TRESLER
Que dia é hoje? Domingo, 08 de julho de 2001.

                       http://www.tresler.cjb.net

Olá! Está é a edição número 12 do nosso fanzine eletrônico. Espero que você
goste (ou não). Olha o que temos no menu de hoje:

1. Editorial (Daniel Wildt)
2. Quanto maior a subida, maior o tombo (Ariadne Amantino - CARPE DIEM) 
3. Precisava de silêncio (Daniel Wildt - BORN TO BE WILDT)
4. Além do lógico (Eduardo Seganfredo - DE NOVO, PÔ!)
5. Exhausted (Vincent Kellers - LINHAS DE PENSAMENTO CAÓTICO & PARALELO)
6. CRÉDITOS FINAIS

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======================== EDITORIAL (Daniel Wildt) =========================
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Estou  chegando  no  meu  limite.  Sabe  o  que isso significa? Termo, fim,
fronteira,  divisa,  extremo,  raia.  Na  vida a gente tem que ter um certo
"jogo  de cintura", não podemos levar todas coisas a sério. Mas tudo tem um
limite.

Tudo o que eu escrevo, sempre procuro entender se estarei machucando alguém
que  conheço  ou  interferindo  na  liberdade  da pessoa, pois muitas vezes
escrevo  coisas sobre pessoas que conheço, sobre pessoas que convivo, sobre
pessoas  que  não  quero  ver  nem na presença de meu advogado, prefiro ser
cremado  vivo  com  um  palito  de  fósforo a ver certas pessoas. Tento ser
justo.  Me  fez  mal, eu corto o mal pela raiz, na paz. Isolamento. Rancor?
Rancor é um ódio profundo e oculto. Sendo assim, sim, eu guardo rancor. Que
chato  isso.  No  entanto, escrever pode ser uma terapia muito legal. Pode.
Bah, eu guardo rancor. Tenho que tratar isso na minha próxima sessão com um
psicólogo.  Está  anotado. É como cair de bicicleta pela primeira vez, logo
que  se  tira  as  rodinhas.  A  gente  nunca esquece daquele tombo. Outros
tombos,  dependendo da gravidade, também ficam marcados, mas o primeiro é o
que realmente marca. Serve como modelo, daquele tombo se aprende exatamente
o  que  não  se  pode  fazer  ao  tentar  andar  de bicicleta. A metáfora é
interessante,  mas  o  legal  é  que mesmo caindo, a gente se levanta e vai
novamente.  Assim  como banhos de chuva. Ou seja, não é nada que uma toalha
ou um curativo não resolvam. Saca a idéia? Para um bom entendedor, mepaba.

Música da semana!
Velvet Underground - Sweet Jane

Álbum da semana!
Shelter - Mantra - um show. Clássico. Here we go na faixa 3.

Riff da semana!
Não  toquei  muita guitarra nessa semana que passou. Na próxima vou comprar
meu  aplificador,  então  no  próximo  tresler estarei mais inspirado. Todo
caso,  faz  aí  os seguintes acordes e começa a brincar de Smells like teen
spirit (Nirvana): F A# G# C#.

Sobre  o  Tresler  de  hoje.  Acredite  ou  não,  falamos  sobre  tombos de
bicicleta.  Olha o sincronismo nas idéias. Falamos sobre passeios de carro,
falamos  sobre  o  incerto, sobre o cotidiano, sobre morte, sobre a vida, o
amor, sobre sexo. Ah, se interessou agora é? Pois é, mas não tem nada sobre
sexo.

O  Eduardo F. Seganfredo, grande camarada, falou algo que ficou marcado nos
meus  pensamentos  mais  básicos  e  instintivos. "Feliz daqueles que ainda
escutam sorrisos, que ainda tocam sentimentos e que ainda vêem o silêncio".
Depois  dessa  só  me  resta encerrar este editorial, deixando vocês com um
pouco de e-silêncio.


























Daniel Wildt.

