (Bullet with butterfly wings - The Smashing Pumpkins) Sobre a semana, morte de um dos Titãs (é cedo demais para dizer adeus), fim dos Raimundos (é cedo demais para dizer adeus), melancia quadrada (as sementes continuam lá dentro enchendo o saco), o apagão continua (já comprou sua lanterna?), a política ainda do mesmo jeito (sem comentários), meu artigo sobre simulação distribuída foi apresentado em Praga (ôba!) e comprei um microfone (gravações experimentais). Agora falta o amplificador e um cabo novo para minha guitarra, pois o que eu tinha acabei estragando tocando sleep now in the fire (rage against the machine). Bom, resolvi mudar um pouco o final deste editorial e vou colocar algumas dicas. Riff da semana! Creedence Clearwater Revival - Suzie Q E----------------------------------------| B----3-----------------------------------| G------2-0-------------------------------| D-------------2-0h2--2-----0-------------| A----------------------0h2---------------| e--0-------------------------3b--0-------| Música da semana! Beck - Devils haircut - um comentário, é muito tri! Albúm da semana! Creedence Clearwater Revival - Chronicle One - São 20 sucessos, Susie Q, Bad moon rising, Fortunate son, Who'll stop the rain, Long as i can see the light, Someday never comes, Have you ever seen the rain, e por aí vai. Download da semana! http://www.winmx.com - WinMX - tipo o Napster. Se pode fazer busca de vídeos, imagens, e claro, mp3! Site da semana! http://www.falae.com.br - Falaê! - revista eletrônica, vale a pena dar uma passada por lá. E não é só porque tem um texto meu publicado. :-) Extra! http://planeta.terra.com.br/arte/adonais/phonica.htm - Phonica é uma banda com músicas bem legais. Um som meio pop-rock romântico ou algo parecido. Não sou crítico de música nem muito menos gosto de classificar música. Certo Zu, volta e meia classifico pessoas, mas estou melhorando, quer dizer, estou deixando de classificar pessoas. Façam o que quiserem. Enfim, neste site aí se pode fazer download das músicas (mp3). Aconselho baixar "Mais Ninguém" para começar. E no tresler de hoje? Sei lá, lê aí e me diz o que você achou. Ouviu? Envie o que você achou (treslerbr@yahoo.com.br), se gostou ou não, participe! Se ninguém disser que algo está errado, continuaremos fazendo coisas erradas e você continuará lendo e não gostando. Isso lhe parece familiar? Você espera para dizer que algo está errado? Que pena. Você machuca pessoas assim, além de ser machucado sem necessidade. Daniel Wildt. =========================================================================== ====================== CARPE DIEM (Ariadne Amantino) ====================== =========================================================================== DE VOLTA À EUROPA Dadi, repórter internacional diretamente de Viena conta suas impressões e sentimentos a respeito da capital mundial da música! A cidade é grande, maior do que Porto Alegre, com seus quase 2 milhões de habitantes e seu transporte considerado um dos melhores do mundo. Para ir de um lugar para outro, pode-se usar U-bahn, schnellbahn, strassebahn, ônibus ou várias combinações destes. Os prédios variam dos mais antigos e conservadores aos mais modernos, a maioria grandiosos. A língua: alemão! Nas ruas, nos cartazes, nas propagandas, no supermercado, tudo em alemão e na maioria das vezes só em alemão! Me senti super bem no primeiro mundo de cara dessa vez! Nem parece que estou tão longe de casa! É muito diferente chegar num país estrangeiro sozinha e chegar num país estrangeiro já direto nos braços da pessoa que a gente ama. Dessa vez, tudo me parece perfeito e a cidade parece ótima para se viver com todas as vantagens de uma cidade grande de primeiro mundo. Durante a semana, me aventurei sozinha pelas ruas de Viena algumas vezes, com diversas tarefas para cumprir. Uma delas, fazer as compras no supermercado. Não foi tão fácil como eu esperava porque aqui, diferente da Bélgica, o nome dos produtos estão só em alemão e não em francês, então até para comprar farinha tive que usar o dicionário! Próxima tarefa: dar uma olhada nas casas de estudante em volta para tentar descobrir os preços de um quarto para nos mudarmos! Como não tinha ninguém nas recepções nunca, cada portinha que tinha uma placa, eu parava para procurar o significado. Podia ser zelador ou algo parecido... Que nada, só achei sala de marcação da água, chave de luz, sala de trabalho e outras coisas inúteis para o meu propósito. Desisti e voltei para casa! No sábado, durante um passeio pelo Nachmarkt, tipo