TRESLER
Que dia é hoje? Domingo, 02 de setembro de 2001.

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Olá! Está é a edição número 20 do nosso fanzine eletrônico. Espero que você
goste (ou não). Olha o que temos no menu de hoje:

1. Editorial (Daniel Wildt)
2. Fazemos amigos ou eles acontecem? (Ariadne Amantino - CARPE DIEM) 
3. Me encontrando com o espelho (Daniel Wildt - BORN TO BE WILDT)
4. O Portão (Eduardo Seganfredo - DE NOVO, PÔ!)
5. Fui  ali  e  já  volto (Vincent Kellers - LINHAS DE PENSAMENTO CAÓTICO &
   PARALELO)
6. Abaixo os estereotipos #4 (Giancarlo Panizzutti Lima - O PLUS A MAIS  DE
   HOJE)
7. CRÉDITOS FINAIS

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======================== EDITORIAL (Daniel Wildt) =========================
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E  chegamos  ao  tresler  20.  Foi um fim de semana cheio de comemorações e
aventuras  gastronômicas, pelo menos da parte deste que vos escreve. E como
novidade  da semana, aprendi a montar um chimarrão. Bah, eu sou gaúcho, mas
não  tinha  a  manha  para  pegar  uma cuia, erva-mate e água fervendo para
montar  um  chimarrão.  É legal. Enfim, vamos ao que interessa que eu estou
com  sono,  muito  sono.  Ah,  e olha o feriado chegando! Para quem não vai
trabalhar,  lógico.  Para  quem  vai  trabalhar,  pense  no lado bom. Horas
extras!

Música da semana!
Black Sabbath - Eletric Funeral

Álbum da Semana!
Marisa Monte - Verde anil amarelo cor de rosa e carvão

E no tresler de hoje, temos amigos, recuperações, quadrinhos, cercas, cinco
meses  de  namoro completados neste dia primeiro, 20 edições de Tresler, eu
aprendendo  a tocas os riffs das músicas do Black Sabbath, gente buscando a
morte,  gente  tomando  abacate  na cabeça, amizades forçadas, processos de
seleção  natural, física quântica e estudos sobre o processo de extração de
risadas de pessoas que não estão com vontade de rir.

Daniel Wildt, agora só falta aprender a fazer churrasco. E só para constar,
depois do churrasco já vou me considerar um bom gaúcho, certo das tradições
da  terra. Para dançar fandango e usar bombacha, bom, nada contra mas nada,
e  repito,  nada,  a favor. Não digo nunca, pois depois de ver o desenho do
"Fevel"  (não  sei  se  escreve  assim, mas é o desenho daquele ratinho) eu
nunca mais disse nunca. Isso faz uns 10 anos eu acho.

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====================== CARPE DIEM (Ariadne Amantino) ======================
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FAZEMOS AMIGOS OU ELES ACONTECEM?

Quando  me  dei  conta,  estava sozinha de novo... Aquele bar não tinha som
tocando  mas  a  grande  quantidade  de  pessoas  ali dentro conversando já
produzia  ruído  suficiente para exigir que a gente tivesse que gritar para
se  fazer ouvir e entender. Além de conversar, eles bebiam e fumavam. Nunca
gostei  de  beber  nem  de fumar, então, o único motivo que me levaria a um
lugar  como  aquele era conversar... Conversar com meus amigos, saber o que
eles  andam  fazendo,  saber  de  seus problemas, de suas alegrias, de seus
sucessos.  Mas meus amigos não estavam lá. No meio de toda aquela gente, eu
sabia  o  nome  de alguns e conhecia o roste de outros tantos. A maioria eu
nunca  tinha  visto.  Então  conversar  naquela noite significava um grande
esforço  para mim. Significava tentar estabelecer e, principalmente, manter
contato  com  pessoas sobre cujas realidades eu sabia pouco ou praticamente
nada. Estabelecer contato com uma pessoa é uma coisa, é mais fácil: "Oi, de
onde  você  é?  O  que você faz...?" Em seguida falta assunto para manter o
contato  recém  estabelecido. Eu olho para um lado, ela olha para o outro e
pimba!  Dá  de  cara com alguém que conhece ou que tem mais desenvoltura do
que eu para esse tipo de situação e lá esto eu, sozinha de novo.