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====================== CARPE DIEM (Ariadne Amantino) ======================
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QUANTO MAIOR A SUBIDA, MAIOR O TOMBO

Enquanto  a  gente  é  criança,  o tombo é só quando a gente se estatela no
chão...  Daí  abre aquele bocão porque dói. Dor física... É a que a maioria
das  crianças  aprende  a  conhecer  primeiro.  E  aprende  a lidar com ela
também...  Aprende  a  fingir para fazer charminho ou chamar a atenção. Mas
chora  sempre.  Chora porque dói, e criança pode chorar na rua, em qualquer
lugar,  na  frente de todo o mundo. Quando eu era criança, não entendia por
que  meu  pai chorava... E por que escondia? Ele tinha se machucado? Adulto
também chora...?

Depois  tombo  passa a ser muitas outras coisas... Estudar para uma prova e
tirar  zero  pode  ser  um  tombo...  Não  passar no vestibular pode ser um
tombo...  Brigar  com a melhor amiga sem saber por que pode ser um tombo. E
aos  poucos, a gente vai aprendendo a subir e a cair. E vai descobrindo que
todos  os tombos provocam dor, mas não só dor física... Uma dor lá no fundo
do  peito,  que  às  vezes demora para passar e parece sangrar sem parar...
Mais  do  que  o  joelho esfolado no tombo de bicicleta há mais de dez anos
atrás.

Essa  dor  é  quando  a gente conhece alguém... Alguém especial. É quando a
gente  deixa  esse  alguém  especial  fazer  parte da vida da gente... Essa
pessoa  começa  a  descobrir  nossas  fraquezas,  nossos  segredos,  nossos
erros...  Essa pessoa passa a carregar junto um pedaço da gente... E quanto
mais  o  tempo  passa, e quanto mais a gente se envolve, mais a gente sobe,
sobe...  Sem  saber  ou  sem pensar que um dia pode cair. Mas a vista lá de
cima  é  maravilhosa..  Dá  para  enxergar  longe,  ver  um horizonte novo,
comum... Fazer planos... Voar e sonhar com as nuvens ou estar entre elas de
tão alto que a gente pode subir...

Mas  de  repente...  Ou  não  tão de repente assim, a gente cai. E a altura
parece  ser  muito maior do que a do tombo da bicicleta. E dói... Dói tanto
que dá vontade de nunca mais andar de bicicleta... Dá vontade de nunca mais
amar! Só para não cair de novo. Só para não perder mais uma vez!

Mas  um  dia,  alguém  convida  para um passeio diferente... Tem que ser de
bicicleta, porque é longe... É alto... E se eu cair? Mas a vista lá de cima
é  tão  bonita... A sensação é tão boa... Será que não dá para arriscar...?
Eu  sei que quanto maior a subida, maior o tombo, mas algumas vezes a vista
é tão bonita que vale a pena arriscar. Quem sabe dessa vez eu não caio...

Ariadne Amantino

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===================== BORN TO BE WILDT (Daniel Wildt) =====================
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PRECISAVA DE SILÊNCIO

Sim,  eu  vivo querendo saber o que fazer com minha vida. E com minha fome.
Eu  estou neste mesmo lugar acho que faz um ano. A rotina é sempre a mesma,
eu  acordo, vejo se estou com meu corpo intacto, se estou com minhas coisas
(ladrão  que  rouba de pobre é normal hoje em dia) e depois começo a pedir,
esperando  que  alguma  boa  alma resolva então alimentar um marmanjo com a
barba  por  fazer.  Se  eu  não  tenho vergonha de pedir esmola? Em uma das
definições  de  vergonha,  temos  a  caracterização  de  uma  ação  ou  ato
desonesto.  Por  este  aspecto  eu  não tenho vergonha, pois sou vítima das
circunstâncias.  Certo, sei que esse papo de vítima, que a sociedade me fez
assim  e  tal  não está com nada, sei que eu sou o único culpado pelo o que
está  acontecendo  comigo. O que eu farei a respeito? Amanhã eu penso. Digo
isso faz uns 10 meses, desde que essa história começou.