um mercado público, deu para descobrir as vantagens de se morar numa cidade grande. Lá tem de tudo, desde as frutas mais exóticas e nunca vistas por mim até as mais conhecidas e tropicais como banana e melancia, todo o tipo de tempero imaginável, sucos de tudo quanto é fruta e uma variedade enorme de grãos, que inclui até feijão! Pontos turísticos já averiguados até o momento: Schloss Schönbrunn, Schloss Belvedere, Catedral Stephansplatz, Praterstern e Staatsoper. Os palácios são maravilhosos como sempre, mais ainda às vésperas do verão quando as flores e a natureza em geral estão exuberantes. Enfim, vale à pena ver Viena e, com certeza, vale à pena sair atrás de uma aventura desse tipo pelo menos uma vez na vida (ou mais em alguns casos)... Mas o tempo é curto e por hoje esse texto meio desordenado foi tudo que consegui produzir para vocês! Ariadne Amantino =========================================================================== ===================== BORN TO BE WILDT (Daniel Wildt) ===================== =========================================================================== SOU UMA ÁGUIA! EGOTRIP NÃO FAZ MAL PARA NINGUÉM Sim, esta é minha história. Um dia antes de completar 22 anos, sofri o pênalti por assim dizer. O meu melhor atacante (myself) foi atacado pelo goleiro adversário. No coração. Fratura exposta. Tive que aprender a viver com a dor por um tempo. Fiquei enclausurado no meu quarto durante os dias e em algum lugar durante as noites. Estava de férias do trabalho. Cinemas, teatros, bares, pubs, boates. Diversão para não pensar no presente. No vazio. Durante este processo de internalização, eu comecei a ler, escrever, estudar mais música, compor. Ou seja, me tornei uma pessoa melhor. Cultura faz bem. Ou eu dava a volta por cima, criava novas manias, traçava novos objetivos, ou sucumbia. Sou extremo em questões de sentimento. Um doador. Por consequência, aquele que sempre acaba sofrendo quando o sentimento em questão acaba. E uma das coisas que me fez muito bem neste processo foi uma história que meu pai me contou. Sobre a vida de uma águia. E eu sempre me lembro da história, mas nunca sei contar ela direito. Hoje, pensando no que escrever aqui, recebi um SPAM, e acredite, era um e-mail com a história. Sendo assim, aí vai a tal história. [[[ A águia é a ave que possue a maior longevidade da espécie. Chega a viver 70 anos, mas para chegar nessa idade, aos 40 anos ela tem que tomar uma séria e difícil decisão. Aos 40 anos ela está com: as unhas compridas e flexíveis, não conseguindo mais agarrar as suas presas das quais se alimenta. O bico, alongado e pontiagudo se curva. Apontando contra o peito estão as asas, envelhecidas e pesadas em função da gorssura das penas, e voar é tão difícil! Então a águia só tem duas alternaivas: Morrer, ou enfrentar um dolorido processo de renovação que irá durar 150 dias. Esse processo consiste em voar, para o alto de uma montanha, e se recolher em um ninho próximo a um paredão, onde ela não necessite voar. Então após encontrar esse lugar, a águia começa a bater com o bico em uma parede até conseguir arrancá-lo. Após arrancá-lo, espera nascer um novo bico, com o qual vai depois arrancar suas unhas. Quando as novas unhas começam a nascer, ela passa a arrancar as velhas penas. E só depois de cinco meses, sai para o famoso vôo de renovação e para viver mais 30 anos. Em nossa Vida, muitas vezes temos de nos resguardar por algum tempo e começar um proceso de renovação. Para que continuemos a voar um vôo de vitória, devemos nos desprender de lembranças, costumes e outras tradições que causam dor. Somente livres do peso do passado, poderemos aproveitar o resultado valioso que uma renovação sempre traz. ]]] Se é verdade ou não esta história eu não sei. Sei que já vivi coisas muito tristes com relação ao amor e acredite, desejo isso a todas as pessoas. Um coração partido faz você se encontrar, crescer muito, dar valor a certas coisas, principalmente ao espelho (que por acaso reflete o que você é). Aproveito aqui para agradecer a todas pessoas que me fizeram sofrer por amor. De coração. Aqui, variando entre um tom sarcástico e sincero. Vai saber. Nunca fui bom com ironias. Daniel Wildt =========================================================================== ==================== DE NOVO, PÔ! (Eduardo Seganfredo) ==================== =========================================================================== Estou em meu quarto... Pink Floyd no rádio anuncia em tom provocativo "Hei you!"