Situações novas, pessoas novas. Fascinante! Energias diferentes, interesses
diversos. Problema! Eu costumava me preocupar muito com esse tipo de coisa.
Não  conseguir  manter um diálogo de mais de 10 minutos com qualquer pessoa
numa  situação  como  esta.  Hoje  penso diferente. Há pessoas com as quais
conseguimos  nos  sentir  bem  desde o primeiro contato e parece que o papo
flui.  Considero  que  ou  essas  pessoas  são de fácil relacionamento ou a
energia   é  a  mesma,  o  que  gera  um  entendimento  e  interesse  mútuo
rapidamente.  Há  outras  com quem não é possível desenvolver um diálogo. E
isso não depende só de um lado. Se os dois lados não estiverem interessados
na  conversa, fica difícil. Quando a energia não é a mesma, não flui e logo
cai-se  naquele silêncio constrangedor. Nesse caso, melhor desistir e ficar
sozinha ou procurar outra pessoa.

Mas naquela noite eu definitivamente não estava no espírito de integração e
de  conhecer  novas  pessoas.  Muito  menos  tendo que gritar para me fazer
entender. Aqui eles têm o costume de chegar num lugar e ir se aprensentando
a  todos que não conhecem. Não consegui me acostumar com isso ainda. Não me
parece natural. Não sei qual é a maneira natural de travar conhecimento com
alguém.  Aliás,  interessante  isso...  Qual  será  que  foram as primeiras
palavras  que eu disse aos meus amigos?!?! Com certeza não foram: "Oi, tudo
bem?  Meu  nome é Ariadne." Talvez porque o espírito naquelas situações não
era  conhecer  pessoas. Conhecer pessoas era apenas conseqüência natural de
estar  iniciando um curso na universidade por exemplo. Aqui não, aqui quase
todos  estão  sozinhos.  Então conhecer pessoas e fazer amigos torna-se uma
necessidade  para  a  maioria. Mas tem tanta gente aqui que deve ter também
aqueles  que  não  se  consideram  exatamente  enturmados... Se é que estar
enturmado  pode  ser  exato.  Para  uns, estar enturmado pode significar se
sentir  bem  entre as pessoas, ou ter muitos amigos de verdade num grupo ou
simplesmente    saber   o  nome  de  todos  e  conseguir  manter  conversas
superficiais  com a maioria. Mas como disse uma vez um holandês meu vizinho
na  Bélgica:  Simplesmente não aconteceu. Eu não sei como me forçar a fazer
amigos, tem que acontecer naturalmente.

Ariadne Amantino

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===================== BORN TO BE WILDT (Daniel Wildt) =====================
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ME ENCONTRANDO COM O ESPELHO

Era  uma  tarde  como  qualquer outra. Na verdade não era, pois Marcelo não
estava  ali  como  sempre estava. E Aline também não. Fiquei pensando o que
era  aquilo.  Tudo muito estranho, será que alguém morreu? Talvez uma briga
mais forte pode ter feito algo estranho ter acontecido com aquele casal que
se nada de estranho realmente acontecer, vai ter casório na certa.

Dona  Maria  também não apareceu na janela para tomar chimarrão. Aquilo não
estava  certo.  E  isso  também  não  está. Meu pai sempre corta a grama no
domingo  e  hoje  onde  estará ele? Minha irmã ainda não implicou comigo...
isso não está certo.

Uma dor no meu corpo me fez acordar. Hey, eu estava dormindo. Que bom, pelo
menos  era  um  sonho. Diria até que pelo o que aconteceu, foi um pesadelo.
Ficar  sozinho  olhando  por uma janela não faz o meu tipo. A interação com
outras  pessoas,  ter conhecimento de vivências e experiências diversas são
importantes  para  a  minha  mente, para meus pensamentos e para minha nova
maneira  de ver o mundo, sempre por uma janela aberta que me deixa conhecer
o mundo lá fora e fazer parte dele cada vez mais.