Eu morava ali, no final daquela rua, consegue ver? Isso, naquela ali mesmo.
Se  eu  gosto  de  morar aqui? É o meu lar. A cidade é minha vida. Antes eu
apenas  andava  nela,  e  sobre rodas... eu tinha um carro bem legal sabia?
Pois  é,  coisas  da vida. Como eu estava dizendo, naquela casa foi onde eu
perdi tudo.

Se  estou  nessa por causa de um amor? Sempre tive dificuldade de expressar
meus  sentimentos.  Sempre fui muito machão, tosco mesmo. Hoje me considero
torvo,  afinal  sou  uma ameaça para a sociedade. Sabia que menos que 1% da
população  tem  curso  superior? É, agora vê quantas dessas pessoas que tem
curso  superior  vive na rua. Sei, sei, parece muito insano isso, mas eu me
sinto bem como estou, sério. Estou me recuperando.

Sobre  expressar  sentimentos.  Não  quero  falar agora sobre isso. Podemos
pular  esse assunto? Ainda me faz mal pensar nisso. Ficaste curioso eu sei,
mas  paciência.  Depois,  quando  terminarmos  nossa conversa, talvez eu te
conte.

O  local  onde mais gosto de ir? Antes de iniciar este novo estilo de vida,
teria  uma  lista  que  poderia usar para escrever um livro com dicas sobre
cada  um dos lugares. Hoje, na minha atual realidade, seria embaixo daquele
viaduto  ali,  onde mora a Carlinha. A Carlinha tá na rua desde os 18 anos.
Por  um  bom tempo foi garota de programa, por gosto mesmo. Ela é quente. E
nas  noites  frias  do  inverno  gaúcho  ela  cai  muito bem. Como uma luva
(risos).  Nos  divertimos.  Ela  sempre  ganha camisinhas de uma assistente
social  que  mora  aqui  perto. Sempre prevenida, afinal sexo é bom, mas um
filho e viaduto são palavras que não rimam.

Se  sou  daqui?  Não,  sou  natural de algum lugar do Brasil, que eu não me
lembro.  Acho  que  sou do Nordeste ou algo parecido. O Mané João, que mora
ali  naquela esquina, tá vendo, ele que me disse isso. Ele veio do Nordeste
tentar  a  vida  na cidade grande. Em São Paulo chegou com muitos outros da
sua  terra, que estavam desembarcando na grande cidade com o mesmo motivo e
os  mesmos  anseios,  ganhar dinheiro. O Mané pensou bem e como tinha algum
dinheiro  veio  para Porto Alegre no final do ano passado. Ele sempre viveu
ali.  Me  lembro  do primeiro dia, era uma noite de verão daquelas, quentes
como  nunca.  O  Mané  estava  se  sentindo  em  casa,  mas  disse  que era
temporário,  que  precisava  de um canto até arrumar um trabalho, depois ia
arrumar  um  canto  melhor  para  descansar os ossos. Sempre acho engraçado
quando  ele  fala  em  descansar  os  ossos,  pois faz parecer que ele está
morto... Quando bate o frio da noite, ele vai procurar um albergue e se não
consegue nada, volta para cá. Eu prefiro a Carlinha (mais risos).

Ah,  claro,  você  quer saber da casa onde eu morava... é, era ali, como já
lhe mostrei. Eu tinha família segundo o que me contam, tinha de tudo mesmo.
Um  dia tudo desapareceu, simplesmente parece que o mundo me retirou do seu
ciclo  normal,  eu fiquei fora de mim durante algum tempo, efeito de alguma
coisa que eu fiz. Não sei o que houve.

Se eu sinto saudade da vida que eu levava? Não, sinceramente não. Sei, pode
estar  pensando  que perdi todo o conforto que tinha, que perdi minha vida,
fotos  em  colunas  sociais,  um possível prestígio nacional. Nada disso me
importava.  Eu  só  queria  ser  feliz.  E  não  estava conseguindo. Estava
preocupado com muita coisa, sempre fui muito cobrado. Sabe, eu sempre fui a
favor  de  que  a  gente  deve  trabalhar para viver, só que já fazia algum
tempo,  eu  estava  vivendo  para trabalhar. Entende? Quando não fazia hora
extra  me  sentia  mal,  como  se estivesse sendo incompetente. E meu chefe
sempre  me dizia isso, mesmo eu fazendo muitas e muitas horas extras, todos
os  meses.  Ele  só apontava erros, nada de conquistas e nada de glórias. A
glória, como eu conseguia isso? Pelo sorriso da minha mulher. Só que um dia
ela  também começou com cobranças. E eu precisava de silêncio, eu precisava
de  um  lugar  onde ninguém pudesse me dizer que eu tenho que fazer. Queria
ter uma vida sossegada.