... Aqui dentro, a lua cheia só pode ser percebida pela excitação e ansiedade que sinto... É impressionante como as pessoas tem necessidade de sofrer na grande maioria das vezes. Estamos sempre procurando aquele problema pra remoer, aquela mágoa para chorar, aquele amor ou amizade mal resolvidos para pensar como podia ter sido diferente, aquela foto nostálgica da família unida quando você era criança, aquela antiga carta... Parece que estas coisas são mais impactantes que qualquer bom momento. A tragédia marca mais que a comédia. JÁ FAZ TEMPO ------------ Eu podia ter sido diferente. Não importa o quanto tenhamos feito, o quanto tenhamos nos esforçado, vamos sempre lembrar do que faltou dizer, do que faltou fazer, principalmente se envolve sentimentos de outras pessoas, vidas, destinos, amores. Para exemplificar, quem não se comoveu com uma das cenas finais de "A Lista de Schindler", quando Schindler, na saída da fábrica após o término da guerra, cercado pelas pessoas que salvou, se coloca de joelhos em prantos amaldiçoando os poucos pertences que lhe restaram - seu carro, um relógio e um anel, se não me engano - por não ter ele convertido-os em vidas. Quem salva uma vida, salva toda a humanidade. Grande verdade. Verdade que me apunhala no íntimo, como a gritar "Incompetente!!!"... Ás vezes culpo-me por não ter escutado o silêncio. Por não ter visto a sombra no escuro. Falo isso das coisas que sabemos estar acontecendo em nossa volta mas não paramos pra ver, pra sentir, pra se envolver. Aquelas coisas que só irão aparecer se você mexer nelas, retirar as folhas secas de cima, trazer à tona. Você sabe que elas estão lá mas acha que não é o momento de mexer naquilo, pois isto devia ter sido feito antes, ou deve ser feito depois. Como aquelas amizades da infância que terminaram simplesmente porque você não foi mais na casa dela e ela também não foi mais na sua casa e vocês simplesmente perderam o contato, mesmo você tendo o telefone dela, ela tendo seu telefone e nada ter acontecido entre vocês. Passam-se anos e anos, você simplesmente não ligará e não irá lá, mas você guarda o telefone dela, sabe que ela está lá ou apenas pensa saber. Mas não importa o que acontecer, você sempre vai pensar que já passou tempo demais para ligar assim do nada. E assim o tempo vai passando e a distância vai aumentando cada vez mais. E então você já não sabe que rumo tomou a vida dela, se aquele problemão que ela tinha com os pais se resolveu, como ela está ganhando a vida. E você descobre que agora ela está envolvida com drogas e com um pessoal barra pesada... Mistura isso com a personalidade dela, faz a soma com os traumas de infância e com a família destruída e logo vê o resultado negativo. Mas nem assim você liga, porque agora não é o momento, você está ocupado, tem que se preocupar com seu futuro. E mais uma vez o tempo passa. Você sabe que quando sobrar algum tempo deve procurar ela com alguma desculpa, só pra saber como andam as coisas. Mas nunca sobra tempo, é uma coisa atrás da outra. E nessa correria um dia desses você esbarra naquele amigo que te diz que ela saiu de casa porque não conseguia mais segurar a barra com os pais e que estava morando com o namorado, um cara mais velho e meio malucão cuja vida era centrada na sua banda de rock malfadada. Tudo bem, quem sabe ela não melhore agora. Ilusão. É claro que isso é uma atitude desesperada e que o abismo está cada vez mais próximo. Mas tudo bem. Agora está mais difícil ainda qualquer possibilidade de contato. Mas ainda assim você sabe que se ligar pra mãe dela conseguirá um meio de falar com ela. Mas pode ficar estranho. Não vale a pena. E mais uma vez o tempo passa e passa muito. Até o dia que você descobre que ela não estava mais morando com o namorado, que no fim era um tremendo canalha que a usou das mais variadas maneiras e que quando se cansou dela praticamente a expulsou de sua casa quase a pontapés. Normal, não se pode confiar nesse tipo de sujeito, penso eu criando mais preconceitos. Mas ela também não retornou pra casa, pois não suportaria aturar a humilhação que seria ter que aguentar seu pai insuportável e irresponsavelmente nojento de novo. Sentia pena da mãe por ter que se submeter àquela situação. E a cada visita rara que resolvia fazer a sua mãe, constatava enojada os ematomas que haviam mudado de lugar desde a última vez que a vira. - Quando ele bebe ele perde a noção das coisas, minha filha! - dizia ela como que a eximir de culpa o mau caráter do marido. Mas como ela estaria se virando sozinha se não tivera como estudar? Sim. Você sabia