Fazia  algum  tempo  que  não  sentia o vento bater no meu rosto. Faz algum
tempo  que a vida me deixou para trás. Agora estou retornando. Pensei em me
matar  algumas  vezes, mas acho que isso não é o mais certo, senão já teria
acontecido.  Estou  passando por alguma provação. No entanto acho que ficar
sozinho  é a pior coisa que pode acontecer. Amigos, conhecidos, pessoas que
vem  me  visitar  de  vez  em  quando. Tudo isso é importante para eu poder
viver.

Eu  me  olho no espelho todos os dias e todos os dias choro. Não é um choro
de  falta  de  esperança  sabe, mas é um choro onde eu fico me lembrando do
ponto exato onde deixei minha vida escapar pelas minhas mãos. Um dia deixei
minha  vida continuar, um dia me perdoei. Sei que não fiz nada por mal, mas
ainda  assim fiz, e vi as consequências disso, que por acaso estão marcadas
no  meu corpo. Poderia fugir de casa, mas não iria muito longe. Me cansaria
rápido, e seria muito fácil para minha família me encontrar.

Ah,  encontros.  Olha,  esse negócio de beleza interior não é verdade. Pelo
menos  eu  acho.  Tipo,  a vida é muito diferente, o mundo em que eu vivo é
muito distante do mundo das pessoas que me apaixono. Pessoas são egoístas e
eu  pelo  menos  achei  que elas não se sujeitariam a ficar comigo, viver a
juventude  delas com uma pessoa como eu. Depois dos 40, se eu viver até lá,
devo  encontrar alguém que ficou para tia, interessada em viver uma vida em
paz, uma vida calma.

No  local onde eu faço terapia em grupo, de vez em quando acontecem festas.
Aparecem  pessoas de vários lugares, e esses dias eu fiquei conversando com
uma  menina. Posso dizer que tenho um papo legal. Sei o que uma mulher quer
ouvir, sei gerar sorrisos, sei deixar uma menina triste, feliz, encabulada,
sei  gerar  emoção  e felicidade e tristeza ao mesmo tempo. Ah, se eu fosse
como  antes,  eu  poderia ser tão feliz. Seria um verdadeiro Don Juan. Pode
crer. Bom, continuando sobre o papo com Marisa, conversa vai, conversa vem,
e  ela  me  conta  que  tinha  um problema na família como o meu. Eu fiquei
espantado  e  perguntei para ela como a situação era encarada. Ela me disse
então  que  tudo  era visto com naturalidade e que eles faziam de tudo para
Túlio,  irmão  de  Marisa, levar uma vida normal, uma vida feliz, uma vida,
entende?  ela  me  perguntou... ela me perguntou se eu entendia. Disse para
ela  que eu não tinha essa visão, que eu não conseguia ser feliz, conseguia
fazer  pessoas  felizes,  com  o  que  eu  dizia,  com  o que eu fazia elas
sentirem.  Sabe  que  é  complicado isso, eu não acredito em muita coisa, e
como  ouvi  em música, em nada além do que eu duvido. Eu penso na vida como
alguma  coisa  que  serve  nada  mais  nada  menos do que uma provação, uma
verdadeira  barreira  entre  esse  mundo  cão e um paraíso, seja ele em que
reino for.

Não  sabia  o que responder, não sabia se aquilo que eu estava dizendo iria
fazer  ela  se  afastar ou se aproximar, mas o fato é que com ela eu estava
sendo sincero como nunca fui nas sessões de terapia que fazia semanalmente.
Tudo  aquilo que eu sentia, me sentia bem conversando com Marisa, me sentia
com vida novamente, acho que conversamos por muito tempo, três horas, cinco
horas  e  tudo  parecia lindo, ótimo. Começou a tocar "Hoje a noite não tem
luar",  aquela  que  a  Legião Urbana gravou em um acústico, sabem? Pois é,
aquela  mesmo. A gente começou a se aproximar, quer dizer, ela de mim, pois
eu  não  tinha  muito  como me movimentar no estado em que me encontrava, e
além  disso, qualquer movimento iria mostrar a minha felicidade por Marisa,
então  eu precisava ficar estático, pelo menos nos membros inferiores, ou o
que sobravam deles.

