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‘O (des)encontro com Plínio Marcos’

Ainda sem saber se é uma virtude ou atestado de ignorância confesso que não li a peça de Plínio Marcos. Mesmo assim fui ao cinema ver “Dois perdidos numa noite suja”, segunda adaptação da peça para as telas. A direção é de José Joffily, cineasta veterano, cujo “Quem matou Pixote?” ainda rebate dentro da minha cabeça.

Deixando de lado toda a polêmica em torno da adaptação eu sigo para o filme. Tonho e Paco são dois brasileiros que, assim como muitos outros, foram para os EUA em busca de um possível “sonho americano”. Os dois acabam frustrados, levando uma vida marginal ao contrário do sonhado “American way of life”.

Desde o primeiro e turbulento encontro entre os dois, os dias jamais foram iguais. Tonho (Roberto Bomtempo) convida Paco para dividir o apartamento em que ele vivia só. Para esclarecer, Paco não é um homem e sim uma menina, interpretada de uma maneira forte e visceral por Débora Falabella em sua estréia no cinema.

Tonho, mineiro de Governador Valadares, deixou o Brasil “em busca de uma vida mais digna”. E apesar de possuir um greencard, permissão para trabalhar e morar nos EUA, está cansado de subempregos e de viver à margem da sociedade. Em cartas que escreve para a mãe no Brasil ele cria um mundo utópico, onde ele trabalha, junta dólares e nunca passou pela cadeia.

A relação entre esses dois brasileiros perdidos na sujeira de uma Nova Iorque marginal é explosiva. Muito devido à personalidade forte de Paco que, além do nome masculino, se veste e gosta de ser tratada como homem: uma questão de sobrevivência e também fruto de um passado sofrido. Em algumas declarações da menina podemos imaginar o motivo do ódio pelo pai e a dificuldade de ser feminina, de ser Rita.

Tonho não agüenta mais e quer voltar para o Brasil. Paco deseja ser uma cantora famosa e “vender mais discos do que Madonna”. Ela canta hip-hop e é através de sua música e dança  que expressa a realidade em que vive e o ódio e a mágoa que sente.

Apesar de toda a violência entre eles, que vai da verbal à física, o filme também é sobre o amor, ou melhor, a impossibilidade do amor acontecer entre Tonho e Paco. O destino os leva a extremos e a uma separação trágica.

A direção de arte do filme deve ser destacada por ter sido tão apurada na construção dos ambientes marginais por onde Tonho e Paco passam. A fotografia do filme dá mais realidade ao intenso frio de Nova Iorque e também capta imagens que expressam a “prisão” dos brasileiros mesmo dentro do apartamento onde vivem.

As diferenças entre a peça de Plínio Marcos e o filme de José Joffily podem sim sinalizar um desencontro entre eles, mas o diretor e roteirista nos mostram o encontro com o universo e o espírito de “Dois perdidos numa noite suja”.

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