Eu  nunca voltei para minha casa. Não tenho vontade. Não sei porque. O que?
Sério? Estou Morto?! Bom, isso explica muita coisa.

Fuga,  segundo definição do dicionário, define uma ação ou efeito de fugir,
que  significa  retirar-se  apressadamente  para  escapar a alguém ou algo,
abalar, bater em retirada, escapulir-se, soltar-se, desviar-se.

Daniel Wildt

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==================== DE NOVO, PÔ! (Eduardo Seganfredo) ====================
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ALÉM DO LÓGICO

Neste  último  sábado dei uma carona para a vó da minha namorada. Eu estava
indo para Cachoeirinha, onde a minha namorada estava e sua avó precisava ir
pra  lá,  situação que praticamente me forçou a oferecer-me prestativamente
para  dar-lhe uma carona. A princípio fiquei um pouco chateado, pois um dos
meus  grandes  prazeres  é  barbarizar  no  trânsito  com  o  volume do som
estourando  os  auto-falantes  e  meus tímpanos ao mesmo tempo. Um pouco de
adrenalina às vezes faz bem. Mas tudo bem. Ultimamente nem tenho feito isso
mesmo.  Enfim,  resignei-me  a  dirigir  com extrema cautela e preservar os
ouvidos.  -  Quem  sabe  isso não me faça bem ou até evite algum problema -
pensei.

Peguei  a  velinha, que por sinal é apenas dois anos mais velha que a minha
mãe,  e  fui  na  santa  paz  de Deus guiando pelas ruas da cidade. Logo no
início  do  trajeto,  deixei  meu  pensamento vagar por um futuro distante.
Projetei  mais  uns  quarenta  anos  sobre a minha tenra idade, apenas para
emparelhar  com  a  coroa  que ocupava o banco do carona. Quando o trânsito
permitia,  olhava  para ela examinando sua aparência e identificando marcas
que  o  tempo,  abusando  da  sua passagem inexorável, havia calcado em sua
face,  talvez para projetar minha própria imagem. As rugas não perdoam. Vão
se  instaurando  sem  cerimônia.  Definitivamente colorantes artificiais de
cabelo não são páreos às madeixas naturais, nem de longe.

Cansei  de  buscar  características externas e passei a me interessar pelas
internas.  O perfume um pouco exagerado, associado a uma discreta pintura e
maquiagem  no  rosto  eram os maiores indícios de que o tempo não encerra a
vaidade  feminina.  Em  pequenos  fragmentos  de  uma  conversa  fugaz, era
possível  perceber  que sua vaidade era de longe a parte mais atingida pela
força continua do passar dos anos. Mesmo com a degeneração do corpo físico,
o  ser  humano  mantém  seu  apego  pelo material, fazendo dele a sua maior
preocupação e motivo de sofrimento, pensei.