Sabe, a gente se beijou naquele dia, e eu meio que me senti vivo novamente.
Acho que fazia uns 14 meses 16 dias e 3 horas que Adriane tinha me deixado,
pois  ela  disse que não tinha como continuar namorando com alguém na minha
situação.  Eu  vou  fazer o que? Correr atrás não tinha como pois mal sabia
andar  na  cadeira  de  rodas... e além disso a dor que tomava conta do meu
corpo  naquela  época não me deixaria correr muito. Até para falar tinha um
pouco de dificuldade, devido ao cortes que fiz no meu rosto.

Mas  isso  são águas passadas. Aguás que já se foram, já estão muito longe,
graças  a  Deus.  Sabe  que  desde  então  eu sempre fui muito seletivo nas
pessoas que tinha uma certa amizade, sabe? Muitos me adoravam pois eu era o
cara  que  andava com carrão, outros pois eu tinha dinheiro, outros pois eu
aparecia  em colunas sociais e assim eles apareciam junto, festas diversas,
bebedeiras,  eu  era  o  cara. Depois do dia D, agora sou apenas aquele que
acabou  na  situação  em que está. Sirvo de exemplo. Mães para fazerem seus
filhos  manerarem  na bebida e na direção me usam como exemplo. Sempre quis
servir de exemplo. Pena que foi assim.

Eu  desde  cedo  tive  boas oportunidades. E sempre aproveitei estas minhas
oportunidades  com muita vontade. Aos 20 anos eu já tinha negócio próprio e
com  um  lucro  que me dava liberdade de acordar na hora que quisesse. Hoje
vivo  desse  negócio,  o que me faz ter uma vida menos ordinária. Vivo numa
boa,  pelo  menos não me preocupo com dinheiro. Tenho conforto, vivo em uma
casa legal e tenho bons amigos, aqueles de coração.

Só  que  um  belo  dia, eu acabei com o coração partido e queria defender o
amor que eu sentia, tinha certeza do que sentia e não achava que aquilo era
uma  brincadeira, mas era. Eu era metade raiva e outra metade angústia. Saí
daquele  local  sendo  visto como corno. Acordei no outro dia sendo corno e
alejado.  Vivi  com  esses pensamentos por um bom tempo, até que resolvi me
trancar  em  casa,  não  precisava  sair,  não  precisava  de amigos, tinha
dinheiro  e tinha minha família. Nesta época começou a vontade de me matar.
O  horário era sempre o mesmo, domingo, final de tarde. Aquele Sol se pondo
e  eu  não acreditando na minha situação e na falta de amor que me rodeava.
Não  amor  familiar,  pois  esse  nunca  faltou,  mas  queria alguém que me
dissesse  que  me ama, alguém que pudesse contar minhas angústias e receber
palavras  de  carinho, palavras de amor, beijos para selar um fim de tarde.
Era isso, queria beijos para selar um fim de tarde, queria apenas que fosse
mais um final de tarde e não um possível final de vida.

Eu não gosto de olhar para trás, apenas estou começando e agora que conheci
Marisa,  bem,  eu sei que não posso ficar acomodado, pois se já era difícil
manter um amor tendo pernas, imagine agora. Há tempos eu tenho um sonho que
era poder dizer para alguém que eu sinto amor novamente,que eu sinto prazer
em  acordar  na  minha cama e pular para uma cadeira de rodas, que eu tenho
vontade  de  abrir as portas de casa e me jogar no gramado ainda molhado do
sereno  da  noite,  que eu adoro tomar chuva, que eu adoro ficar boiando na
piscina da minha casa.

Até voltei a ir para o escritório trabalhar, abandonando o meu home-office.
Certo,  é  muito  cômodo trabalhar em casa, mas eu quero ver o mundo, quero
outra vez me tornar um exemplo, um exemplo de força de vontade.

Daniel Wildt

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==================== DE NOVO, PÔ! (Eduardo Seganfredo) ====================
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O PORTÃO

Ele  estava  lá,  sozinho e com frio, embora naquela noite o vento, outrora
cortante,  parecesse  mais  uma  suave  e refrescante brisa primaveril. Mal
sabia o perigo que a noite traria momentos mais tarde...