como. No fundo você sabia que aquele corpo escultural e rosto angelical de alguma forma estavam servindo pra isso. A princípio você tenta se iludir, afinal ela poderia estar só tirando fotos ou trabalhando em eventos publicitários. Mas aquele jeito maroto de morena mignon inspirava outros desejos. Sim. Aquelas curvas logo seriam alvo de empresários desajustados ou qualquer outra espécie de infelizes que se acham os tais só porque ganham um pouco mais de dinheiro que a grande maioria das pessoas. Era assim que ela estava se sustentando. Que pecado, você pensa. Quantos de nós, seus colegas na época, não haviam quase se despedaçado de atração por aquele corpo, agora desvalorizado pela presença de um preço. E mais uma vez o tempo passa. E novamente passa muito, até que você abre o jornal e lê o nome dela. Na reportagem, uma mulher com AIDS se suicidara jogando-se do sexto andar do Hospital de Clínicas. Você olha a data do jornal. É de ontem. O enterro já deve ter acontecido. Não há nada mais que se possa fazer agora. E mesmo que houvesse, você não faria. Afinal, já faz tanto tempo. Traços de reflexão desordenada e paradoxal ------ -- -------- ----------- - --------- * O mundo animal é uma inspiração constante para novas descobertas e invenções. Você sabia que existem mais de 10 mil espécies de formiga? E você nunca se perguntou se elas ficam doente? Já imaginou um formigueiro inteiro gripado? Pois fique sabendo que elas tem uma glândula antibiótica que as mantém livre de infecções. E elas usam seus ovos como tubos de cola pra prender folhas e outras coisas na construção do formigueiro. Cena da semana ---- -- ------ * Todo ataque japonês a base americana do Havaí em "Pearl Harbor". O ataque é realmente impressionante. Um exemplo clássico de como algo pode passar de paraíso a inferno em poucos minutos. Desde criança escuto que o erro japonês foi não ter bombardeado mais vezes a base naval, uma vez que nos dois primeiros ataques muito poucos aviões foram perdidos. As reservas de petróleo americanas estavam lá, quase a mostra e não foram bombardeadas. Os americanos afirmam que se elas tivessem sido destruídas, não era necessário bombardear nenhum navio, pois eles não teriam como sair do lugar. Nunca saberemos se a atitude do comandante japonês foi uma espécie de "piedade", uma espécie de fraqueza ou displicência, ou uma espécie de discordância moral contra o prevalecimento que teria sido o próprio ataque. Eduardo Seganfredo =========================================================================== ======== LINHAS DE PENSAMENTO CAÓTICO & PARALELO (Vincent Kellers) ======== =========================================================================== INFECTED Oi! Ouça Glycerine, do Bush ao ler esta coluna. --- Christian tem AIDS há dez anos. No estado atual da doença, ele não pode fazer muito além de esperar pela morte. Enquanto espera, pede ajuda, de ônibus em ônibus. Qualquer ajuda. Dinheiro. Alimento. Qualquer espécie de carinho. Ele não pede mais do que alguma espécie de sustento, seja físico ou espiritual. Aposentado por invalidez pelo governo, Christian já não chora, pois isto consumiria suas escassas energias. E também pq já não há o que chorar. Ele apenas vive o tempo que lhe resta, da maneira que é possível. Seu corpo está roído pela doença. Magro, com voz fraca e o corpo debilitado, todo dia ele se expõem ao público. Se expõem pois precisa desesperadamente de ajuda. Qualquer espécie de ajuda. Em um ônibus qualquer, Ângelo, uma pessoa qualquer, presenciou o pedido de ajuda de Christian. Tocado pela dor do rapaz, e pela indiferença dos demais passageiros, deu-lhe todo o pouco dinheiro que possuía consigo. Ainda que o dinheiro fosse extremamente necessário nos dias seguintes, naquele momento nada mais importou. Face a dor de outro ser humano, expressa em contrações faciais, em gestos fragilizados pela doença, nada mais fazia diferença. O mais terrível de toda esta situação era a constatação de que o sofrimento alheio não fazia a menor diferença. E Ângelo pôde comprovar a sua volta que as últimas fofocas do meio televisivo ou as últimas notícias esportivas fazem diferença. Estas são de fato importantes para a vida das pessoas. O fato de Christian precisar de dinheiro para comprar analgésicos não faz diferença. O fato de Christian estar morrendo a sua frente não faz diferença. Mesmo que fizesse alguma diferença, os demais passageiros não poderiam ajudá-lo, pois não têm dinheiro, não é mesmo? Embora tenham dinheiro para comprar jornais populares e assemelhados, eles