- Eu  não  vou  ficar caduca!  Morro antes! Minha mãe se foi aos 96 anos de
acidente,  lúcida!  -  disse-me  ela,  acentuando  o que minha percepção já
assinalava: o tempo massacra as mulheres. Em especial aquelas mais bonitas,
ou  que  se  julgam  assim, e aquelas que viveram construindo seus castelos
fora  do  seu  interior.  E não adianta as rugas irem surgindo, os músculos
perderem  a  resistência,  os órgãos começarem a falhar. O pior sempre será
deixar  de  ser  "interessante",  perder  a  arma  letal  da  sedução,  ser
abandonada pela glamour da juventude, ainda que isso já tenha acontecido há
algumas  décadas.  Lembrei  da minha mãe. Ela não é diferente disso. Pensei
por instantes que isso era rídiculo e me ocorreu que o tempo vai passar pra
mim  também,  e  que  um  dia eu serei velho. Ao menos eu espero chegar lá.
Imediatamente  procurei  lembrar  do  velho ou da velha mais belo que eu já
tinha  visto,  como que buscando uma resposta para uma silenciosa pergunta:
pode  ser um velho bonito? Minha memória benevolentemente me conduziu a uma
imagem: precisamente aquela que eu buscava. Lembrei-me de uma senhora senil
caminhando em frente a minha casa numa tarde ensolarada de outono. Numa das
mãos  carregava  uma  sacola,  daquelas antigas de pano trançado. No rosto,
carregava  um  sorriso,  destes  que não se vê mais hoje em dia. Um sorriso
verdadeiro,  genuíno,  apesar  da  dentadura. Um sorriso que casava com seu
rosto,  fazendo  das  rugas  verdadeiros  complementos de felicidade em sua
face.  Havia  harmonia  naquele  rosto,  completamente  despido de pintura,
liberto  da  vaidade e repleto do mais radiante brilho que uma vida inteira
pode  acumular.  No  fundo  dos  seus  olhos  negros,  quase  completamente
escondidos    pela  expressão  rugosa  de  seu  sorriso,  uma  mensagem  de
indescritível  paz  parecia  estar  escrita, emoldurada em conformidade com
seus cabelos alvos. Dominado pelo efeito hipnótico da cena, me ocorreu que,
se  eu me permitisse o atrevimento de escutar a melodia do seu sorriso, com
certeza ouviria no refrão:

"Filho, a vida é bela e é mágica, 
 mas saber viver é um segredo, 
 guardado de forma trágica
 atrás de todo o nosso medo.". 

Feliz  daqueles  que  ainda escutam sorrisos, que ainda tocam sentimentos e
que ainda vêem o silêncio, porque a estes o tempo não castigará.

Eduardo Seganfredo

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======== LINHAS DE PENSAMENTO CAÓTICO & PARALELO (Vincent Kellers) ========
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EXHAUSTED

Oi!

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Noite na cidade e ela estava exausta.
Estava  exausta  de tudo. Havia trabalhado por treze horas seguidas naquele
dia.  Seu  corpo  estava  acabado. Destruído. Mas seu cérebro se recusava a
parar. Ainda tinha a consciência limpa e clara como aquela incomun noite de
inverno.  Ela  tinha  plena  consciência  das  consequências  que seu corpo
sofreria  devido a sua agitada rotina, mas não havia outra maneira. This is
the way of the modern world. Precisava chegar em casa. Descansar. Esquecer.

Exaurir.
Trezes  horas  de trabalho. Seu corpo já não respondia a nenhum estímulo. E
não  havia  nenhum  estímulo.  Nada.  Estava vazia. O corpo estava como que
vazio  mas  a maldita mente formigava. Queimava. Finalmente chegou em casa.
Dormente.  Trezes horas de trabalho e trinta minutos de ônibus. Finalmente.
Oi pai. Oi mãe. Exausta.

Esquecer.
Exausta que estava, tentou reunir algum fio de vontade para tomar um banho.
Um  longo  banho  quente.  Pro  inferno com a economia de energia. Exausta.
Enfim  conseguiu  se  arrastar  para  o banheiro. Chuveiro ligado, vapor de
água,  roupas  no  chão.  Frio. Bom sinal. Ainda conseguia processar alguma
espécie de estímulo, quando ele existe.

Derreter.
Deixou que a água quente tocasse seu corpo por muitos minutos. Estava limpa
e  um  pouco  mais calma. Relaxada. E agora, seca. Sua mente? Sua mente não
parava.  Ainda  assim,  mesmo  com  sua  mente completamente ativa, demorou
alguns  segundos  para reconhecer o reflexo no espelho, enquanto se vestia.
Já  não reconhecia seu rosto. Seu cérebro trabalhava o tempo todo. Estava o
tempo  todo  ocupado  com  trabalho,  ou  com estudo, ou com qualquer outra
maldita  coisa.  Ela  estava sempre exausta. E ela já não se reconhecia, há
mais ou menos um ano.