Eis que no instante em que pode vislumbrar a situação de risco no qual seus
donos se encontravam, dormindo ingenuamente no interior da casa, o senso de
responsabilidade  agitou  suas frágeis tábuas, fazendo imperar seus ímpetos
heróicos.

Como um velho porém útil portão, tudo o que tinha que fazer era impedir que
aqueles   marginais  entrassem  na  residência  do  jovem  casal,  que  tão
caridosamente  insistira  em  conservá-lo  à frente da casa nova, como quem
gratamente reconhece os serviços prestados sob sol e chuva durante tantos e
tantos  anos.  Era, portanto, hora de retribuir a gratidão recebida e fazer
valer a honra guardiã que herdara de seu pai, um antigo portão de ferro que
imponentemente guarnecera por décadas a entrada da escola do bairro.

Imediatamente  pôs-se  então  a arquitetar um plano de ação para defender a
residência  e  principalmente  os  recém casados, que apenas há poucos dias
haviam  retornado  de sua lua-de-mel. Sabia que atrelado ao muro e com suas
dobradiças  enferrujadas  tinha  poucos  recursos pessoais para enfrentar a
situação,  mas lembrou que possuía uma valiosa arma que poderia utilizar: a
amizade com os outros objetos do jardim que ele havia cultivado no decorrer
dos  anos.  Entre  eles,  o carro que tantas e tantas vezes atravessou pelo
portão,  sempre  muito  cordial em seus cumprimentos e conversas. As velhas
telhas  também  sempre  se manifestaram amistosas, durante todo o tempo que
permaneceram    encostadas   na  parede  da  casa  vizinha,  cotidianamente
manifestando  suas  esperanças  de  serem  definitivamente  colocadas sobre
alguma residência, vindo a formar um belo telhado e servindo ao seu destino
de  abrigar  uma  casa  do sol e da chuva. E também o abacateiro caído, que
diariamente  reclamava  de  dores nas costas após a queda que sofrera em um
temporal  no  final  do  verão. Felizmente, o muro da casa havia impedido o
pior,  escorando  a  imponente  árvore  e mantendo-a de pé, embora bastante
inclinada.  Para  seu consolo, dizia o portão, "Na Itália tem um prédio que
ficou muito famoso após ficar inclinado".

Agora  um  pouco  mais tranqüilo, convicto da ajuda que receberia, o portão
decidiu  agir.  Observou que um dos bandidos preparava-se para pulá-lo, num
salto  só, e desta formar entrar no pátio. Discretamente, o portão soltou a
pequena  tramela que o mantinha fechado, preparando o seu bote. No instante
em  que  o  ladrão  saltou, ele simplesmente deixou-se abrir, projetando-se
entre as pernas do delinqüente, que caiu sobre ele largando um grito de dor
enquanto desabava ao solo.

Mesmo  um  pouco  assustado  com  o  grito,  o outro marginal começou a rir
compulsivamente    da   trapalhada   do  comparsa:  "Ah-ah!  Por  que  você
simplesmente  não  entrou  pelo  portão?  Ele estava aberto, idiota!" e foi
passando  pela  entrada.  Notando  a oportunidade, o portão instintivamente
retesou  suas  dobradiças,  criando impulso para fechar-se violentamente no
joelho  do segundo homem. - AUU! Seu cretino! - gritou o larápio ao receber
o  golpe,  acreditando  que  seu  parceiro  havia  chutado  o portão em sua
direção.

- Cale-se  seu  imbecil.  Agora  que estamos aqui dentro não devemos  fazer
barulho. - e seguiram juntos em direção à casa.

Sem ter como impedir, o portão limitou-se a gritar, em linguagem de objetos
de  jardim,  para  seus  amigos,  que  de  imediato  colocaram-se em estado
prontidão.

As  telhas então se posicionaram para o ataque, pois os bandidos teriam que
passar  por  ali  para chegar à casa. Quando eles chegaram perto, as telhas
que estavam por baixo, escoradas na parede, deram impulso para a que estava
mais  por  fora,  fazendo  com  que esta caísse sobre os ladrões. Tibum! Na
mosca!

