cinema “Punch
Drunk Love” (Embriagado de Amor) Paul Thomas Anderson A expressão “punch drunk” refere-se a um estado de confusão e desnorteio ocasionado por repetidos socos na cabeça numa luta de boxe ou por muito trabalho. No título original é acrescentada à expressão a palavra “love”, amor. Este filme pode muito bem ser considerado como uma comédia romântica, mesmo que seja de humor negro. Só
vamos saber em que cidade ou o que faz o protagonista do filme muito tempo
depois de iniciada a exibição. Esta capacidade, de tornar estranho o
lugar comum e criar assim um universo paralelo, encontra analogia nos
filmes de David Lynch. Barry
Egan (Adam Sandler) vive num mundo em que a praticidade é inversamente
proporcional à sanidade: telefone, promoções que levam ao consumismo,
acendedor de luz movido a palmas, cartões de crédito e tele-sexo.
Aparentemente ele vive bem em meio a esta “realidade”. Num
dia comum, dentro do universo fílmico, um mini-piano é deixado na calçada
da loja onde Egan trabalha. A estranheza do lugar fica por conta da cidade
estar vazia, abandonada, quase fantasma e o céu tem uma cor que parece
tirada de um quadro. Egan, para deixar tudo mais estranho ainda, corre,
pega o piano e volta também correndo para dentro da loja. Por que ele
corre? Não há ninguém ali. Uma
desconhecida (Emily Watson) deixa o carro para que Egan o entregue na
oficina ao lado. A ida à festa de uma de suas sete irmãs que o
infernizam desde a infância. Parece que nada vai acontecer até o dia
seguinte ao que ele liga para um tele-sexo. “Embriagado
de amor” trata da vida deste anti-herói, um cara (in)comum que vive
neste estado de “punch drunk”, desnorteado pela realidade prática(?)
da vida moderna e por suas irmãs. O filme também é sobre o amor, este
substantivo abstrato que desafia interpretações e definições. Barry
Egan tem sua forma de amar, que sem dúvida alguma, não se encaixa no
modelo dos filmes românticos convencionais. Outra
vertente do filme é uma dúvida colocada sobre até onde podemos ir para
descarregar a raiva. Loucura? Surto? Para a psicanálise a crise psicótica
é causada pela desintegração da personalidade e incapacidade de avaliar
a realidade externa. Então seria Barry Egan um psicótico? Mas quem nunca
teve vontade de quebrar tudo de raiva? O mais intrigante é que apesar de
seus surtos ele transita na “normalidade”: trabalha, faz compras e se
apaixona. Também ao modo “lynchiano” alguns mistérios são colocados e não revelados. Para que o mini-piano? E a luz que às vezes “estoura” nos lembrando de que ali há uma câmera, por que? E a barra de cores que dá um tom psicodélico? Por que os créditos estão no final do filme? Filme bom é assim mesmo: provocativo, original e intrigante. E o melhor é que apesar de toda estranheza o filme acaba em beijo, para agradar o mais convencional dos espectadores.
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