cinema Adaptação.
Escrever
sobre um filme não é uma tarefa fácil. Por onde começar? E se não
conseguirmos analisar corretamente? E se as pessoas não gostarem? Ou não
entenderem? Bem, é justamente esta dificuldade que move o filme “Adaptação”,
recém-lançado em vídeo no Brasil. Você,
caro leitor, deve estar pensando: como assim? Esta também é uma pergunta
que nos fazemos várias vezes vendo o filme, estrelado por Nicolas Cage,
Meryl Streep e Chris Cooper. Adaptar o livro “O ladrão de orquídeas”
para as telas é a tarefa incumbida ao roteirista do filme, Charlie
Kaufman (Nicolas Cage) logo no início do filme. Ele
não consegue escrever nem uma linha. O papel em branco é seu companheiro.
A partir daí começa uma grande luta dele contra si mesmo. Frente a esta
impossibilidade ele rememora seus outros fracassos: não consegue aceitar
que está envelhecendo e nem se dá bem com as pessoas. Este roteirista
que sofre de “bloqueio” tem um irmão gêmeo, Donald, também vivido
por Cage. Mas este irmão parece ser o verdadeiro oposto de Charlie:
extrovertido, comunicativo e quer torna-se roteirista como o outro. Para
isto passa a freqüentar um curso prático com fórmulas prontas da indústria
cinematográfica. Tudo que Charlie não quer usar. Enquanto
acompanhamos o martírio de Charlie para adaptar o livro passamos para
outros tempos e espaços do mesmo filme. Paralelamente, Susan Orlean (Meryl
Streep) viaja à Florida a pedido da revista na qual trabalha. Naquele
estado um homem é julgado por roubar espécies protegidas de flores em
extinção. Depois de conhecer este homem, John Laroche (Chris Cooper),
Susan escreve o artigo para a revista. E vem aí o pedido para que ela o
transforme em um livro. Nasce assim “O ladrão de orquídeas”, objeto
de trabalho de Charlie no presente da enunciação fílmica. Charlie
não consegue evoluir e enquanto isso seu irmão desenvolve um roteiro
para o curso sem problemas. Este é o tempo em que nós, espectadores
estamos. Mas o filme vai e volta. A escritora Susan se envolveu cada vez
mais profundamente com o “ladrão” John Laroche enquanto escrevia seu
livro. Isto muda a direção da história de Susan e do próprio filme.
Pode-se afirmar que a primeira parte do filme vai até seus quarenta
minutos. Começam
as pressões do agente e do estúdio para que o roteiro de Charlie fique
pronto. Realidade e fantasias que expressam desejos e vontades se misturam
no filme o que o aproxima do movimento surrealista. Charlie resolve se
incluir no roteiro. A partir daí percebemos que o que vemos já é o
roteiro, o próprio filme. Metalinguagem moderna: filme dentro do filme,
ou seria roteiro dentro do roteiro? Charlie
resolve ir para Nova Iorque atrás de Susan e na falta de coragem para
conversar com ela acaba parando em uma sala de aula do roteirista que
ensinou seu irmão a escrever. A graça fica por conta de Charlie
encontrar soluções em tudo que negou durante o filme: fórmulas prontas
de sucesso de Hollywood. Charlie
apela para o irmão gêmeo que se aproxima de Susan e até a espiona. Aqui
começa o que seria o clímax desta verdadeira tragicomédia. A escritora
vai para a Flórida atrás de John, os dois irmãos a seguem e são
descobertos. A partir daí desejos e buscas dos personagens se chocam em
um outro espaço-tempo: pântanos e sombras. Segredos são revelados. Na
ficção filme são expostos processos de desejos que vão além dos
acontecimentos vivenciados ali. Um desfecho revelador das relações que
pareciam complicadas e suspeitas durante o filme. Charlie
acaba por não conseguir fazer um filme sem os clichês da indústria
americana como anunciou no começo do filme: sexo, perseguições, explosões
e personagens que superam obstáculos. Mas claro que não falta uma crítica
divertida a tudo isso. Ficção
e suposta realidade se fundem o tempo todo formando a narrativa que até
parece complicada, mas a platéia está bem acostumada ao vai-e-vem dos flashbacks.
A solução encontrada pelo roteirista Charlie Kaufman é criativa e
interessante. O mesmo pode ser dito do seu filme anterior “Quero ser
John Malkovich”, 1999, dirigido pelo mesmo Spike Jonze. “Adaptação” concorreu nas categorias melhor ator, melhor ator e atriz coadjuvantes e roteiro adaptado. Mas quem levou o Oscar mesmo foi Chris Cooper como melhor ator coadjuvante. Só nos resta saber o que acha a verdadeira Susan Orlean desta adaptação para lá de livre do seu livro.
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