- Que  diabos!  Parece  que estamos sendo atacados! - falou um deles  ainda
meio  grogue  com  a  pancada. Embora o golpe tenha sido forte, os bandidos
conseguiram prosseguir, apesar das escoreações e da dor de cabeça, enquanto
a  telha  heroína  lamuriava-se  despedaçada  ao chão ao mesmo tempo que as
outras  telhas  enalteciam  a  grandeza  e  a  bravura  de  seu sacrifício,
lembrando-a  que  esta  foi a melhor coisa que ela pode fazer durante anos.
Afinal, elas nem sabiam ao certo se um dia chegariam realmente a constituir
um telhado.

Percebendo  o  perigo  que  se aproximava, o carro, num esforço descomunal,
conseguiu  ativar  seu próprio alarme, acordando o jovem casal e assustando
os  bandidos,  que  resolveram  bater  em  retirada  diante  de todo aquele
barulho.

A  telha  caída, percebendo a situação, reuniu suas últimas forças para dar
uma  rasteira num dos invasores, soltando seu último suspiro ao mesmo tempo
em  que  o  infeliz  caía  sobre  seus pedaços, se cortando todo. Mais para
frente, o portão estava aberto, preparando seu último golpe.

No  exato  instante em que o primeiro ladrão ia passar correndo o portão se
fechou,    causando   o  mais  sensacional  tombo  da  história  do  pátio,
arremessando o vagabundo uns 3 metros pra fora.

Já recomposto, o outro homem foi saindo gritando: - Vamos dar o fora daqui!
Este lugar é assombrado!

Mas  movido  pela raiva, o homem se levantou e, mesmo todo quebrado, partiu
para  cima do portão, desferindo um violento chute que o arrancou do lugar,
fazendo-o  estatelar-se  no chão. Ainda com muita raiva o homem partiu para
cima  dele,  preparando-se  para  quebrá-lo  em  pedaços.  Neste momento, o
abacateiro  interveio,  pegando  o  último fruto que lhe restara da safra e
arremessando-o  com  violência  e  pontaria  certeira  sobre  o delinqüente
enfurecido,  acertando-o em cheio na cabeça, ao mesmo tempo que as luzes da
casa  se  acenderam,  fazendo com que o gatuno tratasse de fugir, trôpego e
gemendo pela rua.

Deitado  na laje fria, sentindo dores em cada felpa de suas tábuas, o nosso
amigo  portão  ainda consciente delirava de contentamento: - Nossa... Agora
vejo  as estrelas e o céu inteiro sem precisar me contorcer todo. E vejo as
folhas  verdejantes  do  abacateiro  ao  luar. Quantos portões haverá nesta
galáxia imensa - dizia.

E  para  ele  o  que  mais  importava  não  era  se estava todo quebrado ou
dolorido. O que importava é que tinha tido sucesso na oportunidade que teve
de mostrar sua serventia durante tantos e tantos anos. E seus pais estariam
orgulhosos  dele, onde quer que estivessem. E tão cedo aqueles bandidos não
voltariam  lá.  E  toda  essa sensação de sucesso e dever cumprido o faziam
brilhar mais que a própria lua naquela noite em que a temperatura amena deu
lugar ao calor da batalha da vida do portão.


E  que cada um de nós seja digno de possuir um portão destes afronte de sua
alma,  para  ao  menos  uma  noite poder brilhar mais que a lua e algum dia
poder brilhar mais que o sol.

Eduardo Seganfredo

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======== LINHAS DE PENSAMENTO CAÓTICO & PARALELO (Vincent Kellers) ========
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FUI ALI E Já VOLTO

[ENVELHECER]

... é quando você já não aguarda ansiosamente pela noite de Natal.

... é quando você já não encontra figuras nas nuvens.

... é quando o ruído o incomoda

... é quando você ...

[ESQUECE]

Vincent Kellers

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============ O PLUS A MAIS DE HOJE (Giancarlo Panizzutti Lima) ============
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ABAIXO OS ESTEREOTIPOS #4

Pra  voce  que  chegou  atrasado, estou falando de animes e mangas, aquelas
series   de  desenhos  e  gibis  produzidos  no  Japao.  Tenta  ignorar  os
estereotipos  que  voce conhece sobre o assunto e pensar por si proprio por
um momento, por favor.