não podem ajudá-lo, mas isso não vem ao caso, não é verdade? Christian não recebe remédios que combatam a doença, e isso não importa. Christian não tem mais a quem recorrer e isso não faz diferença. Ele está estendendo a mão a cada passageiro e esta mão é afastada como quando uma mosca é afastada. Sequer o consideram humano. Ele é menos que humano: não merece sequer ser olhado, pois ele não faz diferença. Ele vai morrer logo, e convém não olhar para os olhos de um morto, pois isto faz diferença para você, que escolheu ignorá-lo, não é verdade? Ângelo pensou em todos esses fato em uma fração de segundo. Entregando o dinheiro a Christian, ele não sabia o que dizer. O que se diz a alguém nesta situação? Ele não sabia. E não teve o tempo necessário para descobrir. Limitou-se a chorar. Chorou por Christian e por todos naquele ônibus. Observou o doente agradecer o seu dinheiro e solicitar a cada passageiro alguma contribuição. Cego de ódio, observou o rapaz receber diversas negativas ou ser simplesmente ignorado. Comovido e ao mesmo tempo odiando todos a sua volta, com os olhos embaçados por lágrimas inocentes, Ângelo buscou descer do ônibus. Como se isso fosse o alívio de seu sofrimento. Ou ainda, o alívio do sofrimento de Christian. Como se ele pudesse de alguma maneira esquecer tudo aquilo que havia presenciado há pouco. Ao descer do ônibus, Ângelo estava como que bêbado. Observou o veículo partir e seguir sua viagem. Pôde divisar através dos vidros sujos do veículo a figura magra de Christian. Com algum fio de consciência, se perguntou por quanto tempo ele ainda viajaria em ônibus como aquele. Sabia que o tempo era escasso, mas... quanto tempo? Desnorteado que estava, não sabia onde encontrava-se, embora já houvesse passado por aquele local centenas de vezes. Simplesmente não sabia para onde ir. Ou não queria saber. Mas isso já não fazia diferença. Nada mais. Nenhum sofrimento... Alheio. Nenhuma ajuda. Por alguns minutos, Ângelo caminhou sem rumo. Chorando, já não conseguia coordenar nenhum raciocínio lógico. Apenas caminhava e chorava. Caminhava e chorava. Corria e chorava. Corria. Corria às cegas. Corria para o meio da estrada e isto já nao importava, nada fazia diferença. Por isso não viu a morte que se aproximava velozmente. Após o choque com um veículo qualquer, seu corpo foi arremessado ao ar. Girou, girou e caiu inerte no chão. No asfalto, seu sangue se juntou a suas lágrimas e nada mais fez diferença. Nenhuma ajuda: nem para ele, nem para Christian, que morreu meses depois, sozinho em um lugar qualquer. --- Trilha: - Bad Religion: I wanna conquer the world, Shades of truth e Against the grain - Pennywise - Surfin' USA, Peaceful day e Society - Ataris - Your boyfriend suck, You need a hug e Clara Vincent Kellers =========================================================================== ================= O PLUS A MAIS DE HOJE (Gilberto Freitas) ================ =========================================================================== NÃO ME DIGA NÃO Em todos momentos vividos Vivemos em vão Teu amor não mais me satisfaz Por isso te peço perdão De dizer que tudo acabou E que agora não mais podemos nos ver Sinto não ser mais parte da tua vida Sinto não ser mais parte do teu ser Que eu seja queimado se me arrepender Mas quero que seja assim Quero buscar meu rumo Quero ver se me aprumo E reconstruo meu mundo Para aprender a viver Gilberto Freitas =========================================================================== ============================= CRÉDITOS FINAIS ============================= =========================================================================== Este fanzine maluco que você recebe por email todo domingão se chama Tresler. Um grupo de amigos escreve histórias para o seu deleite. Se você quiser entrar em contato conosco, visitar o nosso Site (você pode ler os números anteriores do nosso fanzine eletrônico), se cadastrar ou descadastrar, enfim, utilize os emails/urls no final da mensagem. Tresler Team: Ariadne Amantino (ariadnedbka@yahoo.com) Daniel Wildt (dwildt@oocities.com) Eduardo Seganfredo (edu.zu@ig.com.br) Vincent Kellers (vkellers@terra.com.br) Colaboradores da edição de hoje: Gilberto Freitas (wisewizard@bol.com.br) Visite o Site do nosso e-zine: http://www.tresler.cjb.net Para entrar em contato com o e-zine, mande um email para: treslerbr@yahoo.com.br Para receber o nosso e-zine mande um email para: tresler-subscribe@yahoogroups.com Para não receber mais o e-zine, mande um email para: tresler-unsubscribe@yahoogroups.com