Mudar.
Há  mais  ou  menos um ano vinha fugindo de si mesma. Se escondendo, usando
disfarces. Se escondendo de si mesma! Há um maldito ano. Em algum lugar ela
lera  que a única pessoa da qual não se pode fugir é você mesmo. Tão certo.
Desde  o  momento  em  que  ele se foi, ela disfarça. Finge sentir emoções.
Finge  viver.  Aparenta  força.  Mas  ela sabe que tudo isso é inútil, pois
jamais conseguirá esquecer. Mesmo exausta.

Queimar.
Ela  estava  num  ciclo  perigoso.  Vinha  tentando esquecer certas coisas,
embora  soubesse  que certas coisas não podem, e nem devem, ser esquecidas.
Vinha  tentando  não  recordar  os momentos que passaram juntos e os longos
momentos  que  não  passaram juntos. Exausta. Havia queimado toda lembrança
física.  Fotos.  Cartões.  Lembranças.  Claro  que nada disso adiantou. E o
ciclo  continuava a esmagá-la. Perdida na sua rotina estafante, ela pensava
que  poderia de alguma forma esquecer tudo aquilo que havia acontecido. Mas
um ano se passou e nada parece ter mudado.

Apagar.
Precisava dormir. Urgentemente. Precisava descansar. Amanhã seria um novo e
longo  dia. Mais exaustão. Mais lembranças. É a vida, ela dizia. Deitada em
sua  pequena  cama,  olhando  para  o  teto,  ela  se  perguntava se aquilo
realmente  era  vida.  Agora  já  não  importa.  O cansaço havia levado sua
consciência,  mas  deu-lhe  tempo  de  tomar  algumas  resoluções  antes de
adormecer.  Finalizou  um planejamento que vinha tecendo há tempos, mas que
não  havia  conseguido  executar  até  sua  parte  final.  Pelo menos até o
momento.

Acordar. Levantar. Vestir-se. Trabalhar. Almoçar.

Encerrar.
Saiu mais cedo do trabalho, com alguma desculpa qualquer. Chegou em casa no
meio  da  tarde. Ninguém em casa. Seu pai estava trabalhando, e o paradeiro
de  sua  mãe  lhe  era  desconhecido. Não fazia nenhuma diferença. Eles não
poderiam  aliviar  o  cansaço. Lentamente, passeou por cada cômodo da casa,
demorando-se  um  pouco  mais  tempo  no  quarto  de  seus  pais,  antes de
finalmente ir para seu quarto.

Queimar novamente.
Em  seu  quarto,  jogou  algo  sobre  sua  cama  e  despiu-se.  Analisou-se
demoradamente  em  frente  ao  espelho.  Nada.  Não  via nada além de olhos
desanimados.   Não  reconhecia  seu  próprio  rosto.  Mas  isso  não  fazia
diferença.  Hoje  nada mais faz diferença. Deitou-se em sua cama e sentiu o
contato  com  o  metal  frio  que  estava  sobre  o  leito.  Sentiu  a pele
contrair-se  levemente  em  resposta  ao  toque  gelado do objeto, quando o
colocou sobre seu peito.

Há um longo ano ela vinha tentando esquecer certas coisas. E hoje ela teria
sucesso nesse sentido. Deitada em sua cama, sua mente fervilhava, seu corpo
estava  dormente  e  embora exausta de toda sua vida, ela ainda teve forças
para  puxar  o  gatilho  e  coragem  para  queimar  as últimas memórias que
carregava  consigo,  que foram parar na parede de seu quarto, junto com uma
grande mancha escarlate.

--- 

Não, nem todas as tardes terminam bem. 

---

Trilha:
  - GammaRay - Rebellion in dreamland
  - Foo Fighters - Exhausted (duh)
  - Bad Religion - Dream of unity
  - Silverchair - Madman

Vincent Kellers

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Última atualização em 7 de setembro de 2001
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