No    outro   texto  eu  mencionei  personagens  alienigenas,  robos,  etc.
Provavelmente  voce  deve  ter  pensado  que  as  historias  estao  fora da
realidade.  Bom, algumas. Mas a maioria das series, pelo menos as de que eu
gosto,  tem  as emocoes e relacoes humanas como o foco central da historia,
que,  nao  importa  o  pais  de origem, ainda sao as mesmas para todos nos.
Series  que, embora envolvam os robos e alienigenas que eu mencionei, ainda
sao  contadas  do  ponto  de  vista *humano*. Series comicas, de ficcao, de
aventura,  historicas,  epicas,  sobre  magia ou tecnologia, para criancas,
para  adultos,  dramas psicologicos ou simplesmente situacoes absurdas, tem
de  tudo  para  todos os gostos. Definitivamente, nao dah pra generalizar e
escolher Dragon Ball Z como o representante disso tudo.

E eu nem falei da trabalheira que dah fazer uma serie; conceitos, character
design,  storyboards,  clean-ups,  pintura  de  acetato  e/ou  escanear  os
clean-ups  e  colorir  digitalmente, escolher dubladores, trilha sonora e a
sincronizacao disso tudo; enfim, nada eh simples, nada eh por acaso, nao ha
estrelismo  e  o  resultado  sempre  acaba mil vezes melhor do que a ultima
mega-producao    sem   sal  politicamente  correta  feita  nos  "campos  de
concentracao" da Disney.

Muita  gente  critica os animes pela nudez. Eh, realmente, nisso aih nao ha
muito  o  que  dizer. Mas, que atire a primeira pedra o amante de Hollywood
que nunca viu pior num filme ou na novela das oito.

E  se  voce  acha  que, por ter cenas de nudez, a mulher eh tratada como um
simples objeto, se enganou de novo. A maioria dos profissionais trabalhando
na industria de quadrinhos e animacao japonesas hoje em dia eh composta por
mulheres,  e  as personagens femininas de animes sao mulheres inteligentes,
decididas  e independentes, sem deixarem de ser belas e sensiveis. Ou seja,
impossivel nao gostar. ;)

Quanta  gente vai ver 'A.I.' e dizer que o Spielberg eh um genio e nem sabe
que  Saber Marionette existe...Voce realmente encontra de tudo em uma serie
de    anime:   consequencias   de  manipulacao  genetica  em  'Blue  #6'  e
'Evangelion', conviccao moral e forca de vontade para lutar por um ideal em
'Wings  of  Honneamise',  mulher  tentando  escapar do estereotipo "pra ter
sucesso  tem  que  arranjar marido" em 'Bubblegum Crisis 2040', exaustao de
recursos  naturais  em  'Saber  Marionette J'...e nessa ultima serie que eu
mencionei,  eh  impossivel  ficar  indiferente  frente  a  cena  em que uma
androide  tenta  em  vao amamentar uma crianca, mesmo sabendo que seu corpo
mecanico  nunca  serah  capaz  de  produzir leite, na esperanca de que essa
crianca a reconheca como mae. Supera essa, Spielberg.

Se  voce  ainda nao se convenceu sobre o que eu falei; paciencia. Ateh mais
ou  menos  um  ano  atras,  eu  era  soh  mais um que criticava a industria
japonesa de entretenimento. Ateh o dia em que eu resolvi olhar um episodio,
por  acaso.  Dei muita risada e me emocionei com o final. Tudo isso em 20 e
poucos  minutos?  Acredite  se  quiser. Olha soh quanta coisa boa eu estava
perdendo  por  pura ignorancia. Ah, se as pessoas se procupassem mais com a
historia de SMJ do que com o decote da Bloodberry...

Bom, essa eh a *minha* opiniao. Posso estar errado.

Mas voce, tambem.

Giancarlo Panizzutti Lima
"Milagres  nao  sao  coisas  que  acontecem, sao coisas que *pessoas* fazem
acontecer."
De Neon Genesis Evangelion, serie dirigida por Hideaki Anno.

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============================= CRÉDITOS FINAIS =============================
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Colaborador da edição de hoje:
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Última atualização em 7 de setembro de 2001
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